Inquebrável escrita por Danielle Alves
O amor pode dar às pessoas o poder de despedaçar você. — Bella Swan
LETÍCIA PADILHA SOLÍS
Recolocando o telefone no gancho, estiro meu corpo cansado na cadeira.
Está feito. Agora preciso reunir todas as provas. Chega de bancar a boazinha.
Pressiono os dedos nas têmporas, massageando para afastar a lancinante dor de cabeça. Eu não consigo acreditar que estava prestes a ceder para seu Fernando novamente, é inadmissível que eu seja tão volátil e resiliente quando se trata dele. Essa amabilidade desenfreada acabou comigo.
— Inocente. – Reflito com o peito dolorido. – Eu sou muito inocente. Não tem melhor palavra para definir minha estupidez.
Respiro com dificuldade tentando controlar a raiva que está me consumindo. Solto um gritinho histérico. O lado esquerdo do meu peito começa a ficar dormente e olho ao redor da sala, desejando sumir dali – desaparecer de vez. Eu o odeio. Odeio com todas as minhas forças. Odeio-o tanto quanto miseravelmente o amo. O que eu fiz para esse homem? O que fiz para receber esse tipo de maldade?
Eu o amei intensamente – entreguei meu coração por completo a ele...
— Desgraçado. – Gemo com frustração, as lágrimas me deixando embargada. Fecho o punho e bato na mesa. – Desgraçado.
Não fora suficiente expor minha intimidade ou brincar com meu coração, agora quer me extirpar do país para cobrir a imundice que criou.
Meu Deus. O que fiz para merecer isso?
Eu me levanto com uma sensação tenebrosa de desespero. Eu preciso sair dali. A claustrofobia me sufoca. Preciso sair daqui antes que eu faça besteira.
Neste momento alguém bate na porta. Rapidamente limpo as lágrimas na manga do meu suéter, ao menos a tempo da porta se abrir e a cabeça de Sara surgir pela fresta. Controlo meu alívio forçando uma expressão neutra. Solto o ar vagarosamente.
Ela me dispôs um sorriso entusiasmado.
— Lety, amiga, tem um homem muito bonito chamado Cassian de La Fuente procurando por você. Aliás, – continuou após adentrar a sala, me esticando um envelope amarelo logo depois. – Ele pediu para lhe entregar isso!
— Deve ser o contrato. – Sibilo enquanto abro o envelope, comprovando meu pensamento. Eu a fito com um sorriso forçado. – Diga a ele que já vou.
Sara estreitou os olhos.
— Você está bem, Lety?
— Sim, só estou um pouco estressada. Não se preocupe. – Ela se demorou no meu rosto antes de aquiescer.
— Está bem, vou dar o recado para ele.
Assim que Sara saiu, enfiei o envelope na minha gaveta.
Eu não estou preparada para ver seu Fernando agora, especialmente porque estou inclinada a dar-lhe uma bofetada. Entregarei o envelope amanhã, isso se eu retornar para esta empresa.
Esfrego as mãos no rosto e depois de me certificar que o computador estava desligado, saí. Parei por um instante no meio da sala da presidência, fitando a cadeira daquele canalha. Incumbida pela parte maldosa da minha mente, andei a passos lentos até a porta da sala de reuniões e encostei a lateral da minha cabeça na madeira, buscando ouvir qualquer coisa. Silêncio. Devem ter ido para outro lugar. Olho para os meus pés e respiro com dificuldade.
Afugento as lágrimas teimosas e me aprumo, forçando meu rosto a esboçar impassibilidade quando pulo porta a fora.
Talvez seja uma péssima ideia ver Cassian, mas quando noto sua expressão aliviada ao perceber minha presença, espanto esse pensamento. Ele surgiu na melhor hora, eu o usaria para sumir dali. Ele sorriu pra mim.
— Letícia. – Ele se virou totalmente para mim, as meninas do quartel que até então estavam o rondando, imitaram seu gesto.
Aceno com a cabeça.
— Oi. Achei que você só traria o contrato amanhã. – comentei ao me aproximar.
Ele deu de ombros.
— Ficou pronto mais cedo. – Afirmou.
— Você é amiga desse bonitão, Lety? – perguntou Paula Maria, com os olhos arregalados. Ela apontou para ele. – Ele disse que te conhece da faculdade, é verdade?
Disparo meus olhos na direção de Sara e Lola, que cochichavam entre si enquanto secavam Cassian com veemência. Balancei a cabeça, a sombra de um sorriso divertido se formando nos meus lábios.
— Sim, Paula Maria. Fomos colegas de classe – Me viro para Cassian que estava bastante desconfortável com a Martha e Joana acariciando seu bíceps. O lindo rapaz me fita com suplica no olhar e eu levanto os ombros.
— Mas que sorte, amiguinha. – Declarou Martha, embasbacada.
— Eu que o diga, - finalizou Joana, mordendo o lábio inferior.
Não aguento e começo a rir.
— Ok, meninas, chega! – disse Irminha nada convicta, ela mesma não conseguia parar de encará-lo.
— Eu quem digo isso, - afirmo em meio aos risos. – Meninas, chega, chega, voltem ao trabalho.
Elas murmuram um “Ah, Lety”, mas fazem o que peço. Balanço a cabeça para os lados, rindo baixo.
Mas meu riso se esmaece quando seu Fernando surge acompanhado de dona Márcia. Ajeitei a bolsa no ombro quando seus olhos me fitaram de forma inquisidora. Fitei seu rosto com neutralidade, escondendo toda porcaria de sentimento obscuro. Estavam de mãos dadas e quando ele percebeu que vi, se desvencilhou dela. Sorri com suave ironia.
Sinto um gosto amargo na boca.
— Cassiano da Ponte. – Declarou seu Fernando, a surpresa evidente na sua voz.
— Cassian de La Fuente, Francisco Mandioca. – Alfinetou após trocarem um aperto de mãos.
As meninas do quartel abaixaram a cabeça, comprimindo os lábios. Eu também acharia engraçado se a sensação de estar sendo engolida pelo abismo não fosse terrível.
— É Fernando Mendiola. – Corrigiu, irritado. – Cassian, essa é Márcia Villarroel, acionista da Conceitos e... – Ele começou a ficar em pânico, alternando olhares entre mim e dona Márcia.
— Essa é a noiva do seu Fernando, Cass. – Digo por ele com entusiasmo forçado.
— É um prazer, Cassian. – Dona Márcia acenou com cabeça, cortês. – No que podemos ajuda-lo?
Recordo-me do contrato, ficando em pânico. Se ele o mencionar, vai ser péssimo, porque eu estava saindo sem avisar o seu Fernando sobre.
— Não, só quis ver a Letícia, chama-la para jantar. – Declarou, virando-se para mim com um sorriso. Eu lhe mandei um olhar agradecido. – Mas como ela não está passando bem, ofereci-lhe uma carona para casa.
— Ah! – Márcia franziu a testa. – Entendi, bom, nesse caso, até logo, Cassian.
Ele acenou com a cabeça.
— Tchau, meu amor. – Ela beijou a boca do seu Fernando e eu me encolhi, sentindo meu peito latejar.
Meu chefe sorriu fracamente para ela quando saiu, porém, retornou sua atenção a mim.
— Lety, já está saindo? – Perguntou ele com apreensão na voz.
— Sim, seu Fernando, como Cassian disse, eu não estou bem... – Não era mentira.
Eu vi o lampejo de tristeza se acender nos olhos dele, mas dei de ombros.
Você não vai me manipular, seu cretino.
— Mas Lety, nós tínhamos um compromisso. – O rosto dele se torce numa careta quando percebe o que acabou de dizer. – Digo, temos um jantar de negócios, lembra?
Dispensei-o com um safanão.
— Não é para hoje. – Cantarolei, sorrindo com falsa doçura, enfatizando “nossos encontros” semanais de forma implícita. – É na próxima semana. O senhor confundiu as datas.
O presidente da Conceitos deu um passo na minha direção. Engoli em seco.
— Posso falar com você rapidinho, então? - Deprecou com aqueles lindos olhos magoados.
— Desculpe, seu Fernando, mas eu preciso ir. Eu não me sinto bem – Respondo. Cutuco Cassian com o cotovelo e aceno para o quartel. – Vamos, Cassian. Até amanhã, seu Fernando, boa noite, meninas.
Graças aos céus ele não me impediu.
O caminho até o carro de Cassian foi silencioso apesar de me lançar olhares questionadores o tempo inteiro. Mantive-me impiedosamente sólida na fachada de indiferença. Eu não podia e não queria desabar na frente de ninguém. Mas eu me odeio por ter que precisar de outras pessoas para poder me livrar do seu Fernando. Eu duvido e muito que seria capaz de rejeitá-lo tão abertamente se não estivéssemos em público. É provável que se resultaria comigo nos braços dele.
Assim que coloquei o cinto de segurança, Cassian se acomodou no banco do motorista. Mas em vez de ligar a ignição, virou o corpo de modo que ficasse de frente para mim. Ele me fitou e eu o encarei de volta, havia uma expressão indecifrável no rosto dele.
— O que?
— Já que eu basicamente limpei a sua barra, quero ao menos um motivo para isso.
Justo.
Lambi os lábios ressecados e desviei o olhar para meus dedos entrelaçados. Eu quero lhe contar, mas não posso. Não ainda.
— Eu estou apaixonada por ele. – Lembrei.
— Eu sei. Mas por que estava fugindo dele?
— Porque... Não é justo com a dona Márcia.
Cassian soltou um riso irônico. Ergui o rosto para olhá-lo.
— Eu sei que não é por causa disso.
Eu me encolhi, optando por ficar em silêncio, eu não diria nada. Ele examinou meu rosto e meneou a cabeça para os lados. Cassian se ajeitou no banco e, assim que pôs o sinto, ligou a ignição do carro.
— Já que você prefere guardar as coisas pra si mesma, - disse com rispidez. – Ao menos me diga se aceita jantar comigo. A não ser que você esteja de fato passando mal.
— Se pretende me fazer falar, saiba que...
— Eu não pretendo nada, - cortou-me ele com os olhos na estrada. – Quero só uma companhia pra esta noite.
— E para amanhã também, pelo visto. – falei ficando irritada. Mas me arrependo logo em seguida, estou sendo rude sem que ele mereça.
No entanto um sorriso divertido se estampou no rosto dele para minha surpresa.
— Você está irritada por que te chamei pra jantar? – perguntou segurando o riso.
— Depende, tenho escolha para decidir se posso ou não ir?
— Não, definitivamente não.
— Então, sim, estou irritada por isso.
Cassian riu.
— Acho que você é a primeira mulher que me evita desse jeito.
— Isso fere seu ego de garanhão?
Cassian fez uma careta, mas continuou sorrindo.
— Talvez.
— Que honesto, estou impressionada.
Meu amigo de faculdade piscou pra mim.
— Tudo para te entreter.
Torci os lábios e meneei a cabeça para os lados.
— Não tem que fazer isso.
— Não tenho mesmo, — concorda ele simplesmente, — mas faço porque quero. Vai jantar comigo ou não?
Eu suspiro e assinto. Talvez seja uma boa ideia, eu não quero ir pra casa chorar.
— Eu vou, me surpreenda.
— E quanto amanhã? Ainda está de pé, certo? – perguntou, parecendo nervoso. — Hoje foi apenas o acaso...
— E eu achando que se fôssemos jantar hoje, eu não precisaria ir amanhã.
— Nada disso.
— Como sempre, não tenho escolha.
Havia de algo diferente no Cassian, algo que indescritivelmente me deixava confortável, mesmo que eu ainda estivesse um turbilhão por dentro. E me recordo de notar isso muito tempo antes, quando ainda estávamos na faculdade. Sempre pareceu bom demais para ser verdade – o tipo de pessoa que qualquer um com um pingo de inteligência gostaria de ter por perto. Pelo canto do olho, o examinei.
Ele estava vestindo um conjunto de terno preto, camisa branca e gravata azul marinho. Estava tão imersa na minha própria bolha que não notei que estava engravatado. Havia um diamante na orelha dele. Hum.
— Sou atraente pra você? – perguntou com um sorriso debochado. Juro que queria ficar constrangida, mas fiz uma careta.
— Não exatamente.
— Puxa, que pena. Fiquei esperançoso atoa...
Minha boca se alargou num sorriso.
— Você não muda mesmo, galante como sempre.
Ele ergueu as sobrancelhas, virou-se para me olhar e depois retornou à atenção para a estrada.
— E você continua negando meu amor.
No início da nossa amizade estranhava muito esse tipo de brincadeira, porque eu não sabia diferenciar as coisas. Especialmente porque o amor me deixara marcas dolorosas. E agora não foi diferente. Com muita raiva virei o rosto para a estrada, afugentando as lágrimas insistentes o máximo que eu podia.
Não, Letícia, não chore agora. Controle-se.
Senti uma mão grande e firme tomar a minha. Fiquei estática, sem reação, quando vi os dedos de Cassian se enroscarem nos meus.
— Queria poder fazer alguma coisa, - sussurrou com uma expressão resignada. – Mas a única coisa que posso lhe oferecer é um ombro amigo e, por via das dúvidas, meu apoio, ainda que eu não saiba exatamente o que está acontecendo.
Não. Não. Não. Suas palavras foram os gatilhos que acionaram meu chororô patético. Apertei a mão dele, notando que eu necessitava desesperadamente daquelas palavras.
— Obrigada, - agradeço baixinho, minha voz embargada pelo choro.
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