Kurokawa abre os seus olhos com alguma dificuldade e vê uma mesa à sua frente. Enquanto recobra a sua consciência gradualmente, ele percebe que está sentado em uma cadeira, mas ao tentar mover o seu corpo entende que está amarrado. Com a sua visão menos embaçada, ele vê uma mulher mais velha do outro lado da mesa. Ela tem longos cabelos castanhos, com uma cor um pouco desbotada devido à idade, junto de olhos também castanhos e um sorriso estranhamente gentil: 

—Sinto que essa aparência é familiar... -Pensou ele. -De qualquer forma, o que está acontecendo? Eu fui sequestrado? 

—Oh, o Kurokawa acordou. -Disse Takeda puxando uma cadeira e sentando-se à direita dele. 

Sasesu apareceu logo em seguida e sentou-se à esquerda: 

—Vocês querem chá? -Perguntou aquela mulher trazendo um bule e algumas xícaras. 

—Eu quero sim! -Sorriu Takeda. -Muito obrigado, Roberta. 

—Eu também quero. -Pediu Sasesu. 

Lizzy abriu uma porta e entrou naquela divisão da casa: 

—Eu trouxe pão, vocês têm fome? 

—Sim, por favor, toda aquela corrida até aqui me deixou faminto. -Respondeu Takeda. 

Lizzy abriu uma geladeira que estava próxima e trouxe margarina junto de queijo e mortadela: 

—Onde há facas? -Perguntou Sasesu. 

—Ah, não se preocupe, eu pego uma para você. -Respondeu Lizzy. 

Ela abriu uma gaveta em baixo da pia, pegou uma faca, entregou a Sasesu e sentou-se ao seu lado. Todos apreciavam uma saborosa e acolhedora refeição enquanto Kurokawa observava a situação extremamente confuso amarrado a sua cadeira: 

—Eu não queria interromper nada, mas minha última memória era eu estar tentando mover um tio deveras monstruoso. Alguém podia me explicar o que está acontecendo? 

—Para de me chamar de tio, pirralho! -Disse aquele homem acertando a cabeça de Kurokawa com um leve soco e sentando-se ao lado de Takeda. 

—Depois que você desmaiou, a Lizzy apareceu e nós descobrimos que quem tinha sequestrado ela era Lyonel, o pai dela. -Explicou Takeda. 

—Sequestrar é uma palavra muito agressiva. -Comentou Lyonel passando manteiga no seu pão. 

—Você me deixou inconsciente com uma habilidade e depois me carregou até aqui sem a minha permissão, sequestrar parece descrever a situação perfeitamente. -Interferiu Lizzy. 

—Depois fomos convidados para a casa de Lizzy, a mãe dela curou os teus ferimentos e aqui estamos. -Concluiu Takeda bebendo um pouco do chá. -Isso está ótimo, Roberta. 

—Ah, muito obrigado por essas palavras queridas. -Sorriu Roberta. -Você quer mais um pouco? 

—Sim, por favor. 

—Ei, moleque, para de flertar com a minha esposa. -Disse Lyonel com uma aura agressiva. 

—Tá, e porque estou amarrado nessa cadeira? -Perguntou Kurokawa. 

—Você ainda estava inconsciente quando Roberta terminou de te curar e não parava quieto na cadeira, então eu e Takeda decidimos te amarrar. -Respondeu Sasesu. 

Takeda terminou de comer o pão que tinha feito e desamarrou Kurokawa. Kurokawa aproveitou a oportunidade para encher o seu estômago e recuperar sua energia: 

—Ei, tio... -Disse ele de boca cheia. 

—Para de me chamar de tio! -Reclamou Lyonel. -E não fale de boca cheia! 

—Quanto da sua força você usou naquele soco que eu levei? 

—Cerca de 5%. 

—Me acerte com 100%, por favor. -Pediu Kurokawa animado. 

—Pai, como você pode já ter percebido, Kurokawa pode ser uma pessoa um tanto estranha, mas se você o ignorar, às vezes, ele desiste. -Comentou Lizzy. 

—Sim, tudo bem. -Respondeu Lyonel se levantando. -Me siga, pirralho. 

—Pai? Você é suposto ser a pessoa responsável aqui! 

—Vocês todos levantem-se e venham também. -Ordenou Lyonel. -Amor, venha também por favor. 

Eles caminharam para fora da casa e Lyonel acendeu uma luz antes de fechar a porta: 

—Primeiro, você, Lizzy. -Disse Lyonel com uma postura séria. -Você saiu de casa há um mês dizendo que iria provar a sua própria força e você subiu um nível durante esse tempo todo. 

—Pai, eu... 

—Não existem desculpas, eu te dei uma oportunidade para você ser independente e você apenas provou que eu estava certo esse tempo todo. Mesmo que você não queira, você é a minha filha, eventualmente pessoas virão atrás de você por causa disso e você tem que estar preparada. 

Ele direcionou oseu olhar para Sasesu e Takeda: 

—Segundo, vocês dois, se vocês pretendem ser amigos de Lizzy, eu não vou vos impedir, mas saibam que isso não vai ser fácil. Eu já fiz muitas coisas das quais não me orgulho e existem mais pessoas do que eu posso contar que adorariam ter a minha cabeça. Vocês vão acabar envolvidos em problemas e vocês claramente não estão preparados. A única pessoa promissora no vosso grupo é um moleque suicida com possíveis traumas psicológicos. Vocês precisam ficar fortes, o mais rápido possível. 

Kurokawa entendia que tinha chegado sua vez: 

—Eu vou agora atingir o Kurokawa com toda a minha força, mas sem usar mana. Amor, por favor, cure-o. Observem isso e tentem atingir pelo menos um décimo dessa força até o fim da próxima semana. 

Lyonel aproximou-se de Kurokawa fechou o seu punho e afundou no tórax do jovem. No mesmo segundo em que Lyonel fez seu ataque, Roberta utilizou o seu feitiço de cura mais potente. Todos próximos foram afastados apenas pelo vento causado pelo impacto. O corpo de Kurokawa foi desintegrado pelo ataque, mas antes que sua vida fosse perdida, a magia de Roberta retornou-o ao normal. Lizzy, Sasesu e Takeda não conseguiam sequer reagir a situação: 

—Então é assim que você se sente quando morre... -Comentou Kurokawa um pouco tonto. -Mas você está dizendo que vai nos treinar, tio? 

—Vocês podem fugir para casa se quiserem, eu não vos culparia. Mas se quiserem manter a vossa amizade com Lizzy vão ter que enfrentar alguns dolorosos desafios. -Respondeu Lyonel. 

—Isso parece uma ideia interessante. -Sorriu Kurokawa. 

—Eu também estou interessado no que posso aprender de alguém incrível como você, Lyonel. -Disse Takeda. 

—Eu quero ficar mais forte para proteger a...o que é importante para mim. -Respondeu Sasesu. 

—Você não precisa responder Lizzy, você não tem outra opção. -Comentou Lyonel. 

—Eu ia dizer que estava animada também! -Retrucou ela. 

—Tudo bem, começamos amanhã, deem o fora agora, pirralhos. -Disse Lyonel caminhando para dentro da sua casa. 

—O que? Amanhã não! Vamos lutar agora! -Reclamou Kurokawa. 

Lyonel pegou uma pedra no chão e arremessou na perna de Kurokawa, fazendo-o cair no chão: 

—Cala a boca, pirralho! Você acha que eu tenho a tua idade ou energia? Está tarde! Vão para casa! Vão dormir! Me deixem aproveitar o resto da minha noite com a minha esposa! 

Takeda tocou o ombro de Kurokawa: 

—Devíamos ir, temos aulas amanhã. 

Ele suspirou e começou a ir embora mal humorado: 

—Pai, eu ainda não vou voltar para casa. -Disse Lizzy um pouco assustada com a possível reação de seu pai. 

Ele parou e olhou para trás: 

—Fique fora o tempo que quiser, assim eu e sua mãe podemos fazer o que barulho que quisermos durante a noite! 

—Pai...isso é nojento... -Respondeu Lizzy sendo forçada a imaginar aquela situação. -Mas obrigada...e boa noite... 

Sasesu tinha ficado à espera de Lizzy e os dois agora seguiram Kurokawa e Takeda. Lyonel entrou dentro de sua casa acompanhado de Roberta: 

—Você fez bem em deixar ela ir. -Disse Roberta abraçando-o. -Eventualmente não estaremos mais aqui para cuidar dela e ela agora tem bons amigos com quem pode contar. 

Lyonel suspirou: 

—Crianças são realmente um pé no saco.  

—As coisas não seriam assim tão complicadas se você fosse mais honesto. 

—Você sabe que não é tão fácil assim... -Respondeu Lyonel 

—Está tudo bem, eu sei que você está se esforçando. 

Lyonel conferiu se as portas estavam trancadas, apagou a luz e deitou-se a cama junto de Roberta: 

—Amor, você por acaso já conhecia aquele amigo de Lizzy, Takeda? 

—Não, porque? 

—O rosto dele me parecia familiar, sinto que já vi ele em algum lugar, mas talvez seja só a minha imaginação. De qualquer forma, boa noite. 

—Boa noite para você também.