Depois da Ruína escrita por Bzllan


Capítulo 20
Ilhados




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Os amigos colocam Diego no chão. Murilo trata de acender a luz da lanterna e, assim que Maia fecha a porta atrás de si, ampara a cabeça do amigo, sentando no chão ao seu lado e colocando-a sobre sua coxa.

Diego, sentindo-se em segurança, sente os olhos pesarem.

Os outros três olham para Alex, pedindo socorro.

A garota esvazia sem delicadeza a mochila com os primeiros socorros.

— Ok, tire a blusa do Rafa de cima do ferimento. 

Murilo obedece, enquanto Alex, tentando manter a calma, olha o material que ela dispõe.

A blusa ensanguentada está fora, mostrando, à luz da lanterna, o sangue viscoso que banha o tronco de Diego.

Maia o chama constantemente, pedindo que continue acordado, olhando para ela.

Diego está fraco - já perdera muito sangue. O ideal seria não terem o movido de maneira alguma, mas essa não era uma opção.

Alex se põe logo ao lado de Diego e observa o ferimento. A bala penetrara entre a clavícula e o ombro esquerdo do amigo. Nenhum órgão vital. Ela rasga a blusa dele até a altura do diafragma. Com movimentos calculados, passa o braço ao redor dele e o levanta devagar, ao som de protestos por parte do ferido. Ela olha suas costas - a bala não saira.

Com a roupa e as mãos sujas de sangue, corta com uma pequena tesoura os retalhos de roupa que grudaram em volta do machucado.

Diego se esforça para manter-se acordado. Está anestesiado com a dor, cansado de correr, a pressão baixa por causa da perda de sangue. Gostaria de só dormir na perna da amiga, mas têm medo de não acordar. Alex o chama, colocando suas mãos no rosto dele e o sustentando para que olhe para ela.

— Fale comigo, Diego, o que está sentindo?

— Está brincando, né? - A voz dele sai falhada e em tom de brincadeira.

Ela concorda, aliviada. 

— Precisava testar se sua respiração está normal.

— Pelo amor de Deus, garota, diga como podemos ajudar! - Murilo segura a lanterna tremulamente nas mãos, apontando para o peito do garoto.

— Ok, verifique os batimentos cardíacos e veja se não há nenhum dano na coluna. Precisamos fazer um torniquete.

Murilo pega o pulso do amigo.

Os batimentos estão rápidos, mas dentro do normal. Nenhum ferimento na coluna.

— Você é muito rabudo mesmo, amigo. - Diz Rilo.

Mesmo na situação em que se encontra, Diego tira forças para rir.

Rafael está sentado no sofá. As mãos apoiando a cabeça, tenso demais para ajudar.

Alex pega uma bandagem larga do kit e improvisa um torniquete no peito do garoto.

— Tudo bem, agora não vai ser agradável. Preciso tirar essa bala daí, tudo bem?

Diego não responde.

— Isso vai doer. - Ela sussurra para Murilo, que compreende onde ela quer chegar.

— Toma amigo. - Ele dá um dos pedaços da atadura limpa e coloca na boca de Diego. - Pra morder.

Diego concorda. Não podem fazer barulho.

— Ilumina aqui, mais de cima.

Com as mãos firmes, Alex abre devagar a ferida. A bala está próxima, presa no ombro. Sem perder tempo, enfia devagar uma pinça com todo o cuidado.

Diego protesta, o rosto contorcendo-se em dor. Maia segura seu outro ombro de modo calmante.

Assim que Alex consegue pegar a bala, Diego se contorce por inteiro. Os gritos de dor abafados. Murilo o segura contra o chão. Se se mover muito, será pior.

— Rafa! Precisamos de ajuda!

O irmão se levanta rapidamente do sofá, os olhos ainda inexpressivos, a roupa suja de sangue. Segura o braço bom de Diego contra o chão.

A respiração de Alex está ritmada. Com um movimento preciso, ela retira a bala, estancando novamente o sangramento o mais rápido que pode.

— Boa, amigo, o pior passou. - Diz Murilo. O corpo de Diego treme.

Alex discorda.

— Ainda não. 

Retira do kit de primeiros socorros um pedaço de gaze.

De sua mochila, uma água potável. Joga devagar por todo o ferimento e limpa o sangue em volta. 

— Ok, aguente só um pouco mais, tá legal? Já vou acabar.

Ela tira do kit uma agulha de 0,7 milímetros de espessura e passa por ela o fio cirúrgico.

— Já fez isso antes? - Maia questiona, a própria pressão baixando.

— Pra ser sincera, não. 

Maia concorda com a cabeça. Não consegue nem olhar.

— Segurem ele. - Alex pede, e em seguida se dirige à Diego. - Está acabando, eu prometo, aguenta firme.

Ele não tem mais forças para responder.

Alex começa a operação - no ponto mais profundo do ferimento, ela perfura devagar a pele do amigo, que se arrelia com gritos de dor. Rafael e Murilo tentam o manter parado - o quanto é possível - e Maia se recusa a olhar, fitando apenas para cima.

Alex não se demora. Dois pequenos pontos mal dados, mas necessários.

O sangue está estancado, a bala está fora, o ferimento está fechado.

Com o corpo inteiro ensanguentado, Alex olha para o rosto de Diego, que simplesmente se permite apagar.

Todos mergulham em silêncio. Ela acabara de salvar sua vida. 

 

x

 

A luz do dia entra pelas frestas do barraco, o teto caindo aos pedaços. Naomi acorda com a luminosidade à ofuscando.

Não têm como saber que horas são.

Ela mal pregara os olhos à noite. O medo de serem encontrados, o medo de não saber o que está acontecendo com os outros, o medo de perder Diego.

A primeira coisa que faz ao se levantar é ligar o walk talk e mandar uma saudação aos outros.

Ao seu lado, Levi dorme como um bebê, com toda a paz do mundo.

— Como consegue? - Ela pergunta para si mesma.

Agora, à luz do dia, olha em volta do pequeno barraco. Constataram ontem que, ao invés de uma cama ou sofá, diversas espumas de colchonetes detonados se encontravam empilhadas no canto da sala, os quais dividiram igualmente para tentar ter uma noite de sono. Tirando isso, quase nada. Apenas um fogão e uma pia, um banheiro e nada mais.

Naomi se encosta na parede e abre mais uma refeição que não têm vontade de comer.

— Naomi?

 

A voz que sai do pequeno aparelhinho a espanta. É Diego.

— Ai meu Deus, você está bem? - Ela pergunta, deixando o enlatado de lado e segurando firmemente o telefone em suas mãos.

Levi abre os olhos devagar, situando-se onde está.

— Na medida do possível.— Ela consegue ouvi-lo com a voz boa. - Alex me salvou.

— A novata é boa. - Ela ri. - Que susto você nos deu.

— É, não pretendo que aconteça de novo. Mas e aí, chefia, qual o plano de hoje?

 

Ela não responde de imediato, pensativa.

— Quer dizer que ele pode te chamar de chefia e eu não? - Levi já acorda com o tom de voz de sempre, nunca levando nada a sério. - Por que você me odeia, Naomi?

Ela não se dá ao trabalho de responder.

— Estão todos ouvindo?

— Estão.

— Ok. Vamos fazer o seguinte.

 

— Depois de ontem, acho arriscado se ficarmos juntos. Eles vão vir pra cima com tudo. Conseguimos nos ajudar mutuamente separados, e fica muito mais fácil já que podemos nos comunicar. - Ela continua. - Só um problema, o dia é nosso inimigo. À luz do sol estamos completamente expostos.

— O que sugere, então? Vamos ficar mongando aqui até a noite?  - Levi pergunta em alto e bom som. Naomi tem certeza de que ele faz isso só para provocá-la, envergonhá-la.

— Estamos perto, mais o que, poucas horas de caminhada? Duas, no máximo. Está escurecendo cedo. Assim que conseguirmos usar as sombras da cidade ao nosso favor, nós saímos.

Os outros estão em silêncio, refletindo.

— Ok, parece um boa ideia. E até lá?

— Até lá estamos ilhados. Não se arrisquem lá fora. Sem barulhos ou nada parecido, não tem como nos encontrarem numa cidade gigante. Olhos abertos.

— Ótimo, me sinto de quarentena de novo.— Ouve-se a voz de Murilo ao fundo. Consegue arrancar risadas mesmo quando o clima não as pede.

— Pelo menos vocês estão em boa companhia. Vou passar o dia ilhada com um idiota.

Levi não se ofende, apenas sorri para ela, aquele sorriso amarelo de quem vai infernizar sua vida como uma criança.

— Fiquem seguros e sempre alertas. Descansem e se recuperem. Depois de hoje, quero voltar a dormir na minha cama.

 

x

 

Júlia deixa os três conversando na sala. Está estressada, a cabeça explodindo. Um enjoo constante.

Ela corre de volta para o quarto que divide com Ivan bem a tempo de vomitar na privada, a livrando de uma sensação horrível no estômago.

Sentada no chão, suas mãos tremem.

Há alguns dias carregando essa suspeita no peito, sem contar a ninguém, pegara da enfermaria um teste trazido da última vez em que foram para a cidade, sem saber o quanto ainda é confiável.

Com os olhos marejados, ela precisa esvaziar sua bexiga e tirar algumas conclusões.








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Notas finais do capítulo

ta aíi ♥
o que estão achando?



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