Para sempre e mais um dia escrita por Isolt Sayre


Capítulo 4
Life left to go


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridas(os)!!!!!

Mais um capítulozinho para vocês! Devo dizer que me empolguei novamente (mais de 4000 caracteres, peço perdão) e que minha vontade era de ir direto para o outro capítulo, mas eu acabei deixando algumas coisas em aberto no capítulo anterior, o que fez esse ser quase essencial. Feliz em dizer que tenho uma surprezinha para vocês no final.

Obs. do último capítulo: Acho que deve ter dado para perceber o quão ansiosa eu sou para postar, né? Eu sempre deixo passar vários errinhos, inclusive no nome dos personagens (é Josie e não Josy tsc tsc). Também cometi um erro de poser e falei que foi a Josie quem disse "Você não pode falar com Gilbert Blythe. Você nem pode olhar para ele", e na verdade quem diz isso é a Tillie. Só fui ver meu erro depois de ver a primeira temporada ontem de novo. Me desculpem, então, pessoas. E não prometo que esse capítulo esteja livre de erros. Deu trabalho para escrever e eu não via a hora de postar. Estou praticamente postando e saindo correndo.

Na última vez deu certo, então tô voltando a recomendar minha fanfic de Harry Potter, "The Bravest One". Tá bem legal mesmo. Termina esse capítulo e já emenda sua leitura. Juuuuro, juradinho que não vão se arrepender. Prometo aventura, personagens originais, quadribol, James Sirius Potter e um romance bem amorzinho.

E por fim, quero agradecer a todos os comentários, favoritos e listas de leituras. Vocês são uns amores e estou bem feliz mesmo.

Um beijo e aproveitem!



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— Por que escolher a Medicina, Sr. Blythe?  

Gilbert ainda estava se acostumando com o ambiente meticulosamente organizado do gabinete, assim como tentava sentir-se menos nervoso com a presença da médica. Emily Oak era uma mulher de uns 35 anos de idade e seu sotaque sugeria nacionalidade francesa.  Ela havia sido bastante cordial ao se apresentar e convidá-lo a se sentar. 

 A primeira impressão que teve sobre a Dra. Oak foi... Bom, precisava parar de julgar as pessoas tão rapidamente, mas a moça carregava um ar frio, sério, diria até que muito imponente. Bastou apenas uma fuzilada da médica por cima dos óculos para Gilbert ter certeza que aquela não seria uma conversa fácil, de forma que ele titubeou antes de responder a pergunta. Lembrou-se imediatamente de Elizabeth, ele precisava passar uma excelente impressão. 

— Veio da Ilha do Príncipe Edward, certo? — continuou ela, poucos segundos após a primeira pergunta, talvez notando que Gilbert parecia ansioso. — Não sou uma estudiosa ou mesmo fã de geografia, mas sei que as terras são muito férteis por lá. E os pastos são planos para criar gado de qualidade. Por que não ser fazendeiro? O que o inspirou a vir de tão longe? 

Gilbert a encarou. A médica o observava com interesse, medindo-o, parecia subestimá-lo com o olhar. Se pudesse arriscar no que ela estava pensando, diria que seria algo do tipo “Vamos lá, garoto, me impressione. Não tenho o dia todo”. Gilbert era humilde e sabia ser modesto, mas também sabia reconhecer bem seu valor. Estar diante daquela mulher lhe custara muito em vários sentidos, não fora fácil chegar ali.  

“Oh, Gilbert Blythe, se existe vida mais excepcional que a sua, eu desconheço”. 

Anne escrevera em uma de suas cartas e mesmo que ela não tenha dito aquilo pessoalmente, Gilbert conseguia ouvir as palavras vindas dela. Precisava admitir, era sortudo por ter visto mais em dezoito anos do que várias pessoas veem em uma vida toda. Talvez fosse o momento de compartilhar sua história, já que vários pedacinhos dela o levaram a escolher a Medicina. 

E então Gilbert começou. Contou a Emily Oak sobre a morte da mãe no momento do parto, sobre o que é crescer em uma fazenda e ser educado de uma tal maneira que se sentia simplesmente diferente das outras crianças. Contou que o pai fora um bom homem, um sonhador, um amante de viagens, um ser simplesmente apaixonado pela vida e pelo mundo ao seu redor, paixão que parecia também estar no sangue de Gilbert. Contou sobre a doença terrível de John Bythe e em como perdê-lo o quebrara em pedaços. Falou sobre sua viagem, sobre Bash, sobre ver pobreza e dor e não ser capaz de fazer nada. Contou sobre o parto que fizera, sobre os motivos que o levaram a voltar a Avonlea — e incluiu Anne neles, até porque ela também era uma de suas inspirações —, sobre perder Mary para uma infecção e novamente não poder fazer nada. Contou sobre os indígenas e como se fascinava com a maneira como lidavam com a medicina, o quanto se intrigava com a quantidade de coisas que não haviam sido descobertas ainda. 

— Dra. Oak, estou aqui não só por um sonho. Estou aqui, porque cansei de ver dor e não conseguir ajudar. Não posso mais viver com a ideia de ser inútil. A vida já me deu muito, acho que chegou a hora de retribuir de alguma forma. 

A médica permanecia encarando-o, completamente impassível, de forma que seria difícil afirmar se seu olhar havia adquirido um brilho de admiração ou não. Ela ficou em silêncio por alguns momentos e já havia desviado a atenção para um ponto indefinido na sala. Aqueles segundos —  ou minutos? — foram extremamente torturantes para Gilbert e quando pensou em perguntar, a médica virou-se para ele. 

— Talvez haja um futuro para sua geração, afinal. — admitiu ela enfim. — Sinto muito por tudo que viveu, Sr. Blythe, mas devo dizer que cada passo de sua jornada foi determinando seu futuro. Na verdade, ainda estão determinando. A Universidade de Toronto carece muito de estudantes que tenham mais que dinheiro para oferecer.  

Gilbert sorriu de maneira educada. Teve a forte impressão que Emily Oak o havia elogiado, a sua maneira, é claro.  

— Mas não pense que conseguiu me ganhar, Blythe. Sua experiência de vida é realmente admirável, mas você ainda tem muito a provar. Não fique tão animado. 

— Não irei desapontá-la, Dra. Oak. — garantiu Gilbert com firmeza logo em seguida.  

— Não se atreveria mesmo em me desapontar, Sr. Blythe. Saiba que só espero o melhor vindo dos meus alunos. — disse ela com naturalidade. —  Bom, o que posso dizer? Tenho boas referências suas de Muriel Stacy e seus professores têm apreciado seu desempenho. Acho que não posso fazer nada a não ser concordar em ser sua mentora durante o curso. — falou ela, voltando-se para a mesa e folheando uns papéis a sua frente, provavelmente procurando  por algo de diferente nos registros de Gilbert. — Como deve saber, Sr. Blythe, sou Médica Patologista, o que significa que trabalho com os mortos na maior parte do tempo. — contou ela com uma naturalidade até sinistra. — Uma parte da medicina importantíssima, mas que infelizmente não é tão estudada. E como Stacy comentou sobre seu interesse pela pesquisa médica, acredito que será engrandecedor para o senhor. 

Gilbert balançou a cabeça prontamente, Estava decidido a fazer o que fosse preciso.  

— Mais tarde os senhores também terão que fazer plantões obrigatórios no Hospital de Toronto, mas já vou escalá-lo, será importante ter esse tipo de experiência logo no início de sua graduação. O que significa, Sr. Blythe, que terá muito trabalho fora das salas de aula. Está disposto a passar por isso? 

— Farei o que for preciso, Dra. Oak. — respondeu Gilbert, decidido. 

— Ótimo — falou ela, sem muita animação na voz. — Tomei a liberdade de checar seus horários de aula e encaixar os estágios em seus períodos livres. — ela estendeu a Gilbert um quadro de horários inteiramente preenchido, com pouquíssimas janelas livres. Em alguns dias, ele teria atividades, literalmente, por 24 horas. — O senhor receberá remuneração. Não será muito, mas acredito ser suficiente para que possa voltar a Ilha do Príncipe Edward pelo menos por... uma vez por mês? Parece bom para você? 

Como se Gilbert pudesse falar que não estava bom. Mais uma vez, ele concordou prontamente. 

— Está perfeito, Dra. Oak.  

— Então, seja bem vindo a Universidade de Medicina, Sr. Blythe. Vamos ver o quanto o senhor será capaz de suportar. 

 

***

— E quando está pensando em contar a Cole e a tia Jo sobre Gilbert? — quis saber Diana, durante a caminhada das duas até a casa de Josephine Barry.  

— Como? — Anne fingiu não ter ouvido. A verdade é que também tentava tardar aquela conversa com os dois. 

— Não se faça de desentendida. Eu a conheço muito bem e sabes disso. 

Anne revirou os olhos. 

— No momento certo. 

Diana a olhou, indignada. 

— E quando será isso? Quando Gilbert propor? Anne, já fazem meses! — protestou ela. — E isso não faz sentido. Eu até compreendo não querer contar a Ruby, embora já ache que esteja na hora, mas é a tia Jo! E o Cole! Tenho certeza que vão ficar muito felizes por você. 

Existia sim um motivo específico para Anne tardar aquela conversa. A verdade é que Jane Andrews só colocara em voz alta o que ela tanto tentava ignorar durante os últimos meses.  

Conhecia os sentimentos de Gilbert, não era esse o ponto. O fato é que o garoto sempre fora encantador e ela... Bem, sabia que era peculiar demais para atrair a atenção dos rapazes. Gilbert, por outro lado, era outra história completamente diferente. Ele poderia se casar com qualquer moça em Toronto, assim como quase casara com Winifred. Anne não sabia descrever muito bem aquele tipo de sentimento. Era uma espécie de insegurança, disso tinha certeza, estava bem familiarizada com o conceito de ser insuficiente. Mas ela havia  evoluído naquele ponto, estava aprendendo a adorar sua aparência e todas as suas diferenças. O sentimento confuso estava ali, ela se sentia insegura em relação a Gilbert. E se o rapaz encontrasse alguém mais interessante? Talvez nem demorasse tanto. E por isso ela omitira aquele relacionamento de Cole e tia Jo, e de vários outros também. Não queria anunciar que estava com Gilbert e em seguida contar que não estava mais. Não queria enfrentar a dor de um coração partido, muito menos enfrentar pessoas sentindo pena dela. E eles sentiriam, porque se havia algo de que tinha certeza era de estar estava apaixonada por Gilbert Blythe.  

— Eu vou contar. Só queria esperar para ver se... 

Naquela altura, as duas estavam prestes a subir as escadas da varanda de Josephine. Para o alívio de Anne, a porta da casa se abriu, revelando um Cole bem arrumado e sorridente. 

— Pensei que haviam nos esquecido. — brincou ele e Anne correu para abraçá-lo, todas as outras preocupações ficando para trás. 

— Oh, quanta saudade já estava! 

— Jamais esqueceríamos de vocês — falou Diana, enquanto abraçava Cole. — O Quenn’s só tem sido muito intenso. 

— Desculpas para não visitar sua tia não serão aceitas, Diana. —  rebateu tia Jo assim que as meninas entraram. — Olhe só para vocês! — exclamou ela emocionada, estudando Anne e Diana da cabeça aos pés, um brilho de nostalgia nos olhos e uma mão segurando o rosto. — Parecem estar mais moças do que a última vez. O que aconteceu com aquelas duas garotinhas? 

Anne sorriu e ergueu os braços, mostrando a si mesma.  

— Continuam bem aqui. Na verdade, às vezes ainda preferia ser aquela garotinha. Os espartilhos me matam e sinto falta das tranças. — lamentou a garota com um ar um tanto exagerado demais. 

— Oh, mas eu nunca disse que ser adulta seria melhor. Os espartilhos não são a pior parte, acredite, minha cara. Sem mais delongas, vamos tomar uma boa xícara de chá.  

 (...)

 

Os quatro conversaram por horas. O assunto simplesmente fluía naturalmente, de forma que falaram desde a universidade até as últimas fofocas de Avonlea e Chtarlottetown. Foi necessário esquentar mais algumas chaleiras para acompanhar aquela conversa. Anne amava a companhia de Cole e tia Jo, os  dois tinham o mesmo espirito dela e era simplesmente lindo ver como aquela amizade floresceu. Cole havia crescido inegavelmente. Estava bonito e radiante, sonhava alto e sua arte melhorara significativamente. Mas Josephine era sua prioridade, não havia nada que ele não faria por ela. Os dois cuidavam um do outro e o coração de Anne se alegrava por isso.  

— E então, como as duas senhoritas sabem, em algumas semanas teremos nossa tão querida festa. Estão, obviamente, convidadas. Diana, irá tocar piano para nós — a garota confirmou com a cabeça, sorrindo animada. — Anne irá recitar — os olhos da menina brilharam e ela abriu um enorme sorriso. — e por último, não menos importante, Cole irá nos agraciar com sua arte decorando a casa. 

Os três se olharam, muito entusiasmados. A festa da tia Jo era com certeza o evento mais divertido do semestre e Anne adorava as pessoas que a frequentavam. De fato, uma festa para esquentar os corações no início do frio.  

— Oh, também podem convidar quem desejarem. — acrescentou Josephine. — Sem almas vazias, por favor. Pretendentes são permitidos, é claro. 

Ela deu uma piscadela para as meninas e Diana olhou para Anne, com expectativa, a expressão insistindo que a amiga falasse alguma coisa. Anne sacudiu a cabeça, mas Diana não se aguentou.  

— Tia Jo — começou a garota insolentemente e Anne a reprimiu com o olhar. —, acho que Anne quer convidar alguém especial. 

Cole sorriu maliciosamente. 

— Ela quer? 

— Eu... não — Anne titubeou, o rosto sardento começando a adquirir uma cor escarlate. 

— E quem seria esse alguém especial, Anne? — quis saber tia Jo, a expressão ficando igual a de Cole. — Cole e eu precisaríamos aprovar, estou certa, Cole? 

O garoto abriu um sorriso travesso, como uma criança arteira que planeja pregar uma peça em alguém.  

— Oh, tia Jo. Sinto que ele já está aprovado. 

Anne havia congelado, o olhar variando entre a expressão marota de Cole, a risada reprimida de Diana e as sobrancelhas arqueadas de Josephine. 

— Oh, é Gilbert Blythe, não é?! — exclamou Cole, ficando de pé, o sorriso parecia estender de uma orelha a outra. — Eu disse que ele tinha uma queda por você! Eu sempre soube! 

— Gilbert Blythe é o garoto que disse que amava, não é? — perguntou Josephine. — Que iria se casar com outra moça. Oh, você de fato impediu o casamento. 

Cole ergueu as sobrancelhas, correndo seu olhar para Jo e em seguida para Anne, bastante impressionado. Aparentemente ele não conhecia a história completa. Anne estava quase tão vermelha quanto seus cabelos. Diana não se aguentava mais de rir. Tia Jo fingiu dar de ombros, como se aquela não fosse uma novidade. 

— De fato já sabíamos que estavas apaixonada — revelou ela, simplesmente.  

Anne arregalou os olhos incrédula. 

— Como já sabiam? 

Diana colocou as mãos na frente de si, defendendo-se. 

— Eu não contei nada. 

— E nem precisou — rebateu Cole. — É tão óbvio. Você está mais... brilhante? — ele arriscou a palavra, olhando para tia Jo em busca de aprovação. 

— Radiante é mais adequado. — corrigiu Josephine. — Oh, os olhos falam por si quando se está apaixonado, Anne. Só um cego para não notar. 

Cole continuava com o mesmo olhar e sorriso para Anne. 

— Você não consegue disfarçar — comentou o garoto. — Não precisa tentar. 

De fato era verdade. Não era preciso ser tão observador para perceber que quando o nome Gilbert era colocado na conversa, o rosto de Anne se iluminava e um sorriso — mesmo que discreto — formava-se no canto do rosto. Ela também não poderia negar que isso tudo vinha acompanhado de várias borboletas no estômago. 

— Mas por que não disse antes? — perguntou  tia Josephine. 

— É, Anne, por que não antes? — provocou Diana e Anne a fechou o semblante para ela. 

Bom, se não pudesse se abrir com aquelas pessoas, não saberia com quem mais poderia se abrir. Respirou fundo e começou a falar. 

—  Acho que tive receio das coisas terminarem muito rápido. 

— Como assim? — perguntou Cole sem entender. 

— Bom — recomeçou Anne, tentando escolher as melhores palavras para descrever o que sentia. Geralmente não tinha esse problema, mas realmente aqueles eram sentimentos muito novos para ela. — Tudo que tem acontencido é maravilhoso demais para ser verdade, entendem? Gilbert e eu trocamos cartas, mas coração é terra que ninguém pisa. Sentimentos mudam e ele com certeza está rodeado de moças interessantes.  Tive medo de contar sobre nós dois e depois ter que dizer que acabou. 

— Vejo que você e Gilbert Blythe têm muito o que conversar — comentou tia Jo depois de um tempo. — Ah, amores a distância... Nunca são fáceis, mas acho podem ser muito engrandecedores. 

— A senhora teve algum amor a distância? — perguntou Diana curiosa.  

— Oh, eu não — respondeu tia Jo rapidamente. — Mas minha irmã sim. 

O rosto de Anne se iluminou. Como queria conversar com alguém que tivesse vivido uma experiência parecida com a que ela estava vivendo. 

— E eles deram certo? Foram muito felizes? — perguntou Anne ansiosa. 

Tia Jo pareceu ponderar o que ia dizer, como se aquela resposta fosse relativa. Por fim, seus lábios se curvaram em um discreto sorriso, parecia estar recordando boas lembranças. 

— Não foi um relacionamento fácil — contou ela com sinceridade. — Eu mesma nunca achei que fosse dar certo. Mas minha irmã tinha muita fé, era espirituosa e sonhadora — tia Jo estreitou os olhos para Anne, estudando-a. — Você me lembrar muito ela na verdade. 

Anne sorriu, contente de pode ser comparada a uma pessoa com aquelas qualidades. Ansiosa para saber o que aconteceria naquela história, ela fez menção para que tia Jo prosseguisse. 

— Minha irmã, Jeanine, era um ser humano quase mágico, se é que me entendem — os três sorriram, realmente entendiam o que aquilo significava. Cole deu uma discreta olhada para Anne e Diana fez o mesmo. — ela crescera com a amizade desse garoto, Tom. Os dois eram inseparáveis e para minha família semrpe fora muito claro que ficariam juntos. Imagino que eles deveriam imaginar isso também, mas acho que souberam aproveitar cada fase da infância e juventude da melhor forma. Quando mais velhos, era nítido nos olhos de minha irmã que estava apaixonada e mais nítido ainda que era correspondida. Mas talvez Deus achasse que o caminho dos dois estava fácil demais, plano demais. 

— O que aconteceu? — perguntou Diana. 

Ti Jo a olhou com tristeza. 

— A guerra aconteceu, Diana. E um alto preço a se pagar com ela — respondeu, os olhos perdidos por antigas lembranças. — Todos os jovens moços foram recrutados para lutar pelo Canadá. Tom não tinha escolha. Minha irmã ficou desolada com o pensamento de ter que se afastar dele por um tempo, mas insistiu que continuariam juntos. Oh, eu tentei convencê-la que ela só prolongaria sofrimento, que era uma moça muito bonita e poderia casar com quem quisesse. Mas, sendo teimosa do jeito que era, Jeanine estava decidida a esperar por Tom pelo tempo que fosse necessário.  

“Os dois falavam-se por cartas que por vezes, demoravam muito a chegar. Jeanine chorava de preocupação e saudade. Ela tinha fé, dizia que Deus tinha planos para os dois, planos muito além da nossa compreensão. O tempo passou. Minha irmã seguia a vida normalmente. Era uma pianisita e violonista magnífica. E acredito que tenha se empenhado mais na música, porque precisava de outras distrações que não fossem Tom e a guerra. E os meses se passavam, achávamos que aquele amor enfraqueceria com o tempo, mas a verdade é que só se fortaleceu. A esperança que Tom voltaria a inspirava. Os dois se conheciam cada vez mais peas cartas, revelavam seus medos e sonhos, pareciam estar sempre em sintonia. Jeanine foi pedida em casamento diversas vezes por homens respeitados, mas ela recusava. Meu pai ficava louco. — tia Jo pareceu se divertir com essa parte. — Passaram-se dois anos sem que se encontrassem. Quando a guerra terminou, tive a alegria de presenciar o reencontro de desses dois seres humanos apaixonados e encantadores. Não havia como ser diferente. Os dois eram verdadeiras almas gêmeas, nasceram para estar juntos, não importava o quê. Formaram um laço de amor tão forte que nem a guerra foi capaz de quebrar”. 

Anne maravilhou-se com a história. Admirava-se por existir amor como aquele e por ser vindo de alguém quase próximo dela. Agradeceu mentalmente por não viver em uma situação de guerra. Ela vivia apenas a distância e a falta, coisas que podiam ser toleradas. Talvez não precisasse ser um romance tão trágico assim. 

— Jeanine aprendeu que o amor é fundamental, mas que não é o suficiente — completou tia Jo. — É preciso paciência, coragem e resiliência. E são coisas que aprendemos com a maturidade. 

Anne assentiu solenemente, realmente entendia isso.  

— E também precisa dos amigos — falou ela por fim. — Eles são essenciais na sua jornada. E algo me diz que você não terá problemas quanto a isso. 

Cole segurou a mão de Anne e Diana a abraçou de lado, descansando a cabeça em seu ombro. 

— Não terei mesmo — declarou Anne, simplesmente grata por ter os três em sua vida.  

Talvez o caminho pudesse realmente ser leve. 

— E lembrem-se, meus queridos. Todos querem a felicidade, ninguém deseja a dor, mas não se pode se ter um arco-íris sem que haja chuva.  

 

No momento das despedidas, Anne deixou que Diana e Cole se afastassem, para que ela pudesse conversar a sós com tia Josephine. 

— Algo ainda a perturba, criança? — perguntou tia Jo, estudando Anne com preocupação. 

— Na verdade... tem sim. — admitiu ela e as duas pararam diante da porta da casa. — Talvez eu precise de sua ajuda. 

— Ora, mas é claro. Qual é o problema? 

— Decidi que é necessário que eu comece a minha própria fonte de renda. Em poucas palavras, eu gostaria de trabalhar. 

Tia Jo ergueu as sobrancelhas, visivelmente surpresa. Definitivamente não esperava ser aquilo. Anne simplesmente decidira — depois de saber das dificuldades que seriam manter sua bolsa de estudos e viver em Charlottetown — que já estava na hora de ajudar sua família de alguma forma e também economizar recursos para um futuro não tão distante. 

— Anne, sabe que posso ajudá-la com dinheiro, se for isso que precisa — disse tia Jo, procurando ser discreta e evitando que Cole e Diana ouvisse. 

Anne balançou a cabeça na mesma hora, negando. 

— Preciso começar a me tornar independente, nem que seja aos poucos — declarou ela, decidida.  

— Entendo — respondeu tia Jo, — Bom, tenho algo em mente. Podemos falar sobre isso no sábado talvez? 

— Estarei em Avonlea nesse final de semana — respondeu Anne com pesar. — É aniversário da Srta. Stacy. 

— Oh, você realmente não pode perder isso por nada. Falamos sobre isso semana que vem. O que acha? 

Anne sorriu, satisfeita. 

— Acho perfeito. 

 

 ***

Gilbert abriu os olhos, escondendo logo em seguida o rosto dos raios de sol. Definitivamente aquela cortina não favorecia as sonecas matinais. Ele precisou de alguns segundos para se situar e entender que estava em Toronto, na U of T, no dormitório que dividia com Duncan. Com movimentos lentos, ele tateou o relógio de pulso sobre a mesa de cabeceira e espiou as horas. 

8h00. 

Colocou-se em pé num sobressalto. Estava atrasado, suas aulas começariam em dez minutos. Muito mais alerta do que vinte segundos atrás, dirigiu-se ao guarda-roupa, praguejando baixinho. Por que Duncan não o havia acordado? Precisou estar praticamente vestido, a ponto apenas de calçar os sapatos, para perceber que o amigo ainda dormia. 

— Duncan — chamou Gilbert, mas o garoto nem sequer se moveu. — Duncan, estamos atrasados. — repetiu, bem mais alto que na primeira vez.  — Elizabeth vai nos matar. 

Levou alguns segundos até o emaranhado de cobertores revelar sinais de vida. Duncan moveu lentamente a cabeça, e com os olhos semiabertos, encontrou Gilbert na outra extremidade do quarto. 

— Blythe, que diabos está fazendo? Hoje é sábado. — resmungou ele, virando-se para o outro lado da cama e voltando a dormir. 

Gilbert precisou de um momento para assimilar a informação. Era sábado, não tinha aulas, não havia necessidade nenhuma em acordar naquele horário. Ele revirou os olhos com tamanha tolice e arrancou os sapatos quase que instintivamente.  

O estresse das aulas e estudos o faziam perder a noção do tempo em alguns momentos. Ou talvez, um pedaço de sua mente ainda estava em Avonlea, na fazenda, onde não havia diferença se era segunda feira ou sábado. “Tarefas não conhecem o final de semana”, ouviu a voz do pai dentro de sua cabeça, nítida como se estivesse sendo dita naquele momento. Ele provavelmente acharia muita graça em Gilbert trocando os dias da semana, com certeza daria uma boa risada antes de dizer “A idade chega para todos, filho”. Gilbert tinha esse hábito desde que seu pai se fora, de sempre imaginar o que ele diria se estivesse na mesma situação. No início era um jogo involuntário e doloroso, mas anos depois havia se tornado quase divertido, era uma maneira de sempre enxergá-lo em pensamentos.  

Ele largou-se sobre a cadeira diante da escrivaninha, afastando a mente do pai e lembrando-se do que aquele dia de sábado significava para o povo em Avonlea. Era aniversário da Srta. Stacy. Muito provavelmente Anne já estava em Avonlea, acordando em Green Gables, animada para começar o dia. Um sentimento repentino de angústia o invadiu, desejava muito poder estar em casa. Desejava poder descer as escadas e conversar com Bash, dar um beijo em Delphine, tomar uma xícara de chá quente. Queria poder chegar de surpresa na festa da Srta. Stacy, surpreender Anne... Imaginou o tamanho do sorriso que ela abriria ao vê-lo, na intensidade daqueles olhos cinzentos, no calor dos seus lábios.... Gilbert respirou fundo. Saudade é um sentimento complicado, quase traiçoeiro. Às vezes está tudo sobre controle, o coração se comportando na mesma frequência, basta uma lembrança e tudo sai dos eixos. Para tudo tinha um preço, ele sabia disso quando escolheu vir para Toronto. Quanto vale um sonho? Gilbert bem sabia que era caro, que muitas vezes o dinheiro não comprava.  

Voltando a sua realidade, decidiu que voltar a dormir seria a escolha mais sensata (e inteligente) para um estudante de Medicina numa manhã de sábado. Estava prestes a tirar a camisa, quando viu um envelope sobre sua escrivaninha, endereçado ao Sr. Gilbert Blythe. O garoto franziu o cenho, não estava esperando cartas de ninguém, não reconheceu a caligrafia e as correspondências não costumavam ser entregues no dormitório. Não havia o nome do remetente ou o endereço de onde tinha sido enviada.  

— Duncan, quem mandou isso? — Gilbert perguntou, ignorando o fato de que o amigo provavelmente não estava acordado mais.  

Sem resposta e muito intrigado com a carta, Gilbert abriu o envelope. Por um momento teve receio que fosse algum tipo de pegadinha dos alunos veteranos da Medicina, já que parecia ser uma tradição pregar peças nos estudantes calouros. Mas que tipo de brincadeira podia vir de uma carta? Lentamente, como se esperasse por algo perigoso, ele retirou de dentro do envelope, um pedaço de papel dobrado ao meio. 

 

Faça bom uso. 

 

Era tudo que a mensagem dizia. Gilbert franziu ainda mais o cenho e procurou por mais alguma coisa acompanhando o bilhete. O que ele encontrou o deixou completamente sem palavras. Não era possível, não podia acreditar.  

Dentro daquele envelope, sem remetente, de origem totalmente desconhecida, havia nada mais nada menos que notas de dinheiro. Notas verdadeiras — ele confirmou colocando-as contra a luz da janela —, várias delas, suficientes para duas semanas de aluguel no dormitório ou para  três semanas de almoço no Kings College Circle, talvez até suficientes para comprar instrumentos novos para as aulas de anatomia. Ou...  

Com as mãos ligeiramente trêmulas e o coração martelando mais rápido no peito, Gilbert contou as notas. Havia o suficiente para uma viagem de trem de ida e volta para Charlottetown. Não podia acreditar. Quem havia enviado aquilo? Estudou novamente o envelope, por dentro e por fora, olhando o bilhete logo em seguida. Nada. Nenhuma pista de quem podia ter enviado. 

— Ah, sim. Isso chegou ontem para você — falou Duncan, a voz ainda sonolenta. Gilbert estava tão absorto na correspondência que não havia percebido que o amigo acordara. Virou-se para encará-lo, o bilhete em uma mão e as notas de dinheiro na outra. — Uol! — exclamou Duncan, quase mais surpreso que Gilbert. — Quem mandou isso para você? 

— Eu ia perguntar a mesma coisa. Quem deixou isso no dormitório ontem? 

Duncan balançou a cabeça. 

— Alguém passou a carta por debaixo da porta, eu só coloquei em cima da sua escrivaninha.  

— Isso é muito estranho — comentou Gilbert. — Nunca recebi uma carta direto no dormitório. 

— Parece que isso costuma acontecer quando o próprio remetente entrega a carta. Muito provavelmente alguém da cidade. Não sabia que conhecia alguém em Toronto. E alguém bem generoso por sinal. 

— Não conheço. Isso não faz sentido algum.  

Duncan arqueou uma sobrancelha. 

— Não conheceu ninguém enquanto passeava por Toronto? — perguntou ele sugestivamente, e Gilbert entendeu o que o amigo queria dizer. 

— Ah, com certeza — respondeu Gilbert, irônico. — Fiz várias amizades em Toronto que me enviariam dinheiro e ainda aconselhando a fazer bom uso dele. 

Duncan deu de ombros. 

— Nunca se sabe, não é mesmo? 

Gilbert não entendia. Pensou se não havia sido Bash ou Anne de início, mas a carta não chegaria daquela maneira a ele, certo? E por que sem os dados do remetente? 

— E aí? Como vai gastar? — quis saber Duncan. — O que me diz de algumas canecas de cerveja, ham? Talvez umas doses de uísque? 

Gilbert o ignorou. 

— É quase a quantia certa para viajar de trem para Charlottetown... 

O sorriso malicioso de Duncan se abriu no canto do rosto. 

— Oh, entendi. Nosso Gilbert Garanhão Blythe vai ver sua amada Anne de Green Gables — falou Duncan, agora de pé e no caminho para seu guarda roupa. Deu um soquinho amigável no ombro de Gilbert. — Boa, garoto. Não seria a minha escolha, mas... 

— Esse dinheiro não é meu — interrompeu Gilbert, ainda incomodado por não saber a origem daquele “presente”. Parecia enfrentar uma batalha mental, decidindo se seria ou não certo gastá-lo. 

Duncan parou no meio do caminho para o guarda roupa e olhou para Gilbert. O amigo tinha enlouquecido? Quem pensaria duas vezes antes de aceitar dinheiro? Duncan pareceu levar alguns segundos para responder aquela pergunta. Gilbert Blythe pensaria. Não o conhecia há tanto tempo, mas já percebera que o garoto era extremamente honesto, talvez até de uma forma irritante. Gilbert tentava ser o mais correto possível em suas atitudes, e parecia estar até cogitando procurar quem quer que tivesse lhe enviado o dinheiro, apenas para se certificar que não era um engano. E por alguns segundos, Duncan se simpatizou com aquele traço de personalidade de Gilbert, solidarizando-se com o fato do amigo desejar muito voltar para casa, mas  parecer estar em um impasse com sua própria consciência.  

— Blythe — chamou Duncan. Havia parado diante de Gilbert e pousado as mãos sobre seus ombros. Como era ligeiramente mais alto, precisou se inclinar  para que pudessem se olhar nos olhos. —, estava endereçado a você. O dinheiro é seu até que alguém prove o contrário. E acredite, ninguém vai conseguir provar que não é.  

Gilbert mudou sua atenção do bilhete para as palavras do rapaz a sua frente. Tinha uma ruga entre as sobrancelhas e os olhos estreitados. Era visível que o garoto se dividia entre manter seus princípios e decidir pelo que realmente queria.  

— Você precisa ir vê-la, Gilbert. E o trem vai partir em — Duncan checou o horário no relógio sobre a mesa de cabeceira. — meia hora. Precisa sair agora, Gil. Agora. — enfatizou, falando num tom mais alto, buscando uma reação do amigo.  

Gilberto permaneceu encarando Duncan por mais alguns momentos, até que o rapaz se irritou. Ele foi até o guarda roupa de Gilbert, o abriu sem cerimônia, e pegou um casaco vermelho xadrez — talvez o primeiro que encontrou —, e uma boina. Estendeu as peças para o amigo. 

— Faça uma boa viagem, Blythe. E dê meus cumprimentos a sua querida Anne com E. 

Os lábios de Gilbert se ergueram e ele pegou as roupas das mãos de Duncan.  

— Eu irei. Parece que nos vemos amanhã.  

Duncan sorriu. 

— Suma da minha frente, Blythe. 

Com um aceno de cabeça e um sorrisinho, Gilbert deu as costas a Duncan e saiu do quarto. Desceu as escadas as pressas, correndo rumo aos jardins. Precisava chegar a estação de trem em menos de meia hora. 

Mal podia acreditar que iria para Charlottetown. 


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Notas finais do capítulo

E aí, gente?? Ansiosos para essa viagem rumo a Ilha do Príncipe Edward?

O capítulo 5 está no forninho já! Acredito que logo eu consiga postar. Me digam o que acharam desse cap, hein? Muuuito obrigada a quem chegou até aqui.

Aaaaah e já muda aí para "The Bravest One".

Um beijinho



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