A eterna guerra contra si mesmo. escrita por Ninguém


Capítulo 7
Achar estranho o normal é estranho ou é normal?


Notas iniciais do capítulo

Perdão pelos erros de português.



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Eren.

Enquanto caminhava pela rua dos ferragistas – não faço ideia por que leva esse nome afinal não há uma única loja de ferragens por aqui – tendo a observar o movimento das pessoas. É fascinante poder viver assim... de qualquer modo. Uma mãe que pagava um sorvete para a filha, um velho sentado em uma cadeira de fibra em frente à sua farmácia olhando o celular. Um homem conversando com outro e gesticulando os braços como se fosse necessário fazer mimica para ser entendido. Acima do minimercado uma diarista limpava a varanda da sacada derrubando água na calçada sem se importar se alguém passar por debaixo, se alguém se molhar é culpa da distração do pedestre e não dela. Por que a simplicidade de uma vida comum me é tão estranho? Por que eu sou louco?   

Achar estranho o normal é estranho ou é normal?

Doutor Olegário havia dito que parte do meu problema é uma deficiência de atenção derivada do trauma de infância, ao negar os eventos trágicos acabei desligando uma parte da minha mente para a realidade ficando imerso em um pequeno mundinho particular o qual interage vagamente com este. Não nego que o psiquiatra esteja certo, afinal não consigo esquecer meu trauma... não, não é que eu não consiga não esquecer... é que eu não quero. Acho que posso ser chamado de masoquista, só que simplesmente não posso seguir em frente. Tenho pesadelos do acidente quase todos os dias, o fogo, a fumaça... as pessoas gritando. O mundo girando dentro daquela lata de metal há milhares de metros do chão. Meus pais se debruçando sobre mim num instinto automático de preservar a cria...

A dor da perda é realmente indescritível. Eu perdi meus pais e meu irmão mais velho naquele acidente de avião quando tinha sete anos... trágico? Sim, posso dizer que sim se olharem por minha perspectiva.

Só que e minha avó Cacilda? Ela perdeu os dois filhos, três netos, suas noras num único dia... numa única sentença verbal que lhe deram sua família ruiu a ponto de quase ser extinta. Minha prima Sabrina que estava doente não pôde viajar para o retiro da família naquele fim de semana e a nossa avó havia ficado para trás para cuidar dela.

Sorte? Não, pergunte para Sabrina em prantos se ela ficou feliz por perder os pais e a irmã de repente. Pergunte a mim, o único sobrevivente da queda, se eu me considero feliz por estar vivo... por estar imerso em lembranças do cheiro da carne queimada, agraciado pelos gritos de agonia das pessoas morrendo... que piada de mal gosto. Até entendo por que Sabrina é tão apegada a nossa avó, ela está velha e tem vários problemas de saúde, é o último porto seguro que duas crianças sozinhas no mundo tiveram quando tudo sumiu.

Ah sim... lá está. Meu ódio latente por mim mesmo... consigo senti-lo quando minha mente atormentada fica alguns segundos em paz, não, preciso viver agoniado senão não tenho impressão de que de fato estou vivo. Que sou real, não um mero fantasma vivendo no purgatório de um mundo esquecido.

Finalmente chego na praça dos Saberes e lá, perto da fonte desativada, está Leo. Aproximo-me com cuidado do monte de panos sujos e o cutuco com um pé já me afastando. Observo com cuidado os panos se movimentarem. Dou um chute um pouco mais severo e volto a pular para trás – quase um salto ornamental – esperando Leo reagir.

— Hein pinguço, levanta!

Os panos se movem, ouço um rosnado, mas nada. Mais um chute e dessa vez meu pulo foi rápido o bastante para me esquivar da garrafada de 51 que veio em um arco chocando-contra contra a mureta da fonte espatifando-se.

— Maldito miserável, cu de anão com diarreia! – Léo saiu dos panos balançando os braços desvairadamente – amaldiçoo sua puta vida desgraçada com teu pinto não funcionando pra nada além de mijar!

— Ow pinguço, sou eu. Eren.

O rosto rugoso com uma barba grisalha e disforme foca em mim, ele pisca várias vezes.

— Eren é a cabeça do meu pau, desgraçado!  Vaza daqui antes que eu enfie um caco de vidro no meio desse seu pau minúsculo!

Suspiro, 3/5 das vezes ele não me reconhece, ou está muito bêbado ou muito doidão.

— Oh Léo... tá com fome?

A ira do mendigo cai por terra e ele acena com a cabeça dizendo que sim.

Há uma padaria perto da praça chamada de confeitaria de dona Benta, um local bem arrumado com alguns doces gourmet e recepção requintada, tipo aqueles lugares que você vai para relaxar enquanto toma um café. Da primeira vez que levei Léo ali os funcionários pediram para nos retirar, não havia motivos racionais, era simplesmente porque Léo é um mendigo vestido com trapos sujos e fedia. Naquele momento eu saquei meu celular e ameacei fazer um vídeo pedindo para eles dizerem com detalhes por que estavam nos pondo para fora. Ah sim... era só jogar nas redes sociais e fazer um escândalo para ver como aquilo terminaria.

Eles recuaram e só de pirraça eu continuo levando Léo lá.

Depois de uma coca de 600ml, meia garrafa de café e quatro salgados altamente gordurosos Léo voltava a razão. Parecia despertar, emergir para nosso mundo. Pam! Ele piscava várias vezes e olhava direto para mim.

— Ah... e aí Eren.

— Bom dia Léo.

Em uma das minhas crises eu saio de casa no meio da noite e fico andando por aí sem motivo e sem endereço. Simplesmente fico caminhando pela cidade durante a madrugada. Em uma delas um grupo de universitários idiotas bêbados e rindo estavam espancando Léo numa área escura da praça, eu intervi e eles sumiram. Até hoje não sei por que fiz aquilo, coloquei em perigo minha vida para ajudar um fedorento que só bebe e pede esmola, mas sei lá... fiz a burrada e pronto. Depois levei o velho para o hospital público e dei alguma coisa para ele comer.

Desde então faço visitas regulares... não por caridade, mas porque depois que desperta Leo é um homem de histórias e de espionagem. Histórias porque aparentemente ele foi um militar em algum lugar, serviu diretamente a um general não-sei-das-quantas e lutou bravamente contra hordas de demônios em diferentes quadrantes do universo – sim, ele delira, mas quem sou eu para julgá-lo? – e quando seu batalhão foi dizimado na “famosa” batalha dos sete exércitos Léo foi capturado pelo inimigo e abandonado nesse mundo para sofrer. E de espionagem porque o mendigo observa muitas coisas interessantes que ocorrem na cidade de madrugada. Os casos que ele me conta são escândalos divertidos e não nego que até esboço um projeto de sorriso pelas fofocas.

— Então garoto – disse ele – decidiu fugir com a mulher da sua vida?

— Não é bem fugir, mas Amerília mora em outro lugar então se quiser ficar com ela não posso ficar aqui.

O mendigo ponderou alisando a barba como um sábio druida.

— Faz o certo, é melhor se arrepender por algo que fez do que se arrepender por algo que deixou de fazer. Por isso eu pergunto, se seus planos estão indo bem porque essa cara aflita?

— Hoje à noite tenho um encontro.

— Ah... com a moça que te pagaram para sair. Entendi. – ele enche a xícara com café e coloca umas doze colheres de açúcar – não deveria ter aceitado isso. É prelúdio de azar pôr em xeque o amor de sua vida em pró de ganhar um dinheiro extra.

— Obrigado pelo conselho Gandalf, mas vai ficar tudo bem. Não importa o quão chata ela seja, não vai fazer diferença.

De repente seus olhos vidraram em mim e sua feição assumiu um tom sério.

— Escute menino, sempre quando eu olho pra você vejo aura de sangue como nos meus inimigos em batalha. Sorte é a coisa mais importante para um soldado se manter vivo, por isso não brinque com o azar. Se acontecer qualquer coisa ruim hoje, fuja. Fuja, entendeu? A propósito eu já disse que vi o prefeito com outro homem saindo do motel da quinta avenida?

Se eu pudesse levar a sério as palavras de um mendigo bêbado e louco talvez pudesse ter escapado do estava por vir.    

***

Era só um comum banco de madeira que ficava estrategicamente alocado no centro dos corredores do shopping para servir de apoio ao descanso de pessoas idosas, crianças e maridos cansados que acompanhavam ávidas esposas por compras. Por isso quando ele veio voando na direção de Eren o mesmo agiu por reflexo se jogando ao chão antes da peça pesada explodir a vitrine do restaurante acertando duas mesas no caminho – uma a sua – desorientado pelos gritos e a confusão Eren rastejou procurando um bom lugar para levantar e fugir. Não era hora para entender a situação, no desespero de um cenário caótico, a mente ordena a autopreservação e se distanciar de tal evento é a atitude mais certa.

E quando se pôs de pé alguém trombou com suas costas e Eren deslizou por cima de uma mesa levando ao chão pratos, copos, talheres junto com comida e um vinho aberto. Na queda sentiu o ardor de um corte e o cheiro de frango assado que manchava sua roupa junto com outros ingredientes numa mistureba nojenta. Desnorteado, voltou a ficar de pé olhando para o restaurante que havia se tornado um octógono de luta de ufc onde um embate caloroso acontecia bem ao meio com sua acompanhante e um agressor mascarado.

Socos, chutes, golpes coordenados em uma agilidade incrível faziam os dois lutarem como as cenas de filmes de ação do Jackie-Chan. De um lado sua acompanhante desta noite, Liana, e do outro uma pessoa com roupa toda preta e botas usando uma máscara vermelha reluzente.

Voltando a realidade Eren olhou para os lados esperando poder encontrar um meio de fugir dali sem que uma das duas o percebesse, abaixou-se atrás da mesa observando atentamente o fluxo da luta e quando foram para mais dentro do estabelecimento o garoto bateu o pé em direção a saída para imediatamente parar escorregando numa poça vermelho no meio do piso liso.  

Já fazia alguns minutos que o banco de madeira tinha explodido a vitrine do restaurante, para em seguida o mascarado ou mascarada entrar de supetão partindo para cima de Liana. As duas estavam brigando a quanto tempo? Uns cinco minutos? Os sons dos berros, xingamentos e socos ainda mantinham-se atrás do rapaz... sim, já era um tempo hábil para que todos que saíram gritando buscassem ajuda dos seguranças do shopping e por consequência a polícia.

Mas não veio ninguém...

Por que nenhum dos outros clientes ou funcionários que saíram do restaurante tinham ido muito longe.

Eren travou olhando para os corpos espalhados pelo chão do corredor. O sangue esvaindo por eles aumentando a tonalidade vermelha junto com um forte cheiro de ferrugem. Sua mente não conseguia processar mais nada, ficar parado onde estava era tudo o que conseguia fazer no momento. Homens, mulheres... velhos, novos... todos...

— Sorte sua que ela gosta de você.

No meio do corredor, escorado na parede de uma das colunas de sustentação da abóboda estava outro indivíduo, esse vestido com um traje militar branco daqueles de camuflagem na neve com uma balaclava branca deixando apenas os olhos vermelhos brilhantes à mostra.

Eren o encarou depois olhou para a extensão do corredor daquele pedaço do prédio... não havia mais ninguém, ninguém também estava vindo. Ele engoliu seco umedecendo os lábios para se lembrar como falar.

— O que diabos está havendo?

O sujeito saiu da parede e veio caminhando para mais perto de Eren pisando em algumas cadáveres e no sangue sem qualquer hesitação. Parou e inclinou a cabeça para o lado a fim de olhar a confusão dentro do restaurante.

— Eu poderia simplesmente levar você daqui imediatamente, mas não posso deixá-la.

Eren virou a cabeça para ver a luta e entendeu que a de máscara vermelha era uma mulher. E assim, como uma bala de canhão ou um missão desordenado um vulto escuro passou voando pelo dois arrebentando a vitrine de uma loja de artigos esportivos do outro lado. Embasbacado, Eren só conseguiu pensar que era uma distância de mais de dez metros e o oponente voou!

O balaclava suspirou profundamente e virou-se para olhar na direção do vulto, aumentando o tom de voz para ser ouvido do outro lado.

— Hein... ainda está viva?

De pé, a mulher de máscara vermelha foi saindo da loja e Eren sabia... ela estava furiosa.

— Não fode, vou estripar essa vadia!

Os barulhos vindo de suas costas forçaram Eren a se virar para ver uma cena bizarra – mais uma – Liana saia do meio da bagunça e dos detritos estralando o pescoço. Sua blusa branca social estava parcialmente rasgada e suja de alguma comida ou bebida que esbarrara nela, havia um corte na coxa que abrira um pouco da calça jeans umedecendo o tecido com sangue, porém o fator surreal eram seus cabelos e olhos... havia mexas do azul que estava emitindo luz juntamente com os olhos claros dela.

— Nunca achei que seriam idiotas o suficiente para um ataque às claras, ainda mais virem para cima de mim pessoalmente. Os servos de Egoinis são retardados ou só suicidas?

Liana caminhou parando ao lado de Eren.

A moça de máscara vermelha aumentou os passo com intenção de continuar a briga, mas o balaclava pousou colocou a mão na frente brecando sua avanço.

— Sai da frente – ordenou ela.

— Já chega por hoje. Os outros estão tendo problemas para segurar os aliados dela lá fora, logo vão invadir aqui sem contar do aumento da polícia.

O mulher baixou o braço dele e apontou para Eren.

— Então pegue ele e vamos sair daqui!

Balaclava balançou a cabeça na negativa olhando para Liana.

— Não acho que vá permitir que eu leve esse daí sem você meter o nariz, não é?

Liana sorriu e apenas flexionando os dedos das mãos conseguiu estralar os nós das juntas.

— Oh... vocês ainda sonham que vão conseguir sair daqui com vida. Egoinis deveria ter dito quem eu sou. Simplesmente não faço prisioneiros.

— Não, Ego nos disse bem quem é você. O problema é que não posso abandonar minha colega e não tenho permissão para te matar, afinal ele quer resolver as contas contigo pessoalmente no momento certo. Assim, encerramos por hoje.

A companheira cerrou as mãos em punho e pegou bala clava pela blusa.

— Não! Se deixarmos Eren e ele fizer uma união com essa vadia vamos ter que matá-lo!

— Não necessariamente. Egoinis disse que poderíamos reverter... só disse que o garoto iria preferir estar morto do que passar pelo processo.   

Liana cansou de ouvir a conversa fiada e não hesitou em avançar num salto para desferir um soco com direção certa na cabeça do homem de branco porém seu punho acertou uma parede invisível impedindo de alcançar seu alvo. Confusa, a mulher de cabelos azuis recuou vários passos para trás sentir a dor dos dedos que tinham se quebrado com o choque.

Que habilidade é essa?” pensou a anja cogitando um novo plano de ataque.

Bala clava voltou a arfar e caminhou de volta para a coluna principal do prédio apenas dizendo:

— Subestimar um oponente é o erro mais amador em uma disputa.

E desferindo um forte soco explodiu o concreto abrindo um buraco do outro lado da estrutura provocando um efeito dominó que foi libertando fissuras que subiam e subiam até desmoronarem por inteiro o pilar e por conseguinte o teto daquela parte do shopping.

Eren só teve tempo de olhar para cima e ver os escombros descerem sobre sua cabeça.   


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