Graveyard of Flowers — Roses escrita por crowhime


Capítulo 6
Capítulo 6




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Novembro, 1976

 

 

 

Eu nunca havia pensado sobre o que havia após a morte.

Eu tinha ciência da existência de fantasmas, mas era algo tão comum no cotidiano de Hogwarts que não me impressionava, qualquer bruxo que se preze estaria acostumado, sequer me fazia questionar o que mais poderia haver ou se de fato poderia haver algo como outro mundo.

Agora eu podia concluir que doía. Doía como se cada músculo do meu corpo tivesse sido pisoteado e tinha um zumbido irritante nos meus ouvidos. Ainda deveríamos sentir algo após morrer?

— Olha o estado do meu filho! E vocês, o que fizeram? Seus irresponsáveis! A que ponto deixaram chegar!

— Sra. Black, por favor, se acalme.

— NÃO diga para eu me acalmar! Quero saber quem vai se responsabilizar pelo que aconteceu!

O som estava abafado, mas reconheci os gritos de Walburga ecoando através do zunido irritante que ressoava dentro de meu cérebro. Eu não queria abrir os olhos, sentindo-me confortado pela escuridão, mas agora acordado precisei inspirar fundo para ter certeza de que o oxigênio chegaria a meus pulmões, o que fiz o mais discretamente possível, tentando não chamar atenção dos presentes do cômodo. Além de Madame Pomfrey, a responsável pela enfermaria, e minha mãe, Walburga Black, eu podia sentir mais três ou quatro presenças ali. Talvez fosse Orion uma delas, a outra…

— Reg? Você está acordado?

Foi a voz inconfundível de Bartemius soando, o que me levou a abrir os olhos lentamente. O peso que sentia de estar sendo observado só podia vir dele e certamente ele seria o único que notaria a diferença em minha respiração de quando estava dormindo e quando estava acordado depois de tantos meses dormindo juntos. Meus lábios se partiram e quis chamar o nome dele, mas logo a expressão preocupada de Barty que pairava acima de meus olhos foi substituída quando Walburga o empurrou para o lado.

— Regulus! Como se sente?

Abri a boca para responder, mas nenhum som saiu. Levei a mão até a garganta e me sentei desesperado, meu corpo reclamou, porém minha maior preocupação era minha voz. A enfermeira quem rapidamente cruzou o caminho até minha cama, abrindo espaço entre Barty e minha mãe, segurando meus ombros para me tranquilizar.

— Sua garganta acabou se machucando, querido, não tente usar a voz por enquanto. — lendo meu olhar desesperado, continuou — Já ministrei uma poção, porém como o dano foi interno, precisará de mais doses antes de se recuperar completamente.

Baixei os olhos, envergonhado. Não era para isso estar acontecendo…

— Regulus, vá buscar suas coisas. Vamos embora daqui agora.

Wlaburga ordenou e eu não tinha voz para perguntar o porquê. Pomfrey tentou argumentar, mas quando Orion - e me surpreendi por vê-lo ali, afinal ele nunca parecia ter tempo para a família de fato - interviu, a enfermeira não conseguiu dizer mais nada.

— A irresponsabilidade desta escola levou meu filho a este estado. Ele é o herdeiro da mui antiga e nobre Casa Black! Se vocês não resolveram este problema, iremos cuidar do nosso jeito. Sejam gratos por não levá-los à justiça.

Walburga me pôs de pé pelo braço enquanto Orion falava, me apressando a cumprir a ordem que me dera, e Barty veio ao meu encontro me ajudar. Percebi que além de Madame Pomfrey, o diretor da minha casa, Horace Slughorn, estava ali secando o suor com um lenço e agora tentava racionalizar com Orion Black até que a chegada do diretor de Hogwarts, Dumbledore, o interrompeu.

— Ora, ora, o que está acontecendo aqui? Esta enfermaria está realmente barulhenta para um lugar de descanso dos enfermos...

Olhando para meu estado, provavelmente decidiu que eu não deveria presenciar a conversa, assim como Barty, que tentava esconder a expressão assustada, mas a forma que seus olhos brilhavam o denunciavam, ao menos para mim, e o pediu para que me acompanhasse até a comunal.

Os adultos iriam conversar na sala do diretor, enquanto isso, ele ficava próximo de mim para servir de apoio caso precisasse, e enxotou alguns colegas preocupados que logo nos cercaram, querendo saber como eu estava. Só após entrarmos no quarto que dividíamos e trancar a porta, que ele se dignou a erguer os olhos envergonhados para mim.

— Regulus, eu… me desculpa! Eu me desesperei, eu tive que contar pra eles, mas eu juro, eu soquei o Nott e fiz eles prometerem segredo também, eu… eu…

Aquilo era raro. Não costumava ver Barty à beira das lágrimas. Sentindo meu peito pesar, afinal tudo aquilo era porque eu o fiz prometer guardar segredo, fiz um gesto para que ele se aproximasse da cama que havia me sentado. Segurei o rosto dele entre as palmas, pressionando-o como se pedisse calma. Ele respirou fundo e, apesar de trêmulo, a história começava a fazer sentido.

Nossos colegas haviam visto o buquê que eu havia vomitado durante a madrugada junto ao sangue, aparentemente acordei Bartemius naquela noite e o escândalo que ele fez acordou a todos. Eles me levaram até a enfermaria e, enquanto Madame Pomfrey administrava os primeiros socorros, Barty os fez prometer que não contariam nada a ninguém: só disse que eu estava muito doente. O que não era uma mentira. Mas, para a enfermeira, e para Slughorn, o diretor da Sonserina, Minerva McGonagall, a vice-diretora, e o próprio Dumbledore, ele acabou contando sobre a doença. A essa altura, era óbvio que meus pais sabiam também. E, agora, ele me pedia desculpas repetidas vezes, com um desespero que há anos eu não via escurecendo seus olhos de modo quase insano.

Tentei falar, me refreando ao me recordar das recomendações médicas, e sabendo que minha voz não o alcançaria. O silêncio era o que eu tinha no momento e, assim, segurei seu rosto de modo mais carinhoso que outrora, selando os lábios nos dele de modo que roubava sua voz.

Podia ter sido uma eternidade, mas não passou de poucos minutos. Quando nos afastamos, a expressão dele havia se suavizado, embora o olhar estivesse dolorido. Barty segurou minhas mãos, beijando a palma de cada uma delas, bem como a ponta dos dedos, o que fez meu coração doer com a menção de acelerar. Meu rosto esquentou quando ele fixou o olhar em meus olhos.

— Não quero que você vá, Reggie…

Uma pontada de tristeza me atingiu. Não gostava de vê-lo nesse estado.

Quis abraçá-lo.

Antes que eu pudesse dar vazão ao impulso, ouvimos a porta destrancando, o que Barty pareceu ignorar, pois continuava a segurar minhas mãos, e só soltou uma delas quando ouviu um engasgar rouco de Slughorn, que havia adentrado o quarto. Nos viramos e o vi secando, mais uma vez, o suor da testa em um tique nervoso, mesmo que não tivesse nada para secar ali. Ele parecia constrangido, seu rosto estava vermelho.

— Regulus, seus pais vão levá-lo. Estão te esperando…

Então era isso.

Assenti levemente com a cabeça, sentindo a mão de Bartemius pressionando a minha com mais força. Slughorn sorriu amarelo e acabou se retirando do quarto, me deixando para fazer minhas malas - ou melhor, tinha certeza de que ele fugia do desconforto de nos ver daquele jeito. Só quando a porta se fechou que suspirei silenciosamente, me erguendo da cama para pegar a mala e começar a juntar meus pertences dentro dela. Sentia o olhar dele sobre mim, mas fingia não notar, pois Barty só estava tornando a situação mais difícil.

Eu estava com medo de voltar. E saber como ele queria que permanecesse ali não ajudava.

Sem encará-lo, colocava o último livro na mala quando Barty me envolveu por trás. Ele apertava minha cintura com força, tanta que chegava a doer, contrastando com o modo como apoiava o rosto em minha cabeça. Em algum momento daquele ano, ele havia ficado mais alto e sempre pareceu gostar daquilo, inclusive implicando comigo, mas naquele instante o gesto não me incomodou. Larguei o livro de qualquer jeito sobre as roupas, me virando no enlace para passar os braços por seu pescoço. Queria agradecer por tudo que ele havia feito, o tempo todo, por mim; sem voz, apenas pude puxá-lo para um último beijo.

Era ardente e apaixonado. Eu podia sentir cada célula de seu corpo gritando isso.

Em uma próxima vida, eu gostaria de me apaixonar por Bartemius. 

Ele não disse mais nada, seguindo ao meu encalço enquanto seguia para o átrio de entrada, onde minha mãe me esperava. Orion, por sua vez, já estava no portão ao longe, aguardando impaciente por mim. Já havia um burburinho formado, vários alunos curiosos desde que saímos do Salão Comunal, tornando difícil até mesmo de ouvir quando Walburga disse:

 — Vamos.

Assenti de leve, seguindo ao seu lado após lançar para Barty um olhar que dizia me desculpe, torcendo que fosse o suficiente para que ele entendesse. Segui com a face voltada para frente, contendo a vontade que tinha de procurar por Sirius ou Remus na multidão. A essa altura, a escola toda deveria saber que meus pais estavam ali, e eu me perguntava se eles se importavam. Já estava quase no portão quando ouvi uma voz me chamando:

— Regulus! Sai da frente, seu imbecil!

Era a voz de Sirius que se aproximava, minha mãe nem se dignou a olhar em sua direção, e identifiquei um brilho de desprezo e dor em seu olhar. Apesar de tudo, eu senti vontade de me voltar para ele, porém me contive, sabendo que já havia irritado demais meus pais só por ter os feito vir até ali.

Só voltei o corpo na direção contrária quando cheguei aos portões, vendo que James e Remus tinham o segurado, impedindo-o de continuar correndo até minha direção. Peter vinha logo atrás. Percebi a irritação de meu irmão e fiquei minimamente satisfeito quando a última coisa que vi, antes de meus pais aparatarem comigo, foi o olhar preocupado de Lupin em minha direção.

Aparatamos no meio da sala e Orion não perdeu tempo em sair batendo a porta.

— Agora trate de cuidar do seu filho!

Vi Walburga fechando os olhos e inspirando bem fundo enquanto Monstro surgia, fazendo uma reverência exagerada a nós dois.

— Minha senhora Walburga. Mestre Regulus.

— Monstro, leve Regulus para seu quarto e faça uma sopa para esse menino comer. Eu… Tenho que cuidar de outros assuntos.

O cenho dela se franzia com preocupação, mas eu não tinha condições de perguntar o quer que fosse. Obediente, Monstro pegava minha mala e me escoltava até meu quarto, onde sinalizei que não conseguia falar. Mas estava feliz em vê-lo, ao menos. 

Os dias seguintes foram estranhamente silenciosos. Não só porque não conseguia falar, tirando os gritos ocasionais que ouvia minha mãe dar, fazendo parecer que mandava berradores constantemente, e conversas comedidas no jantar, o silêncio que reinava na mansão Black era denso e pesado. Não estranhava a falta de som por si só; desde que Sirius havia fugido, era comum, mas às vezes era difícil de respirar com aquele clima pairando no ar. No entanto, preferia lidar com isto do que com perguntas sobre meu estado, que no começo estranhei não virem, e depois fiquei aliviado quando este tópico nunca era trazido à mesa. Só podia supor que a própria Madame Pomfrey não conhecia direito a causa da doença ou havia ocultado de propósito para me poupar, já que a fama de nossa família não era das melhores.

Minha voz voltou fraca e arranhada após as poções que havia ganhado da enfermeira de Hogwarts. Não havia adiantado muito, pois mesmo longe do castelo e de Remus, os acessos continuavam, tornando impossível uma recuperação completa. Monstro costumava cuidar de mim enquanto Walburga passava o dia fora de casa e, dando uma de Severus Snape, sempre voltava com novas poções e remédios para que eu tomasse.

Dispensável dizer que nada funcionava.

Era fim da tarde quando minha mãe adentrou meu quarto sem bater. Me levantei prontamente da escrivaninha na qual estudava, afinal Walburga não queria que eu ficasse atrasado em relação aos meus colegas, o que me despertava um sentimento de compaixão, uma vez que ela realmente acreditava na minha recuperação, o que eu já havia desistido há muito. Mas Walburga Black não desistia. E eu não tinha coragem de dizer a ela para desistir.

Ela entrou, parando junto a porta e deixando que outras duas figuras desconhecidas adentrassem o recinto. Guardei para mim minha confusão, observando um senhor de cabelos cinzas, sinal da idade, penteados para trás, os olhos escuros puxados tinham um ar sério e gentil quando me fitou. Ele disse algo em uma língua que eu não compreendia para a mulher que o acompanhava. Ela era um pouco mais alta que ele, deveria ter minha altura, os cabelos pretos cortados na altura do ombro, os olhos castanhos me observando enquanto os dois cochichavam algo. Esperei que alguém me desse um esclarecimento, mas foi minha mãe quem veio a frente, sua postura imponente sempre chamava minha atenção sem que ela precisasse falar algo, logo eu ignorava os outros dois.

— Regulus, este é o Dr. Saito. Ele vai examinar você. A intérprete vai auxiliar na consulta.

Concordei com a cabeça e segui as instruções que a tradutora, que se apresentou como Agnes, passava para mim, sentando-me na cama enquanto o médico se sentava na cadeira que ela puxou para perto. Engoli a seco quando vi a mão dele ser tomada por um suave brilho azulado, provavelmente causado por um feitiço não verbal, e ergui a cabeça para que meu pescoço fosse examinado. Meus músculos estavam tensos, por vezes eu olhava de soslaio para minha mãe que observava atentamente o exame, sentindo-me incomodado com seu olhar, o que não passou despercebido pelo doutor Saito, que logo praguejou em sua língua natal - eu não entendia, mas a exasperação no tom de voz deixava claro por si só.

— Sra. Black, Saito-sensei gostaria de pedir para deixá-lo a sós com o paciente.

Era óbvio que ela estava apaziguando a situação e vi no rosto de Walburga que se avermelhava de fúria que ela concluiu o mesmo, achei que ela iria se descontrolar, no entanto ela apenas bufou.

— Me avise quando terminar, então! — disparou irritadiça, batendo a porta ao sair.

Só quando os passos pesados de Walburga não se faziam mais ouvir que o exame continuou. O médico aferia meu pulso, examinava externamente meu pescoço e peito com os dedos, e até mesmo usou um palito de madeira para afastar minha língua e dar uma olhada em minha garganta com auxílio do lumus produzido pela varinha de Agnes, o que quase me fez vomitar, e logo vieram as perguntas.

De início, fiquei resistente. A tradutora me explicava sobre a doença e não ia muito além do que eu havia lido, só consegui relaxar quando me garantiram que não contariam o que causava exatamente aquela doença para minha mãe. Algo na confidencialidade médico-paciente, no entanto disseram que não poderiam esconder meu verdadeiro estado pois minha vida estava em risco. E, ironizando, disse que não é como se desse para esconder à essa altura. Ignoraram minha acidez: Agnes disse qualquer coisa que provavelmente não era o que eu falei de verdade, e o Dr. Saito continuou com suas perguntas. Sintomas, quando começou, entre outros detalhes. Nada sobre por quem me apaixonei. Gostei da discrição.

Terminando as perguntas e o exame, o médico se virou para a mulher que nos acompanhava e eles começaram a conversar entre si de modo que eu não compreendesse, mas os semblantes tensos e fechados me diziam tudo que precisava saber. Não que fosse uma surpresa: eu já sabia que era grave.

Não temos outra saída além da cirurgia.

Tem certeza?

Sim. Não há tempo. O estado é muito avançado. Se não operarmos, ele pode morrer a qualquer momento.

O silêncio recaiu no quarto e repentinamente minha estante de livros pareceu muito interessante, no que fiquei a encarando até que Agnes se sentou na minha frente após Dr. Saito se levantar para guardar seus utensílios médicos na bolsa.

— Sr. Regulus… — Ah, o tom compadecido. — Como deve imaginar, seu estado é grave. O senhor precisa urgentemente fazer uma cirurgia ou pode vir a óbito. No entanto, a cirurgia pode ter efeitos colaterais, incluindo perda de memória. Nós iremos chamar sua mãe, aconselho que se quiser escrever uma carta ou… se despedir de alguém, o faça.

Concordei de leve com a cabeça, sem esboçar reação. A previsibilidade deveria ter me preparado melhor, mas eu só conseguia me sentir inerte. Mantive a cabeça ligeiramente rebaixada, ouvia de modo abafado os sons ao longe; Agnes se levantando, saindo do quarto, posteriormente os gritos indignados de Walburga  que logo irrompeu pelo quarto.

— Você vai fazer essa cirurgia AGORA!

Ela gritou com o médico que não conseguiria entender o que ela falava e Agnes chegou pouco depois, correndo atrás dela.

— Sra. Black, por favor, não é assim…

— Cale-se e faça ser! Ele tem ou não tem competência para isso?!

— Posso garantir que Saito-sensei é um dos melhores e mais antigos do Japão, o único que tem experiência real com essa doen…

— Então pronto!

Minha cabeça começou a doer com os gritos e minha mente parecia girar. Era como se parte de mim estivesse em outro plano e eu não conseguisse organizar meus pensamentos. Mesmo o chão sob meus pés parecia distance. Quando abri minha boca, não sabia direito o que iria falar, tampouco reconheci minha voz.

— Mãe…

Antevendo algum protesto, a voz de Walburga logo se sobrepôs à minha, que estava baixa demais para transmitir firmeza.

— Sem mas! Eu já perdi um filho, não vou me dar ao luxo de perder outro! Vamos fazer essa cirurgia quer você queira, ou não!

Com a lembrança, fiquei quieto. O que eu poderia dizer, de todo jeito? Mas repentinamente lembrando-se se minha presença, a conversa foi movida para outro cômodo, deixando-me sozinho com meus pensamentos.

Olhei de esguelha para minha escrivaninha. Ela havia dito para eu me despedir… mas não havia do que se despedir.


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