Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 13
Treze




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Sinto ciúmes de tudo o que é meu, e de tudo o que eu acho que deveria ser. — Bob Marley

FERNANDO MENDIOLA  

A horrível impressão de que eu estava cometendo um grande erro foi difícil de ignorar, mais ainda quando percebi que Márcia queria enviar uma mensagem enquanto seguíamos pelo corredor de mãos dadas.

O sentimento se intensificou dentro de mim, especialmente quando a vi interagindo com o quartel. Márcia ao meu lado ergueu o queixo com um sorriso altivo, uma vez que havíamos nos aproximado, fazendo-me entender que aquela fora a forma de declarar guerra a Letícia. Por um momento em me questionei se ela sabia, mas julgando pela conversa que tivemos anteriormente, provavelmente seguia com o pensamento de que minha assistente acobertava minhas traições. Que ela conhecia e estava do lado da amante.

Letícia flagrou nossas mãos unidas e por instinto puxei a minha. Os acastanhados olhos de minha assistente cintilaram com ironia conturbada, como se estivesse ouvido uma piada de mal gosto. Fiquei desconcertado quase que imediatamente. Márcia não se abalou com meu gesto, muito pelo contrário, sustentou a expressão altiva, numa tentativa patética de intimidá-la. Lety, porém, ignorou seu comportamento a cumprimentando educadamente. A diferença de personalidade entre as duas era gritante. Apesar de vir de um ambiente humilde, Letícia possuía uma postura muito mais elegante que minha própria noiva. Eu poderia sorrir orgulhosamente se não estivesse agitado, conjecturando mil coisas que poderiam estar passando pela cabeça da Letícia neste momento. Sinto o pânico rastejar pelas minhas pernas, pressentindo que todo esforço que fiz para ficarmos bem essa manhã desceu ralo a baixo. Eu estraguei tudo de novo.

Olho por cima do ombro dela e reconheço de imediato o sujeito. O colega de faculdade da Letícia – o mauricinho que a “defendeu”. Cassiano da Ponte, seja lá como se chama esse imbecil, se aproxima da minha assistente, alternando olhares entre mim e Márcia.

— Cassiano da Ponte, – falo um pouco surpreso. O que afinal ele está fazendo aqui? Será que veio entregar o contrato antecipadamente? Olho para as mãos vazias dele e noto que não, ou Letícia o deixou na minha mesa.

— Cassian de La Fuente, Francisco Mandioca. – Nós trocamos um aperto de mão, ainda que eu quisesse enfiar um soco na sua cara presunçosa. O quartel arquejando atrás de mim me irritou ainda mais. Traidoras.

— É Fernando Mendiola, – o corrigi impaciente. Apontei para Márcia. – Cassian, essa é Márcia Villarroel, acionista da Conceitos e... – começo a gaguejar, sem saber se a apresento como noiva ou não na frente da Lety, eu a encaro e seus olhos brilham com escárnio.

— Essa é a noiva do seu Fernando, Cass. – o tom entusiasmado é singular e esquisito. Fico sem reação.

Desviei o olhar para Márcia, querendo me encolher. Me senti um garoto de dez anos sendo repreendido sob seu olhar duro e irônico. Ela está muito chateada.

— É um prazer, Cassian. – ela acenou. – No que podemos ajuda-lo?

Arrisquei um olhar na direção da Letícia, e eles dois se entreolharam, compartilhando alguma coisa silenciosamente. Trinquei o maxilar. Essa palhaçada entre eles está começando a me irritar. Prefiro seu olhar duro sob mim a vê-la compartilhando qualquer coisa com esse mauricinho. Ou qualquer pessoa que seja.

Controle-se, Fernando.

— Não, só quis ver a Letícia, chama-la para jantar. – os olhos dele cintilaram quando sorriu. O que? O que esse imbecil quer com a minha Lety? – Mas como ela não está passando bem, ofereci-lhe uma carona para casa.

— Ah! Entendi, bom, nesse caso, até logo, Cassian.

Controlei meus instintos possessivos, querendo checar se está tudo bem com ela, fiz uma rápida análise no seu rosto. Mas quando estava prestes a lhe perguntar o que estava sentindo, Márcia puxou meu rosto para me beijar. Fechei os olhos com força, sentindo meu peito ser esmagado.

Contudo a sensação enervada se dissipou, deixando apenas a angústia que subiu pelo meu âmago quando me questionei o que aquele gesto faria à Letícia.

Sorri fracamente para a Márcia quando se despediu, retendo-me a fachada. Letícia sabia que eu teria que fingir, certo? Esperava que isso não desse mais dano a ela...

Voltei à atenção para minha assistente que estava se preparando para sair. O pânico se intensificou e apertei os punhos com força, segurando-me para não a puxar e enfiá-la dentro da minha sala comigo.

— Lety, já está saindo? – minha voz saiu fraca, tremida, apreensiva, talvez.

— Sim, seu Fernando, como Cass disse, eu não estou bem. – murmurou com uma indiferença cortante.

Droga, eu ferrei com tudo. Eu sou um imbecil. Ela franziu a testa suavemente.

Por favor, por favor, supliquei com o olhar, não vá emboraFiquei comigo, Lety.

— Mas Lety, nós tínhamos um compromisso. – Balanço a cabeça e faço uma careta, lembrando dos ouvintes ao nosso redor. –Digo, temos um jantar de negócios, lembra?

Ela sorri com uma doçura azeda, acertando o ar com um safanão.

— Não é para hoje, – cantou, – é na próxima semana. O senhor confundiu as datas.

Ela estava se referindo aos nossos encontros semanais, uma regra que eu estipulei. Apesar de ter a sensação de ter levado um soco no estomago, eu dei um passo a frente. O sorriso dela vacilou.

— Posso falar com você rapidinho então? – implorei. E imploraria muito mais se estivéssemos a sós.

A mágoa é evidente na minha voz, e eu quero mesmo que ela entenda que preciso dela. Mesmo que eu seja um egoísta desgraçado. Letícia contudo mantém-se irredutível.

— Desculpe, seu Fernando, mas eu preciso ir. Eu não me sinto bem. – ela cutucou o Cassian com o cotovelo e acenou para o quartel estranhamento silencioso atrás de mim. Eu a fitei, meio desesperado, meio resignado. – Vamos, Cassian. Até amanhã, seu Fernando, boa noite, meninas.

Ela me lança um último olhar, e acena com a cabeça. Cassian repete o gesto dela educadamente.

Atônito e desesperado, eu os observo até a porta do elevador se fechar.

Inferno. O que eu faço agora?

Sem pensar direito no que estou fazendo, vou até minha sala. Transtornado, pego minhas chaves e minha carteira, e sumo da empresa.

Eu preciso fazer alguma coisa, mas o quê?

A solidão do meu quarto parecia o local mais adequado para mim, eu precisava pensar com clareza, colocar a cabeça em ordem. Então segui direto para minha casa. Cheguei batendo a porta com força, querendo quebrar tudo que estava a minha volta.

Tudo na minha vida estava fora do lugar, e a culpa é totalmente minha.

Meu coração não parava de se alternar entre ficar com a Lety ou continuar com a minha decisão de casar com a Márcia pelo bem da Conceitos. Saí chutando tudo o que via na minha frente até meu quarto, andando de um lado para o outro, irrequieto, cansado, alterado...

Me exauri e sentei na beira da cama, com as mãos em concha na altura do nariz.

Penso em Cassian de La Fuente, o mauricinho bilionário cheio de si que está rondando Letícia como abutre atrás de carniça. Foi só reencontrá-la que começou a arrastar suas asas para ela. O que esse imbecil quer? Aposto minha cabeça que está interessado nela, que a quer. Notei como me examinou, parecia que estava inspecionando se eu seria um oponente a sua altura, alguém por quem ele pudesse considerar ser uma ameaça. De qualquer maneira não importa qual seja sua intenção, eu não vou perder pra ele. Letícia me pertence.

Pondero, entretanto, que cheira mal um homem como Cassian estar interessado nela. Mas espanto esse pensamento medíocre e injusto. Estranho seria se um homem no mínimo inteligente não se apaixonasse por ela.

Essa mulher é maravilhosa, o tipo de criatura que nasceu para ser venerada. Minhas pálpebras se fecham e penso nela, na inocência no olhar, a pureza transmitida através dos seus gestos, seu toque cálido e suave, o sabor doce e a maciez dos seus lábios... É claro. Um homem sensível, que vê através da aparência, certamente se apaixonaria completa e enlouquecidamente por ela.

Eu nunca fui do tipo sensível, estive sempre apático e alheio aos sentimentos dos outros. Só sou um baita sortudo, que graças a um plano sujo, consegui entender que o amor está além do que nossos olhos podem ver. Queria poder ser o que Letícia precisa, um homem romântico, protetor, que está disposto a tudo por ela.

Mas as responsabilidades, o dever, me aprisionam. E infelizmente não posso oferecer nada além de sofrimento. O certo é me abdicar dela, lhe dar a oportunidade de se apaixonar por outra pessoa, livrá-la de tudo que lhe causei, dessa prisão, porque sei que para ela deve ser muito mais doloroso do que posso medir.

Mesmo assim eu sou egoísta demais, eu preciso dela. Preciso da ajuda dela, preciso do amparo dela.

Não posso viver sem Letícia Padilha Solís.

Pensa, Fernando, pensa.

O plano de manda-la para longe enquanto me caso é, querendo ou não, convidativo. Posso convencê-la a me esperar, visitando-a de vez em quando para ficarmos juntos, até conseguir o divórcio com a Márcia...

Não, claro que não. Eu não posso fazer isso, não.

É sujo, é cruel, não é?

Meu Santo Deus, o que estou me tornando?

Volto a pensar no Cassian, nos dois saindo juntos. Meu peito se comprime, e o sentimento torturante me toma numa onda cheia de ciúmes. E se Letícia começar a gostar dele? Pior, e se Cassian começar a investir? E se, hipoteticamente, ele se apaixonar como sou apaixonado por ela?

Merda.

Bom, ao menos ela não aceitou jantar com ele. Não que isso seja totalmente satisfatório, Cassian poderia muito bem insistir e, conhecendo a Letícia, é provável que aceitaria apenas por ser educada. Ou não. Eles são “amigos” de longa data, não vejo porque recusaria. Quero apostar que ela está realmente mal e que não tenho porque me preocupar, mas antes que eu me dê conta, tomo um banho rápido, visto qualquer coisa e saio.

No trajeto até sua casa me lembro da noite anterior. Eu fiquei tão desesperado que me esqueci de perguntar o que ele quis falar com Letícia. E se estão marcando de saírem juntos? De se encontrarem? Começo a ficar paranoico. Eu deveria confiar na Letícia, quero dizer, estou sendo hipócrita e um tremendo babaca, mas preciso saber se ao menos ela está casa.

Já me basta ter de suportar aquele amigo dela, o Tomás. Eu não quero outro cara na reta pra atrapalhar ainda mais a minha vida. Eu sou um baita egoísta dos infernos, mas não vou dar o braço a torcer. Me recuso a entregar a Letícia. Ela me pertence.

Tento colocar a cabeça para funcionar, preciso pensar com clareza pra poder arranjar uma solução para contornar essa situação ao meu favor. O problema é que não tenho nenhuma ideia coerente. Talvez eu esteja fazendo tempestade num copo d’água, mas qualquer possibilidade de Lety se virar contra mim me assusta mais do que posso suportar.

Não posso perder a Letícia, não agora, pelo menos.

Conturbado e ao mesmo tempo esperançoso, dobro a esquina da rua dela e estaciono no acostamento. Verifico a hora no relógio e, pelo tempo, é possível que já tenha chegado em casa. Repentinamente nervoso por ter que enfrentar o sistemático do seu Erasmo, bato na porta.

— Já vai! – escuto a voz da dona Julieta e respiro fundo. Esboço um sorriso tranquilo e amigável quando ela abre a porta.

— Ah, seu Fernando! O que o trás aqui? – a surpresa é tão evidente no rosto dela que meu sorriso se alarga.

— Olá, dona Julieta. A Lety está aí? Ela já chegou?

Pela careta que faz, noto que não. Tentei não ficar nervoso.

— Ela ainda não chegou. – dona Julieta deu tapinha na própria testa e gesticulou para eu entrasse. – Entra, seu Fernando, se quiser você pode espera-la.

Ergui as mãos, forçando uma risada.

— Não, não precisa, só vim mesmo atrás da Letícia, precisava falar com ela sobre um documento importante, – menti. – A senhora pode dizer pra ela que vim aqui?

Ela virou um pouco o rosto, parecendo apreensiva, mas assentiu lentamente.

— Olha, não há problema nenhum se o senhor quiser espera-la. Na realidade, eu acho que já deve estar vindo, disse que ia comer numa pizzaria ou coisa assim com um amigo da faculdade.

Oh.

Arqueio a sobrancelha.

— Ah, é mesmo? Bom, nesse caso, não vou atrapalhá-la, deixe-a se divertir um pouco. – dou um sorriso falso.

Letícia mentiu pra mim.

Dona Julieta estreitou os olhos.

— Está tudo bem, seu Fernando? O senhor parece meio perturbado.

Comecei a rir nervosamente, gesticulando com a mão.

— Que nada, dona Julieta! Fique tranquila, nesse caso, vou indo, está bem? – me aproximo, dou um beijo no rosto dela e aceno. – Até mais. Não se esqueça, avisa a Lety, hein?

— Ok. – concordou um momento depois, com um leve sorriso. – Até, seu Fernando, pode deixar.

Entro no carro e ligo a ignição. Dou um último sorriso para dona Julieta e engato. Dou a volta no bairro e, paro meu carro exatamente na esquina que dobrei minutos antes. Fecho o teto para não parecer suspeito e, enciumado e furioso, espero.

Letícia, vou te pegar no pulo.


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