Ser infantil é diferente de ser uma criança escrita por Vanessa Sakata


Capítulo 3
Uniformes esportivos despertam interesses estranhos




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Shinpachi tocou o interfone mais uma vez, aguardando que o atendessem. Sendo atualmente o maior do trio e o “mais velho”, coube ao garoto de óculos fazer o papel do “líder” do trio. Não que Gintoki tenha curtido passar esse papel ao Quatro-Olhos, mas ele não tinha escolha. Ele era quem conseguiria seguir melhor o plano que os três bolaram em torno de sua ideia, sem falar nenhuma asneira ou fazer algo totalmente fora do que havia sido planejado.

E Kagura seria a menos indicada para liderar o trio. Já vira a pirralha assumir seu papel e fora bastante desastroso ela tentar imitá-lo. O par de óculos ambulante era a alternativa que lhe restava, pois ninguém daria atenção a alguém que aparentava ser um moleque de cerca de dez anos de idade. Um moleque sem graça de dezesseis anos de idade poderia ter algum sucesso, desde que com o estilo mais adequado.

Shinpachi, por seu turno, se perguntava se o plano imaginado por Gin-san teria chances de dar certo. Num primeiro momento, a ideia fazia até sentido, mas pensando melhor...

... Será que alguém engoliria o disfarce deles?

― Quem é?

Shinpachi tentou engrossar a voz:

― Ééééé... Eu gostaria de falar com o Mistu-san, soube que ele empresaria modelos-mirins com grande potencial...

― Modelos-mirins?

A pessoa no interfone mordera a isca! Pelo jeito parecia ser o próprio Mistu-san. Precisava de mais um pouco para conseguir pescar o peixe!

― Sim, sim! São modelos-mirins muito bonitos, extremamente fotogênicos e diferenciados!

― Eu gostaria de vê-los!

O contato no interfone foi encerrado e o portão se abriu automaticamente. Shinpachi, vestido com um terno e o cabelo repartido de lado, entrou seguido por Kagura e Gintoki, que mantiveram as mesmas roupas. Nenhum disfarce que arranjasse iria servir no Yorozuya, então teriam que dar um jeito de tentar ser fotogênicos ou qualquer outra coisa parecida.

Qualquer coisa, era só convencer que o “modelo-mirim” de cabelo prateado estava usando um uniforme esportivo zunborano. Quem resiste à fofura de uma criança vestindo uniforme escolar? E a ruiva já era uma garota fofa com roupa chinesa, desde que ela não abrisse a boca para falar bobagem ou agir como a ogra que era.

E ele, de cabelo repartido de lado, tentava se passar por um adulto que seria o responsável legal pelas “crianças” que com ele caminhavam pelo grande jardim da frente da mansão. A ideia “genial” fora de Gin-san, que lhe dissera que bastavam um terno e um cabelo repartido de lado para se passar por um adulto comum, visto que ele já possuía uma cara sem-graça e bastava mudar algumas coisinhas para os óculos dele parecerem de um homem. Bastava mexer no “suporte” para que os óculos de um adolescente parecessem óculos de adulto, ele lhe dissera.

Odiava as piadas com seus óculos... Como as odiava! Mas precisava deixar quieto, pois lembrava que fora uma dessas piadinhas infames que lhe salvara a vida certa vez.

“Mas, enfim... Bora seguir o plano e ter acesso ao tal do rejuvenescedor”, pensou enquanto dava de ombros.

O Amanto chamado Mistu os recebeu e Shinpachi apresentou a si mesmo e aos companheiros. O elegante empresário de modelos encarou Gintoki e Kagura, flagrando os dois cutucando os narizes de forma sincronizada, para desespero de Shinpachi.

“Vocês mesmos estão colocando o plano a perder!”, ele gritou em pensamento. “Têm que parecer modelos-mirins! Parem de cutucar o nariz!”

A Yato e o ex-samurai ignoraram sumariamente o seu olhar de reprovação, enquanto o alien perscrutava cada ângulo dos dois, parecendo não ter percebido ou se importado com aquele gesto.

“Parem de limpar o salão!”, o garoto de óculos novamente gritou em pensamento, pois estava tentando conter a vontade de dar uma voadora em ambos. Precisava se segurar, estava desempenhando o papel de um adulto sério. Tinha que continuar a encenação!

Enquanto isso, Mistu deixava de inspecionar a “fotogenia” de Kagura e claramente se focava mais em inspecionar todos os ângulos de Gintoki. Este se segurava para não reagir ao olhar invasivo do Amanto, que se mostrara especialmente interessado nos olhos de coloração rubra e nos cabelos prateados daquele garoto de aparência propositalmente desleixada que vestia um uniforme esportivo zunborano.

Gintoki queria muito, muito, se livrar daquele cara dando um golpe com a sua bokutou, mas tentava se controlar e suportar aquela inspeção. Tinha que seguir adiante com o seu plano para ter acesso ao rejuvenescedor e voltar a ser adulto, para fazer as coisas de adulto a que estava habituado.

Mas que aquele olhar o incomodava, era um fato bastante perceptível e quase palpável.

Shinpachi e Kagura começaram a também estranhar o comportamento de Mistu. Olhava para o Yorozuya com um interesse muito estranho. E, estranhamente, os dois se lembraram de um tipo bastante esquisito, Takechi Henpeita, do Kiheitai, que dirigia olhares bastante suspeitos para Kagura quando enfrentaram o grupo de Takasugi.

Por mais que negasse, aquele sujeito era um lolicon, que tinha uma certa tara por garotas entre a infância e a adolescência.

Os dois adolescentes da Yorozuya se encararam e pensaram ao mesmo tempo:

“SH... SHOTACON...!!”

― Eu me interessei em empresariar o garoto. – Mistu disse com um sorriso com um misto de satisfação e perversão nos lábios. – Irei buscar os documentos para assinarmos o contrato. Aguardem, por favor.

Ele se retirou sob os olhares alarmados de Shinpachi e Kagura e o olhar incomodado de Gintoki, que questionou de forma retórica:

― Shotacon, não é?

Os outros dois assentiram em concordância.

― Bem que desconfiei que ele não ligou muito pra Kagura, mas ficou me olhando o tempo todo... Cara, isso é nojento!

― Sabe, Gin-san... – Shinpachi disse pensativo. – Eu estava lembrando aqui que tinha um cara com esse nome que estava tentando ser o empresário da Otsuu-chan quando ela tentou alavancar também a carreira de modelo em paralelo com a de cantora. Por alguma razão, isso não deu certo.

― Então parece que não vai ser fácil chegar perto daquele rejuvenescedor... – o albino coçou o queixo pensativo. – Ou será que pode ser fácil?

O trio estranhou a demora do Amanto em retornar. Sentiam que isso poderia ser uma armadilha, o que se provou verdadeiro, pois as portas e janelas do saguão se fecharam e uma grande quantidade de fumaça tomou conta do local. Shinpachi foi o primeiro a cair sob o efeito do gás responsável por aquela fumaça. Gintoki tentou golpear uma janela com a bokutou, mas o esforço foi em vão, pois era uma janela que fora reforçada. Kagura tentou disparar contra a porta com a metralhadora embutida no guarda-chuva, mas pouco adiantou. Chegou a avançar contra ela para desferir um poderoso chute, mas o gás a deixou sonolenta e também a derrubou, ao mesmo tempo que o Yorozuya também desmaiava.

 

*

 

Nos belos e verdejantes jardins daquela mansão, um jardineiro trabalhava com afinco para podar os arbustos, esmerando-se para fazer uma topiaria caprichada. Em sua cintura, além das ferramentas necessárias, havia uma raquete de badminton. Estivera observando tudo o que ocorria de forma discreta por uma das janelas do saguão até que elas se fechassem repentinamente.

Escondeu-se atrás de um dos grandes arbustos e tirou do bolso do avental um walkie-talkie.

― Vice-Comandante – chamou. – Aconteceu de novo.

― Vamos ter que agir o quanto antes, Yamazaki. – seu interlocutor respondeu. – Continue seu trabalho, chamarei reforços... E não faça nenhuma trapalhada.

Yamazaki bateu continência e respondeu a Hijikata:

― Sim, Vice-Comandante!

Encerrado o contato, o espião do Shinsengumi anotou suas observações em uma caderneta. Já fazia cerca de uma semana que estava bancando o jardineiro naquela mansão, enquanto desempenhava sua função de observar a movimentação de seus habitantes e de seus funcionários.

Estava incumbido de investigar Mistu, suspeito de integrar uma rede de aliciamento e tráfico humano, especificamente de crianças e adolescentes. Relatara a Hijikata-san tudo o que observara no período, sobretudo seu modus operandi, bastante conhecido por onde passasse em Edo.

As informações prévias que recebera de seu superior davam conta de que o Amanto empresariava uma jovem modelo chamada Takada Taeko, cuja beleza adolescente parecia misteriosamente eterna. Embora ela tivesse mais de vinte anos, continuava com um rostinho de adolescente, como se fosse mais jovem do que a badalada Terakado Tsuu, estrela máxima do atual cenário pop teen de Edo.

Na véspera, Yamazaki Sagaru dera um jeito de seguir a limusine de Mistu, que tomara a direção do Distrito Kabuki. Lá, deixara um estranho equipamento na oficina de Hiraga Gengai. Não conseguira descobrir o que era, pois havia sido atropelado por um cão gigante, que passara por cima dele e o deixara inconsciente por algumas horas.

Falando em cão gigante, lembrou-se de que tinha a impressão de que os últimos visitantes da mansão não lhe eram estranhos... Reconheceu o garoto de óculos e a garota de roupa chinesa, que acompanhavam um garoto de cerca de dez anos que lembrava muito o Chefe Yorozuya.

Ouviu as portas e as janelas se abrirem automaticamente e imediatamente pegou a raquete de badminton, agitando-a no ar. Um segurança, carregando duas pessoas – uma em cada braço – questionou intrigado:

― Ué, qual é a da raquete de badminton?

A espinha do espião gelou e ele deu a primeira desculpa que lhe brotou na mente enquanto continuava a agitar a raquete no ar:

― Pra espantar os pardais. Eles estão atacando as sementes das flores deste canteiro perto dos arbustos.

O segurança deu de ombros e seguiu até o portão. Yamazaki reconheceu os dois adolescentes inconscientes e agora tinha certeza de que eram aqueles dois que sempre andavam com o Chefe Yorozuya. Viu um carro preto parar em frente ao portão principal, que aparentemente os levaria embora para algum lugar desconhecido.

Isso era ruim. Muito ruim.

Pegou o walkie-talkie para chamar Hijikata, mas ouviu atrás de si uma katana ser desembainhada. Ao se virar, deu de cara com a reluzente lâmina de aço apontada para o seu nariz. Outro segurança tomou de suas mãos o radiocomunicador.

― Um espião, hein? Bem que eu desconfiei de você no momento em que o vi usando uma raquete de badminton pra inventar a desculpa de espantar pardais.

Yamazaki nada disse. Apenas engoliu seco enquanto via o segurança de terno preto jogar para o seu companheiro o walkie-talkie, que foi cortado ao meio pela espada de seu colega. Não era maluco de reagir, estava desarmado.

Os seguranças lhe colocaram um capuz na cabeça, enquanto amarravam seus pulsos. Daria tudo naquele momento para que os reforços chegassem e para que ouvisse um monte do Vice-Comandante após saber de seu deslize com a raquete de badminton.

Só lhe restava contar com a sorte de que chegassem a tempo.


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