Legends escrita por MusaAnônima12345


Capítulo 2
A Princesa Destemida


Notas iniciais do capítulo

Postado dia: 26/03/2020.



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Sábado, 09:00 da manhã.

O despertador toca em algum lugar do meu quarto, repetindo um dos meus toques favoritos, Believer, do Imagine Dragons, pela terceira vez consecutiva enquanto continuo deitada na minha cama. Estou exausta. Me remexo em minha cama, tentando ajustar meus olhos à claridade dentro do meu quarto que penetrava por entre as cortinas grossas caras que minha mãe comprara há algum tempo atrás. Aos poucos as lembranças da noite passada voltam à tona e um suspiro sai de mim automaticamente. Aquela madrugada era a terceira em que eu tinha o mesmo sonho esquisito com um garoto que eu nunca vi em toda a minha vida. O mesmo sonho que já me perseguia há meses e que era o motivo de estar quase no ponto de arrancar meus próprios cabelos. Encaro o teto do meu quarto em busca de concentrar minha mente em todos os detalhes que não posso me permitir esquecer.

Cabelos longos e desalinhados, num castanho escuro profundo. Um par de olhos verdes intensos. Lábios finos em contraste com um maxilar largo e em perfeita simetria com a metade de uma máscara que lhe cobria. A mesma era feita de madeira, com detalhes talhados por uma mão habilidosa, mas por algo motivo estava queimada e várias marcas do que pareciam dentes lhe deixavam com uma aparência aterrorizante e sombria. Uma voz calma e suave que repetia uma frase que por algum motivo fazia meu coração se apertar e meu estômago embrulhar.

"Eu jamais vou abandonar você. Jamais."

— Merida, quer, por favor, desligar esse despertador e se levantar de uma vez?

Bufo e cubro minha cabeça com a coberta quentinha e confortável, tentando aproveitar mais alguns minutinhos de sono antes que minha mãe viesse me arrancar de debaixo das cobertas. Como eu não me manifestei e obedeci a dona Elinor, ela não hesitou em fazer exatamente o que eu previ, escancarando as grossas cortinas e fazendo toda a luz do sol que podia existir do lado de fora da minha janela entrar e queimar meus olhos. Dou um grunhido cansado e me viro para sua figura rígida e tensa ao lado da minha cama. Ela tinha lá seus cinquenta anos, mas sua aparência não denunciava qualquer resquício de velhice. É, minha mãe sabia como se cuidar e se preservar como uma verdadeira rainha. A observei remexendo nas minhas coisas apressada, tensa e mais uma vez meu estômago se revira ao pensar no motivo. O maldito convite da festa.

— Se quiser parecer uma moça de verdade na frente de todos aqueles executivos hoje ainda temos muita coisa pra fazer nessa sua cara e principalmente nesse cabelo. - ela começa, separando várias peças de roupas sobre o criado-mudo ao lado da minha cabeceira. Solto um bocejo e me jogo de novo na minha cama, apertando um travesseiro contra meu rosto. - Você está me ouvindo Merida?

— Estou. – respondo, com a voz abafada. - Mas não podemos ver isso... Depois?

— Ora, mas é claro que não. - rebate provavelmente me fuzilando com aquele olhar duro que só dona Elinor tem. - Onde já se viu uma verdadeira dama como você se fazendo de uma total preguiçosa, se levante e vá já para o banho Merida! Precisamos estar apresentáveis na festa hoje à noite.  - ela simplesmente me arranca da minha cama aos empurrões com toda aquela vontade de sair em pleno sábado que eu tinha. - O que você espera que vão dizer de você, a filha de um homem conhecido por todo o país, um grande empresário e investidor, se chegar como uma verdadeira mulamba mal vestida na festa de comemoração de uma das famílias mais importantes da nossa sociedade?

— No mínimo que tenho lindos olhos. - retruco com um sorriso irônico, pensando na importância tão grande que minha mãe dava para aparências. Ela revira os olhos e me arrasta para dentro do banheiro. - É sério mãe, pra quê tudo isso? Porque essa festa é tão importante assim?

— Além da família de Arendelle, estarão presentes também os sócios do seu pai no estaleiro. - escuto e arregalo os olhos, surpresa e ao mesmo tempo frustrada. Agora sim aquela situação toda se tornava ainda mais insuportável. - MacGuffin, Macintosh e Dingwall, todos eles estarão lá e você sabe como seria produtivo para a nossa família se um daqueles jovens encantadores...

— Nem vem com essa conversa de novo mãe! - protesto, parando bruscamente na porta do banheiro e me virando para ela. - Nós duas já conversamos sobre isso. Eu não vou arranjar nenhum relacionamento com nenhum desses três mauricinhos só para ajudar nos negócios do papai!

A observo respirar fundo para começar mais um novo sermão interminável de como uma união entre nossas famílias poderia ser lucrativo, como os negócios poderiam melhorar ou piorar com a minha decisão, que ela só estava pensando no meu bem, no meu futuro... Argh, qual é, não posso simplesmente escolher o que eu quero fazer da minha vida? Porque ela simplesmente não entende que não quero que controle a minha vida? Que eu posso me virar sozinha? Porque ela precisa planejar todos os meus passos sendo que isso é o que ela quer pra ela e não pra mim? Bufo de raiva e bato o pé no chão.

— Eu não vou sair, namorar e muito menos casar com alguém que eu não amo. - lhe interrompo entrando no banheiro e segurando a maçaneta da porta. - Agora se me dá licença. – digo, fechando a porta antes que minha mãe pudesse dizer mais alguma coisa.

Claro que isso não adiantou muito porque enquanto enchia minha banheira ainda podia ouvir seus resmungos - talvez escolhendo uma roupa para que vestisse assim que saísse. Após um tempo, o quarto ficou em silêncio depois que ouvi gritos de repreensão aos meus três irmãos gêmeos caçulas e uma batida de porta. Agradeci mentalmente aos céus por um pequeno momento de paz e mergulhei toda a cabeça na água, numa tentativa de molhar meus cabelos de uma vez só. Fecho meus olhos tentando pensar em qualquer coisa, menos no que deveria se tornar um dos piores eventos que já participei. Meus pensamentos me levam até a floresta, nos arredores da nossa propriedade e onde eu sempre ia para ter alguns momentos de privacidade - longe da minha mãe - e claro: o único lugar que me sinto livre o bastante para me ver longe das regras sufocantes da dona Elinor e ficar sozinha. Porém, antes do que eu esperava, aquele estranho par de olhos verdes surgem diante do meu campo de visão. Deveria estar enlouquecendo, mas... O mais assustador de tudo aquilo e o mais estranho era que eu os achava familiares.

Familiares até demais.

Suspiro.

Eu realmente devo estar pirando.

Prendendo a respiração, afundo até minha cabeça ficar coberta pela água já morna.

***

— Ai! - grito enquanto minha mãe penteia meu cabelo, numa tentativa de prendê-lo num coque, a fim de me fazer parecer uma moça decente e não uma verdadeira descabelada como disse antes. – Ai!

— Já te mandei ficar quieta Merida. - ela rebate parecendo impaciente, puxando mais um pouco do meu cabelo para trás. Solto um suspiro e mexo em minha franja antes que ela também seja presa. Infelizmente até aquela pequena liberdade fora domada quando ela a puxa para trás com a escova de cabelo. - Já estou quase terminando.

— Ainda bem, porque eu nem estou respirando com esse vestido. - reclamo sentindo minhas costas doerem por conta do tamanho da roupa que havia sido obrigada a colocar.

— Pronto. - ela anuncia e no mesmo instante sinto um grande alívio no peito. Me ajudando a levantar dura como uma verdadeira tábua de passar de Mandy, me viro para ela. - Oh... Está perfeita. - diz, orgulhosa com o que me fizera. De repente, ela estala os dedos, como se tivesse se lembrado de alguma coisa. - Só falta uma coisa.

A assisto ir até a minha penteadeira e abrir uma caixinha na qual nem mesmo vira que estava ali, porém, a reconheço assim que um acessório é erguido no ar como se fosse algo precioso para dona Elinor. Bom... De certa forma era. Fico sem reação quando um colar de prata com um pesado pingente com um brasão de três ursos com pequenas esmeraldas nos olhos é colocado em meu pescoço. Herança de família, ela dissera há muito tempo.

— Oh - ela sorri abertamente, contente com o meu possível visual e estala os beiços, adorando o resultado. - Impecável. - apenas faço uma careta e ela aponta alegremente para o espelho do meu cômodo. - Venha, veja você mesma.

Suspiro do jeito que consigo e caminho devagar até o grande espelho próximo à minha janela. Meu coque até que não estava assim tão ruim - mesmo eu ainda preferindo meu cabelo solto - o problema mesmo era aquele vestido. Não me levem a mal, mas eu realmente tenho uma rixa com vestidos. Todos que me vestem ficam apertados demais para se mexer ou tem algum outro defeito que me irrita o suficiente para rasgar tudo e colocar outra roupa mais confortável. Encaro o vestido azul claro e dourado com uma careta não tão repulsiva. Ao menos tento. Miseravelmente em vão. Vejo o reflexo de minha mãe atrás de mim e estranho sua expressão. Sempre que sou a última a me arrumar todos os outros já estão prontos e aposto uma grana alta que já deveríamos estar encima da hora de sairmos para a tal comemoração de negócios. Analiso-a com um pequeno sorriso triste. Nunca chegaria aos pés da elegância que minha mãe possuía impregnado no corpo dela. Estava usando um vestido longo e discreto verde escuro com mangas longas e seu cabelo estava milimetricamente arrumado em duas tranças bem elaboradas sobre os ombros.

Me viro para ela novamente torcendo para que não diga que ainda precisa fazer mais alguma coisa com a minha cara.

— Merida, eu... Eu... - a escuto dizer, hesitante. Assinto com a cabeça esperando uma resposta.

Longos dois minutos se passam e um silêncio se instala entre nós duas. Estreito os olhos, tentando adivinhar o que ela poderia dizer. Poderia ser qualquer coisa, mas quando olhei com atenção em seus olhos vi que deveria ser algo importante e ela estava em dúvida se diria alguma coisa ou não. Ou seria apenas impressão minha?

— Mãe? - lhe incentivo a continuar, ansiosa. Ela me encara e abaixa a cabeça por um instante, suspirando levemente. Ao erguer a cabeça está rígida de novo.

— Lembre-se de que sorrir é essencial. - ressalta, se virando e me pedindo para acompanhá-la até a porta.

Com a cabeça baixa e pedindo mentalmente para alguma coisa – qualquer coisa - me livrar daquele encontro desagradável com o trio de puxa-sacos do meu pai, acompanho minha mãe pra fora do meu quarto. Entretanto, assim que nos encontramos na garagem e entramos todos juntos no carro, algo dentro de mim se mexeu e fez minhas mãos tremerem. Um pressentimento ruim tomava conta do meu ser assim que nosso automóvel começou a andar e me arrepiava da cabeça aos pés à cabeça. De alguma forma eu sabia que alguma coisa iria acontecer aquela noite.

Eu só não fazia ideia do que poderia ser.


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