Raccoon: A Quarentena escrita por Goldfield


Capítulo 3
Mikhail




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Mikhail

Cansado do vazio do vagão, ele voltou a caminhar pela plataforma da Estação Redstone, a atenção focada no fone ao ouvido.

A espera não era tão agoniante ao capitão quanto poderia ser a soldados mais novos, menos preparados – ainda mais num cenário tão inóspito como aquele, onde travavam uma batalha inédita a toda a humanidade. O metrô, aliás, fazia Mikhail se sentir em casa – embora as estações de Raccoon City fossem bem rústicas em comparação às verdadeiras obras de arte arquitetônicas sob as ruas de Moscou.

Voltou vívida à sua mente a memória de um dia de inverno quinze anos antes, quando descera à Estação Arbatskaya para uma reunião especial no Ministério da Defesa. Dela proviera sua primeira operação especial no Afeganistão, país em que passaria muito mais tempo do que imaginava.

E, a partir desse ponto, o cuidado era redobrado para evitar que as lembranças da nação árida e montanhosa também surgissem...

— Capitão, o Oliveira está descendo! – a voz de Martinez, seguindo-se a um estalo do comunicador, salvou Mikhail no instante em que a maré soturna já ameaçava engoli-lo.

O russo gastou segundos livrando a cabeça dos resquícios do passado antes de responder:

— Entendido. Há mais alguém com ele?

A demora em Martinez esclarecer deu-se por pesar ou gastar um momento certificando-se; talvez ambos, considerando seu tom de voz ao finalmente falar:

— Ele está sozinho, senhor.

Mikhail conteve um suspiro, embora seu rosto focado de costume tenha se desfeito em lástima. Ao menos nenhum comandado estava na plataforma para ver. A moral da tropa sempre vinha em primeiro lugar.

— Tudo bem. Fique de olho na entrada sul. Câmbio, desligo.

Os passos do capitão pela plataforma continuaram solitários por alguns minutos, até o eco dos coturnos de Oliveira descendo as escadas se tornar cada vez mais próximo. Era irônico pensar que os religiosos costumavam situar o inferno como um lugar subterrâneo, e naquele caso as profundezas serem o local mais seguro de Raccoon. Alinhado ao Partido quando jovem na esperança de conseguir um cargo político de prestígio, ele jamais fizera o tipo místico, embora a mãe fosse uma ortodoxa fervorosa. Ver os mortos se reerguerem fizera-o mudar a cabeça ao menos quanto à validade de uma parte das Escrituras, no entanto.

Com os cabelos em desordem e o sangue sobre o colete, Oliveira remetia mesmo a Lázaro saído da tumba. A postura alerta e os dedos sempre prontos junto ao M4A1 fizeram Mikhail lembrar-se, porém, como aquele era um de seus melhores soldados. Não precisou sequer requisitar o relatório de missão para que Carlos já começasse a falar:

— Como havia adiantado, senhor, sem sobreviventes nos quarteirões entre a Flower e a Lonsdale. Nenhum remanescente do Delta Team tentou contato comigo.

— E Mitchell? – Mikhail sentia a hesitação de Carlos, mas tinha de perguntar. Era seu dever como comandante de pelotão em meio àquele desastre. – Que fim ele teve?

Pela primeira vez desde que descera, Oliveira perdeu a postura atenta, baixando o rifle numa atitude nem um pouco segura – fatal caso não houvessem estabelecido um perímetro razoavelmente seguro na estação de metrô.

— O Mitchell não vai voltar, capitão – ele informou conformado. – E não, ele não foi pego pelas criaturas.

Mikhail compreendia, experiências como aquela lhe retornando num déjà-vu que o queimava como brisa árida e sol escaldante...

Não foram poucas as deserções no Exército Vermelho durante a guerra no Afeganistão, algumas ocorridas entre seus próprios homens. Além de quererem abandonar um país que os oprimia e forçava-os a barbaridades contra civis, os soldados russos viviam o terror sob a ameaça constante dos ataques dos guerrilheiros Mujahidin. Destemidos e imparáveis, aqueles homens surgiam das montanhas dispostos a tudo por Alá, querendo salvar seu povo e religião dos invasores ateus. Com aqueles mortos-vivos, tinham em comum comporem força que era simplesmente incapaz de retroceder. As semelhanças, no entanto, aí cessavam. Os Mujahidin ao menos tinham honra e lutavam por entrega a um ideal. Os zumbis, por sua vez, eram pura fome sanguinária.

Oliveira vinha de um contexto similar àquele que aprendera a tanto temer e respeitar. Talvez por isso o olhasse de modo diferente que os demais.

— Tudo bem, você fez o que pôde... – o capitão murmurou num aceno ao subordinado. – Estou surpreso em relação a quantos de nós ainda estão aguentando.

Mikhail a seguir voltou a visão aos vagões do trem, vislumbrando as silhuetas dos sobreviventes que buscaram refúgio na estação sentados ou caminhando dentro de um deles, levemente distorcidas pelos vidros. Aquilo equivalia a ter as chaves para o céu e não poder entrar – sim, as metáforas religiosas estavam ficando estranhamente comuns. Se não resolvessem logo o problema, o inferno invertido à superfície logo desceria para transformar seus corpos em refeição, somente para se levantarem igualmente famintos pouco depois.

— Temos de achar uma maneira de ligar esse trem... – o capitão pensou em voz alta, de lado para Carlos.

Oliveira ruminou a questão por um instante até responder:

— Esses sistemas de metrô... Eles costumam ter manuais de operação, certo? Um lugar para consultar o que fazer e como fazer. Se pudéssemos ao menos ter uma direção de onde ir...

O capitão recostou-se a uma pilastra, tirando a boina por um momento. Já estava ficando velho, mas a cabeça continuava uma máquina de memorização – algo necessário para sobreviver no Afeganistão, onde senso espacial era tudo para evitar as emboscadas dos guerrilheiros.

Aquela estação fora tomada de supetão após a maior parte do U.B.C.S. tombar nas ruas ao tentar encarar os zumbis diretamente. A preocupação maior fora criar um abrigo aos civis que haviam sobrado e planejar uma rota de fuga da cidade. Junto a homens já não mais vivos – ao menos não com consciência e sentimentos – Mikhail limpara todas as vias de acesso da estação, descendo de ambos os portões até os trilhos... Mas economizar munição fora necessário. E eles lidaram de maneiras alternativas com os inimigos que não constituíam ameaça imediata.

— Subindo um nível, na direção da entrada sul, havia um grupo de zumbis trancado num cômodo. Pela mobília e a máquina de doces, era uma sala de descanso aos funcionários da companhia – Mikhail detalhou o que viu com toda nitidez que seu cérebro conseguira conservar. – Seguranças, faxineiros... e dois ou três homens que, pelo uniforme, eram operadores. Na descida, nós simplesmente os deixamos fechados lá e erguemos uma barreira para fechar aquele lado da estação. No fundo da sala havia alguns armários...

— Pode ter um manual lá! – Carlos concluiu o pensamento com seus braços já empunhando a arma com urgência. – Tudo bem. A gente pode juntar um grupo, desmanchar a barreira e verificar. Nada muito arriscado. E de quebra livramos a estação de mais algumas daquelas coisas.

— Nada ou ninguém está livre de riscos numa guerra, Oliveira... – Mikhail replicou um tanto distante. – Mas estamos ficando sem opções. Vou contatar alguns dos nossos pelo rádio. Você já pode se dirigir até a barreira, se quiser.

Por trás das palavras cautelosas, porém decididas, do veterano russo, existia uma camada imperceptível ao comandado... ou que o capitão simplesmente tivera sucesso em ocultar naquele momento no qual possuía a ideia fixa de tudo poder demonstrar a não ser hesitação.

E, temia, essa camada logo o envolveria para qualquer um poder vê-la.

X – X – X

O corredor semiapagado do penúltimo nível da Estação Redstone fazia as sombras dos quatro integrantes do U.B.C.S., entre eles Mikhail, não só misturaram-se às do ambiente, mas gerarem dúvidas a cada esquina quanto à aproximação de algum zumbi errante, as miras dos rifles constantemente voltadas aos espectros que sumariamente se revelavam alarmes falsos.

Além de Oliveira, Seeker e MacDowell haviam se juntado à iniciativa. O primeiro deles tinha uma história mais impressionante que o convencional em relação aos combatentes integrando aquela força: franco-atirador veterano da Guerra do Golfo, tivera familiares mortos por uma gangue depois de retornar aos EUA e, como vingança, utilizara sua habilidade atrás de uma mira telescópica para eliminar vinte criminosos membros do grupo, garantindo uma prisão perpétua e posterior recrutamento pela Umbrella. Já o segundo era mais misterioso. Seu histórico tinha algo a ver com tráfico de armas a ditadores do Terceiro Mundo; o sujeito agindo como uma espécie de guarda-costas, e perito em armamentos, aos colarinhos-brancos que o contratavam.

Mikhail considerava a autorização dada pela Umbrella de ler as fichas de seus comandados tanto uma dádiva quanto um fardo. Se por um lado tinha ideia não só das habilidades de cada um, mas o que esperar deles em termos de comportamento e stress em combate, por outro não conseguia deixar de se sentir um invasor, revirando memórias dolorosas que, além de tudo, também faziam pulsar suas próprias chagas...

— A barreira está ali! – MacDowell adiantou-se aos demais. – Eu acho que também vi essa sala de que falou quando descemos a primeira vez, capitão!

— Será que só tem cinco mortos lá dentro mesmo? – o tom de Seeker demonstrava o ar bravio de jovens soldados que Mikhail conhecia tão bem, embora acompanhado de bem-vinda cautela, algo característico de um franco-atirador. – Devíamos ter juntado mais alguns para averiguar!

— Se chamássemos mais gente, as entradas da estação ficariam sem ninguém! – MacDowell rebateu com certa irritação. – O time do Nicholai sumiu há algumas horas para fazer sabe-se lá o quê!

— Eles foram averiguar a Prefeitura – o capitão fez questão de esclarecer, sabendo como aquele tipo de desconfiança era péssima entre os combatentes. – Pode haver civis importantes lá a serem evacuados. Talvez o prefeito.

— O senhor confia demais no Nicholai... – para surpresa de Mikhail, aquela era a voz de Carlos, ainda que um tanto baixa. – Devia mantê-lo mais próximo do perímetro... Deixar claro a ele que somos todos um só time.

Ora, aquilo era algo novo. E vinha de Oliveira. O ex-guerrilheiro. Passar meses sozinho embrenhado na selva contornando inimigos até o momento certo de atacar, com o risco de ser encontrado e fuzilado sem perdão por um destacamento ao mínimo descuido, era uma aula sobre saber em quem ou não confiar melhor que todas as experiências que Mikhail já vivera.

De fato, sua bússola de identificação de caráter falhara não poucas vezes...

Se ele devia se dispor a ouvir o conselho, ao mesmo tempo não podia descuidar da disciplina e união da tropa. Não em condições cada vez mais extremas.

— Nicholai é um bom soldado, e extremamente leal ao comando – afirmou com firmeza. Além disso, é um compatriota; mas isso o capitão acrescentou somente em pensamento. – Se ele tem seus problemas em se relacionar com os outros, é por causa de tudo que viveu...

Mais uma vez, o peso em saber mais a respeito de cada um deles do que podiam imaginar uns sobre os outros se fazia sentir... ainda mais quando Seeker retorquiu:

— O problema é quem realmente o comanda...

O coração de Mikhail disparou. A frase do franco-atirador poderia ser considerada insubordinação grave, sem contar o abalo causado em sua capacidade de liderança frente a soldados sob pressão cada vez maior. Em outros tempos, o capitão teria dado ordem de prisão imediata ao rapaz, deixando que uma corte marcial em Moscou decidisse seu destino – muito menos por orgulho ferido que pela consciência quanto à desunião significar a morte no confronto com os Mujahidin; Raccoon City conseguindo ser muito pior.

Naquele instante, todavia, só conseguiu virar-se instintivamente à barreira no corredor assim que metade dela desabou num baque súbito.

Um banco público foi a primeira coisa a cair do topo da pilha, seguido de uma lixeira que, atingindo o chão, liberou uma desordem de papéis sujos e latas de alumínio pelo piso. No buraco aberto à barricada, surgiu primeiro um par de mãos putrefatas, seguido de outro...

Entre mais objetos ruindo, barulho e tensão, cinco zumbis saltavam ou se arrastavam através da barreira, tentando chegar aos mercenários para se saciar com sua carne.

— Fogo, fogo! – Mikhail ordenou conforme recuava alguns passos.

Os fuzis dispararam contra os mortos-vivos, seu sangue e pedaços começando a se misturar aos detritos espalhados, e os clarões discernindo pela primeira vez com exatidão quem eram os monstros e seus alvos tentando sobreviver.

A penumbra desse contraste entre luz e escuridão foi o que fez o russo mais uma vez reviver memórias de outra guerra... no momento em que menos poderia ceder ao terror que evocavam.

Treze anos antes. Uma gruta nos arredores de Cabul.

O pelotão de Mikhail vinha há semanas realizando ações de terra arrasada para acuar os guerrilheiros da região. A tática que seu país usara contra os mais poderosos invasores, de Napoleão a Hitler, quem diria, agora empregada de forma ofensiva num território em que eles eram os intrusos.

O alto comando lhes deixara claro o objetivo da operação: deixar os Mujahidin sem acesso a qualquer recurso para que, no limiar da inanição, abandonassem as montanhas para serem abatidos.Não era preciso ser inimigo do Kremlin, no entanto, para compreender que não somente os guerrilheiros seriam afetados pelos celeiros queimados e os poços inutilizados com pedras. Mikhail, como era de seu feitio, apenas cumpria as ordens...

Até chegarem àquela caverna ao final de uma ravina, havendo relatórios quanto a servir de esconderijo a todo um grupo de Mujahidin. Quando Mikhail e seus homens nela entraram, o céu azul da tarde ficou para trás, dando lugar a uma escuridão oscilante, não total...

Assim como a presente naquele corredor.

— Capitão, cuidado com aquele ali!

— Meu pente acabou e o desgraçado não cai!

— Senhor, está nos ouvindo?

Os clamores de seus comandados soavam distantes, e Mikhail não mais conseguia discernir se vinham do presente ou passado. O M16 cedido pela Umbrella, apontado por suas mãos, de novo se tornara um AK-47 soviético. Das sombras da caverna, figuras também surgiam se arrastando... tão esfomeadas quanto os zumbis. Mas a sujeira em sua pele, ferimentos cobertos de moscas e membros raquíticos não eram efeito de um vírus mutante. Aqueles vultos, menores em estatura do que guerrilheiros deveriam ser, estavam mais mortos do que vivos devido à fome...

Mais uma vez, o capitão fixou seu olhar nas pupilas suplicantes de um deles...

— Fogo, fogo! – a ordem, similar a um eco daquela que proferira há pouco, viera de um de seus comandados à época. Um que Mikhail tentara depois enviar à corte marcial, mas se livrara a ponto de quase reverter a situação para o julgado ser ele.

Clarões rompem a penumbra. Corpos de crianças são retalhados por balas de grosso calibre.

O estômago do capitão se revira. Sente náuseas. A ração da manhã é vomitada aos seus pés.

No presente, boa parte do órgão é arrancada numa dentada.

— Capitão! – o grito de Carlos fez Mikhail voltar à realidade instantes mais tarde de poder evitar ter sua vida condenada... ou ela já não estava há anos, para além de esperança ou perdão?

O último zumbi ainda de pé, justamente o que atacara o capitão, acabou alvejado por uma rajada de MacDowell. Os dentes ainda mastigando os tecidos da barriga do russo foram estilhaçados, o cadáver agora inerte encontrando o chão de bruços.

Mikhail já aguentara muita coisa. Tinha fragmentos de munição e estilhaços de explosivos pelo corpo em quantidade suficiente para fazer um detector de metais apitar, como costumavam brincar alguns de seus homens, sem contar tudo que já o atravessara direto. A dor daquele ferimento, no entanto, era reforçada pela culpa. Após ser tão reprimida e escondida, chegara o momento de ela atormentá-lo em definitivo, compondo carga que não mais poderia suportar. Foi esse sentimento, mais do que o rasgo no abdômen, que o fez cair sentado, enquanto os três outros mercenários corriam para socorrê-lo.

— Calma, capitão, você vai ficar bem! – Seeker tentou tranquilizá-lo enquanto retirava esparadrapo e um daqueles sprays médicos do cinto, procurando improvisar um curativo.

As faces de todo o trio, entretanto, desmentiam suas palavras. Nenhum deles era ingênuo o bastante para já não haver percebido o que ocorria com qualquer um que fosse mordido.

— C-chequem a sala! – Mikhail ordenou, começando a erguer um braço e desistindo logo que o movimento causou violenta fisgada em sua barriga. – Encontrem o manual, ou isto t-tudo terá sido em vão!

Todos estavam atordoados, mas Carlos foi o que primeiro assimilou a ordem e, embora inseguro, levantou-se para avançar além do que restara da barreira.

Outro espasmo de dor, unido a um último piscar do rosto de uma criança afegã, projetado no teto para o qual os olhos do capitão estavam voltados.

Desmaiou.

X – X – X

— Senhor! Senhor?

A voz de Carlos era um brado longínquo, por um momento gerando a dúvida se pertencente a um anjo. Se fosse o caso, Mikhail – "Miguel" em russo, justo o nome do arcanjo que primeiro banira o mal, e em cuja homenagem coincidentemente havia tantas coisas nomeadas naquela cidade – acabara de morrer e o sobrenatural revelava-se existente naquele momento, proporcionando-lhe uma segunda chance...

Todavia, tanto o puxão no estômago quanto a angústia causada pelos pensamentos reordenados deixaram claro ainda estar entre os vivos. O tato completou tudo, denunciando o frio assento do vagão de metrô embaixo e atrás de si, o lugar ainda cheirando a detergente pela última limpeza num contraste com toda a epidemia ocorrendo acima das ruas.

O russo torceu os lábios. Das alternativas, aquela era de longe a que menos desejava. Mais do que despertar num mundo sem dor, sua ânsia era por um mundo sem culpa.

— Que bom que acordou, capitão! – Oliveira aproximou-se dele, fazendo menção de se curvar, porém recuando no meio do movimento. – Achei que o houvéssemos perdido!

Uma mera questão de tempo. Reconforto para mim, mas perdição a vocês e à tentativa de salvar esta cidade... – Mikhail refletiu, encarando-o firme. Apesar da desolação em seu íntimo, não estava ainda disposto a se entregar. Se uma tentativa a mais lhe fora dada naquele mundo maldito, com certeza era para concluir sua última missão. O reinício na vida seguinte teria de esperar.

Talvez isso redima parte dos meus pecados... – ponderou, ajeitando-se melhor no banco. — Talvez...

Seeker, até então de guarda numa das pontas do vagão, também caminhou até o comandante tão logo percebeu haver despertado.

— Boas ou más notícias primeiro? – o franco-atirador indagou, seu ar jovial acalmando um pouco a tempestade no interior do capitão.

Mikhail não respondeu, somente alternando o olhar cansado entre seus dois soldados. Entendendo o gesto, Carlos apanhou algo até então deixado sobre o assento em frente ao capitão: um fichário de capa dura azul, a inscrição "Kite Bros. Railway" escrita a caneta numa etiqueta nela colada.

— Este é o manual de operação do metrô, e ele explica como ativá-lo – Oliveira explanou. – Há uma subestação de energia quarteirões ao norte daqui, de onde vem a eletricidade para os trens. O prefeito mandou desligá-la há uns dois dias, com os zumbis por toda parte, tentando reforçar a quarentena quando ela já era inútil. Precisaremos ir até essa subestação religá-la.

— Não só isso: com a energia reestabelecida, é preciso definir o fluxo de eletricidade nas linhas usando a central de controle na sede da Kite Bros., que fica no meio do caminho até a subestação – complementou Seeker.

Seus homens já haviam, por eles mesmos, concebido um plano. E envolvia salvação, não perdição – ao contrário dos figurões maquinando acima de seu controle no passado e, considerando o rumo que as coisas tomavam com a Umbrella, igualmente no presente. Voltar a si para constatar uma alternativa fazia tudo começar a valer a pena.

— Seeker fará um reconhecimento da área para definir qual o melhor caminho à subestação – Carlos detalhou. – Enquanto isso, vou checar o setor sudeste. Enquanto o senhor estava desacordado, recebemos pedidos de socorro de alguns policiais. Eles descobriram nossa frequência e não têm mais a quem recorrer.

Mikhail assentiu levemente com a cabeça. Seu soldado mais confiável aprendera bem a lição...

Nós não deixamos ninguém para trás.

— Tudo bem, prossigam com o plano – autorizou, cobrindo a ferida no abdômen com uma mão. – Continuem atentos a civis sobreviventes. E antes que saiam, apenas uma última coisa...

O capitão demorou a completar a fala, procurando tanto afastar suas próprias suspeitas quanto evitar os olhares alarmados dos subordinados em direção à mordida:

— Como os zumbis conseguiram sair da sala de descanso?

Oliveira e Seeker se entreolharam, dando a entender que a questão também era polêmica a eles.

— Ela estava destrancada quando a averiguei, senhor – Carlos esclareceu.

Mikhail contraiu os punhos. O estômago gritou ainda mais alto.

Tinha certeza absoluta de ter trancado a porta...

A fala de Seeker antes do ataque dos mortos-vivos era um aviso, afinal. Não uma provocação.

— Muito bem. Façam o que precisam fazer! – o capitão pensou em acrescentar que eles não precisariam se preocupar consigo, porém sentiu-os responsáveis o bastante para saberem que aquilo não poderia desviá-los da missão.

Ele ajeitou-se mais uma vez no banco.

À beira da morte, Mikhail Viktor Alexandrov compensaria os erros de toda uma vida.

 

 


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Notas finais do capítulo

Comentário do autor: Espero que também tenham gostado deste. Cada relato está um pouco maior que o anterior, hehe! Mas é que tenho muitas coisas interessantes reservadas aos personagens.

O próximo será uma surpresa a todos.

Até lá!



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