Coco escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 6
O Exército de Ursinhos Caramelizados


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo estava agendado para amanhã, mas eu postei um capítulo de outra história aqui por acidente. Eu já deletei, mas não sei se vocês receberam a notificação mesmo assim, então resolvi adiantar a postagem para ninguém dar de cara com um link quebrado, que é frustrante XD
Boa leitura ♥



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A cozinha da doceria era uma confusão maior do que Kevin esperava. Não era bagunçada, pelo contrário, Coco a mantinha muito bem organizada e em pleno funcionamento. Esse era o problema. A produtividade imparável. Mecanismos mágicos alimentavam incansavelmente a pequena linha de produção, tornando a cozinha uma réplica em miniatura de uma fábrica de doces. Potes de ingredientes levitavam de um lado a outro e derramavam sozinhos o conteúdo nas panelas aquecidas pelo fogo eterno da lenha que queimava sem se consumir.

Ah, não, aquilo é só um fogão comum. Até parece magia, mas não é.

O caldeirão no centro é que se mantinha com magia. Coco usava a própria varinha como uma concha, para misturar o líquido rosa e dourado do qual estava cheio quase até a boca. O sorriso enérgico e os pequenos saltos que dava quando precisava cruzar a cozinha denunciavam sua empolgação mal contida. Às vezes ela pegava um pouco do líquido com o cristal na ponta da varinha e colocava uma amostra na mão, experimentando-o, vendo se precisava colocar mais disso ou mais daquilo. Com um assobio curto, um dos ingredientes menos usados pulou da estante direto em suas mãos, e ela prontamente despejou um pouco mais no caldeirão.

— Isso! Perfeito! – comemorou, ao experimentar de novo, soltando uma risada eufórica. – Quer provar?

— Sem chance – respondeu Kevin, a testa franzida em desconfiança. Coco franziu os lábios, mas seu olhar era divertido, apenas fingindo decepção.

— Mas por quê? Você gostou das trufas.

— Eu não sabia que era assim… – abaixou-se a tempo de evitar ser atingido por um dos condimentos voadores – …que elas eram feitas.

— Tudo aqui é perfeitamente dentro dos padrões de saneamento.

— Não foi o que eu quis dizer, mas você ter falado isso assim do nada me deixa preocupado. – Kevin ajeitou uma mecha de cabelo de volta para dentro da touca que Coco o forçara a usar. – Aliás, o que estou fazendo aqui?

— Preciso de ajuda, a encomenda é grande.

— Eu não sei cozinhar. E tenho certeza que sou atendente, não auxiliar de cozinha, isso seria acúmulo de função. Você deveria aumentar meu salário.

— Ok, considere aumentado!

Kevin piscou, estático. No pouco tempo em que trabalhava para ela, havia percebido que Coco era uma chefe bastante flexível, mas tanto assim? Por que não encontrara essa vaga antes? Por que seus outros chefes não resolviam as coisas dessa forma? Seus chefes anteriores só falavam daquelas coisas chatas: “Kevin, você tem que repor o estoque! Kevin, você não pode deixar a janela aberta, as fadas invadem! Kevin, vá limpar a bagunça que as fadas fizeram! Kevin, está demitido!” Nenhum deles dizia “Kevin, como você está? Você parece cansado. Precisa de um aumento, assim, pela amizade? Tome aqui R$ 15.000,00 adiantado, e tire uma folga pelo resto do ano.”

Com esse cenário, Kevin percebeu que estava devaneando e se forçou a cair na real. Nenhum chefe era assim tão legal. Cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha, cético.

— É sério? Qual a pegadinha?

— Nenhuma. – Ela deu de ombros. – Seu salário foi aumentado, parabéns! Você vai conseguir me pagar mais rápido pelo prejuízo que me causou.

— Ah, é claro. Sabia que tinha uma pegadinha.

— Não é uma pegadinha, é o acordo justo que nós fizemos.

“Nós”? Kevin lembrava-se bem que Coco fizera sozinha aquele acordo e praticamente o impôs sobre ele, pobre coitado que deu o azar de escolher a loja errada para se esconder. É verdade, ele tinha prejudicado bastante Coco naquele dia por um mero descuido, mas ainda assim, não achou o “acordo” assim tão divertido para ele.

— Tá, que seja… O que é para eu fazer?

— Pode passar calda de caramelo nos ursinhos? A calda está ali! Cuidado para não colocar demais, ou a cena é bem triste… Não se preocupe com os ursinhos, eles já vão chegar.

Sim, ela disse isso mesmo. Foi o diálogo mais estranho que Kevin já ouviu. E ele já trabalhou em uma terrível chapelaria no País das Maravilhas em que o tempo parecia não passar. Era sempre 18h, e ele nunca podia ir para casa, pois seu horário acabava às 19h.

— Como assim, os ursinhos já vão chegar? – perguntou, pegando o pote de calda e a colher. Coco respondeu apenas com um risinho animado.

Ela abriu o forno, retirando uma bandeja de pequenas forminhas recém-preparadas, dos mais diversos e adoráveis formatos. Bateu de leve a bandeja sobre o balcão, fazendo os docinhos soltarem-se da forma e caírem em um pequeno montinho açucarado. Um deles, no formato de um pequenino gatinho, agitou a cauda, reclamando da brutalidade com que ela os tratara.

— Desculpe, mas não temos muito tempo… – Coco argumentou, descendo o rosto à altura do balcão para se explicar. – Então vamos lá, senhores! Os ursinhos vão naquela direção, os demais vêm por aqui! Quem quer uma colher de chantili para enfeitar?

Kevin estreitou os olhos, observando Coco guiar os doces animados até o seu lado do balcão, onde, um por um, receberam uma pequena colher de chantili branco sobre eles e um sorriso carinhoso da confeiteira, antes de seguirem seu caminho e pularem para dentro das caixas de entrega, onde ficavam imóveis, tornando-se doces comuns.

Aquela ali nunca ouviu sobre não brincar com a comida.

Kevin sentiu algo macio bater repetidamente na mão em que se apoiava no balcão, percebendo que os ursinhos tinham formado uma fila perfeita na sua linha de produção e pareciam bem irritados com a demora. Alguns até pareciam olhar para a fila da Coco, perguntando-se porque não eram feitos com outra receita, uma que fosse responsabilidade de alguém disposto a trabalhar. Os ursinhos o encaravam com olhar de julgamento.

Seu desempenho estava sendo avaliado por doces. Oficial: Aquele era o fundo do poço.

— Eles estão esfriando, vão ficar irritados – alertou Coco.

Kevin não queria docinhos críticos, mal-humorados e frios em suas mãos. Começou a despejar a calda de caramelo o mais depressa que podia, enquanto eles comemoravam o fim de sua lerdeza e corriam para a caixa de entregas, tornando-se inanimados. Tentando ser rápido, não cuidava muito da qualidade do trabalho. Alguns recebiam mais calda, outros menos, um deles Kevin até expulsou da fila antes da hora, pensando que já tinha atendido aquele dali, que agarrou a manga de sua camisa tentando chamar sua atenção, mas os bracinhos da massa fofa quase como pãezinhos não tinham força alguma e Kevin nem o percebeu. Quando foi pegar outra colher – derrubara a que estava usando por descuido – o ursinho agarrado à camisa foi erguido do balcão, segurando-se com mais força por medo da altura. Kevin o pegou, colocando-o com os outros no balcão, e deixando-os sozinhos enquanto pegava a colher.

Irritado por ter sido ignorado, o ursinho aproveitou que Kevin não estava perto e escalou o pote da calda.

— Ei, o que está fazendo?

Kevin retornou a tempo de ver o ursinho dar um mergulho suicida direto para a piscina de caramelo. Pescou-o com a colher e o devolveu ao balcão, mas alegria do ursinho não durou muito. Ele tentou seguir seu caminho para a caixa de entregas, mas a calda abundante começou a endurecer e o deixou imóvel forçadamente à meio caminho dela. Os demais desfizeram a fila e se amontoaram ao redor do ursinho petrificado (ou caramelizado?), com gestos horrorizados dignos de um prêmio pela dramatização.

Temendo que os ursinhos oprimidos iniciassem uma gloriosa revolta contra ele, Kevin chamou por Coco.

— O que aconteceu? – perguntou, mas percebeu o sofrimento do ursinho precipitado e cobriu a boca com as mãos, tão horrorizada quanto os outros, que apontavam freneticamente para Kevin tentando denunciar sua negligência. – Vai ficar tudo bem, posso salvá-lo! – garantiu, levando-o do balcão, com a mesma pressa dos médicos em um hospital.

Kevin virou-se para continuar o trabalho, mas os doces estavam desconfiados. Respirou fundo, preparando-se para perder o resto de sua dignidade:

— Vamos lá, me desculpem… Foi um descuido. Podemos continuar?

Conversar com docinhos animados por magia não era exatamente com o que ele esperava trabalhar quando era criança. Mas ele também não conhecia aquele mundo cheio de magia quando era criança. Foi só aos 13 anos que ele chegou à Terra do Nunca, e nunca antes pensou em procurar uma maneira de voltar.

Mas aquele dia de trabalho quase o fez pensar em voltar. Aquele mundo mágico se tornara tão trivial para ele que a única coisa que usava para comparar ambos os mundos era pensar em qual deles não precisaria trabalhar conversando com doces. O pensamento, porém, não durou muito. Havia algo naquela terra de fantasias que impedia qualquer desejo por outro lugar. Quem, por qualquer motivo, conseguia voltar para casa, passava o resto da vida em arrependimento, sentindo a ausência de algo que nem mesmo sabia explicar. Kevin sabia disso, pois, mesmo sendo uma criança, tinha visto acontecer.

Há algo na Terra do Nunca e em seus sub-reinos, o País das Maravilhas, a Terra de Oz, e todos os outros, de certa maneira viciante. Estava ali agora, e era para ficar. Principalmente porque, mesmo que quisesse partir, não poderia.

Não sem antes encontrar aquela que havia perdido.


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Notas finais do capítulo

Lamentavelmente, meu plano de desenvolver Coco no NaNoWriMo falhou. Só consegui 10.849 palavras ç.ç Pelos menos são 10 mil palavras a mais do que eu já tinha, né? kkkkk Mas por enquanto Coco vai continuar andando devagarinho.