Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 5
Cinco




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Dói mais ao nosso amor-próprio sermos desprezados, que aborrecidos. - Marquês de Maricá

 

LETÍCIA PADILHA SOLÍS

Eu me considerava uma observadora excepcional. Prestar atenção nos detalhes normalmente ignorados pelas pessoas era o passatempo perfeito para quem precisava se distrair. É por isso que estranhei o brilho excessivo nos olhos de Cassian, um brilho diferente. Imediatamente me questionei se foi uma boa ideia aceitar o convite.

O lado esquerdo da sua boca se curvou num sorriso.

— Certo. Que tal sairmos para jantar e conversar amanhã, às 19h30?

Um pouco nervosa desviei o olhar para a sua abotoadura de ouro.

— N-Na verdade amanhã tenho um compromisso, - tecnicamente não é mentira, mas vi-me numa necessidade urgente de adiar isso. – Eu não posso, desculpe.

Ergo meu rosto e dou um leve sorriso de desculpas. Ele parecia desapontado, mas ainda assim sorriu animado. Com uma pontada de culpa, me levantei desajeitada e ele me acompanhou.

— Tudo bem, então, quando é bom pra você?

Olhando ao redor, vasculhei a mente para poder dar uma boa desculpa.

No fim, decido ser franca.

— Posso ser sincera...? Acho que não é uma boa ideia.

Ele franziu a testa e me olhou como se eu fosse um alienígena.

— Não é uma boa ideia sairmos como amigos?

Comprimo os lábios me sentindo uma imbecil.

— É...

— Não entendi.

— Como posso explicar...?

Isso o desagradou. Ele sacudiu a cabeça, olhando ao redor.

— Isso é por causa do Fernando?

Eu estaco.

— Do que... Do que você está falando? – gaguejo, soltando uma risada seca. – Não tem nada a ver...

— Por favor, Letícia, - murmura ele com um esgar – dá pra ver nos seus olhos que você está apaixonada por ele.

Aperto minha bolsa contra meu peito e é incontrolável – meu olho esquerdo começa a piscar frenético.

— N...Não, claro que não. Você... Você interpretou errado, isso é... é... Admiração, isso, admiração, eu o admiro muito.

Ele semicerrou os olhos.

— Admiração, claro. Então o que foi aquilo?

Ergui a sobrancelha.

— Aquilo o quê?

— Aquela marcação de território, - disse ele com ironia. – Ele colocou o braço nos seus ombros, queria deixar claro que você pertencia a ele.

Pisquei momentaneamente incrédula. Nego com a cabeça.

— É claro que não, é...

Um embrulho no estômago me interceptou. Será que ele está se apaixonando por mim? Não, impossível. Levo a mão na boca e belisco meu lábio inferior. Um raio de esperança queimou meu peito, me trazendo um pouco de luz.

E se, hipoteticamente, isso for verdade? E se... no decorrer do tempo... Balanço a cabeça. É claro que não, a realidade não é um dos livros de romance que tenho na minha prateleira. Letícia Padilha Solís não é a linda mocinha de olhos castanhos que consegue conquistar o coração de pedra do lindo garoto mal. Seu comportamento quando chegamos ao Le Noir me comprova isso.

Eu preciso desesperadamente fincar as minhas raízes no realismo – seu Fernando jamais se apaixonaria por mim, ainda mais alguém como eu.

Mordendo o lábio com força, viro meu rosto na direção do bar. Eu não queria que ele visse a mágoa no meu olhar. Aquilo não fazia sentido nenhum. Marcação de território? Inacreditável. Isso é totalmente um mal entendido. Foi só um... Gesto casual da parte de seu Fernando. Um costume.

— Você está chorando? – Ele pareceu apavorado. Eu não havia percebido que a umidade em meus olhos havia transbordado. Esfreguei a mão no rosto e é claro que as lágrimas me entregaram.

— Não – eu disse com a voz fraca.

— Então é verdade, você está apaixonada por ele.

Volto a fitar seu rosto, há uma mistura de arrependimento e gentileza na sua feição. Logo desisto de negar. Eu suspiro.

— Eu sou patética.

O lindo rapaz de olhos azuis claríssimos arqueou a sobrancelha.

— Estar apaixonado não é patético.

— Argh. Você diz isso porque não está na minha pele.

— E eu realmente não gostaria de estar. Ele não está noivo?

Sinto vontade de me jogar de um precipício.

— Sim, está. Por isso eu sou patética.

Ele tentou alcançar minha mão, mas eu a puxei. Cassian suspirou.

— Você não é patética. Não tem culpa de estar apaixonada.

Olhei bem pra ele, piscando várias vezes, perplexa com sua gentileza.

— Está bem, esquece o que eu disse, eu vou aceitar seu convite.

A hesitação no seu olhar é evidente.

— Por que mudou de ideia?

— Acho que preciso respirar novos ares, — declarei quase como uma súplica. — seu Fernando vai casar com a dona Márcia e isso me dói mais do que qualquer dor que sofri nesta vida.

— Hum... então quer me usar como estepe.

Eu paralisei, sentindo o sangue sumir do meu rosto.

— Não, não... não foi isso que eu quis dizer, eu...

Ele riu baixinho.

— Calma, coleguinha, estou implicando com você.

Uma desconfiança sorrateira escorregou para dentro de mim, mas a ignorei.

— Eu achei que não seria uma boa ideia por vários motivos difíceis de explicar, um deles é que... não quero problemas com ele, — refiro-me ao seu Fernando — ele é pouco...

— Possessivo? Enciumado? – Cassian zomba. – Se ele está mesmo noivo, é meio hipócrita, não é?

Faço uma careta. É verdade.

— Sim.

Após me analisar por alguns segundos, sua expressão se suaviza e ele assente.

— Está bem, então onde posso te buscar amanhã?

Neguei com a cabeça.

— Eu falei sério quando disse que tinha compromisso, - suspiro ao me recordar do jantar que marquei com as meninas do quartel – que tal na sexta, após o expediente?

Ele concorda com a cabeça.

— Por mim, tudo bem.

Um pouco sem graça, coloco a alça da minha bolsa no ombro.

— É melhor eu ir... Até sexta, Cassian.

Sem esperar por uma resposta, disparo para fora antes que eu volte atrás na minha decisão.

Lutei para controlar minha respiração quando me aproximei de seu Fernando. Ele estava encostado no seu conversível com os braços cruzados. Em sua feição havia impassibilidade, o que me dava certeza de que estava zangado comigo. Reprimi um suspiro, eu não podia evidenciar mais o meu cansaço mental – não quando não fazia diferença. Mesmo assim, isso não impedia meu coração de bater com violência cada vez que via seu rosto. Ele frisou os lábios numa linha fina.

— Entre. – Ordenou gesticulando na direção do carro. Seus braços se cruzaram novamente. Senti seus olhos me seguirem até eu bater à porta do conversível.

Dentro do carro, tentei manter-me neutra sob os olhos enviesados cheios de reprimenda de seu Fernando. Ainda assim fiquei impiedosamente fiel ao meu silêncio. Precisava ser forte, quebrar essa minha complacência com relação a ele. Ele merece um baita gelo. Na realidade, merece que eu desapareça de sua vida.

Pela esguelha, dei-lhe uma olhada averiguando a situação. Bom, desta vez parecia concentrado no trânsito.

Suspirando, volto meus olhos para a estrada. Eu precisava pôr meus pensamentos em ordem, tudo estava fora de eixo.

É oficial. Irei jantar com Cassian.  

Com a mão no queixo, recordei-me do ansioso brilho de seus olhos. Repentinamente preocupada, me questiono se aquilo por acaso não foi apenas uma ilusão de ótica. Prefiro me atentar a esse tipo de cogitação que qualquer outra probabilidade. Não faz sentido algum alguém sequer se interessar por mim de outra maneira. Concluir que isso se trata de um delírio mental é muito mais prático e real para mim.

— Lety.

A voz de Seu Fernando me arranca dos meus devaneios.

— Sim? – pergunto ao virar-me para ele.

— Me desculpe.

Levo alguns segundos para entender porque está se desculpando. Quando compreensão chega, eu meneio a cabeça para os lados.

— Não faz diferença, seu Fernando.

Ele reflete por um momento e franze o cenho.

— Eu... Fui um completo idiota. Agi como um imbecil esta noite e você não merece isso.

Dou de ombros – desculpas não mudam nada. Eu não o culpo, apesar de doer muito. Seu comportamento manifestou a mais óbvias das minhas certezas; ele não me ama.

— Eu entendo. – Digo baixinho.

Seu Fernando negou com a cabeça parecendo infeliz.

— Não, Letícia. Não precisa ser gentil comigo, não precisa... Fingir que isso não te doeu.

Fecho os olhos, expirando com força. Ele continua.

— Não sou digno de você, eu não te mereço. Mas não posso... Viver sem você. Será que... Você pode me perdoar?

Ele pegou a minha mão e me voltei para ele, abrindo os olhos.

Fito seu perfil – o homem por quem eu daria a vida. Eu o amo, eu o anseio, ainda que não haja a possibilidade de ficarmos juntos no final. Quero ser flexível como todas as vezes, lhe agradar de todas as formas possíveis, mas desta vez, não. Eu preciso pensar em mim.

É por isso que puxo minha mão.

— Não. – Refuto. Minha voz sai mais áspera do que o esperado. – Suas desculpas... Não mudam nada, seu Fernando.

Ele fica magoado, vejo isso em seu rosto. Desvio o olhar, mordendo o lábio com força. A culpa vem corroendo minhas forças, mas me resigno a minha decisão.

Seu Fernando, no entanto, estaciona o carro numa esquina vazia, próximo do meu bairro.

— O que está fazendo? – pergunto hesitante.

Ao desligar o sistema de ignição, voltou-se para mim.

— Vamos conversar.

Nego com a cabeça.

— Negativo, me leva de volta para casa, seu Fernando.

— Letícia, por favor, precisamos conversar.

Suspiro, contando até três. Eu não quero conversar. Não quero ser manipulada novamente.

— Não, seu Fernando. Me. Leva. Pra. Casa.

Ele explora meu rosto com aqueles lindos olhos magoados.

— Por favor, Lety. Por favorzinho... Só um pouquinho. – Ele pega minha mão e enche-a de beijos. Tento puxá-la de volta, mas ele a segura com firmeza.

— Está bem, está bem! Mas que droga. – digo com aspereza, bufando.

Ainda assim, minha afirmativa deixou-lhe aparentemente aliviado.

— Me desculpe, eu...

— Seu Fernando, - corto-o com rudeza. – eu já lhe disse que não faz diferença.

— Que merda, Letícia! – grita desesperado. – Será que eu posso pelo menos explicar como me sinto com relação a isso?

Fitei-o, consciente que eu provavelmente estava cometendo um erro ao ouvi-lo. Assinto.

— Está bem, pois então, fale.

Ele encarou meus olhos com intensidade sem soltar minha mão. Parecia uma criança com medo de perder a pessoa que mais amava, mas espantei o pensamento.

— Eu quero ser honesto, então... Droga. Letícia, eu senti vergonha de você hoje, no jantar. Mesmo que você não tenha me dito nada, que preferiu guardar isso para si mesma... Eu poderia usar mil e uma desculpas para poder explicar minha atitude ridícula, e as pensei, mas essa é a verdade. Eu...

Paralisei, sentindo a dor me queimar por dentro. Seu Fernando me observou com seus olhos escuros e continuou quase num sussurro. Eu sabia disso, mas ouvir a verdade era tão diferente de apenas presumir...

— Eu peço perdão, por favor, me perdoe. Quando lhe disse que não a mereço, fui sincero. Porém, não posso perdê-la, por isso que decidi lhe contar a verdade e...

Fitei-o consciente que meu rosto manifestava toda porcaria de sentimento que eu tinha naquele momento. Ainda que eu tentasse ocultar isso, era tremendamente impossível. Quão terrível deve ter sido para ele, de fato, ter sido visto ao lado de alguém como eu. Alguém tão... Com lágrimas nos olhos, balanço a cabeça para os lados.

Por que estou chorando?

Não era de meu conhecimento que seu Fernando vivia um mártir cada vez que tínhamos de estar juntos? E que, no fim das contas, só lhe servia para lhe garantir bons negócios e, um bom crescimento a Conceitos?

Por que, então, estou sofrendo?

Um sentimento horrível toma conta de mim. Eu sou infinitamente patética.

Porque apesar de conhecer a verdade havia uma parte de mim que possuía esperanças de que fosse por outro motivo. Eu sou tão burra.

Eu não sou e nunca serei o suficiente. Eu só sou Lety, a feia.

Esta é a minha realidade... Então por que estou tão triste? Eu já não havia me conformado?

Seu Fernando pegou o meu rosto com as mãos e limpou as lágrimas com os polegares. Fiquei ali, parada, olhando para ele enquanto me sentia pisada.

— Por favor, Lety, não chore, me desc...

— Por que insistiu que eu fosse então? – interrompi com a voz embargada.

— Porque eu queria estar com você e eu senti que se você estivesse lá me daria sorte. E foi exatamente o que aconteceu.

Eu solto um riso esganiçado.

— Pois é, foi ótimo para você, mas para mim...

— Eu sei, eu sei. – Ele se aproximou e beijou minha boca. – Por favor, não chore, me desculpe, eu errei.

Sentindo asco de mim mesma por me submeter aquilo, empurrei-o para que se afastasse de mim. Não queria sentir seu toque, tampouco seus beijos, não quando isso me feria.

— Me leva pra casa - digo.

Com uma expressão angustiada, seu Fernando puxou-me novamente e eu resisti, soltando uma espécie de chiado sofrido. Isso o fez estacar no mesmo instante.

— Me leva pra casa! Agora! – grito.

Ele saiu do transe e me observou por um momento, havia dor nos olhos dele. Mas eu sabia que aquela dor significava o medo de perder a Conceitos. E nada além disso.

Evitei contato visual com ele e segurei a minha bolsa contra meu peito, como se aquilo fizesse a dor sumir. Ao perceber que eu não mudaria de ideia, ele ligou a ignição e o conversível se moveu. O trajeto até minha casa foi num completo silêncio. Quando ele parou, saltei para fora. Ele, porém, me interceptou no meio do caminho.

— Lety, por favor, seja razoável! Eu não queria que houvesse mentira entre nós, por isso lhe disse a verdade. Se eu soubesse...

Meu queixo cai e eu o encaro com incredulidade.

— Você está se ouvindo? – solto uma gargalhada irônica. – Eu deveria saber que na sua cabeça, seu Fernando Mendiola, ao me dizer a verdade, você acha que está me fazendo um favor.

Ele fica pálido.

— Não, não é isso... Você entendeu errado...

— Eu entendi errado? Pelo amor de Deus, você nem cogitou pensar nos meus sentimentos! Se coloca no meu lugar, seja empático pelo menos uma vez nessa sua vida miserável. – Grasno gesticulando na direção dele.

Há um assombro perturbador no seu rosto, como se estivesse afundando num abismo de aflição, ao se aproximar de mim. Ele tenta me tocar, mas me afasto. Estou enfurecida demais para pensar direito.

— Por favor, Lety, me perdoe, eu não quis dizer isso, amor. Eu te amo, por favor...

— Amor? – pergunto, meneando a cabeça para os lados. – Você chama isso de amor? Se me amasse...- Paro no mesmo instante. - Quer saber? Vá pra casa e me deixa em paz.  

Com as mãos tremendo, vasculho a bolsa procurando as chaves de casa, destranco a porta e disparo para dentro.

Fernando Mendiola ainda irá me matar.


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