A eterna guerra contra si mesmo. escrita por Ninguém


Capítulo 8
E terminaria com Incipere




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Um encontro. Algo romantizado como a união provisória de um casal interessado um no outro tentando se conhecer melhor, Eren entendia bem o conceito e desprezava a futilidade de tal atividade pois a via como algo forçado demais e de aparência enganosas, porque num encontro desse tipo a mulher não é ela mesma e o homem não é ele mesmo afinal ambos querem agradar o acompanhante e para isso é preciso esconder características consideradas “vergonhosas” e que ao mesmo tempo fazem parte de quem eles são.

Para Eren tudo isso é uma perda de tempo, a união de duas pessoas deve vir naturalmente após elas se conhecerem em algum eventos em que sejam forçados a conviver para que as características do cotidiano venham a tona e um relacionamento mais honesto possa nascer.

E que sou eu para opinar sobre algo desse tipo, nunca fui a um encontro.” Pensou Eren sentado na cadeira no restaurante do shopping. Seus muitos defeitos mentais o fizeram alguém recluso socialmente – ele é capaz de sair e se relacionar com pessoas, mas a interação é sempre superficial e metódica – mesmo as pessoas mais próximas a ele como sua avó, prima e o amigo de infância apenas veem uma faceta programada da qual o rapaz atua.

Psicopata? Sociopata? Talvez, a diferença entre ambos é um tanto sutil e se resume ao fator violência, a questão era que o garoto não tinha “tesão” pela vida. Também não tinha a vontade de se matar como aqueles pessoas acuadas pelo próprio desespero em suas cabeças. A vida para Eren se resumia a um riacho sereno e calmo de fim de tarde... a vida fluía na normalidade de uma existência passiva.

Até decidir se unir a Amerília. Ela é a única pessoa no universo a qual ele pode revelar sua verdadeira face sabendo que ela não fugirá. Com sua amada, o garoto é capaz de sentir o sabor da vida que uma criança pequena tem ao brincar com uma poça d’agua.

— Isso é realmente decepcionante. – disse a mulher a sua frente.

O que o traz ao início da noite com a parceira de seu encontro às cegas. Quando lhe disseram que ela é militar de alta patente imaginava uma mulher de uns trinta ou trinta e cinco anos – Eren tem 22, mas lhe garantiram que a idade não importava – com cabelo cortado curto e muito atlética. Realmente tinha acertado na parte de atlética, pois Liana detinhas curvas no lugar certo e uma cintura fina de fazer inveja.

Ainda assim a aparência jovial indicava que nem tinha chegado aos vinte e cinco e os cabelos azuis longos revelavam uma modernidade que não combinava com o tradicionalismo militar. Na verdade Eren ficou encantado pela cor dos cabelos de Liana porque era de um azul celeste perfeito até a raiz, não era possível ver traços da cor dos fios naturais... quase como se ela tivesse nascido daquela forma. Sabrina, sua prima, que já pintou o dela de tantas cores não conseguira chegar nem perto do tom de Liana.

Se bem que azul é um pouco diferente... mas viva a modernidade.

— Perdão? Não gostou do restaurante? – perguntou Eren em seu tom mais educado possível.

— Não, não é isso. Não gostei de você.

Se fosse alguém orgulhoso ou que tivesse algum interesse na mulher aquelas palavras teriam sido um soco na boca do estômago. Felizmente ele havia sido pago para estar ali e também informado que a personalidade de Liana não era lá... muito boa.

Exibindo um sorriso sem graça perfeitamente encenado o garoto respondeu:

— Sinto muito, encontro às cegas tende a ser um problema por causa disso.

Liana pendeu a cabeça para um lado e depois para outro como se o analisasse.

— Hum... é, só que você é ridículo. Não entendo porque me fizeram perder tempo contigo.

O sorriso manteve-se intacto, ela podia ser um pé no saco que for. Mil reais ainda valiam a pena. Eren seria oceano de gentileza e paciência.

— Só posso pedir desculpas, não sou exatamente o modelo de homem que as mulheres buscam. Mas você é deveres linda. Muito mais do que poderia imaginar.

Ela esticou o lábio num sorriso sarcástico.

— Não se anime tanto pivete, no máximo que vai conseguir é uma fantasia para se masturbar antes de dormir.

Um moça que bebia vinho na mesa ao lado engasgou quando escutou as palavras de Liana, de fato o restaurante em questão era requintado, mas as mesas tendiam a ser muito próximas umas das outras.

Eren checou novamente a aparência de Liana. Rosto meigo, delicado, tez branca com olhos azuis mais claros que seus cabelos. Hoje estava vestindo uma camisa branca social, calça jeans e salto alto da mesma cor que a camisa. O visual não combinava nem um pouco com as agressões verbais e as palavras chulas... mas Eren fora advertido sobre a personalidade. Então...

— Então Liana, o que a traz a nossa cidade?

A mulher piscou várias vezes como se não entendesse alguma coisa, como se o quebra cabeças na cara do rapaz estivesse faltando uma peça.

— Estou caçando.

— Caçando?

— Sim, caçando um fugitivo. – ela cruzou os braços sobre a mesa – escuta, você é gay?

Eren bebeu um pouco da água em uma taça. Parece uma pergunta ofensiva, mas nos dias de hoje não. Também já tinham lhe feito essa mesma questão antes porque Eren nunca fora visto com uma garota, mas também não costumava sair com caras o que levou Sabrina a dizer que ele era assexuado. Não sentia tesão por nenhum corpo... talvez nem pelo seu próprio.

— Não, gosto de mulheres.

— Não parece, não sinto nem um pouco de orgulho masculino em você. Você é homem ou tem uma buceta no meio das pernas?

Alguém na mesa ao norte da posição deles deixou cair um copo, enquanto a moça que tinha engasgado agora olhava para os dois sem disfarçar.

Eren pensou nos mil reais já em sua conta, cogitou que tem uma prima altamente sarcástica e ácida um grupo de colegas que adoram falar besteiras sexuais por que – só deus sabe o motivo – para eles é engraçado a palavra pau, “perseguida”, rola ou qualquer outra sentença que mescle a união dos órgãos genitais feminino e masculino.

— Sou homem. – respondeu ele com a tranquilidade que deixaria Buda impressionado – será que eu poderia perguntar o que a perturba em mim?

Os olhos azuis dela ficaram vidrados nos castanhos de Eren. Depois ela relaxou e endireitou-se na cadeira.

— Entendi. Você não é tão superficial quanto os outros homens deste mundo, por isso o selecionaram.

Liana cruza os braços abaixo dos seios.

— Talvez você sirva... porém antes deixei-me perguntar: você acredita em justiça?

Eren ficou confuso.

— Está falando no nosso sistema de leis?

— Não. Em justiça. Não importa o que seu mundo jurídico diga ou faça, a justiça é única e severa. Ela não requer interpretação. Mas vocês neste mundo observam crimes ocorrendo, confiam nas leis opacas que distorcem os fatos e deixam por isso mesmo. Um político corrupto que rouba bilhões e é ovacionado por aqueles que são roubados, um pedófilo abusa sexualmente de um menino de cinco anos e uma corrente de pessoas o defendem dizendo que ele tem uma doença e precisa ser tratado. Um homem estupra uma mulher, fica um tempo preso e é libertado volta a estuprar e volta a cadeia, é libertado e continua o ciclo.

— Esse é um tema complexo.

— Não, pivete, não é. – rebateu Liana com fervor – todo político corrupto deveria ser morto porque ele abusou da confiança do povo que o elegeu e usou dessa confiança para ganhos pessoais, a corrupção que ele pratica mata em todos os setores da sociedade. Um pedófilo machuca uma criança em pró de seus desejos sexuais, ele abdica da razão que o faz humano e cede aos instintos de animal e como tal deveria ser sacrificado. Um estuprador segue a mesma lógica, se a morte foi um preço alto demais a castração é bem justa. Justiça, entendeu?

Eren ponderou por um momento.

— Morte é justiça?

— Sim. Justiça é punição proporcional ao agravo.

— O código de Hamurabi exibia um conceito parecido... só que... e quanto aos erros?

— Erros?

— E se o estuprador não for realmente um estuprador? Mas alguém acusado falsamente de estupro? O pedófilo o mesmo. Não nego o sentimento quanto aos verdadeiros culpados, mas e se houver erro? Morte é definitivo, não há como trazer o inocente de volta. Se multiplicarmos isso por bilhões de humanos no nosso mundo são pelos menos milhares de casos... é possível confiar que a investigação culminará em 100% de certezas todas as vezes?

Liana pondera as palavras do garoto.

— Então o que você faria?

— Perante um crime? Buscaria entender o criminoso, a investigação mais profunda está na cabeça do homem e se ele for realmente de um tipo egoísta que macula outras pessoas devido as suas dores ou porque não consegue controlar seus impulsos... então sim, ele deve morrer. Não há espaço na sociedade para aqueles que são nocivos a ela. É... questão de autopreservação se observarmos a sociedade como um organismo.

— Entender o criminoso?

Eren observou a taça com água.

— Se fosse possível para a vítima entrar na cabeça do seu agressor e entendê-lo creio que seria libertador... não para o culpado, mas para a vítima. Antes de um pai executar o pedófilo que atacou sua filha ele veria que este pedófilo foi uma criança abusada sexualmente e que cresceu em um lar destrutivo tendo de lidar com outros diferentes tipos de abuso. Imagino que o pai veria que o homem como alguém patético, digno de pena... ele ainda o mataria é claro, mas pelo menos não seria contaminado pelo ódio ao homem.

Eren observa o braço enfaixado.

— Há um ditado que diz que o ódio é um carvão em brasa que alguém pega com a mão nua e joga na pessoa pretendida, o alvo de sua ira. O carvão pode ou não acertar seu destino, mas em 100% das vezes a pessoa que o jogou queima a mão.

Liana não diz nada, apenas continua olhando para Eren como certo interesse. A peça de quebra cabeça em seu rosto agora parecia encaixar. Ela se levanta e puxa a cadeira para o lado sentando-se bem juntinho dele. Hesitante, o rapaz ficou parado.

— Humpf... não se empolgue demais...

Ela levou uma mão ao seu rosto para puxá-lo contra o dela para um beijo, mas antes de seus lábios se tocarem um objeto voou arrebentando a vitrine do restaurante.

***

Egoinis ascendia um charuto puxando a fumaça com vontade. No quintal de sua casa ele observava as estrelas no céu noturno sentindo a mesma nostalgia por saber que elas foram suas únicas companheiras por tanto tempo na prisão em que ficou naquele mundo.

Milhares de anos isolado de qualquer um ser vivo e agora lá estava ele fumando um charuto enquanto usava bermuda e chinelos havaianas numa residência em um bairro de classe média alta.

As notícias sobre o caos no shopping já eram alvo de todos os veículos de comunicação e o homem parado de pé no gramado só conseguia pensar que finalmente havia começado a executar o plano.

— Querido!

Egoinis se vira para olhar a esposa na porta da casa.

— Sim?

— Já terminei as malas, tem certeza que não quer que vir conosco agora?

— Sim, amor. Tenho de resolver uns assuntos no trabalho. Pegue as crianças e vá para o litoral. Em alguns dias eu encontro vocês.

Egoinis teve de fazer um pressão incrível para fazer sua mulher ir para a casa deles na praia naquele momento inventando um monte de desculpas e desembolsando muito dinheiro. Não importa o custo, mas não as queria na cidade naquele momento.

Em breve o município se tornaria um campo de batalha com caos e sangue se espalhando aos sons de gritos de agonia. Não, em breve, não. Já tinha começado.  

E terminaria com Incipere.


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