Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 9
Nove




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A dor de ser traído.
Me bata, me morda, me xingue, me mate, me ignore e me deixe, que ainda assim, te perdoarei. Só não aceito que me traia, pois essa é a pior dor. – Siljin-Silviane

LETÍCIA PADILHA SOLIS

Havia um vento fresco e suave batendo no meu rosto quando amparei meu corpo na parede. Minha pulsação estava acelerada e meu coração batia no peito com violência. Olhei ao redor. O jardim da Conceitos estava vazio, portanto me permiti um pequeno momento de solidão e choro exagerado.

Sei que estou sendo precipitada ainda que tenha perdoado o acontecimento da noite anterior. Seu Fernando é esperto demais. O que foi aquilo? Uma desesperada tentativa de me manter presa a ele? Se ele tinha a intenção de me deixar comovida infelizmente conseguira.

Enquanto pensava toquei o pingente de ouro encrostado com diamantes. Não sou influenciada por luxos, então não foram os presentes que me cativaram. E sim as palavras proferidas por sua boca perfeita. Ele tinha total razão que disse que é frustrante para mim estar mal com ele. Me machuca muito. E pareceu honesto quando dissera que o mesmo sentimento se aplicava a ele... É claro. Como pode ficar bem sabendo que posso tomar a empresa dele se estivermos em maus termos?

Ainda assim meu coração se comprime em esperança. Eu estou sendo ingênua novamente, não tenho dúvidas. Praticamente entregando minha cabeça numa bandeja. É ridículo que eu não consiga ser racional quando estou com ele.

Ergui a cabeça. As nuvens circundavam o céu ameaçando invadir a qualquer momento. Sequei as lágrimas teimosas e tentei ser coerente.

Meu coração se abre com libidinosa facilidade quando se trata dele. As expectativas querem me sucumbir, mas luto ferozmente contra elas. Eu não posso vacilar desse jeito. Mas algo me diz que eventualmente serei consumida pelo inevitável e ficarei a mercê da pusilanimidade, porém não me darei por vencida enquanto tudo isso não tiver um fim definitivo. Isso tem que acabar, só não sei como.

— Meu Deus, o que faço?

Considero minhas opções. Ou dou um fim nisso tudo de uma vez por todas jogando a verdade no ventilador ou entro no jogo de seu Fernando. A primeira opção me parece a mais sensata, principalmente para meu coração. Só que não consigo ignorar a vozinha maliciosa que sussurra no meu ouvido que a segunda escolha é mais inteligente e aprazível.

Mas como faço isso? Como posso prosseguir nessa palhaçada sem me machucar?

Procuro uma resposta resistindo a vontade de chafurdar no jardim e retorno para o prédio. Meu humor está péssimo e essa inconstância de sentimentos está me destruindo. Desde que conheci o seu Fernando, eu estou burlando todas as minhas próprias regras. Não havia trancado meu coração para que a história com Miguel não se repetisse? Sabotei a mim mesma lamentavelmente.

Quando cheguei ao meu andar foi necessário muito esforço para não fugir. O quartel estava reunido, fofocando sobre qualquer que seja o assunto. Joana me puxou para perto no momento que me viu e me vi forçada a me equilibrar em Sara para não tropeçar nos meus próprios pés.

— Meninas, - começa Paula Maria pra lá de maliciosa – para quem será que seu Fernando deu àquele presentão?

Meu coração parou de súbito. Levei a mão rapidamente ao meu pescoço e quase soltei um suspiro de alívio quando constei que o colar estava por baixo da roupa.

— Com certeza não foi para dona Márcia, senão estaria se exibindo. – respondeu Lola, falando baixo para não ser pega como todas às vezes.

Sara se inclinou e colocou uma mão na lateral da boca.

— Acho que é para a sua amante, - sussurrou ela, fazendo todas nós nos curvar na sua direção. – Suspeito que ela trabalhe aqui.

Nós nos entreolhamos. Finjo uma expressão assombrada.

— Eu não sou, - diz Joana após um longo minuto de silêncio. Elas começam a rir e forço uma risada para acompanha-las.

— Nem eu, já tenho meu Ramon! – rebate Paula Maria.

— E eu já tenho meu amorzinho, - diz Martha pela primeira vez, mastigando.

— Não preciso falar nada, né? – fala Sara sarcasticamente.

Lola dá de ombros, indiferente. Porém, surpreendentemente, elas se viram para mim.

— E você, Lety? – diz Lola. – Por acaso você é a amante do seu Fernando?

— O que? – esbafori ficando nervosa. Forço uma risadinha. – É claro que não...

Sara arqueia a sobrancelha.

— Não sei, não, hein... Você vive com ele, pra lá e pra cá. – Ela dá um passo na minha direção e eu me encolho. – Além do mais, naquela noite que fomos no “Só para as mulheres”, ele foi te buscar...

— Foi... Foi por causa de trabalho, - gaguejo, sentindo meu rosto ficar gelado e minha garganta secar.

O quartel me analisa. E estou prestes a ter um sincope quando elas explodem numa gargalhada. Pisco, confusa, vendo-as se retorcerem de rir. Contenho a raiva crescer dentro de mim.

— Você tinha que ver sua cara, Lety... – ri Paula Maria, balançando a cabeça. – Você ficou pálida!

Pressiono os lábios temendo fazer uma besteira da qual posso me arrepender. Meneio a cabeça para os lados, deixando bem claro que repudio esse tipo de brincadeira.

— Eu não estou achando graça nenhuma. – Repreendo rispidamente.

Piso duro até a presidência, sendo devidamente abençoada pela ausência do dito cujo. Respirando fundo, controlo a imensa vontade de socar a mesa.

Mas que droga. Por um momento senti que ia desmaiar.

Escuto uma batida um segundo depois.

— Se for alguma integrante do quartel faça-me o favor de ir embora. – Digo com azedume.

— Ah, Lety, nós estávamos brincando. – disse Paula Maria. – Abre a porta, deixa a gente entrar.

— Não, - resmungo, enraivecida. Talvez eu esteja exagerando, mas preciso mesmo descontar a irritação que me assombra nos últimos dias.

— Por favor, Lety. – implora Martha.

Reviro os olhos e abro a porta.

Com o cenho franzido me recusei a olhá-las no rosto. Sentei minha bunda na cadeira e abri uns arquivos.

Elas se amontoaram a minha volta.

— Desculpe, Lety, se soubéssemos que você ficaria chateada, jamais iríamos fazer esse tipo de brincadeira. – disse Sara.

— Pois é, Lety, nos desculpe, não foi nossa intenção te aborrecer. – Confidenciou Joana.

Respirando fundo e sentindo uma pontada de culpa eu assenti. Forcei um pequeno sorriso e levantei o rosto para elas, afinal de contas, eu sou essa tal amante. Paula Maria sentou na mesa ao meu lado e cruzou os braços, me observando.

— Tudo bem, eu acho que exagerei um pouco. Desculpem, estou um pouco... Fora dos trilhos ultimamente. Problemas pessoais, sabe como é... E não quero mais problemas com a dona Márcia.

Martha fechou a porta encostando as costas nela ao lado de Sara.

— Amiga, você sabe que pode contar com a gente, não é? – lembra-me, beliscando – como sempre – salgadinhos.

— Claro que sei. – Respondo com convicção. – Mas esse assunto eu prefiro mantê-lo privado, se não tem problema.

Conversamos mais um pouquinho, porém as alertei que precisavam retornar para as suas mesas. Após me vaiarem todas me deram um beijo no rosto antes de sair, com exceção de Paula Maria, que permaneceu na minha salinha. Senti-me levemente incomodada sob seu escrutínio. Por isso levantei-me e ajeitei minha saia.

— O que houve, Lety? – perguntou-me ao pegar nas minhas mãos. – Você sabe que pode desabafar comigo, não é? Prometo não contar nada para as meninas. Ultimamente você tem estado tão murchinha...

Olhei bem para o rosto da minha amiga. Ela é muito bonita e uma ótima pessoa. Quero ser honesta com ela, mas não posso. Não quando este segredo não é apenas meu. Sorrio carinhosamente ao apertar suas mãos.

— Não se preocupe, amiga. – digo, tranquila. – É só algumas questões que em breve pretendo resolver, mas por hora... A única coisa que te peço é que torça para que tudo dê certo.

Paula Maria anui com uma expressão triste.

— Tem a ver com aquela previsão da Joana? Sobre traição e tudo mais...

— Em parte, sim. Mas antes que pense em Tomás, te digo que não tem nada a ver com ele, está bem?

Com pesar no olhar, minha amiga assente e depois me abraça.

— Pode deixar, Lety. Mas agora vou voltar pra minha mesa, antes que alguém dê falta de mim.

Solto uma risadinha.

— Pois é, até depois, amiga.

Tive dificuldade de trabalhar o dia inteiro. Seu Fernando não saia da minha cabeça – ele estava em todos os cantos possíveis da minha mente. Mas ainda assim o dia passou muito rápido. Tão rápido que quase me esqueço de cancelar meu compromisso com as meninas do quartel. Uma hora antes do fim do expediente, borrifo uma mínima quantidade de perfume em lugares estratégicos do meu corpo como a nuca, pescoço e atrás das orelhas, experimentando. É doce, exatamente o tipo de fragrância que eu particularmente prefiro e compraria se pudesse.

Minha boca se alarga num sorriso torto e meneio a cabeça para os lados, me sentindo uma idiota.

— Não se iluda, Letícia. – Repreendo a mim mesma. E daí se ele me conhece? É normal quando se tem convivência. Qualquer um poderia fazer o mesmo.

Expirando com dificuldade, pressionei a mão no peito. É definitivo – meu coração se abriu todo para ele novamente. A frase “o amor é cego” queima com letras neon pink lembrando-me que pior é o cego que não quer enxergar.

Massageio meu peito.

— Coraçãozinho, como você é tolo. – murmuro ao afugentar as lágrimas.

Depois de concluir a primeira página do balancete, escuto as vozes do seu Fernando e do Omar. Apetece-me que os ouvir por trás da porta é errado, porém...

Eles entram na sala de reuniões e, um segundo depois, abro a porta um pouquinho olhando pela fresta, esperando. Após sentir-me segura o suficiente, atravesso a sala, encostando o ouvido na porta.

— Quer dizer que você está definitivamente apaixonado pela Letícia? – balbucia Omar com zombaria.

Prendo a minha respiração e toco o pingente do colar.

Meu coração bate com violência com a probabilidade de seu Fernando me amar.

Fez-se uma pausa, e então ouvi seu Fernando dizer:

— Não, eu não disse que estava apaixonado por ela.

Arquejei colocando a mão na boca pra suprimir um gemido. Omar respondeu alegre.

— Ah, que susto! Achei que tinha perdido meu amigo pra feiosa.

— Não fale dela desse jeito, eu já disse. – ameaçou meu chefe. – Eu vou magoá-la.

— Melhor ela sair magoada do que perder a Conceitos.

— Você não tem coração, não é, seu imbecil? – seu Fernando declarou indignado.

— Só estou dizendo o que penso, meu caro presidente. Você vai leva-la pra jantar?

Eu quis sair dali, mas meus pés pareciam chumbo. Meu peito pesou dolorosamente.

— Sim, vou. Espero que daqui pra frente nós não tenhamos mais discussões. Está me deixando louco. Ela tem um gênio muito difícil.

— A feiosa está começando a mostrar as garrinhas, meu caro presidente – Omar declara com deboche – De repente ela pensa que se fazendo de difícil pode te fisgar por completo.

— Para de ofendê-la, imbecil. – seu Fernando suspirou. – Não sei o que faço, prometi que ia terminar meu casamento com a Márcia, mas...

— Calma, calma, não precisa pegar no meu braço desse jeito, Fernandinho. – ele sibilou, pude sentir o sorriso na sua voz. – Tive uma ideia. Que tal manda-la pra longe enquanto você se casa? Podemos convencê-la a viajar por um tempo, pra tirar umas férias.

— Não, eu não a quero longe. Arranje outra ideia.

— É a única solução que tenho, é pegar ou largar, - afirmou Omar com empáfia. – Podemos enviá-la pra África ou Turquia, sei lá, onde seja difícil retornar, ao menos por uns dois meses.

Seu Fernando não respondeu imediato, parecia estar pensando.

— Ela não vai aceitar, e eu também não quero isso. Tenta entender, Omar, eu prometi que ia desmanchar esse casamento e ela está esperando isso. E agora digo o quê? Que eu tenho que me casar e que ela tem que esperar eu me divorciar?

Não suportando mais ouvi-los, corro para minha sala. Choro compulsivamente, as lágrimas não cessam – meu peito dói como se estivesse sendo esmagado. Quero gritar, bater em alguém, qualquer coisa para diminuir àquele terrível e doloroso sentimento. Como eu sou burra, infinitamente burra e iludida. Conhecendo a verdade, por que sequer considerei que haveria a possibilidade desse homem inalcançável se apaixonar por mim?

Não aguento mais. Não suporto mais. Letícia Padilha Solis, você é definitivamente o ser mais estúpido que existe na face da terra.

Sinto-me humilhada e imunda. Submeti-me a essa situação... Me comprometi com um homem que no fundo eu desconfiava que poderia facilmente me destruir. As lágrimas não cessam enquanto a dor me corrói por dentro como ácido. Não há mais nada de bom em mim, não restou nada de mim. Fui estilhaçada em mil pedaços.

Peguei o telefone com as mãos trêmulas. Eu estava fazendo tudo pelo calor do momento, mas eles iriam me pagar por tudo que me fizeram. Cada um deles. E se para isso é necessário destruí-los comigo, que assim seja.

Do outro lado da linha, o pai do meu algoz atende no terceiro toque.

— Humberto Mendiola falando.

Com a voz embargada, declaro:

— Seu Humberto, aqui é a Letícia Padilha. Posso saber quando o senhor retorna de viagem? Preciso urgentemente falar com o senhor.


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