— Vai mesmo continuar olhando pro nada e pensando na vida ao invés de pedir desculpas?

Ling Chao não chegou a se assustar com a aproximação silenciosa do colega de curso, mas fez uma careta como se tivesse, tentando arrumar uma desculpa para se fazer de vítima e não levar bronca por sua inércia.

Ele tinha passado o dia todo com aquele sentimento ruim no peito por saber que Lunie ainda estava chateada com ele. Não era como se estivessem brigados ou se evitando, mas ele sabia que ela não estava feliz, o que o deixava inquieto.

YaoChi parecia bem impaciente com Ling Chao enquanto ele contava o motivo da discussão que tivera com Lunie e, para sua surpresa, ficara ao lado dela. E naquele momento estava pressionando-o a um pedido de desculpas por algo que Ling Chao não tinha certeza que estava errado.

Era tão cego assim?

— Não sei... Ela deve estar dormindo uma hora dessas. – mentira. A noite acabara de cair e ele sabia dos hábitos nem um pouco saudáveis que faziam com que Lunie dormisse sempre com a madrugada alta. YaoChi o puxou pelo pulso até estar sentado em sua cama e puxou uma cadeira para sentar em sua frente, o encarando com uma seriedade que não lhe era característica.

— Você ainda não entendeu o que aconteceu, né? – aquilo era uma pergunta retórica, mas Ling Chao concordou com a cabeça mesmo assim. – Eu não tenho certeza dos sentimentos da sua Lunie, mas eu vou falar como eu me sentiria se fosse eu no lugar dela. Eu ia te bater e não ia querer olhar mais na sua cara. – o menino sempre sorridente e gentil não se deixou levar pela expressão assustada do amigo. Ling Chao era teimoso demais quando colocava uma ideia na cabeça, mas daquela vez não podia deixar que ele encontrasse a resposta para o que tinha feito. Não sozinho. Daquela vez ele precisava ajudar ou o veria triste pelos cantos de novo, e aquilo não era legal. – Você não consegue entender o que fez de errado porque não sente o mesmo na sua pele, sabe... Não é o fato de achar que sua JieJie não se encaixa em um girlgroup, mas o fato de falar sem medir as palavras. – Ling Chao ainda parecia confuso. – O que diria se eu falasse que o LaoYue é velho demais pra ser um idol?

— Eu te mandaria calar a boca. É o sonho dele e a idade não importa. – a resposta foi imediata, assim como a expressão de compreensão se espalhando pelo rosto do mais novo.

— Viu? Mesmo que seja uma verdade que o LaoYue é velho pra ser um idol, ela não precisa ser dita. Se ela magoa, machuca ou se faz alguém desistir de ser quem é, não fale. – mesmo com o sorriso de volta ao rosto, YaoChi tinha os olhos marejados. Era um chorão e não escondia aquilo. – Lunie tem razão de estar chateada por você insistir em dizer coisas que podem magoar a amiga dela, assim como você ficaria se falassem sobre Mu Ziyang ou YueYue, então você deveria pedir desculpas. Mas, mais do que isso, deve aprender com esse erro e evitar cometê-lo de novo no futuro.

As coisas estavam tão claras naquele momento que Ling Chao sentia vontade de se bater por ter demorado tanto para se dar conta de algo tão simples. Lembrava de ouvir Lunie repetir várias vezes que ele não gostaria se fosse com ele, que ele devia exercitar a empatia e que tinha coisas que não deveriam ser verbalizadas, mas apenas a via com uma proteção excessiva em torno das amigas, por ser líder. O fato dela ter dito aquilo nervosa e frisando o quanto ele era infantil várias vezes também corroboraram para pensar daquela forma.

Ling Chao era imaturo e reconhecia que tinha muita coisa que precisava aprender ainda.

Ele respirou fundo antes de puxar o amigo para um abraço apertado, agradecendo várias vezes, enquanto pedia mentalmente que Lunie não desistisse dele por ser uma criança.

— Agora vai lá e pede desculpas por ser teimoso e manda mensagem pra JieJie também. – YaoChi se desvencilhou do abraço apertado e foi até a escrivaninha para pegar sua câmera fotográfica e tirar uma foto aleatória de Ling Chao procurando seu celular em meio às roupas da bolsa aberta. – Quando eu revelar, essa será uma foto para você colocar em um diário de aprendizados. – o menino usava uma câmera analógica, então não estava brincando com a parte de “revelar”.

Ling Chao parou por um momento, olhando a câmera nas mãos alheias com um sorriso nos lábios, revelando que acabara de ter uma ideia.

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Lunie estava deitada na sala de ensaio, sozinha. Queria que as amigas estivessem ali para animá-la durante aquela “bad”, mas apenas ela e YueYue tinham agenda de ensaios naquela manhã, então se contentava com algumas mensagens trocadas com Letícia e Miwa enquanto estava naquele pequeno intervalo.

Uma parte dela estava bem chateada por não ter seguido o conselho de Raquel e ter se resolvido com Ling Chao antes dele voltar para a faculdade. Era a parte que acreditava que ele não tinha falado aquelas coisas porque realmente acreditava nelas, mas porque não entendia a extensão do problema ao dizê-las. Mas não adiantava chorar pelo leite derramado. Não tinha falado mesmo e naquele momento amargava a consequência e ponto.

— É meio sem graça sem os outros pra fazerem bagunça, não é? – JiHo era uma professora bem focada na maior parte do tempo, mas deixava mostrar um lado espontâneo de vez em quando. Lunie gostava dela.

— É bom porque eu consigo me concentrar mais, mas é ruim sem todo mundo... Fica sem graça. – Lunie sentou e alcançou a garrafa d’água, bebendo alguns goles e depois descartando. – Por que mesmo os meninos não vieram? – ela lembrava de Letícia dizer algo, mas não exatamente o quê.

— Lin teve um problema pra resolver em casa e Taoo está de cama. Bowen ficou cuidando dele. – mesmo que ela soasse tranquila, Lunie não conseguiu deixar de se preocupar. Tinha acabado se apegando a todos os meninos, até parecia Raquel adotando idols e trainees enquanto assistia programas de sobrevivência. – E as meninas? – a pergunta veio porque a nova manager havia mudado a agenda de todas, incluindo e tirando atividades.

Lunie tinha gostado da mulher, que parecia bem inteligente e competente.

— Letícia gravou uma chamada pra IQiyi ontem de noite, então acabou chegando tarde e só vem depois do almoço pra reunião com a CEO. – se sentia ansiosa para aquela reunião da qual participaria também, mas que não tinha ideia do tópico principal. – E a Raquel saiu com a manager cedo pra fazer sabe lá o que, e não me responde há horas.

A última frase foi dita em tom revoltado e arrancou uma risada de JiHo.

A conversa não continuou por muito tempo, já que as duas precisavam terminar o ensaio. Lunie deixou o celular, e as outras tantas preocupações que rondavam sua mente, de lado por aquele tempo em que se focava em tudo o que podia absorver da professora.

As horas passaram tão rápido enquanto dançava que foi uma surpresa quando ChaLi – a nova manager da  Qin’s – as interrompeu educadamente para pedir que a trainee a acompanhasse.

— E a Raquel? – a pergunta veio naturalmente, culpa da curiosidade que a consumia por ter sido ignorada pela mais velha.

— Na sala da CEO, com Letícia. – ChaLi era um pouco intimidadora com os saltos tilintando no piso de madeira, mas ao mesmo tempo carregava um sorriso calmo no rosto. – Sra. Qin tem alguns compromissos e pediu para encontrar vocês antes do seu almoço. – e não deu mais nenhuma informação, mesmo que se fosse implícito que Lunie quisesse saber onde Raquel estivera, que não tinha se dado ao trabalho de responder a líder.

Estava preocupada, claro. A amiga tinha contado, depois de muita insistência, sobre a conversa que teve com YueYue, e mesmo que aquela idiotice de solo tivesse sido varrida da cabeça dela, ainda tinha medo da teimosa voltar atrás.

Como se já não tivesse problemas suficientes com Ling Chao, tinha que se preocupar com as burrices que passavam na cabeça das amigas. Ser líder era complicado.

Elas entraram na sala e se acomodaram silenciosamente, aguardando a CEO terminar uma ligação, antes de se voltar para as presentes com uma expressão cansada.

— Olha, às vezes eu só queria voltar a ser uma fangirl. Ser CEO dá muita dor de cabeça. – reclamou, mas sorriu em seguida, como se quisesse animar o ambiente. – Eu chamei vocês aqui porque a Raquel me sinalizou algo muito importante. – Zhouyi procurou um papel na mesa, mas Lunie a interrompeu.

— Se for sobre a ideia sem noção de debutar solo...

— Debutar solo? Quem pensaria nisso? – Zhouyi a olhou confusa e Raquel escondeu o rosto com uma das mãos. – Vocês são muito mais funcionais como grupo, que ideia. – um papel foi empurrado para as três lerem em conjunto. – O assunto é a educação da Letícia. – Lunie não sabia se respirava aliviada ou se ficava sem graça por ter interrompido. Olhou o papel com atenção enquanto a mulher voltava a falar. – O ano letivo chinês vai começar em breve e eu preciso saber se ela vai terminar os estudos aqui ou se vai voltar para o Brasil. Se for ficar, teremos que organizar horários, papeladas...

O assunto era importante, claro, mas perto do que passara na cabeça de Lunie era bem mais tranquilo. Ela até conseguiu respirar aliviada e deixar o cansaço e a fome tomar conta de seu corpo, que antes era preenchido apenas de pura chateação e preocupação.

Agradeceu pela reunião não demorar muito, e ficou feliz quando as coisas foram acertadas e pôde sair para comer.

Apenas então conseguiu arrastar Raquel para a cozinha e fazer a pergunta que estava lhe corroendo. Letícia deu um jeito de fugir, sentindo que a líder sairia distribuindo broncas para todos os lados.

— Posso saber onde a bonita se enfiou até agora? E pode largando essa caneca de café e comendo alguma coisa decente. – Lunie não parecia nem um pouco feliz, o que não abalou a amiga, que só obedeceu para não arrumar confusão.

— A ChaLi me mandou uma proposta ontem e eu decidi que não faria mal algum ver no que podia dar.

— E ia morrer de me responder? Ou de me falar o que era? – a chateação parecia ser ainda maior pela amiga estar escondendo algo.

— Meus Deuses! Eu só queria ter certeza que realmente queria participar, não precisa de todo esse drama.

Mas Lunie era dramática por natureza e não tirou a expressão nada contente do rosto.

— E qual era a proposta que você não podia contar pra mim? Vai entrar pra outra empresa? Debutar em outro grupo?

Raquel respirou fundo para não falar um palavrão.

— Me convidaram pra participar de um programa na IQiyi. Eu vou ser um tipo de “conselheira” amorosa em um reality de relacionamentos e tal.  – ela riu, porque, mesmo sendo a mais velha, não duvidava que era uma das mais inexperientes no assunto. Mas pelo que diziam “treinadores não jogam”. – Eu conheci o cenário, os apresentadores, os outros conselheiros... – a pausa nesse momento foi abrupta, como se tivesse esquecido que não falaria sobre aquilo. – O roteiro é bom também, e as gravações são uma vez na semana e não vão atrapalhar os ensaios.

Lunie não tinha reparado na pausa da amiga como algo estranho, mas algo chamou sua atenção na forma que ela descrevia o programa. Ela já tinha ouvido algo assim antes.

— É aquele que você assistia? O que você implicava que o povo não sabia cozinhar? – ela perguntou, tendo pequenas lembranças das conversas, até que uma expressão chocada se fez no rosto de Lunie. – Espera, esse não é o programa que o Ziyi falou aquela coisa machista que você fica passando pano?

— Ele não foi machista... – Raquel começou a argumentar, mesmo sabendo que era em vão.

— Calma, não me diz que ele é um dos conselheiros de novo. – ela teve a resposta que precisava quando Raquel ficou vermelha e desviou o olhar. – Não acredito que foi por causa dele que você aceitou! – Lunie começou a rir tanto que quase engasgou com a comida. – YueYue, corre aqui! A Raquel vai gravar com o crush dela. – a crise de riso, que ela já não conseguia controlar, só piorou com YueYue indo até a cozinha, confuso por ter sido chamado.

— O que foi? – a pergunta foi feita por não entender o motivo de Lunie estar rindo tanto.

— É uma piada interna, esquece. – Raquel queria abrir um buraco no chão e se esconder por causa da vergonha. – Ela é louca, só ignora. – ele encolheu os ombros e saiu resmungando algo como “não entendi nada”. – Eu vou te bater! Já disse que o Ziyi não é meu crush! – sem se conter, chutou Lunie por debaixo da mesa.

— Claro que não... Você só sonha que tá pegando ele sempre. – as frases eram quase inteligíveis por causa da risada. Ela secou as lágrimas que escapavam dos cantos de seus olhos enquanto tentava se acalmar. – Eu não acredito que você vai mesmo gravar um programa de casais com o seu crush.

— Foi por isso que eu não disse nada. Sabia que não teria paz. – Raquel escondeu o rosto nas mãos e suspirou, sabendo que escutaria sobre aquilo para sempre.

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Lunie tinha se mantido longe da qualquer rede social que pudesse fazê-la cair na tentação de ver alguma atualização de Ling Chao durante o dia todo. Sabia que seus sentimentos estavam a ponto de transbordar e não queria acabar chorando por ser uma completa boba por ele. Preferiu fazer aquilo apenas quando se viu bem alimentada e embaixo das cobertas, com as amigas sentadas próximas de si no sofá espaçoso do dormitório. Raquel e Letícia prestavam atenção na TV, onde passava algum filme de ação de qualidade duvidosa e que arrancava risadas de ambas, mas assim que Lunie começou a soluçar, elas se voltaram para ela, preocupadas.

— O que ele fez dessa vez? – Raquel foi a primeira a perguntar, enquanto Letícia se abraçava a Lunie, que não sabia se chorava ou respondia. – Mas que... – mesmo com alguma dificuldade, conseguiu tirar o celular da mão alheia e ficou um tempo tentando entender o motivo do choro.

Ling Chao havia feito três postagens naquele dia, todas em horários bem próximos e com frases que pareciam citações nada pessoais, mas que carregavam um significado para quem estivesse informado dos atuais acontecimentos.

A primeira publicação era composta por duas fotos do céu rosáceo da tarde, com nuvens na mesma tonalidade, e a legenda era “Me culpo quando sou responsável por tempestades. O céu é mais bonito cor de rosa”.

Nada de mais para quem não sabia que Lunie amava aquela cor e entendia perfeitamente que aquilo era para ela. Mas as coisas não paravam por aí.

Como a primeira, a segunda foto era bem subjetiva. Uma das mãos dele com bastante glitter em volta e na pele. A frase que a acompanhava era um simples “Nosso dia pode ser bem mais claro e brilhante quando abrimos os olhos para os nossos erros”.

Raquel queria gritar o quanto achava aquilo brega, mas guardou para si mesma. Não queria apanhar.

A última das três postagens era mais explícita. Uma arte feita por ele com um fundo azul sobreposto por duas silhuetas humanas se beijando. Cada personagem tinha sua cor, mas ambos eram banhados por uma espécie de chuva colorida de pinceladas cuidadosas. Nessa imagem ele tinha preferido brincar com as fãs, mas era óbvio que a legenda não era para elas. Aquilo de “Não sei se posso nomear esse desenho como ‘Futuro’, mas também não queria nomear de outro jeito” era algo bem claro sobre o relacionamento deles.

Ele tinha conseguido mostrar seu arrependimento de uma forma pública, mas não de um jeito que Lunie consideraria vergonhoso. Aquilo merecia algum crédito, já que a amiga era bem complicada quando o assunto era aquele.

— Parece que alguém tá tentando te pedir desculpas. – Lunie continuava chorando e Raquel riu da reação que julgava exagerada.

— Ele é perfeito, que ódio! Por que ele é assim? – Lunie enxugava o rosto quando a amiga estendeu o celular de volta para ela, que mostrava que Ling Chao estava ligando para ela.

— Olha aí sua chance de perguntar pra ele. Vem, Letícia, vamos fazer alguma coisa gostosa pra ela comer. – Letícia olhou mais uma vez para Lunie, para ter certeza que ela estava bem, antes de ser arrastada dali. – Vamos ouvir por mais um século e meio que o Ling Chao é perfeito demais e que ela vai morrer.

Lunie ignorou aquilo e se focou em parar de chorar e controlar a voz para conseguir atender a chamada.

— Oi... – a voz ainda estava um pouco embargada, então preferiu não falar muito.

— Oi. – Ling Chao respondeu do mesmo jeito, mas com uma voz que transparecia ansiedade. – Olha, eu sei que você tá brava e acha que eu sou um idiota infantil, mas... Eu preciso dizer que eu entendi. Eu entendi que eu fui um babaca e que não devia ter dito aquelas coisas. E não, eu não tô falando isso só pra gente ficar bem, mas porque eu quero te mostrar que eu sei reconhecer quando eu estou errado e que eu posso aprender quando faço algo que não é certo. Desculpa por não ter pensado antes de falar, por ter magoado você, a JieJie e todo mundo. E por ter feito você pensar que eu não sou uma pessoa legal. Eu tô aprendendo essas coisas ainda e quero saber se você me dá outra chance.

Ling Chao disse tudo em uma tacada só, como se tivesse decorado aquele discurso e não quisesse esquecer nada. Ele até suspirou quando terminou de dizer tudo.

Lunie, por sua vez, sentia o coração aquecer ao perceber que ele estava sério sobre aquilo. Estava sério sobre pensar no que tinha dito e aprender a se colocar no lugar da outra pessoa. Ling Chao era perfeito até quando cometia algum tipo de deslize.

— Eu aceito suas desculpas e acho que a gente pode ficar bem, mas... – ela o ouviu prender a respiração do outro lado da linha. – Mas você tem que me prometer que vai me escutar da próxima vez e não vai ser tão teimoso.

— Eu prometo o que você quiser. Nunca mais quero que você fique brava comigo daquele jeito.

Lunie riu, sentindo os olhos marejarem, mas logo os dois mudaram de assunto e passaram a dizer o quanto estavam com saudades e fazer alguns planos para quando ambos tivessem alguma folga.

Talvez as coisas fossem mais fáceis dali pra frente.

Continua...