Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 8
Oito




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Às vezes no amor ilícito está toda a pureza do corpo e alma, não abençoado por um padre, mas abençoado pelo próprio amor.
—Clarice Lispector

FERNANDO MENDIOLA   

— Quatro mil e setecentos e cinquenta dólares, senhor.

Com o peito inflado de expectativa, saquei o débito e paguei pelo colar da Tiffany.

A impressão de estar parecendo um tirano subornador passa pela minha cabeça quando entro no carro. Mas quando acordei disposto a me redimir, acreditei que deveria começar da melhor maneira possível. Fiz reserva num restaurante luxuoso no interior da cidade, comprei-lhe um cordão de diamante, doces caros e um perfume que eu particularmente achei perfeito para ela. Eu sei que Letícia não se influência pela riqueza ou pelo luxo, mas quero agradá-la.

Foi muito prazeroso tirar esse momento para comprar presentes para ela. Nunca a mimei como deveria e... Farei com mais frequência a partir de agora.

O sinal vermelho me pegou e subitamente minha mente se encheu de imagens da noite anterior. A expressão sofrida de Lety não sai da minha cabeça. Eu odiei Miguel por tê-la feito sofrer, mas no que somos diferentes? Na verdade, eu sou pior que ele.

Pensei em como tudo começou. O plano de manipulá-la para não perder a Conceitos virou-se contra mim. Se me dissessem que eu me apaixonaria por ela teria rido.

Eu sou ordinário, desprezível e muito mais. Letícia Padilha Solís tem se sacrificado por mim e só tenho retribuído feridas. Mas o pior é não ter forças ou coragem para sair dessa imundice. Preciso mantê-la perto de mim. E vou mostrar que estou arrependido, o que estiver ao meu alcance farei para que entenda que a amo sem reservas e não cometerei o mesmo erro. Pela Conceitos, por ela, e por mim.

Viajo no tempo e me recordo do incrível fim de semana que passamos em Cuernavaca. Tivemos um sonho lindo... que nos fez compreender a intensidade do nosso amor. Puro... Único. Ela é capaz de abdicar de tudo por esse amor, por mim... e eu...

Sinto uma dor no peito. Eu não sei se conseguirei cumprir a promessa de romper meu casamento com a Márcia após a reunião do conselho, mesmo que eu queira. O legado que meu pai me deixou é grande e importante demais pra ser deixado de lado.

Lety será capaz de me perdoar? Claro que não.

É absurdo mas terei que me acostumar com a possibilidade de me separar dela quando me casar. Não posso prosseguir com isso. Ainda que seja tão tentador mantê-la como minha amante.

Quando cheguei a Conceitos, lancei minhas chaves nas mãos de Celsos. E fiz questão de ignorar Alice Ferreira, tampouco dei atenção ao Quartel. Eu queria ver Letícia apesar de estar apreensivo.

Estava com os nervos a flor da pele. Entrei na minha sala e fui diretamente para a dela, batendo duas vezes na porta. Queria quebrar alguma coisa pra espantar aquela horripilante sensação de desespero.

E se ela não me perdoar? O que será de mim? O que será da Conceitos? Ela vai se virar contra mim? Subitamente as palavras de Jorge Flores me vêm à mente. Amor e desconfiança não andam juntos.

 Letícia me ama, o que estou pensando? Mesmo que ela não me perdoe seria incapaz disso...

Sem paciência para esperar, enfio a cabeça pela fresta. Letícia vira o rosto para mim e sorrio para ela, meio encabulado.

— Oi... Lety.

— Seu Fernando, bom dia. – Cumprimenta cortês.

— Posso entrar?

Ela dá de ombros.

— Claro.

Fecho a porta atrás de mim. Sem delongas estico uma sacola relativamente grande. Ela pisca, confusa, olhando para a sacola e depois para mim, mas não se move.

— O que é isso, seu Fernando?

Examino seu rosto e encaro seus lábios rosados, desejando beijá-los. Desvio o olhar para seus olhos e me aproximo cautelosamente.

— Comprei umas... Coisas pra você.

Ela arqueia a sobrancelha, desconfiada.

— Está querendo me comprar?

Sinto a cor fugir do meu rosto e rapidamente nego, me enrolando com as palavras.

— É... É... Hum... É... Não, nada disso. – faço uma careta e coloco a sacola sobre a mesa dela, gesticulando. – Anda, anda, para de fazer perguntas e veja logo o que tem aí, mulher.

Letícia pressiona os lábios numa linha fina e fita meu rosto por um longo momento. Depois, para meu alívio, ela deu um sorriso torto.

— Certo.

Esperei quase falecendo de impaciência enquanto ela deslocava delicada e vagarosamente o embrulho dos pacotes que tinham dentro da sacola. Cruzo os braços e recosto-me na parede, observando seu rosto, esperando sua reação.

Ao abrir o primeiro pacote, pegou entre as mãos uma caixinha de veludo. Meu coração começou a bater com violência contra meu peito. Lety arregalou os olhos incrédulos ao ver o cordão de ouro rosa com um pingente em formato de coração cheio de contas de diamante. Arquejou com as mãos trêmulas.

— Se...Seu Fernando... O que é isso? Eu... Deve ter custado uma fortuna...

— Calma, ainda tem mais.

Ela se virou para mim, o rosto vermelho.

— Mais?

Aquiesci sorrindo igual um imbecil.

Letícia abriu os outros pacotes, revelando o perfume e o hidrante caríssimos, assim como também os chocolates suíços. Com os olhos arregalados, minha assistente fitou àqueles presentes por um longo momento. Comecei a ficar nervoso.

Seu rosto se crispou numa careta.

— Não posso aceitar tudo isso.

— Claro que pode, Letícia.

Minha amante parou por um momento, respirando fundo. Parecia aborrecida. Será que ao invés de conseguir o seu perdão teve o efeito contrário?

Letícia se levantou da cadeira e cruzou os braços, virando-se para mim. Ela se demorou no meu rosto, com uma expressão conflituosa.

— Seu Fernando. O que estava pensando ao comprar tudo isso?

Fitei-a me sentindo esquisito sob aquele olhar. Desviei minha atenção para o colar.

— Eu... É... – Franzi o cenho. – Olha, Lety, eu... Não sei. Quer saber? Não sei o que estava pensando. Eu só queria me redimir, é isso.

— E o senhor acha que vai conseguir se redimir me comprando? – ela falou como se estivesse engolindo farpas. Voltei-me para ela.

— Não, eu não tive essa intenção... – afirmo, sendo honesto. – Eu só queria... que me perdoasse. Então... Achei que... – paro, analisando seu rosto. Seus olhos se iluminaram.

— Achou o quê?

— Que se eu pudesse começar o dia de uma forma diferente, talvez pudesse amolecer o seu coração a meu favor. Não quero ficar mal com você. Me faz muito mal. E sei que faz mal a você também.

As suas sobrancelhas se moveram quase imperceptivelmente. Mordendo o lábio inferior, ela disparou um olhar para os presentes e depois para mim, me observando sem me responder. Em vez disso, Letícia veio até mim e tocou meu rosto com as duas mãos. Eu segurei sua cintura, puxando seu corpo de encontro ao meu. Soltei um suspiro, temendo que ela me repelisse caso a beijasse.

Letícia sorriu, embora o sorriso não chegasse aos seus olhos.

— Sabe de uma coisa, seu Fernando? Eu o perdoei no instante em que apareceu lá perto de casa bêbado esta manhã. Mas não precisava me dar nada.

Fiz uma careta.

— Como assim?

Ela piscou e então a compreensão chegou ao seu rosto. Revirando os olhos, soltou uma risada seca.

— É claro que você não se lembra.

Fico confuso.

— Do que você está falando?

Ela morde o interior dos lábios, negando com a cabeça.

— Você foi atrás de mim, seu Fernando. Essa manhã saí para correr pois não conseguia voltar a dormir, e eu o encontrei virando a esquina em direção ao meu bairro. O senhor estava... Péssimo. E ainda está... O senhor está com olheiras!

Eu a encarei com uma careta e minha mente começou a vasculhar os fragmentos da noite passada. O que eu tinha feito? De repente minha cabeça se encheu de lembranças da noite anterior. Eu fui ao meu bar preferido, conversei com o barman e...

— Ah! – arregalo os olhos. – Então você de moletom e suada não foi um sonho?

Letícia riu.

— Não! – Ela pôs a mão na boca.

— Você parecia saída de um... – digo, malicioso.

Ela se constrange e bate no meu peito.

— Que horror, seu Fernando!

Puxo a mão dela e beijo seus dedos.

— Amo quando você ri. Isso ilumina meu dia.

Letícia me analisa e balança a cabeça, sorrindo.

— Você é um bobo.

Aquiesço.

— E então, você me perdoa e vai aceitar meus presentes ou não?

— Está bem, está bem.

Letícia afastou-se de mim e pegou o colar cuidadosamente.

— Você pode colocá-lo para mim?

— Claro, vire-se.

Ela ficou de costas para mim e puxou sua trança, expondo o pescoço. Fechei o colar e segurei-lhe os braços. Beijei lentamente a pele desnuda de sua nuca e seu corpo inteiro se arrepiou. Eu sorri.

Falei junto ao seu ouvido.

— Eu a amo, Letícia Padilha Solís. Essa noite reservei um jantar para nós dois, cancele todos os seus compromissos. E use o perfume que eu te dei.

Com um sorriso convencido nos lábios, deixei-a e fui para minha sala.

Entrei na sala de Omar me sentindo o homem mais sortudo do mundo. Até então, apesar das dificuldades, estava tudo indo bem. Isto é, apesar do embargo, a Conceitos está relativamente estável, conseguindo pagar as suas dívidas no prazo estipulado pelos bancos. E eu consegui o perdão da mulher que amo. A única coisa que estava fora do lugar é meu casamento com a Márcia.

Meu melhor amigo cedeu o lugar dele para que eu me sentasse.

— Olá, meu presidente. Como está? – perguntou-me ele, sentando-se de frente pra mim. Eu sorri.

— Melhor do que nunca, meu caro Omar.

— Posso saber qual é motivo dessa sua felicidade? – Omar se inclinou sobre a mesa com um sorriso maléfico. – Marcou encontro com alguma modelo? Grr, garanhão, esse é dos meus.

Fechei a cara.

— É claro que não, imbecil. Ontem eu briguei feio com a Lety, mas nós nos resolvemos.

Omar me observou com uma cara de nojo.

— E você está feliz por que se resolveu com a mostr... digo, Lety?

— É, isso mesmo, Carvajal. Eu agi feito um imbecil e ela ficou chateada, com razão, claro.

— Está bem, o que rolou? Você pisou no pé dela ou o quê?

Revirei os olhos. Peguei a caneta que estava na mesa e brinquei com ela.

— Eu... Senti vergonha dela ontem.

O estúpido do Omar começou a rir, meneando a cabeça para os lados.

— É claro, qualquer um sentiria vergonha daquela horrorosa!

Começo a ficar enraivecido e aponto com a caneta na direção dele.

— Já falei pra você respeitá-la, seu animal, ou juro que enfio essa caneta no teu olho. – Sibilo entre dentes.

Ele ergue as duas mãos.

— Calma, calma, desculpe, senhor presidente!

Querendo empalá-lo, cruzo os braços.

— Você tinha que ver... Ela ficou muito chateada. Fiquei desesperado, não sabia o que fazer. Tive muito medo...

Omar suspirou.

— Por isso você foi se embebedar? Era mais fácil ter me ligado, eu arranjaria um jeito de contornar a situação na mesma hora.

Neguei com a cabeça.

— Não, achei melhor dar um tempo a ela para que esfriasse a cabeça. Além dos mais, comprei algumas coisas para ela como pedido de desculpas.

Ele arqueou a sobrancelha.

— E ela aceitou? – perguntou ele, parecendo cauteloso.

— Não, - falei fazendo uma careta. – Inclusive achou que eu estava a comprando.

— E não estava?

Grunhi.

— Claro que não, - praguejei consternado. – Eu só quis... Não sei, só tive vontade de dar alguma coisa pra ela como pedido de desculpas. Mas eu insisti e ela acabou aceitando no fim.

Omar recostou-se na cadeira, batucando os dedos na mesa enquanto me observava. Estreitei os olhos, achando suspeita a reação dele.

— O que foi?

— Você está... Apaixonado por ela, não está? Surta por causa do amiguinho dela, depois se embebeda e aparece no bairro dela...

Esfreguei meu pescoço e comprimi os lábios numa linha fina. Então eu não fui pra casa sozinho? Com um suspiro, ponderei se valia a pena dizer-lhe a verdade. Nunca fui de expor meus sentimentos – nem para os mais próximos. Inesperadamente o rosto de Márcia e a responsabilidade com a Conceitos surgem na minha mente.

— Acho que vou levar seu silêncio como um sim. – balbuciou.

— Estando ou não apaixonado, não faz diferença. – grasnei, irritado comigo mesmo.

— Por quê?

— A Conceitos está em primeiro lugar.

Omar não me responde. Inesperadamente, percebo um lampejo de satisfação no seu olhar quando saio da sua sala. Quando retorno para presidência, eu percebo que ninguém de fato se importa com o que quero, exceto a Letícia.


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