Depois da Ruína escrita por Bzllan


Capítulo 19
Duzentos e Doze




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Duzentos e Doze - Ilustração Naomi

Naomi perde o ar por um instante e solta um grito que mistura medo e raiva. Diego está no chão, as mãos cobrindo o peito, desnorteado, tentando olhar o ferimento. Rafael está lá para ampará-lo e tirá-lo da frente do atirador, que já está na companhia de amigos. Ele o arrasta para trás de um carro estacionado.

Mas Naomi não têm medo. Tomada pelo puro ódio, a adrenalina explode por suas veias. Ela engatilha o rifle em suas mãos e, aproveitando que a luz que entra da rua a favorece, ela atira com toda a precisão que consegue e, com sua impecável mira, explode a cabeça do atirador. Seu corpo inteiro tomado por fúria, ela não para por aí.

Sente as mãos de Levi a puxarem para trás de uma pilastra assim que os tiros começam a vir em direção a eles. Fogo contra fogo, não sairão dali assim. Ela só precisa de tempo para pensar.

Olha para seu lado - Rafael pressiona com força o ferimento logo abaixo da clavícula de Diego, que está deitado no chão, gritando, sua dor se misturando com a atmosfera caótica.

Ela olha para a rampa que os levaria para fora do estacionamento.

Tão perto.

Precisam de outra alternativa.

Estão em desvantagem numérica - não demorará para que sejam cercados.

— Me dê cobertura. - Diz a garota para Levi, e se abaixa ao lado de Diego.

A dor e o desespero estampados em seu rosto sujo de preto. Ela leva a mão ao seu peito e se espanta com a quantidade de sangue quente que entra em contato com sua pele.

Balançando a cabeça para que ela mesma mantenha o foco, pega a mochila caída de Diego. Alcança um dos walk talks e o prende à bainha da calça. Faz seus olhos se encontrarem com os de Rafael.

— Tire ele daqui. - Sua voz está trêmula. - Faça o que for necessário, mas tire ele daqui. Vamos mantê-los ocupados.

Rafael tem diversas perguntas, mas dessa vez sabe que a responsabilidade é dele. Apenas concorda, as mãos trêmulas pressionando o peito do amigo.

Naomi pega a mão de Diego e a aperta. Deposita um beijo rápido e desesperado em sua têmpora suja de sangue e tinta.

— Vai ficar bem. - Ela promete.

 

Rafael pensa rápido. Sabe que o escuro os encobrirá ali, mas não o suficiente. É arriscado demais. Ele olha para o amigo. Não consegue enxergá-lo bem, mas pelo seu tato, a situação não está nada boa. O sangue insiste em passar por seus dedos. Se não agir logo, Diego entrará em estado de choque.

— Cara, vai ter que aguentar mais um pouco. 

Diego compreende a situação de vida ou morte. Ele passa o braço por cima dos ombros do amigo, que o ajuda a se levantar.

Levi e Naomi os dão cobertura para que saiam. Não podem simplesmente subir a rampa - estariam completamente expostos. Então ele pensa rápido.

Rumando para o fundo, ainda abaixado, ele tateia a parede de cimento e encontra exatamente o que procura - uma cabine de vigília.

Empurra a porta com força. Uma, duas, três vezes. Diego se aguenta com a dor.

Depois de pouco tempo, Rafael arrebenta a fechadura da porta. Estão dentro. A passagem de pedestres está tão perto deles.  O portão automático está destrancado.

Com cuidado, Rafael ruma com Diego se arrastando pela rua.

Está vazia. O ar gelado os saúda. 

Correndo o mais rápido que podem, se misturam às sombras da noite, do outro lado da calçada.

— Pra onde? - Diego pergunta, esforçando-se para continuar.

— Qualquer lugar longe daqui. Vamos te tirar dessa, cara.

 

x

 

Mãos pequenas e geladas puxam Alex escuridão adentro. Ela não sabe para onde estão indo ou porque está confiando no garotinho que a puxa. Ele não dissera uma mísera palavra. 

Alex sente medo de estar entrando em um beco sem saída. 

Os quatro se aproximam de uma parede com janelas que dão entrada à luz da noite. Alex vê o garoto mais de perto, e tenta compreender como uma criança como ele consegue sobreviver sozinha naquele universo caótico, em constante risco. Não sente medo, sente pena.

O pequeno aproxima-os da janela e aponta lá para fora. Lá de cima, conseguem ver onde estão - terceiro andar. A janela escancarada e empoeirada que não é fechada há quase uma década, a fachada do prédio composta de tijolos dispostos perfeitamente para serem escalados.

Lá embaixo, uma viela escura.

O garoto aperta a mão de Alex para chamar sua atenção. A encara com os olhos azuis quase brancos e indica com a mão três números - dois, um, dois.

Maia já está do lado de fora do prédio assim que ouve os passos dos perseguidores no andar em que estão.

Ainda paralisada, Alex encara o garoto, que a encara de volta.

— Alex, vamos! - O cochicho de Murilo vêm do lado de fora. Maia já desaparecera do campo de visão dela.

Ela solta a mão do garotinho e monta na janela, se posicionando para descer. Quando volta a olhar para trás e agradecer, ele não está mais lá. 

 

Mergulhados na escuridão projetada na viela, os três correm incessantemente, sem uma palavra sobre o que acabara de acontecer. 

Nenhum deles têm ideia do tempo que estão correndo, mas o prédio está ficando pequeno para trás, como se seus problemas tivessem se extinguindo.

Olhando ao redor, Alex para bruscamente. Ao seu lado direito, uma casa com o número bem desenhado em um mosaico. 512.

Maia e Murilo a esperam, aproveitando para respirar, cansados da briga de cão e gato.

— O que foi? - Rilo pergunta. Olhando para ela e para a casa.

Alex não responde. Precisa testar sua teoria.

Continua correndo, trotando, olhando as casas da rua. A numeração vai diminuindo.

400, 300. Ela para. 200.

Sem duzentos e doze. Sem dois um dois.

Observa atentamente - entre as casas 200 e 222, um portão tão estreito que uma pessoa de frente não passa tranquilamente. Ela empurra.

Está aberto.

Alex olha para Maia e Murilo, parados ao seu lado. Os dois entendem onde ela quer chegar.

O portão dá em uma escada íngreme com degraus de madeira inclinados para baixo.

Receosa, ela desce devagar, testando um degrau por vez. A porta preta lá embaixo lhe dá calafrios, mas ela empurra mesmo assim.

A fraca luz da noite ilumina parcialmente a sala em que entram, mas quando seus olhos se acostumam, distinguem uma lanterna colocada no chão, em frente a porta.

Murilo a pega. Dá uma batida na própria mão e a acende. Para a surpresa de todos, está funcionando.

Maia trata de fechar a porta atrás deles rapidamente.

Eles percebem que o número duzentos e doze refere-se a uma sala com apenas aquele recinto. Sem quartos, sem banheiro.

Uma pia, um sofá velho, e uma pilha de alimentos estocados em um canto.

— O moleque nos mandou pro lugar certo. - Diz Maia, com um sorriso no rosto. Senta-se no sofá e, lembrando da situação em que se encontram, pega o walk talk.

Uma luz vermelha está piscando.

Ela não sabe o que significa, mas apressa-se para entender.

Em um botão, ajusta a frequência. 12.

Outro botão, ela liga o som.

— Alô! Alguém?!— Uma voz conhecida sai do pequeno aparelho. - Alguém me ouvindo? Pelo amor de Deus! 

Murilo ilumina Maia, paralisada com o aparelho nas mãos. A voz do irmão implora por ajuda.

Em um gesto rápido, tira o walk talk da mão da amiga e aperta no botão para falar.

— Rafa? Rafa! Estamos aqui!

Os três prendem a respiração, tensos, aguardando resposta.

Um chiado, e a voz falhada e desesperada os chama.

— Cacete, estou chamando vocês há um tempão! Diego foi baleado!

 

Alex arregala os olhos. É sua vez de tomar a frente. Ela arranca o telefone das mãos de Murilo.

— Aonde?

— No peito!

— Onde vocês estão?

— Escondidos em um… não sei, não sei! — A voz de Rafael sai desesperada. Ao fundo, conseguem ouvir a respiração e o arfar de Diego.

— Rafa, olha aqui, presta atenção. Estanca esse sangue.

— Eu já fiz isso.

— Ele está acordado?

— Sim, tá sim.

— Ok. Sabe a rua que vocês estão? Qualquer referência, é importante.

— Eu… eu não sei.— Um silêncio se segue. - Espera. Fala pro Rilo que é a rua do metrô que ele descia pra ir pra Amanda! 

Os olhos de Alex encontram o de Murilo.

Ele pensa rápido.

— Três, quatro quadras daqui. - Ele diz, depois fala para o irmão. - Ok, vocês tem que sair daí! Sai na rua do metrô e segue sua esquerda pra sempre cara, a gente vai te achar.

— E se alguém achar antes?

 

Ninguém tem coragem de responder.

Alex desliga o aparelho. Murilo apaga a lanterna e a joga no sofá. Ele e Maia correm atrá da garota, que já está nos pés da escada. Sabem que esse é um risco que terão que correr.



x



Alex corre contra o tempo pelo breu da rua, os passos maiores que a perna. Os dois a seguem, deixados para trás.

O som dos disparos de tiros ainda pode ser ouvido ecoar pelas ruas desertas.

Três, quatro infinitas quadras, mas ela vê ao longe. Duas figuras se aproximam. 

 

Diego ainda têm forças para manter a mão no peito, os olhos fechando, concentrando-se para conseguir ajudar o amigo que o carrega pelo braço.

Ele não quer morrer.

Rafael avista as figuras distantes que correm em direção a ele em meio à escuridão.

Nunca se sentira tão aliviado. Diego não morrera em suas mãos.

Alex chega e ampara o outro braço do garoto. Sem nenhuma palavra, continuam correndo de volta.

Ela examina rapidamente o ferimento no peito. O sangue bem estancado, a camisa de Rafael amarrada sobre o ferimento está encharcada de sangue.

— Onde estão os outros? - Maia pergunta, ofegante.

— Nos dando cobertura. - Rafael responde, já sem forças. Murilo toma seu lugar.

Eles retornam à viela em segurança, os barulhos de tiro cessando ao longe.

Maia torce para que seja um bom sinal. Adentra o portão estreito por último e fecha a porta atrás de si.

 

x

 

Protegidos pela pilastra, Levi e Naomi atiram cegamente no escuro. Sabem que precisam sair de lá o quanto antes, antes que os cerquem.

— Vai na frente. - Diz Levi. - Sou mais rápido.

— Assim que pararmos de atirar, eles vão vir com tudo pra cima. Não vou deixar você aqui.

— Olha, chefia, eu me sinto honrado, mas eu preciso que você vá agora e a gente discute depois.

Levi aperta o braço de Naomi e a empurra em direção à saída. A contragosto, ela segue seu caminho. Entra na cabine e desaparece pela saída de pedestres, assim como vira Rafael fazer pouco antes.

Os tiros de Levi cessam logo depois, e ela sabe que ele está bem atrás dela.

Ambos correm rua afora, e rumam sempre em frente. O beco escuro os esconderia. Ainda estão atrás deles.

Levi a ultrapassa.

— Conheço um lugar! - Diz, em meio a correria.

 

Os tiros cessaram, as vozes ficaram para trás.

Mas eles não param.

Levi guia Naomi até a periferia da cidade. Correm quase incansáveis quinze minutos.

Os barracos da parte pobre da cidade os encobririam àquela noite.

Levi escolhe o primeiro que encontra aberto. 

Terão de dividir o espaço minúsculo.

Exausta, Naomi se senta no chão.

— Veja se não nos seguiram.

Ela consegue ver o rosto de desdém de Levi mesmo no escuro.

Revira os olhos. Não vai pedir por favor.

— Não nos seguiram, chefia, fica tranquila. - Ele se senta na extremidade oposta a ela.

— E pare de me chamar assim. - Ela tira o walk talk da mochila. O aparelho está com uma luz vermelha apitando.

Rapidamente, sincroniza na frequência 12 e aperta para falar.

— Alguém? Maia? Rafa?

Ela insiste mais duas vezes.

Quando está prestes a desistir, um chiado sai do pequeno aparelho.

Naomi?! — A voz de Maia. - Cacete, estávamos cagados de preocupação.

A garota sorri aliviada.

— Estamos bem. Rafa e Diego…?

— Estão aqui.

— Como ele está?

Maia não responde de imediato.

— Eu não entendo nada disso, mas eu acho que ele vai ficar bem.

Naomi concorda, preocupada, olhando para o teto escuro do barraco.

— Ok. Cuidem bem dele. Estão seguros?

— Na medida do possível.

— Certo. Nos vemos amanhã.










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Notas finais do capítulo

o que acharam?? a primeira parte ta acabando e eu tenho muitas ideias aaaa



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