Ser infantil é diferente de ser uma criança escrita por Vanessa Sakata


Capítulo 4
Moleques debochados são mais irritantes




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“Hã? Onde estou?”, Gintoki se perguntava em pensamento, a voz adulta ecoando em sua mente enquanto acordava. “Tudo o que me lembro é aquele gás que me apagou...”

Ainda estava um pouco zonzo por conta do gás entorpecente que inalara no saguão da mansão onde estava aquele amanto esquisito que o encarara de jeito estranho, agindo como se fosse um shotacon. Lembrava-se de que aquele olhar lhe dera arrepios. E não era preciso muito para perceber que ainda estava preso no corpo de um moleque. Só de ver que a bokutou caída ao seu lado continuava quase do seu tamanho, era evidente que continuava pequeno.

Assim que passou aquela breve tontura, o albino se levantou e passou os olhos pelo ambiente em que estava. Parecia um porão mergulhado em uma semiescuridão. Percebeu que não estava sozinho, mas que havia mais alguns garotos que acordavam e um homem vestido de jardineiro, com um capuz preto que lhe ocultava o rosto.

Será que o sujeito, além de ter uma tara por meninos, tinha fetiche por jardineiros? E... O que era aquela raquete de badminton jogada ao lado daquele cara?

Aquela raquete só significava uma coisa.

Tirou o capuz, que lhe revelou o rosto do cara vestido de jardineiro. A raquete o denunciava, definitivamente...

― Ei, Shinpachi do Shinsengumi – Gintoki usou o pé para empurrar Yamazaki e tentar acordá-lo. – Acorda!

O espião do Shinsengumi acordou e deu de cara com um garoto albino que começava agora a cutucá-lo com uma bokutou como se cutucasse um animal morto. Quem era aquele garoto que parecia e se vestia como uma versão em miniatura do Chefe Yorozuya?

― Outro pra me encarar feito besta... – o ex-samurai resmungou enquanto cutucava o nariz com o dedo mindinho. – Eu realmente preciso encontrar aquele treco se quiser voltar ao normal...

― Espera aí! – Yamazaki arregalou os olhos. – VOCÊ é o Chefe Yorozuya?

― Quem você esperava? O seu superior viciado em maionese e nicotina?

Yamazaki veio a saber que o garoto de fato era Gintoki, e que estivera na véspera na oficina de Gengai, a qual ele tentara investigar. Havia recebido um disparo acidental do rejuvenescedor e hoje acordara como um garoto de idade entre dez e doze anos. E ele entrara com seus companheiros para tentar ter acesso ao objeto e voltar ao normal.

Por seu turno, o Yorozuya teve suas desconfianças confirmadas. O disfarce de Yamazaki era parte da “Operação Mistu-Quente”, que investigava a ligação entre Mistu e um grupo que agia fazendo tráfico interplanetário de pessoas, especialmente crianças e adolescentes – principalmente do sexo masculino. Estava certa a sua desconfiança de que havia algo por trás do trabalho do alien como empresário da tal modelo Takada Taeko.

E no momento era meio complicado conseguir executar algum plano, porque eles não estavam sozinhos. Naquele lugar que parecia um porão, havia com eles pelo menos mais dez crianças e adolescentes, predominantemente garotos. Havia no máximo umas três ou quatro garotas. E entre eles, obviamente, não estavam Shinpachi e Kagura.

Perguntava-se onde eles haviam ido parar.

 

*

 

O segurança carregava Shinpachi em um braço e Kagura no outro, dirigindo-se a um carro preto altamente suspeito. Resmungava para si mesmo o quanto estava entediante fazer aquele serviço de sempre se livrar de pessoas que poderiam causar problemas a seu chefe e à jovem Taeko. E aqueles seriam apenas mais dois para dar um sumiço.

Entretanto, ele não contava com Kagura mordendo seu braço e o obrigando a soltá-la e a Shinpachi. Nem houve tempo de reagir, porque nesse mesmo instante vinha um grande cão branco correndo a toda velocidade ao seu encontro, para em seguida dar-lhe uma cabeçada e o lançar para bem longe. Em seguida, a Yato conseguiu montar em Sadaharu, puxando Shinpachi para junto dela e saíram correndo até a esquina, onde viraram e entraram em uma mansão em obras, onde poderiam se esconder.

Os dois adolescentes e o inugami se esconderam em uma grande pilha de tijolos com altura suficiente para ocultar o animal. Espiaram a movimentação até se certificarem de que eventuais perseguidores haviam passado e não os encontrariam. Só após alguns minutos e a certeza de que estavam seguros é que conseguiram respirar aliviados.

Aquele lugar em obras havia sido o local em que o Trio Yorozuya se escondera para combinar o plano de se infiltrar na mansão e ter acesso ao rejuvenescedor para que Gintoki voltasse ao normal. Shinpachi encontrou a sacola onde estavam suas roupas e rapidamente tirou o terno e vestiu novamente o quimono branco e o hakama azul de costume; o cabelo se desarrumara todo e bastou uma ajeitada para voltar ao que era.

Os dois precisavam de um novo plano, agora para tirar Gintoki daquele lugar. Em circunstâncias normais nem precisariam se preocupar tanto, pois o conheciam muito bem e para aquele tipo de situação as possibilidades de ele dar conta sozinho de tudo eram bem grandes. Só que havia um “porém” nessa história toda. O albino basicamente se tornara uma criança e, mesmo mantendo a mente de um adulto – um adulto imaturo, verdade, mas ainda assim um adulto – seu corpo franzino não ajudaria muito na hora de lutar como gente grande.

Iriam precisar de um plano bem menos sutil desta vez, mas bom o bastante para livrar Gintoki de uma grande enrascada.

 

*

 

Yamazaki e Gintoki lideravam o grupo de crianças e adolescentes que estavam aprisionados no porão. O Yorozuya conseguiu convencer aqueles pirralhos a engolirem o medo e o choro se quisessem ficar livres e arquitetou um plano para que dessem certo tanto as pretensões dele quanto as pretensões dos ladrões de impostos. E, claro, libertar os garotos e garotas que estavam presos.

Afinal, entendia um pouco a situação deles e queria que aquele amanto shotacon se lascasse.

O espião do Shinsengumi trataria de levar os pirralhos para fora da mansão, visto que contava com os reforços que poderiam chegar a qualquer momento. Já o albino iria atrás do rejuvenescedor, pois odiava realmente estar naquela situação e queria voltar a ser adulto o quanto antes. Já tivera uma infância bastante difícil – se é que tivera realmente uma – e não queria ter outra. Não, obrigado.

Estava bem como era, considerando-se uma criança no corpo de um homem, e não o contrário.

Assim que se separou do grupo, ele seguiu por um corredor. Deduzia que o rejuvenescedor estaria em um quarto, mais precisamente no quarto da tal modelo que Mistu empresariava. E tinha a sensação de que nem todos aqueles moleques eram necessariamente moleques.

Seu fluxo de pensamentos foi interrompido quando ouviu protestos femininos vindos de um dos quartos.

― Já chega, Mistu-san! Eu não quero mais me submeter a isso!

― Mas é a sua beleza que atrai os novos candidatos!

― Eu já cansei disso! Não quero mais ser eternamente rejuvenescida, estou cansada de ver notícias de garotas tentando ficar iguais a mim, mesmo que seja impossível! Não quero continuar vivendo uma mentira, mantendo uma aparência de garota o tempo todo! Quero ser livre, ser adulta, fazer coisas de adulta como qualquer mulher da minha idade! Não quero ser o rosto de um plano tão vil como o seu!

― Você não tem escolha, Taeko-chan. – o amanto disse com uma voz calma, mas ameaçadora. – É a sua beleza juvenil que vende e nos financia. E somos nós que mantemos o seu nome no topo. Se jogar tudo isso para o alto, perderá tudo o que conquistou. A fama, a fortuna... Você viveu tantos anos com isso... Conseguirá viver sem a visibilidade que tem?

― Eu não sei, mas não quero mais esse rejuvenescedor. – Takada Taeko parecia resoluta. – Essa coisa tirou muito mais de mim do que minha decisão vai tirar.

― Lamento que as coisas cheguem a isto, Taeko-chan. – Gintoki ouviu o que parecia o clique de uma arma prestes a disparar. – Já faz um bom tempo que vem sendo rebelde e a minha paciência está se esgotando. Acha mesmo que vão aceitar que você envelheça? Não, minha querida... A moda não aceita gente velha! E você não irá envelhec-

O discurso de Mistu foi interrompido por um garoto albino com uniforme esportivo zunborano que deu um salto para atacar. Com uma bokutou quase de seu tamanho, ele derrubou o revólver no chão e fez com que o empresário quase choramingasse pela dor na mão devido à forte pancada.

― Você...?

― Ei, shotacon-pica-das-galáxias! – Gintoki encarou Mistu com seus olhos rubros. – Todo ser vivo nasce, cresce, se reproduz e morre... Ela quer crescer, então vai se tratar dessa sua obsessão por crianças, isso é doentio!

― Sabe o que faço com pirralhos malcriados como você? – Mistu sacou outro revólver. – Sim, eu tenho uma arma reserva e não tenho qualquer remorso em alvejar o mais belo dos meninos que já vi.

Gintoki olhou para trás, percebendo que estava entre uma jovem modelo que aparentava cerca de quinze anos, de pele levemente bronzeada, longos cabelos negros, lisos e sedosos, orbes negros e corpo esguio, e a alguns passos dela, o rejuvenescedor. Deu um sorriso troll e respondeu debochado:

― Olha, prefiro mil vezes receber esse elogio de uma mulher bem gostosa! Elas não ligam se eu sou malcriado, não. Mas vindo de você, esse elogio me faz ter vontade de vomitar! – ele fez um gesto de enfiar o dedo na garganta para realçar o que dizia.

Gintoki percebeu que Mistu continuava a apontar a arma para ele. Quantas vezes já estivera cara a cara com o perigo e a morte? Várias. Mas perto do que já vivenciara em seus vinte e poucos anos de vida, estar sob a mira de uma arma de um cara patético como aquele era fichinha. Sua experiência permitia perceber os vários pontos fracos do amanto como, por exemplo, o fato de ele aparentemente nunca ter matado ninguém na vida. Mas, por outro lado, uma pessoa inexperiente tendia a ser mais mortal justamente por não ser previsível devido à inexperiência.

E não, ele não estava nem um pouco afim de morrer como um moleque. Mas iria, sim, rir da cara do perigo. Sempre fazia isso e iria fazer de novo. Encarnou o típico moleque provocador, empunhando a bokutou com a mão direita e, com a esquerda, mostrou o dedo do meio ao amanto e seu famoso sorrisão debochado:

― O que tá esperando, seu zé-ruela? Tenta me matar!


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