Sangria Wine escrita por Nunah, Mandy-Jam


Capítulo 2
Pantufas de tigre


Notas iniciais do capítulo

Queria deixar aqui o meu agradecimento a todos que já leram e deixaram comentários ♥



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POSEIDON

Fui despertado pelo barulho.

De começo, ainda desnorteado e sonolento, não sabia de onde vinha. Esfreguei meus olhos e ergui meu corpo o suficiente para ficar sentado, e percebi que alguém esmurrava minha porta. Foi o ritmo que me deixou preocupado e me fez entender que algo não estava certo.

Lord Poseidon! — gritou uma voz por trás da madeira, tão desesperada quanto suas batidas. – Lord Poseidon, acorde! Estamos sob ataque!

Cerrei os punhos para evitar os tremores involuntários que eu sabia que viriam. Aquilo não era nem um pouco esperado.

Coloquei-me sobre meus pés em um pulo e avancei pelo quarto até abrir a porta com um puxão.

— Graças aos céus o senhor está de pé! – exclamou uma ninfa; seus cabelos desgrenhados, rosto vermelho e respiração ofegante mostravam que ela provavelmente correra até mim com o máximo de velocidade que seu corpo magro conseguiria. – Recebemos uma mensagem da vigília – ela ofegou, os olhos se arregalando ainda mais. –, o Olimpo está sob ameaça de ataque! Zeus foi acordado e convoca todos os olimpianos para o conselho de guerra!

O peso de suas palavras foi lentamente se assentando sobre meus ombros. Não era possível que aquilo poderia estar acontecendo novamente. No fundo do meu ser, uma nova preocupação foi tomando forma. Se o Olimpo estava sendo ameaçado, nada impediria que Atlântida também fosse em algum momento.

Ah, merda, foi tudo que eu consegui pensar. Merda, merda, merda.

— Quem? – a pergunta mais importante. Já estivemos em guerra antes, e já sofremos ataques de vários inimigos. Titãs, semideuses, monstros, e até mesmo outros deuses menores, mas vivíamos tempos de paz. Não conseguia imaginar quem estávamos enfrentando dessa vez.

— Eu não sei, não sei, meu senhor – respondeu, nervosa. Suas mãos tremiam. – Não nos passaram essa informa-- 

— Volte para sua casa e se proteja.

Dei a ordem e a ninfa desapareceu rapidamente pelo corredor, provavelmente em busca de sua família. Eu nem sabia seu nome. Todas as vezes em que vinha ao Olimpo eram visitas tão breves que não dava tempo de conhecer ninguém propriamente além daqueles com quem eu mantinha contato constante. Resolvi que seria melhor me juntar aos outros o quanto antes e, então, com todas as informações em mãos, enviar uma mensagem a Atlântida.

Tudo aconteceu muito rápido. A adrenalina correndo em meu sangue imortal tornou o caminho de meu templo ao salão dos tronos um grande borrão. Quando dei por mim, já estava abrindo as portas com violência, pronto para encontrar um cenário de destruição e de guerra. 

Para minha surpresa, ao invés disso, encontrei uma reunião familiar extremamente esquisita. Zeus estava no centro da sala, seu peito nu e suas calças quadriculadas de pijama combinando com o rosto amassado de sono e os cabelos grisalhos desgrenhados. Hera andava nervosa ao seu lado, ainda em seu roupão de seda cor de pérola.

Ares, já vestido em couro cru e botas, passava a pedra de amolar sobre a lâmina de sua espada de modo quase cerimonioso. Diante da armadura de guerra disposta ao seu lado, todos pareciam ridiculamente despreparados.

Eu queria era indagar o que estava acontecendo, mas as palavras que saíram de minha boca foram um pouco diferentes.

— Que porra é essa? 

Minha voz ecoou pela sala e fez com que todos voltassem seus rostos para mim. Zeus ergueu uma de suas sobrancelhas, mas não perdeu tempo me censurado; ele apenas se contentou em pegar o raio mestre ao lado de seu trono, respirar fundo e se aproximar. 

— Nossas defesas nos alertaram de uma invasão – explicou, de modo curto. – Estamos sob ataque.

— Sim, eu ouvi isso – assenti com a cabeça, impaciente por não receber informações novas; na realidade, tive que me segurar para não revirar os olhos diante daquilo. — Quero saber quem é o imbecil que acha que pode nos atacar pela porta da frente. 

A boca de Zeus abriu, mas as palavras não saíram de primeira. Esperava que ele me tratasse com a mesa frieza de sempre, porém vi o semblante de meu irmão se suavizar, como se, de repente, fosse tomado por uma onda de empatia e carinho.

— Ainda bem que você chegou – declarou, me desconcentrando. Parte da minha raiva oscilou de uma forma que eu não esperava, e eu troquei o peso do corpo de um pé para outro, desconfortável com a situação.

— Bem, eu--

— Estou aqui, pai. 

É claro, pensei com desgosto. É claro que era ela.

Atrás de mim, Atena apresentava-se para os outros olimpianos. Não me dei o trabalho de me virar para vê-la, pois reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Senti-me idiota por imaginar por um mero instante que meu irmão um dia falaria comigo com o mesmo tom terno que utilizava apenas com Atena, sua favorita. Minha eterna rival caminhou, contornando-me como se eu fosse menos do que uma pedra em seu caminho, e se colocou na frente de seu pai.

Vestida em sua armadura completa, Atena estava ainda mais preparada do que Ares para a situação toda. O elmo com plumas vermelhas contrastava com os cachos loiros que caíam por suas costas, o escudo Aegis reluzindo no braço em todo o seu esplêndido horror, a túnica e a cota de malha impenetrável, tudo gritava perigo para qualquer um que olhasse, como se o seu próprio semblante de mármore e os olhos de tempestade já não fossem o suficiente para fazer qualquer inimigo cair de joelhos. Alta e com uma postura perfeita, a deusa parecia sempre inatingível; e sua presença claramente afetou o ambiente, acalmando a todos, que pareciam acreditar que a situação estava sob controle uma vez que Atena estava ali. 

— Não entendo, pai – disse ela, no entanto, o tom preocupado.

Ah, ótimo. Se nem mesmo a deusa da sabedoria sabe o que está acontecendo, o que esperar do resto? 

Agora não vai demorar para todos saírem correndo em círculos e arrancando os próprios cabelos.

— Não entende… O quê, exatamente? – Zeus perguntou, semicerrando os olhos em desconfiança.

— Repassei mais de uma vez todas as possibilidades de um ataque, todos os planos mais prováveis que poderiam traçar contra nós… E não há nada— seus olhos cinzentos estavam atentos e maiores do que o normal. – Os alarmes foram disparados por algo, mas quem? Não há ninguém. As defesas foram ativadas, mas como irão funcionar contra um inimigo invisível?

Tombei a cabeça para o lado, sem querer admitir que estava um pouco maravilhado em ver sua mente funcionando em alta velocidade. 

— Atena, agora sou eu quem não está entendendo. Aonde você está quer--

Naquele momento, suas palavras foram abafadas pelas portas se abrindo mais uma vez de modo nada discreto.

— Alguém pode me explicar o que exatamente eu estou fazendo aqui?!

Era uma visão bizarra, para dizer o mínimo. Dionísio estava vestido com calças e camisa de seda púrpura e pantufas de tigre. Parecia estar com dificuldade de se manter reto, caminhando de forma bamba. Se fossem alguns anos atrás, saberíamos que o deus do vinho estava obviamente embriagado, mas graças ao seu castigo, seu desnorteamento vinha completamente de suas noites mal dormidas cuidando das crianças no acampamento.

— Vocês sabem como é difícil ter uma noite tranquila de sono naquele lugar? – um dedo gordo foi apontado em nossa direção, de forma acusatória. Seus olhos varreram a sala lentamente e seu dedo se voltou para Ares, que o observava com um misto de surpresa e deboche. – Estou falando sério, eu não aguento mais! Se me trouxe aqui porque seu filho soltou todos os pégasus na floresta novamente, eu vou estrangular você com um colar de macarrão! É bom que tenham uma explicação para isso! 

— Isso não é sobre os seus semideuses, Dionísio – respondeu Hera de modo cansado, que até então tinha se mantido em silêncio, atrás do marido. – Isso é sobre a nossa casa. Precisamos nos unir.

— Precisamos beber, mulher. E não venha falar que são meus semideuses, porque aquelas pestes são uma obra conjunta dessa família – rebateu ele. – Além disso, precisamos dormir oito horas por dia e precisamos transar sem gerar mais crianças insuportáveis. Nós precisamos de muitas outras coisas, mas nos unir não está na lista, por enquanto.

Revirei os olhos, percebendo que aquela discussão se prolongaria madrugada adentro. 

— Bem, se vocês vão ficar com essa conversa de gerar ou não gerar mais semideuses, eu vou voltar para a cama. Fui arrastado até aqui por causa de uma invasão e vocês não estão nem falando sobre isso!

— Gerar semideuses, é? Parece que cheguei bem na hora.

Pude ver Hera passando a mão no rosto de forma irritada, antes de se deixar cair sobre o próprio trono.

— Olá, Apolo, finalmente decidiu se juntar a nós?

A voz de Ártemis foi um susto para mim. A deusa em sua forma de criança estava escondida em sombras em um canto do salão, entre duas grandes janelas. 

— Desde quando você está aqui? – exclamei, ao que fui respondido apenas com um revirar de olhos.

— Atena, como podemos ajudar? 

Seu tom de voz mostrava uma impaciência contida. Se ela estava ali todo aquele tempo ouvindo a discussão idiota sobre gerar semideuses, eu não me surpreenderia se a deusa se juntasse aos nossos invasores e nos aniquilasse de uma vez por todas.

— Como eu estava dizendo antes de Dionísio causar toda essa distração – tenho certeza de que ele quase lhe mostrou a língua. –, essa situação está mais do que estranha. Sei que estou assumindo um grande risco ao afirmar isso, mas há a possibilidade de não haver inimigo algum.

Pude ver o cérebro de meu irmão se esforçando para trabalhar aquela informação. Se colocássemos todas as cartas na mesa e examinássemos todos os fatos…

— Você acha que foi um erro a ativação dos alarmes e das defesas – todos me encararam mais uma vez, confusos. Apenas Atena parecia estar seguindo o meu raciocínio, para a surpresa de nós dois. –, mas como a chance de isso acontecer é quase zero… 

A deusa da sabedoria assentiu, pela primeira vez me encarando sem querer enfiar sua lança no meu traseiro.

— Pode ser uma armadilha. Não há nenhuma pista de um inimigo estar nos atacando de fora.

Ártemis andou rapidamente até nós.

— Todos sabem que, quando os alarmes são disparados, nós nos reunimos aqui na mesma hora. 

— Então, ao que tudo indica… – foi Hades quem falou, sua voz grave e sussurrante, os passos silenciosos enquanto ele adentrava o salão, as mãos cruzadas atrás do corpo. – Fomos atraídos até aqui e ficaremos presos juntos nesse salão… Com Poseidon apenas de samba-canção estampada com golfinhos. Talvez eu possa me inspirar nisso e criar alguma tortura para punir as piores almas em um futuro incerto.

Olhei para baixo, horrorizado em saber que meu irmão estava certo. Com toda a correria, eu não me lembrei e nem tive tempo de me trocar. Felizmente, quase ninguém havia prestado atenção nisso. Infelizmente, todos haviam percebido que a situação era pior do que imaginávamos. Havíamos sido atraídos até ali de propósito, estávamos presos em uma armadilha e as chances de o culpado ser alguém do próprio Olimpo só aumentavam.

— Mas de que adiantaria nos prender aqui juntos? – indaguei, torcendo para que ninguém mais reparasse em minhas roupas (ou falta delas). Eu tentava não me precipitar, era difícil imaginar que tínhamos um inimigo entre nós por todo esse tempo. – Estamos em nossa casa, no centro do Olimpo. Ninguém pode nos atingir aqui sem ter que passar pelas nossas defesas.

— Isso não seria um problema, se quem orquestrou isso tudo já estivesse aqui dentro – sussurrou Atena apressadamente, com um semblante sério. Ártemis preparou uma flecha com uma habilidade impressionante, como se pudesse ser atacada a qualquer instante. Apolo seguiu o reflexo da irmã, mas manteve a mira para o chão, sem ter um alvo para se focar.

Todos ficaram com as defesas erguidas, um ar de suspense e tensão tomando conta do salão. Senti-me extremamente impotente, sabendo que meu tridente estava em meu trono, ainda a alguns metros de mim, mas não me apressei a pegá-lo. 

Isso é ridículo, pensei em negação. Não podem nos atacar aqui, ninguém tem esse poder.

Atena percorreu a sala com o olhar analítico de uma coruja, observando com atenção cada um dos deuses. De repente, a deusa da guerra relaxou seus ombros e suspirou, como se o perigo tivesse sumido tão rápido quanto tinha sido anunciado. Com um tom controlado, mas autoritário, a voz da deusa ressoou pelo salão dos tronos como uma ordem.

— Apareça, Afrodite – exigiu. –, e diga logo qual é sua intenção.


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Notas finais do capítulo

Escrever sobre Dionísio é sempre um imenso prazer! E aí, já sabem o que vai rolar agora?



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