Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 14
Quatorze




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Metade de mim é ciúmes e a outra metade é vontade de matar todo mundo que se aproxima de você fazendo eu me sentir ameaçado. — Tati Bernardi

FERNANDO MENDIOLA

Eu verifiquei o horário umas centenas de vezes nos últimos quarenta minutos, cada vez mais irritado, impaciente e neurótico. Minha cabeça se enchia de ilusões, de cenas entre Letícia e Cassian. Eu estava prestes a ir embora e cometer uma besteira quando um Ranger Rover surgiu, virando à esquina. Agitado, escorreguei no banco para que não me vissem. Esperei mais um momento, afobado para acabar com a graça dos dois. Quando o automóvel de luxo passou por mim, saltei do meu conversível e me certifiquei de estar trancado, afinal, num bairro como este nunca se sabe. Andei a passos vagarosos e discretos pela rua da Letícia, optando pela calçada oposta de sua casa, e mais obscurecida pelas sombras. O Ranger Rover foi estacionado no acostamento, e uma cabeleira escura saiu para fora pela porta do passageiro. Escondido nas sombras, agachei-me para não ser pego. Silenciosamente os observei.

Letícia se aprumou graciosamente caminhando até a calçada. Ela ajeitou a bolsa no ombro e parou, levantando a cabeça na direção das janelas da casa. Cassian de La Fuente desceu um segundo depois do carro, e seguiu na direção dela. Ele esticou um dedo na direção de seu rosto, e Lety se virou para ele. Meu coração bateu descompassadamente no meu peito, parecia uma cena tirada de um filme romântico. A cena a seguir me enclausurou numa névoa desesperadora. Cassian tomou o rosto dela em suas mãos. Meu peito deu um solavanco e eu prendi a respiração quando o desgraçado acabou com a distância entre eles e...

Deu-lhe um beijo na testa.

Meu Santo e Bondoso Deus. Eu jurei que ia beijá-la.

Se ele a tivesse beijado, eu teria um ataque cardíaco depois de um sincope.

Ele a abraçou afetuosamente apesar de Lety ter se mantido imóvel. Menos mal. Mas ainda assim a familiar sensação de tortura me invadiu, acompanhada de um desagradável e patético revirar de estômago. Respirei lentamente, observando-os. O desespero deu lugar a raiva.

Raiva e ciúme eram muito melhor que medo e ciúme.

Eles ficaram abraçados pelo que pareceu ser uma eternidade até que finalmente Letícia tomara a iniciativa de se afastar. O imbecil retirou alguma coisa do bolso e deu a ela, não consegui ver o que era a princípio, mas quando Letícia levou o objeto ao rosto, consegui ver que era um papel ou algo parecido. Será que era um bilhete romântico?

Grunhi. Espero que não.

Conversaram por mais alguns momentos, pareciam divertir-se. Ele deve ter falado algo muito engraçado, pois Letícia reclinou a cabeça para trás e riu. Franzi a testa. A risada dela gerou uma série de emoções em mim – sendo a tristeza e o ódio predominantes. Alegre demais, à vontade demais... Isso me deixou ainda mais furioso.

Minha pulsação começou a acelerar, meus sentimentos se misturando e se tornando uma confusão dentro de mim. Irado e perturbado ansiei quebrar o rosto daquele idiota. No entanto eu estava mais decepcionado com a Letícia, por se prestar a um papel tão ridículo.

Ela não disse que estava mal?

Aparentemente bem o suficiente para este imbecil. Bem o suficiente para rir tão abertamente, para permitir que a tocasse com tanta facilidade. Sendo amigos ou não de longa data, eu estou muito chateado. Me martirizei como um condenado porque não rompi meu casamento com a Márcia, achando que a estava magoando. Mas agora me pergunto se isso realmente faz ou não diferença para Letícia.

Cassian engata e parte, deixando-a sozinha. Eu inspiro e expiro lentamente, querendo me controlar.

Ela fica parada, brincando com as chaves. Aproximei-me ainda mais lentamente, e Letícia manifestou uma espécie de suspiro, levantando o rosto para cima, para o céu cobertos de nuvens cinzentas. Gotículas desceram pelas suas bochechas, e só saquei que se tratavam de lágrimas quando estava perto o suficiente. Dei mais alguns passos silenciosos, a sensação enervada e ansiosa me consumindo. Quero confrontá-la, perguntar o que está acontecendo, mas ao mesmo tempo, quero beijá-la e leva-la para minha casa. Eu a fito. Está tão absorta nos seus pensamentos que não percebe minha presença. Seus olhos estão fechados, o rosto compenetrado. E continuo a fita-lo, repentinamente curioso, até que as linhas do seu rosto ficam duras, como se estivesse sentindo dor. Os lábios dela se comprimem de uma forma tosca, parecia que estava resistindo a uma espécie de tortura. Eu a chamei.

— Letícia Padilha Solís.

Ela abre as pálpebras e arqueja, cambaleando para trás. Seus olhos acastanhados cravam em mim, surpresos.

— Seu Fernando? O que está fazendo aqui?

Com impiedade, declaro:

— Você não tem vergonha?

***

LETÍCIA PADILHA SOLÍS

Fiquei um tempo do lado de fora. Meus olhos miravam o arranjo de flores, e eu brincava distraidamente com as chaves enquanto me permitia divagar. Tive um dia muito conflituoso e lancinante. Agora preciso ser mais forte do que nunca, sobreviver aos dias que virão. Inspiro e levanto o rosto para o céu coberto de nuvens cinzentas, ameaçando chover novamente. Meu peito bate fortemente, a dor destruindo meu coração em frangalhos repetidamente, incessantemente. Acho que nunca serei capaz de superar isso, nunca serei capaz de amar alguém com a mesma intensidade.

Não sou boa o suficiente para seu Fernando e nunca serei. Não importa o quanto tenha me esforçado, não importa o quanto eu tenha me sacrificado, esta é a minha realidade. Jamais conseguirei ocupar o lugar que a dona Márcia e a Conceitos tem no coração dele. É impossível e hoje tive minha prova disso.

Me escondo na minha bolha de sofrimento e fecho as pálpebras, me permitindo um momento de luz, de ilusão. Vejo o rosto do homem que amo. Se eu me concentrar, posso sentir seus lábios no meu pescoço, suas mãos apertando meu corpo de encontro ao seu... Os rastros deixados por seu beijo mais cedo ainda queimam na minha pele, como se fosse a pouco.

Uma lágrima desce pela minha bochecha e me pergunto como pude deixar as coisas seguirem dessa maneira. Que tolice ser manipulada assim. Coloco a mão no rosto e suspiro. Tenho dificuldades de assimilar isso tudo ainda, às vezes parece que não é real. Desejando espantar aquela dor, me forço a alimentar a raiva. Lidar com essa emoção é melhor do que lidar com esse sofrimento que não cessa.

Repasso tudo o que me aconteceu na minha mente; desde a carta a conversa entre eles dois. O que eles pensam que eu sou? Ao menos o seu Fernando foi coerente ao afirmar que eu não aceitaria viajar.

O que há na cabeça desses dois retardados? É difícil de entender, ainda que force minha mente, ainda que eu vasculhe um argumento no mínimo coerente, não faz sentido algum.

— Letícia Padilha Solís.

Eu estaco, mas meu corpo responde a conhecida voz se arrepiando por inteiro. Eu arquejo, surpresa.

Seu Fernando estava a alguns centímetros de mim, os olhos faiscando de reprimenda e raiva. Por conta da expressão dele cruzei os braços na defensiva. O olhei dos pés à cabeça, notando que estava em trajes casuais. É insuportável que ele esteja sempre no mínimo maravilhoso.

— Seu Fernando? O que está fazendo aqui?

— Você não tem vergonha?

Fico confusa.

— O quê?

— É isso mesmo que você ouviu. Você não tem vergonha?

Eu o olho com incredulidade, entendendo absolutamente nada.

— Eu não tenho a mínima ideia do que o senhor está falando.

Seu Fernando inspirou e expirou lentamente.

— Faça-me o favor, Letícia. O que foi aquela merda?

— Se você parar de falar por código, talvez eu possa explicar. – Contra-ataquei, perdendo a paciência.

Ele gargalhou ironicamente.

— Você é uma sonsa, Letícia. É isso que você é.

Prendo a respiração.

— Por que está me ofendendo? O que eu fiz?

Ele grunhiu.

— Você é uma mentirosa, uma manipuladora! Fiquei todos esses dias me sentindo a pior espécie de ser humano por sua causa enquanto você estava praticamente atracada nos braços daquele seu amigo imbecil, parecendo um casalzinho de merda!

Eu arfo com os olhos arregalados. Pasma.

— O que você disse? – questiono sem acreditar.

— É isso mesmo que você ouviu. Você fingiu estar passando mal pra poder num “encontro” com ele, mesmo quando me esforcei pra ter uma noite incrível com você!

Ele usou os dedos para enfatizar as aspas. Levei um tempo para entender, pra engolir suas palavras.

— Mas eu não fingi, eu realmente não estou bem. – falei de forma exaltada, batendo as mãos nas laterais das coxas.

— Claro, claro. Mal para sair comigo, mas não o suficiente para ficar com aquele imbecil. Você é uma sonsa, uma cínica.

— Meu Deus, não acredito que estou ouvindo isso. – sussurro pra mim, meneando a cabeça para os lados.

— Eu que não estou acreditando, Letícia. Primeiro você se engraça com o Tomás, agora ‘tá praticamente se jogando pra cima desse cara. Eu não vou tolerar essa porcaria, eu não esperava que você fosse esse tipo de mulher que sai com vários caras e...

Minha mão voa até o rosto dele, tão forte que a minha palma arde.

— Quem diabos você acha que eu sou? – Grito, a fúria me tomando por completo.

Seu Fernando paralisa no mesmo momento, o choque evidenciado no seu rosto. Ele leva a mão à bochecha, os olhos escuros estupefatos. É a segunda vez que bato nele, mas estou tão cega, tão farta, que me esqueço disso no segundo seguinte.

Estou no meu limite. Estou cansada de tudo, do seu Fernando, da Conceitos, da minha vida. Cansada das pessoas especularem sobre mim, me humilharem, zombarem de mim. Chega.

— Você não é ninguém, não é nada, para falar desse jeito comigo, ou pra insinuar qualquer coisa. Eu nunca te faltei com respeito, nunca. E não vou permitir que me insulte!

Ele pareceu entender a gravidade das palavras dele, mas desta vez eu não ia ser flexível. Desta vez, não. Seu Fernando se aproximou e tentou me tocar, mas me desvencilhei.

— Merda, Lety, escute...

— Não toque em mim! Você quer saber por que eu o deixei e fui com Cassian? Pois então, quando você pretendia me contar que não vai romper seu casamento com a dona Márcia? – ele ofegou, espantado. – Ah, pela sua expressão, acredito que não. O que você achava? Que eu ficaria com você mesmo depois de se casar?

A rosto dele desmoronou numa expressão apavorada. Ele não me respondeu.

— Me responda, Fernando! – berro, cerrando os punhos, segurando a vontade de bater nele novamente. – Quando você ia me contar?

Vi a vergonha estampada no seu olhar, e então ele curvou a cabeça, olhando pro chão. Não havia o que dizer pelo visto. Começo a rir histericamente, balançando a cabeça de forma frenética.

— O que foi? O gato comeu sua língua? Não vai me dizer nada? – Por Deus, eu estou muito furiosa. – Você é inacreditável!

Após um breve momento, seu Fernando voltou a erguer o rosto pra mim. Ele deu um passo à frente, mas me mantive imóvel. Eu o odeio. Odeio ser tão apaixonada por ele, odeio ainda querê-lo mesmo me ferindo tanto. Eu o odeio. E odeio mais ainda por me fazer ter esse sentimento tão horroroso.

— Eu...

— Sim, eu saí com Cassian, mas e daí? Nós somos apenas amigos! E você não tem o direito de exigir nada de mim, tampouco direito de vir a minha casa e me insultar!

— Letícia, me desculpe. Eu estava com ciúmes, não medi minhas palavras... E-Eu...

— Quer saber, Seu Fernando? – falei ao desviar os olhos para a porta. – Vá embora. Eu não quero ter mais que olhar pra sua cara.

— Lety, por favor, deixa eu explicar... – ele segurou meu braço, mas me debati até me desvencilhar. Cambaleei pra longe sem querer olhar na cara dele.

— Me deixa em paz! – grito.

Ele não me escuta e puxa meu corpo de encontro ao seu. Eu resisto, debatendo-me para escapar. Eu não posso ceder, não posso me dar por vencida.

— Me solte! Me solte, que droga!

E então ele toma minha boca com a dele. Eu choramingo ao sentir o gosto das minhas lágrimas enquanto era beijada por ele. Amoleci nos seus braços, mas não retribuí o beijo. Ele movia os lábios, a língua dentro de minha boca. Suas mãos me sustentavam, e apertavam minha pele, usando táticas e mais táticas para me incentivar, porém mantive-me irredutível, lutando contra meu desejo e anseio de corresponder cada gesto.

 Depois de um momento, seu Fernando se afastou com uma expressão frustrada e desamparada. Ainda assim ele não me soltou.

— Lety. Eu estava com ciúmes, mas não justifica, eu a amo, me perdoe, por favor... Eu estou ficando louco, Letícia, louco. Não consigo pensar direito quando se trata de você.

Balanço a cabeça.

— Seu Fernando, me solte.

— Não, Lety, me escute... Eu não suporto a ideia de perdê-la, eu não suporto, por favor, me perdoa, eu não aguento isso... eu a amo tanto...

— Por favor, me largue e vá embora. – pedi com a voz baixa.

Ele se demorou no meu rosto, mas não o encarei de volta. Um segundo depois, ele me soltou.

— Lety... eu...

— Amanhã nós conversamos. – falei baixinho, me sentindo exausta, caótica, quebrada. Quebrada em mil pedaços. De novo.

Seu Fernando não me responde, e não procuro olhar para trás quando abro a porta e entro dentro de casa.

Pesadas lágrimas caem pelo meu rosto e eu esfrego meu pescoço com aflição.

Droga. Por que falei do casamento?


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