Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 10
Dez




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O amor pode dar às pessoas o poder de despedaçar você. — Bella Swan 

LETÍCIA PADILHA SOLÍS

Recolocando o telefone no gancho, estiro meu corpo cansado na cadeira.

Está feito. Agora preciso reunir todas as provas. Chega de bancar a boazinha.

Pressiono os dedos nas têmporas, massageando para afastar a lancinante dor de cabeça. Eu não consigo acreditar que estava prestes a ceder para seu Fernando novamente, é inadmissível que eu seja tão volátil e resiliente quando se trata dele. Essa amabilidade desenfreada acabou comigo.

— Inocente. – Reflito com o peito dolorido. – Eu sou muito inocente. Não tem melhor palavra para definir minha estupidez.

Respiro com dificuldade tentando controlar a raiva que está me consumindo. Solto um gritinho histérico. O lado esquerdo do meu peito começa a ficar dormente e olho ao redor da sala, desejando sumir dali – desaparecer de vez. Eu o odeio. Odeio com todas as minhas forças. Odeio-o tanto quanto miseravelmente o amo. O que eu fiz para esse homem? O que fiz para receber esse tipo de maldade?

Eu o amei intensamente – entreguei meu coração por completo a ele...

— Desgraçado. – Gemo com frustração, as lágrimas me deixando embargada. Fecho o punho e bato na mesa. – Desgraçado.

Não fora suficiente expor minha intimidade ou brincar com meu coração, agora quer me extirpar do país para cobrir a imundice que criou.

Meu Deus. O que fiz para merecer isso?

Eu me levanto com uma sensação tenebrosa de desespero. Eu preciso sair dali. A claustrofobia me sufoca. Preciso sair daqui antes que eu faça besteira.

Neste momento alguém bate na porta. Rapidamente limpo as lágrimas na manga do meu suéter, ao menos a tempo da porta se abrir e a cabeça de Sara surgir pela fresta. Controlo meu alívio forçando uma expressão neutra. Solto o ar vagarosamente.

Ela me dispôs um sorriso entusiasmado.

— Lety, amiga, tem um homem muito bonito chamado Cassian de La Fuente procurando por você. Aliás, – continuou após adentrar a sala, me esticando um envelope amarelo logo depois. – Ele pediu para lhe entregar isso!

— Deve ser o contrato. – Sibilo enquanto abro o envelope, comprovando meu pensamento. Eu a fito com um sorriso forçado. – Diga a ele que já vou.

Sara estreitou os olhos.

— Você está bem, Lety?

— Sim, só estou um pouco estressada. Não se preocupe. – Ela se demorou no meu rosto antes de aquiescer.

— Está bem, vou dar o recado para ele.

Assim que Sara saiu, enfiei o envelope na minha gaveta.

Eu não estou preparada para ver seu Fernando agora, especialmente porque estou inclinada a dar-lhe uma bofetada. Entregarei o envelope amanhã, isso se eu retornar para esta empresa.

Esfrego as mãos no rosto e depois de me certificar que o computador estava desligado, saí. Parei por um instante no meio da sala da presidência, fitando a cadeira daquele canalha. Incumbida pela parte maldosa da minha mente, andei a passos lentos até a porta da sala de reuniões e encostei a lateral da minha cabeça na madeira, buscando ouvir qualquer coisa. Silêncio. Devem ter ido para outro lugar. Olho para os meus pés e respiro com dificuldade.

Afugento as lágrimas teimosas e me aprumo, forçando meu rosto a esboçar impassibilidade quando pulo porta a fora.

Talvez seja uma péssima ideia ver Cassian, mas quando noto sua expressão aliviada ao perceber minha presença, espanto esse pensamento. Ele surgiu na melhor hora, eu o usaria para sumir dali. Ele sorriu pra mim.

— Letícia. – Ele se virou totalmente para mim, as meninas do quartel que até então estavam o rondando, imitaram seu gesto.

Aceno com a cabeça.

— Oi. Achei que você só traria o contrato amanhã. – comentei ao me aproximar.

Ele deu de ombros.

— Ficou pronto mais cedo. – Afirmou.

— Você é amiga desse bonitão, Lety? – perguntou Paula Maria, com os olhos arregalados. Ela apontou para ele. – Ele disse que te conhece da faculdade, é verdade?

Disparo meus olhos na direção de Sara e Lola, que cochichavam entre si enquanto secavam Cassian com veemência. Balancei a cabeça, a sombra de um sorriso divertido se formando nos meus lábios.

— Sim, Paula Maria. Fomos colegas de classe – Me viro para Cassian que estava bastante desconfortável com a Martha e Joana acariciando seu bíceps. O lindo rapaz me fita com suplica no olhar e eu levanto os ombros.

— Mas que sorte, amiguinha. – Declarou Martha, embasbacada.

— Eu que o diga, - finalizou Joana, mordendo o lábio inferior.

Não aguento e começo a rir.

— Ok, meninas, chega! – disse Irminha nada convicta, ela mesma não conseguia parar de encará-lo.

— Eu quem digo isso, - afirmo em meio aos risos. – Meninas, chega, chega, voltem ao trabalho.

Elas murmuram um “Ah, Lety”, mas fazem o que peço. Balanço a cabeça para os lados, rindo baixo.

Mas meu riso se esmaece quando seu Fernando surge acompanhado de dona Márcia. Ajeitei a bolsa no ombro quando seus olhos me fitaram de forma inquisidora. Fitei seu rosto com neutralidade, escondendo toda porcaria de sentimento obscuro. Estavam de mãos dadas e quando ele percebeu que vi, se desvencilhou dela. Sorri com suave ironia.

Sinto um gosto amargo na boca.

— Cassiano da Ponte. – Declarou seu Fernando, a surpresa evidente na sua voz.

— Cassian de La Fuente, Francisco Mandioca. – Alfinetou após trocarem um aperto de mãos.

As meninas do quartel abaixaram a cabeça, comprimindo os lábios. Eu também acharia engraçado se a sensação de estar sendo engolida pelo abismo não fosse terrível.

— É Fernando Mendiola. – Corrigiu, irritado. – Cassian, essa é Márcia Villarroel, acionista da Conceitos e... – Ele começou a ficar em pânico, alternando olhares entre mim e dona Márcia.

— Essa é a noiva do seu Fernando, Cass. – Digo por ele com entusiasmo forçado.

— É um prazer, Cassian. – Dona Márcia acenou com cabeça, cortês. – No que podemos ajuda-lo?

Recordo-me do contrato, ficando em pânico. Se ele o mencionar, vai ser péssimo, porque eu estava saindo sem avisar o seu Fernando sobre.

— Não, só quis ver a Letícia, chama-la para jantar. – Declarou, virando-se para mim com um sorriso. Eu lhe mandei um olhar agradecido. – Mas como ela não está passando bem, ofereci-lhe uma carona para casa.

— Ah! – Márcia franziu a testa. – Entendi, bom, nesse caso, até logo, Cassian.

Ele acenou com a cabeça.

— Tchau, meu amor. – Ela beijou a boca do seu Fernando e eu me encolhi, sentindo meu peito latejar.

Meu chefe sorriu fracamente para ela quando saiu, porém, retornou sua atenção a mim.

— Lety, já está saindo? – Perguntou ele com apreensão na voz.

— Sim, seu Fernando, como Cassian disse, eu não estou bem... – Não era mentira.

Eu vi o lampejo de tristeza se acender nos olhos dele, mas dei de ombros.

Você não vai me manipular, seu cretino.

— Mas Lety, nós tínhamos um compromisso. – O rosto dele se torce numa careta quando percebe o que acabou de dizer. – Digo, temos um jantar de negócios, lembra?

Dispensei-o com um safanão.

— Não é para hoje. – Cantarolei, sorrindo com falsa doçura, enfatizando “nossos encontros” semanais de forma implícita. – É na próxima semana. O senhor confundiu as datas.

O presidente da Conceitos deu um passo na minha direção. Engoli em seco.

— Posso falar com você rapidinho, então? - Deprecou com aqueles lindos olhos magoados.

— Desculpe, seu Fernando, mas eu preciso ir. Eu não me sinto bem – Respondo. Cutuco Cassian com o cotovelo e aceno para o quartel. – Vamos, Cassian. Até amanhã, seu Fernando, boa noite, meninas.

Graças aos céus ele não me impediu.

O caminho até o carro de Cassian foi silencioso apesar de me lançar olhares questionadores o tempo inteiro. Mantive-me impiedosamente sólida na fachada de indiferença. Eu não podia e não queria desabar na frente de ninguém. Mas eu me odeio por ter que precisar de outras pessoas para poder me livrar do seu Fernando. Eu duvido e muito que seria capaz de rejeitá-lo tão abertamente se não estivéssemos em público. É provável que se resultaria comigo nos braços dele.

Assim que coloquei o cinto de segurança, Cassian se acomodou no banco do motorista. Mas em vez de ligar a ignição, virou o corpo de modo que ficasse de frente para mim. Ele me fitou e eu o encarei de volta, havia uma expressão indecifrável no rosto dele.

— O que?

— Já que eu basicamente limpei a sua barra, quero ao menos um motivo para isso.

Justo.

Lambi os lábios ressecados e desviei o olhar para meus dedos entrelaçados. Eu quero lhe contar, mas não posso. Não ainda.

— Eu estou apaixonada por ele. – Lembrei.

— Eu sei. Mas por que estava fugindo dele?

— Porque... Não é justo com a dona Márcia.

Cassian soltou um riso irônico. Ergui o rosto para olhá-lo.

— Eu sei que não é por causa disso.  

Eu me encolhi, optando por ficar em silêncio, eu não diria nada. Ele examinou meu rosto e meneou a cabeça para os lados. Cassian se ajeitou no banco e, assim que pôs o sinto, ligou a ignição do carro.

— Já que você prefere guardar as coisas pra si mesma, - disse com rispidez. – Ao menos me diga se aceita jantar comigo. A não ser que você esteja de fato passando mal.

— Se pretende me fazer falar, saiba que...

— Eu não pretendo nada, - cortou-me ele com os olhos na estrada. – Quero só uma companhia pra esta noite.

— E para amanhã também, pelo visto. – falei ficando irritada. Mas me arrependo logo em seguida, estou sendo rude sem que ele mereça.

No entanto um sorriso divertido se estampou no rosto dele para minha surpresa.

— Você está irritada por que te chamei pra jantar? – perguntou segurando o riso.

— Depende, tenho escolha para decidir se posso ou não ir?

— Não, definitivamente não.

— Então, sim, estou irritada por isso.

Cassian riu.

— Acho que você é a primeira mulher que me evita desse jeito.

— Isso fere seu ego de garanhão?

Cassian fez uma careta, mas continuou sorrindo.

— Talvez.

— Que honesto, estou impressionada.

Meu amigo de faculdade piscou pra mim.

— Tudo para te entreter.

Torci os lábios e meneei a cabeça para os lados.

— Não tem que fazer isso.

— Não tenho mesmo, — concorda ele simplesmente, — mas faço porque quero. Vai jantar comigo ou não?

Eu suspiro e assinto. Talvez seja uma boa ideia, eu não quero ir pra casa chorar.

— Eu vou, me surpreenda.

— E quanto amanhã? Ainda está de pé, certo? – perguntou, parecendo nervoso. — Hoje foi apenas o acaso...

— E eu achando que se fôssemos jantar hoje, eu não precisaria ir amanhã.

— Nada disso.

— Como sempre, não tenho escolha.

Havia de algo diferente no Cassian, algo que indescritivelmente me deixava confortável, mesmo que eu ainda estivesse um turbilhão por dentro. E me recordo de notar isso muito tempo antes, quando ainda estávamos na faculdade. Sempre pareceu bom demais para ser verdade – o tipo de pessoa que qualquer um com um pingo de inteligência gostaria de ter por perto. Pelo canto do olho, o examinei.

Ele estava vestindo um conjunto de terno preto, camisa branca e gravata azul marinho. Estava tão imersa na minha própria bolha que não notei que estava engravatado. Havia um diamante na orelha dele. Hum.

— Sou atraente pra você? – perguntou com um sorriso debochado. Juro que queria ficar constrangida, mas fiz uma careta.

— Não exatamente.

— Puxa, que pena. Fiquei esperançoso atoa...

Minha boca se alargou num sorriso.

— Você não muda mesmo, galante como sempre.

Ele ergueu as sobrancelhas, virou-se para me olhar e depois retornou à atenção para a estrada.

— E você continua negando meu amor.

No início da nossa amizade estranhava muito esse tipo de brincadeira, porque eu não sabia diferenciar as coisas. Especialmente porque o amor me deixara marcas dolorosas. E agora não foi diferente. Com muita raiva virei o rosto para a estrada, afugentando as lágrimas insistentes o máximo que eu podia.

Não, Letícia, não chore agoraControle-se.

Senti uma mão grande e firme tomar a minha. Fiquei estática, sem reação, quando vi os dedos de Cassian se enroscarem nos meus.

— Queria poder fazer alguma coisa, - sussurrou com uma expressão resignada. – Mas a única coisa que posso lhe oferecer é um ombro amigo e, por via das dúvidas, meu apoio, ainda que eu não saiba exatamente o que está acontecendo.

Não. Não. Não. Suas palavras foram os gatilhos que acionaram meu chororô patético. Apertei a mão dele, notando que eu necessitava desesperadamente daquelas palavras.

— Obrigada, - agradeço baixinho, minha voz embargada pelo choro.


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