Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 11
Onze




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Deus criou a amizade porque ele sabia que, quando o amor machucasse, ela seria a cura. — Autor desconhecido

LETÍCIA PADILHA SOLIS 

Era tão humilhante. Ainda que eu tentasse falar qualquer coisa eu era barrada pela minha voz embargada. Os soluços não paravam e chorei copiosamente. Cassian estacionou no acostamento de um restaurante e murmurou algumas palavras tranquilizadoras enquanto acariciava as costas da minha mão com o polegar. Surpreendentemente o seu gesto acalmou minha confusão emocional aos poucos e minhas lágrimas foram cessando conforme suas carícias subiam pelos meus braços.

Sequei meu rosto molhado com a manga do suéter. De supetão comecei a me sentir constrangida por ter desmoronado na frente daquele lindo e gentil rapaz. Meu único alívio é saber que não proferi nenhuma palavra, imobilizada pelo choro exacerbado.

Agradeci internamente por isso.

Cassian de La Fuente pegou minhas mãos novamente. Ele parecia apreensivo ao perguntar:

— Como está se sentindo?

Eu inspirei e expirei. Sorri timidamente.

— Um pouco melhor, – falei com sinceridade. – Obrigada por me fazer companhia.

O semblante dele se suavizou.

— Que bom – sibilou com um sorriso. – Fico aliviado. Nunca a vi tão...

Soltei um gemido.

— Desculpe, eu não consegui me conter. – Puxei as mãos e cobri meu rosto.

— Não esquenta com isso, Letícia.

Estreitei a testa por me sentir horrível.

Ele agarrou meu antebraço esquerdo e me puxou desajeitadamente para um abraço meio torto, meio esquisito. A marcha e freio de mão nos impediram de ficarmos mais próximos. Não soube bem como reagir, por isso levei um breve momento para entender o que estava acontecendo. Pensei em me afastar, mas, em vez disso, abracei-o timidamente. Receber um abraço não era ruim, afinal.

Senti as lágrimas se formarem nos meus olhos novamente, mas pisquei tentando enxotá-las. Eu não iria desmoronar de novo, não na frente dele.

Cassian me soltou poucos segundos depois e quando encarei seu rosto havia um sorriso tranquilizador nos lábios dele.

— Obrigada. – sussurro de novo.

Ele arqueou a sobrancelha.

— Vai me agradecer por existir também?

Ri baixinho.

— Se for necessário.

Cassian revirou os olhos e se aprumou no banco de motorista. Eu o fiquei observando e de repente uma pergunta surgiu na minha mente. Pronunciei-as sem pensar.

— Por que está me ajudando?

Não me arrependi ainda que minha pergunta pudesse surtir uma interpretação diferente na cabeça dele. Eu não entendia. Mesmo que soubesse que ele fosse desprovido de preconceitos, eu necessitava desesperadamente de uma resposta coerente para aquilo. As pessoas me ensinaram a repudiar a mim mesma, ainda que eu nunca tivesse feito nada de errado. Ensinaram-me a não confiar nelas e nem esperar por sua ajuda.

Cassian fez uma expressão que me dava a entender que também estava se perguntando isso. Entrelacei meus próprios dedos esperando pacientemente pela resposta, mas um pouco temerosa.

Depois de um longo momento, ele disse por fim:

— Só quis ajudar e pronto. Essa resposta é satisfatória?

— Não. – Respondo com um pequeno sorriso, sendo sincera. Não faz sentido.

Ele sorriu discretamente.

— Não tenho uma resposta pra isso, Letícia. Talvez seja porque nós tivemos uma boa amizade. Não é suficiente? – questionou com uma pitada de petulância. Devo ter aborrecido ele. Pressionei os lábios um no outro.

— Não sei.  – disse recordando-me de seu Fernando. Fiz uma careta com a repentina ardência na ferida.

Cassian fez uma careta e sem querer percebi como seus dedos ficaram brancos ao pressionar os próprios braços. Ele virou um pouco o rosto para mim, meio aborrecido.

— Com que tipo de pessoas você se envolve?

Me encolhi e fiquei em silêncio conforme lutava contra as imagens que insistiam em aparecer na minha mente.

— Conhece a lei do retorno, certo? – anui incerta. – Pois então... Vê se é uma resposta adequada. Quero fazer pelos outros aquilo que eu gostaria que fizessem por mim.

Hum. Que... Altruísta. Confesso que eu esperava mais, quero dizer, não é como se eu quisesse que ele gostasse de mim de outra maneira. Só simplesmente seria bom se alguém se importasse comigo de verdade. Reprimi um suspiro.

— Então você está sendo apenas empático?

— Também.

Ah. Arqueei as minhas sobrancelhas.

— Qual é o outro motivo, então?

Cassian alargou o sorriso, mostrando os dentes brancos e bem cuidados.

— Segredo.

— Ah não, Cassian, me conta! – esbravejei.

Ele soltou os braços e cuidadosamente prendeu uma mexa teimosa atrás da minha orelha, mal tocando minha pele. Meu corpo enrijeceu no mesmo momento.

— Quando for a hora certa, eu digo.

Levei algum tempo assimilando suas palavras, muito curiosa. De repente apercebo que mesmo que tivéssemos sido amigos na faculdade sabíamos pouco a respeito um do outro.

— E então? – perguntou ele, acenando com a cabeça na direção do restaurante que notei se tratar de uma pizzaria. – Vamos?

Mordi o lábio inferior. Seus olhos deslizaram para eles antes de retornarem para meu rosto. Vi um lampejo de alguma coisa que não consegui decifrar nos olhos azuis, mas logo me esqueci desse pensamento. Na verdade queria ir para casa, me esconder no meu refúgio e sumir da vista de todos. Parecia a coisa sensata a se fazer. Mas ao mesmo tempo eu sabia que seria consumida pelo mesmo sentimento tenebroso da noite passada. Quase posso pressentir as mãos invisíveis me puxando para debaixo da terra.

Espantei o calafrio que se apossou de mim e coloquei a mão na maçaneta, me preparando para sair.

— O que está fazendo? – perguntou com a testa franzida.

— Oras, vamos comer ou não?

Ele resmungou alguma coisa em resposta ao meu tom afiado.

— Espere ao menos que eu saia para abrir a porta.

Depois de dizer isso, Cassian pulou do carro e deu a volta para abrir a porta do passageiro. Sorri suavemente para ele quando saltei para fora com sua ajuda.

— Você é sempre cavalheiro assim mesmo ou está tentando me impressionar? – brinquei.

— Minha mãe me educou bem, muito obrigado. – retrucou fingindo contrariedade.

Eu o segui para dentro do restaurante e nos dirigimos até uma mesa no canto, numa parte mais reservada. Nós nos acomodámos de frente para o outro. Olhei discretamente ao redor, curiosa. O lugar não era luxuoso, mas muito elegante. O restaurante tinha um ar clássico e acolhedor, tipicamente familiar.

Não esperava ser levada a esse tipo de estabelecimento por ele. Arqueei a sobrancelha.

— Muito plebe para seu gosto sofisticado?

— É claro que não. – Falo de uma maneira mordaz. – Só estou surpresa. Na faculdade você tinha horror à classe média.

Ele bufou.

— E continuo assim, – anunciou meio pomposo e arrogante. – Mas esse lugar serve as melhores pizzas da região.

— Apesar de já ter passado por aqui várias vezes, nunca vim nessa pizzaria.

Uma garçonete de pele retinta brilhosa e lindíssimos olhos cor de mel nos atendeu. Com a sobrancelha erguida observei como se curvava sedutoramente para Cassian, os olhos piscando sob os cílios espessos. Retive um suspiro de exasperação, pois a mulher sequer me notou.

— O que você vai querer, Letícia? – perguntou Cassian, evitando contato visual com a linda garçonete, parecendo incomodado. Franzi o nariz quando ela se virou de forma desdenhosa pra mim. Sorri de maneira afetada.

Não se preocupe, querida. Quis dizer. Eu não estou com ele, bom proveito.

— O que você quiser comer. Mas quero um suco de laranja. – é o que digo.

Depois de ter anotado nosso pedido, a bendita foi atender outros clientes. Balancei a cabeça.

— Pobrezinha, ela só queria tirar uma lasquinha.

— Como é? – Cassian estreitou os olhos.

— A garçonete. Estava praticamente babando em você.

Ele estreitou os olhos de uma forma divertida.

— Ficou com ciúmes?

Eu bufei.

— Claro que fiquei. Uma mulher daquela é capaz de mexer com a minha sexualidade.

Ele fechou a cara.

— Que engraçada.

Sorri mostrando os dentes. Ele recostou-se na cadeira, batucando os dedos na mesa.

— Agora me conte, – disse mudando de assunto. – o que aconteceu na sua vida depois que fui embora?

Eu ri e me debrucei na mesa apoiando-me com os cotovelos. Conversamos sobre diversas coisas – inclusive sobre minha cor favorita neste momento ser azul marinho. Ele me dissera que viajara de última hora anos antes porque precisava assumir uma das filiais da B&W Industries, sendo assim o CEO mais novo da época.

Embora tivesse tido um dia conturbado, foi reconfortante ter alguém para me distrair. No início foi um pouco difícil me concentrar totalmente nas suas palavras porque eu pensava no seu Fernando o tempo inteiro. Porém, no desenrolar, estive tão entretida que mal percebi quando havíamos terminado a pizza de queijo com brócolis.

Cassian e eu estávamos debruçados sobre a mesa, inclinados um para o outro. Tudo estava perfeito, um silêncio confortável se instalou entre nós quando, repentinamente, ele disse:

— Agora quero saber por que você está envolvida com um homem comprometido.

Torci o rosto numa careta, repentinamente irritada. Por que me lembrou disso?

— Não é da sua conta.

Ele não esperava pela minha rudeza. Cassian assentiu, fechando a cara.

Suspirei, sentindo-me culpada pela merda que fiz.

— Desculpe – me retratei imediatamente. – É um assunto delicado, porque é um segredo que não diz somente respeito a mim.

Sua expressão se suavizou um pouquinho. Ele abriu um sorriso que não chegava aos seus olhos.

— Quero ajuda-la, só isso.

— Acredite, não há o que fazer.

— Como pode ter certeza?

Cassian beberica seu copo de água. Eu o analiso e de supetão um pensamento de que posso confiar nele se apossa de mim. Impelida pelo sentimento de gratidão, decido chutar o balde. Já estou mesmo quebrando todas as minhas regras.

— Está bem, argh – Dou um safanão no ar de forma grotesca e abrupta. – Eu vou te falar, mas não me venha com sermões.

Ele deslizou o polegar e o indicador nos lábios, simulando um zíper se fechando.

— Tudo começou quando...

Cassian ouviu silenciosamente todo meu relato. Eu achei que sua visão a meu respeito poderia mudar, mas ignorei a sensação e continuei falando. Para meu alívio consegui evitar chorar conforme falava.

Ele permaneceu quieto mesmo quando terminei de falar. Fiquei preocupada.

— Está tudo bem?

— Está sim.

Cassian manteve-se monossilábico, respondia de maneira curta e direta as minhas perguntas. A impressão de que cada palavra proferida por sua boca era calculada não passou despercebido. O que será que está pensando? Perguntei a mim mesma, observando-o pelo canto do olho enquanto dirigia até minha casa. Ele passou a marcha, virando uma esquina.

Será que agora pensa mal de mim? É claro, não o descrimino, faria sentido se o fizesse. Na verdade, eu mesma o faria. Respirando lentamente, aos poucos, me despeço da ilusão de que terei meu amigo de volta. Tudo isso era bom demais para ser verdade. É claro que não duraria para sempre, mas não esperava que fosse tão cedo.

Sinto um nó na garganta. As coisas são tão difíceis para mim. Mas é culpa minha, eu confio muito fácil.

— Chegamos. – diz ele, me arrancando dos meus devaneios.

— S-Sim, – gaguejo ao apertar o botão próximo da maçaneta e sair.

Ergo o rosto e vejo a janela do meu quarto. Meu estômago se comprime de angustia, a realidade chega até mim com um feroz soco na boca. Arfo suportando a imensa dor que me envolve o peito. Não importa o quanto tente fugir da realidade, não importa o quanto me distraia, amanhã o verei novamente e eu terei que aguentar mais um dia, sobreviver mais um dia. Fingir até o retorno do seu Humberto.

Um dedo toca meu rosto, e eu pisco surpresa ao notar Cassian tão próximo de mim. Há pesar no seu olhar enquanto limpa as lágrimas de minha bochecha. Ele segura meu rosto e paraliso, um pouco atarantada pela sua beleza, mas também insegura e assustada. Eu esperava profundamente que ele não fosse fazer o que eu estava pensando.

Ele toca seus lábios na minha testa e suspira.

— Lamento por tudo que te aconteceu, Letícia. – A voz dele sai falhada. – Lamento mesmo.

Cassian me abraçou pela segunda vez aquela noite. Repousei a cabeça no peito dele aproveitando a sensação de conforto, mas não retribui o abraço. Meus braços pareciam ser feitos de chumbo, todo meu corpo estava pesado. Ele acariciou minhas costas como meu pai fazia quando me confortava.

Então não me odiava. Que bom.

— Achei que desistiria de mim depois de contar sobre... Tudo.

Meu amigo de faculdade me olhou como se eu tivesse o ofendido.

— Claro que não, Letícia, pelo contrário... — ele passou a mão pelo cabelo ao me soltar. — fiquei arrasado por você. Eu não tinha ideia.

— Eu sei. — murmurei simplesmente.

Ele me fitou por uns momentos e então me entregou um cartão.

— Toma, aí está meu e-mail e meu número. Pode entrar em contato comigo a hora que quiser.

Hesitei por uns segundos, mas peguei o pequeno papel.

— Não hesite em me ligar, – falou novamente. – E não pense que será um incomodo, porque não é. 

Como ou porque aquele lindo homem continuava sendo gentil comigo eu não fazia ideia. Mas eu estava profundamente agradecida.

— Está bem, muito obrigada.

— Não há de quê, – Cassian deu de ombros e se virou para partir. – Não esqueça, amanhã às 19h30.

— Como esquecer se você me lembra disso a cada cinco minutos?

Os olhos dele cintilaram com diversão.

— Coloque algo mais formal e brilhante, ou sei lá como vocês mulheres falam – alertou. – Ou não, vai ferir minha masculinidade se ficar ainda mais bonita do que eu.

Não aguentei e inclinei minha cabeça para trás, gargalhando.

— Essa é à sua maneira de dizer que sou bonita?

— Não brigue comigo por tentar. – Ele franziu o nariz. – Você sempre se avaliou muito mal.

Dispensei o comentário dele com um aceno.

— Pare de iludir os outros e vá embora de uma vez, – falei de uma forma pomposa. – Amanhã a gente se fala.

Ele bufou.

— Ainda vamos ter uma conversa séria sobre autoestima.

— Isso não vai me servir de nada.

— Isso é o que vamos ver. Você é bonita e vou fazê-la acreditar nisso, a te ver como eu a vejo.

Nego com a cabeça.

— Para de dizer bobagens e vá embora logo.

Ele sorri de forma maldosa e se curva cortês.

— Como quiser, senhorita.

Quero jogar alguma coisa nele enquanto o vejo caminhar arrogantemente até seu carro. Ele pisca para mim ao ligar a ignição.

— Ah! – diz ele, – tive uma ideia.

— Que ideia? – pergunto ao retirar as chaves da bolsa.

Ele sorri de forma maldosa.

— Amanhã eu lhe conto. – Após isso, ele engatou sem esperar uma resposta minha.

Eu observo o carro até sumir no horizonte com raiva, mas a irritação ia se abrandando conforme uma brisa suave tocava meu rosto.

Sorri.

— Obrigada. – murmurei ao vento.


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