Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 12
Doze




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Errar é humano, mas permanecer no erro é burrice. — Bruna Alencar

FERNANDO MENDIOLA

Mesmo sem querer precisei ceder à vontade de Márcia quando insistiu que saíssemos para almoçar. Eu havia planejado dedicar todo meu dia para Letícia embora não tivesse escolha.

A minha suposta noiva não diz nada até chegarmos ao Le Blanc, mais um dos restaurantes franceses que frequentávamos desde sempre. Ela se acomodou elegantemente na cadeira à minha frente e me fitou com uma expressão indecifrável. Não quero supor o que Márcia está pensando, estou sem disposição para tal. Minha mente só tem lugar para Letícia. Eu preciso dela. Queria estar com ela.

— Fernando.

Ajeitando o guardanapo no meu colo, digo:

— Sim, Márcia?

Eu ergui meu rosto a tempo de vê-la colocar os cotovelos na mesa, inclinando seu corpo, seus olhos azuis transbordando sentimentos que me deixavam desconcertado. Ela demorou um pouco, pensando nas palavras certas para iniciar sabe-se lá que assunto. Eu desviei o olhar casualmente, fingindo querer chamar a atenção do garçom.

— Você ainda... – ela hesitou por um momento, mas prosseguiu após pigarrear. – Você ainda quer continuar com esse casamento?

Retornei minha atenção a seu rosto. Forço um sorriso tranquilizador.

— Claro, Márcia.

Os olhos dela brilham entre alívio e apreensão.

— Você tem certeza? – Fecho os olhos e suspiro lentamente, controlando meu gênio.

— Sim, Márcia. Eu tenho certeza. – Minto ao abrir as pálpebras, meu tom saiu categórico.

Não, eu não tenho certeza. Não, eu não quero me casar com você. É o que eu penso em dizer, mas não posso voltar atrás na minha palavra, muito menos renegar tudo pelo que venho lutando há anos.

O rosto sorridente de Letícia surge na minha mente e meu coração se comprime dentro de mim. Desculpe, Lety.

Márcia curva os lábios de uma forma esquisita, mas assente.

— Você queria estar com ela, não é? A sua amante. Vejo isso no seu rosto.

Eu balanço a cabeça e solto um riso seco.

— Eu estou aqui com você. Pare de dizer bobagens, Márcia.

— Então você tem uma amante? – dispara ela.

Lanço a cabeça para trás, expirando de forma exasperada, mas não respondo.

— Fernando, por favor, eu quero conversar com você numa boa, não precisa ficar bravo.

— Você realmente me chamou para isso, Márcia? Pra ficar falando sobre as paranoias que você tem na cabeça?

Márcia pressiona os lábios numa linha fina enquanto me analisa. Por fim ela estala os lábios e vira a cabeça para longe. Percebo quando pisca os olhos de forma frenética, e eu sei que é uma tentativa falha de espantar as lágrimas.

— Desculpe, então. – sibila, a voz falando. – Realmente foi uma péssima ideia. – disse para si mesma.

Eu exalo e fecho os olhos. Pressiono com meu indicador e o polegar na ponte do nariz. Estou agindo como um grande imbecil. Márcia não merece que eu a trate dessa forma, e imediatamente sou tomado pelo sentimento de culpa. Sinto vontade de romper com tudo isso de uma vez por todas, para que não sofra mais. Porém lembro-me da responsabilidade com a Conceitos e é inevitável não me sentir frustrado.

Senhor, o que eu faço? Não aguento mais isso.

 Volto a fita-la e pego sua mão, acariciando gentilmente sua palma. Ela se vira para mim com uma expressão indecifrável, eu sabia que estava escondendo o que sentia.

— Desculpe, meu amor. – digo sentindo um gosto amargo na boca ao proferir as duas últimas palavras. – Estou sendo um bruto com você, é que estou muito estressado ultimamente.

Eu sou um canalha. Eu sou um canalha. Eu sou um canalha.

— Tudo bem. – responde depois de um momento de silêncio, rejeitando meu gesto afetuoso ao puxar a mão para si. – Vamos pedir algo para comer.

Eu sou um canalha.

Repito para mim esta frase até eu estar convicto e totalmente consciente dela.

O retorno para a Conceitos fora longo e silencioso. Márcia se fechou dentro de sua própria bolha e prudentemente permaneci calado. Além do mais, não é como se eu quisesse conversar.

Novamente pensei na Lety e, minha mente se encheu de dúvidas.

Mergulhado até o pescoço na lama, me pergunto se realmente vale a pena me casar com uma mulher que não amo. Automaticamente as palavras de Jorge Flores inundam minha mente. Sinto que estou errando feio ao ser tão ambicioso, ao colocar em segundo plano o amor que tenho por Letícia.

Meneio a cabeça para os lados, negando. Eu não posso pô-la em primeiro lugar agora, não com a Conceitos em jogo, não quando preciso que a empresa se erga.

Repentinamente, a voz do barman que me atendeu assombra minha mente.

“Não é todo mundo que encontra um amor verdadeiro e, se você a deixar por causa de dinheiro, nunca será feliz.”

O sorriso alegre de Lety ao me ver depois de encontra-la na estação de trem na Alemanha aparece posteriormente. Um sentimento penetrante e horrível de angústia me toma, mas me nego a descumprir com a minha palavra, ainda que para isso eu precise ferir a mim mesmo.

Desculpe, Lety. Repito pela milésima vez mentalmente naquele dia.

Uma vez na Conceitos, despeço-me da Márcia e sigo para a minha sala. Para minha surpresa, Omar estava sentado na cadeira de frente para a mesa.

— Presidente.

— O que você quer, Omar? – pergunto ao me inclinar e ligar o computador.

Ergo minha sobrancelha quando ele pega meu carrinho. Me estico e o pego de volta, fazendo uma careta para ele.

— O que foi, princesa? Está na tpm?

— Vá se ferrar.

O animal que chamo de amigo começa a rir.

— E então? Vai jantar mesmo com a Lety?

Eu o fuzilo com o olhar e aponto para sala dela, eu não sei se ela está lá, mas não quero arriscar. Ele ergue as mãos e se encolhe, meio sem entender. Eu suspiro, e gesticulo na direção da sala de reuniões.

Sento minha bunda magra na cadeira que fica na ponta da mesa. Omar repete meu gesto se sentando a duas cadeiras de mim.

— E então?

Um pouco mal humorado, cruzo os braços e olho para o arranjo de cristal na mesa.

— Nós vamos jantar, sim.

Omar sorri com maldade.

— Ah, então hoje a noite vai ser quente pra você. – Seu tom era provocativo. – Qual será a desculpa da vez? Até começo a ter pena da Márcia.

Eu o encaro com o maxilar trincado, mas me mantenho calado.

— O que foi? Está chateado por que vai passar a noite com a mostrenga? – A testa dele se franziu, embora houvesse diversão cintilando nos olhos dele.

— Respeite-a, seu animal! Eu já disse!

— Então quer dizer que é verdade... – disse ele um momento depois, com as mãos erguidas.

— O quê?

— Quer dizer que está definitivamente apaixonado pela Letícia? – a zombaria evidente na sua voz me deixa enfurecido.

Qual o problema em amar uma mulher como a Letícia? O que tem de ruim nisso? Ela é uma mulher como qualquer outra, com sentimentos como qualquer outra.

Eu o queria dizer todas essas palavras, mas me acovardo. Não quero que ele se divirta com meus sentimentos, não quero que zombe do amor que tenho pela Letícia. Ela não merece isso, não quando é tão pura.

— Não, eu não disse que estava apaixonado por ela.

O semblante de Omar brilha de alívio.

— Ah, que susto! Achei que tinha perdido meu amigo pra feiosa.

Fecho os olhos, contanto até três.

— Não fale desse jeito, eu já disse. – Me levanto da cadeira e passo a mão no cabelo, recordando-me de uma coisa. – Eu vou magoá-la.

Omar dá de ombros, insensível.

— Melhor ela sair magoada do que perder a Conceitos.

Eu o fito com incredulidade. Como alguém pode ser tão apático?

— Você não tem coração, não é, seu imbecil?

Ele vira as mãos, como se não se importasse.

— Só estou dizendo o que penso, meu caro presidente. – Sinto um nó na garganta, ainda abismado. Quando foi que Omar se tornou esse tipo de pessoa? Pior, quanto tempo eu agi como ele? – Você vai leva-la para jantar?

Pisquei algumas vezes, suspirando.

— Sim, vou. Espero que daqui pra frente nós não tenhamos mais discussões. – Penso no quanto me sinto mal quando as coisas entre mim e Letícia vão mal. – Está me deixando louco. Ela tem um gênio muito difícil.

— A feiosa está começando a mostrar as garrinhas, meu caro presidente – Omar declaro com deboche. – De repente ela pensa que se fazendo de difícil pode te fisgar por completo.

Movido pela raiva, eu disparo até o Omar e agarro seu braço com força. Aponto o dedo na sua cara.

— Para de ofendê-la, imbecil. – suspiro. – Não sei o que faço, prometi que ia terminar meu casamento com a Márcia, mas...

De repente viajo no tempo, no dia em que prometi a Letícia que terminaria meu compromisso com a Márcia após a reunião do Conselho. Ela deve estar esperando por isso, esperando que eu cumpra com a minha palavra... Começo a sofrer por ela.

— Calma, calma, não precisa pegar no meu braço desse jeito, Fernandinho. – Sibila Omar de forma tranquilizadora, sorrindo pra mim, depois de puxar o braço para longe. – Tive uma ideia. Que tal manda-la para longe enquanto você se casa? Podemos convencê-la a viajar por um tempo, pra tirar umas férias.

Quanto mais o tempo passa, mais me pergunto porque continuo sendo amigo desse estúpido.

— Não, eu não a quero longe. Arranje outra ideia.

Ele revirou os olhos.

— É a única solução que tenho, é pegar ou largar, – ele me olha com arrogância. Vendo que eu não tinha o que responder, ele continuou. – Podemos enviá-la para África ou Turquia, sei lá, onde seja difícil retornar, ao menos por uns dois meses.

Faço uma careta e pondero.

Eu não quero que ela vá, eu a quero comigo, bem perto de mim. E pensando bem, não é uma péssima ideia manda-la para alguma ilha paradisíaca esperar por mim e, de vez em quando, eu indo visita-la e nós... Meneio a cabeça para os lados. Ela não vai aceitar isso.

— Ela não vai aceitar, e eu também não quero isso. Tenta entender, Omar, eu prometi que ia desmanchar esse casamento e ela está esperando por isso. E agora digo o quê? Que eu tenho que me casar e que ela tem que esperar eu me divorciar?

Um pouco exaltado, Omar saltou da cadeira com uma expressão aborrecida.

— Fernando, eu já te mostrei a solução, agora é com você! – ele enfiou as mãos no bolso e arqueou uma sobrancelha pra mim. – Mas não esqueça que a Conceitos está nas suas mãos e é fundamental que a Márcia esteja do nosso lado.

— Pra você é fácil, não é, Carvajal? Não é você que está brincando com os sentimentos de ninguém. – Esbravejei.

— Você gosta da Letícia, não é? E quer que ela mantenha o emprego. – Questionou ele com os olhos estreitados. Bufei.

— Sim, óbvio.

— E você está tentando proteger aquilo que também é de Márcia por direito, não é? – eu concordo sem entender bem o que ele está querendo dizer.

— Pois então, você está, a sua maneira, tentando protege-las, ainda que as esteja usando. Você se importa com elas, então não está brincando com os sentimentos delas, e...

Eu o encaro espantado, sem acreditar no que está me dizendo. Ele para de falar aos poucos e franze a testa, confuso.

— O quê?

— Você por acaso tem ideia do que está falando? Você é psicopata, tenho certeza. – Explodo ainda sem acreditar. – Quer saber? Vou me virar sozinho.

Aborrecido, entro na minha sala e saio por ela para não levantar suspeitas, e neste exato momento, dou de cara com a Márcia. Ela esbarra em mim e cambaleia para trás.

— Nossa! Desculpe, Márcia.

Ela se aprumou e dispensou minhas desculpas com um aceno.

— Sem problema. – murmurou. – Posso falar com você rapidinho?

Eu assinto, mesmo querendo manda-la também para o inferno.

— Tá.

Quando chegamos à sala, fechei a porta atrás de mim. Ela assumiu seu lugar na mesa dela e puxei uma cadeira, me acomodando na sua frente.

— E então? – perguntei ao me recostar na cadeira, cruzando os braços.

Márcia pousou as mãos na mesa com os dedos enroscados. Ela ficou um momento olhando para eles e após um momento fitou meu rosto.

Ela sorriu suavemente.

— Quero uma trégua.

Ergui uma sobrancelha.

— Como assim?

— Quero uma trégua de brigas, de ciúmes e essa coisa toda. – ela gesticula no ar com um sorriso fraco. – Sei que minhas paranoias estão acabando com nosso relacionamento.

Eu não digo nada, surpreso pela atitude dela.

— E eu acho que... – continuou. – Não, olha, não fique bravo comigo, está bem? – ela passou as mãos no cabelo e inspirou lentamente. – Ainda que você tenha uma amante, se está comigo é porque de alguma forma tem consideração por mim, então...

— Márcia...

Ela levanta um dedo.

— Deixe-me terminar.

Anui incentivando-a.

— Posso, ao menos, tentar te reconquistar? Eu sei que nossa relação não é mais a mesma e em parte é culpa minha, por nunca ter te dado espaço... Mas você pode me dar aval para isso?

Eu a fito sem palavras.

Por um momento, decido dizer a verdade. Dizer que meu coração pertence a Lety, minha assistente. Dizer que eu não a amo mais, que não a quero mais, e que isso já faz um longo tempo. Márcia a seu jeito sempre tentou demonstrar o quanto me amava, mesmo que nessas ocasiões eu me sentisse extremamente oprimido. E havia meus pais, que me pressionavam para desposá-la, sempre enfatizando o quanto abençoavam nossa união e o quanto ficariam felizes se eu tomasse essa decisão. No fim nunca pude escolher por minha própria vontade. Querendo ou não, até essa porcaria de competição pela presidência da Conceitos fora algo que sem querer, meu pai incentivou.

Com a Letícia, entanto, eu não me sinto assim. É claro que nos últimos dias ela tem me pressionado, mas não como a Márcia, não como o mundo que me cercou durante toda minha vida.

Eu me sinto livre com a Lety, sinto que posso ter minhas próprias escolhas sem alguém me dizendo o que devo ou não fazer, sinto que posso ser apenas eu, Fernando Mendiola, o garoto que muita jovem teve de aprender a abdicar da atenção exclusiva de seus pais por causa das crianças Villarroel. O garoto que cresceu se sentindo excluído ainda que não fosse a intenção dos pais fazê-lo. O garoto que amadureceu e que, está cometendo erros, mas espera um dia consertá-los. O rapaz que está intensamente apaixonado por uma mulher que o ama na mesma intensidade.

É por esse motivo que decido dizer a verdade, após olhá-la com convicção, eu abro a boca.

Porém, fantasmagoricamente, a voz de Omar ressoa na minha mente.

Mas não esqueça que a Conceitos está nas suas mãos e é fundamental que a Márcia esteja do nosso lado.

Eu paraliso e de repente tomo consciência do pior erro que eu poderia cometer. Eu gemo de frustração interiormente, curvando meu corpo para frente para cobrir meu rosto com as mãos.

O que estou fazendo? Não posso retroceder agora, não nesta altura do campeonato.

Uma imagem bisonha surge na minha cabeça, trata-se de um medidor de peso de dois lados. No lado esquerdo, há a Letícia, com seu lindo sorriso, esperando por mim. E no direito, há meus pais, a Márcia, a Conceitos. De repente, o peso da responsabilidade, do compromisso, cai sobre meus ombros e eu observo, desesperado e atormentado e paralisado, o lado direito da balança descer lentamente.

Sei o que preciso fazer no momento em que o sorriso de Letícia desaparece, no momento em que na minha mente, com a feição escurecida, ela dá meia volta e parte.

— Fernando, você está bem? – pergunta Márcia, arrancando-me da minha prisão. Eu a fito, e antes que me arrependa, dou minha resposta.

— Você tem meu aval.

Ela solta um gritinho e, saltitando na minha direção, me abraça, enchendo meu rosto e minha boca de beijos. Não havia descrição para o sentimento que estava se apossando de mim, era mórbido, assustador, mas forcei um sorriso para ela e, mesmo sem deseja-la, beijei-a.

Pela Conceitos, pelos meus pais, até pela Márcia. Lembrei a mim mesmo repetidamente enquanto a beijava. E então, o toque da Letícia, suas carícias, seus beijos, me fizeram esquecer de tudo, de que estava ali com a Márcia. Desta forma, foi até mais simples beijá-la.

Eu me separei dela delicadamente, tentando não parecer enjoado.

— Vou voltar para minha sala, – aviso. Márcia assente e, ela toma minha mão e me acompanha.

Penso na Letícia.

Eu sou um canalha.


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