Hogwarts e o Mistério do Cristal Maldito — Vol 1 escrita por Linesahh


Capítulo 66
Capítulo 65 — Vacas são Irritantes


Notas iniciais do capítulo

Cheguei!! Boa noite, bruxinhos!

Queria ter postado ontem, mas o PC da minha avó tava lento, aí não deu x-x

Preparados para o próximo deus??? Quem será? Vendo pelo título, isso de "vacas" já dá uma ideia pra quem manja, hehe.

Boa Leitura ♥



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♠ Iris Legraund ♠

 

Ao abrir a porta que ostentava o símbolo de pavão, Iris Legraund não sentiu-se nada confiante.

E o fato de estar absolutamente sozinha não lhe trazia boa sensação.

Após ter caído para o abismo profundo e ter parado novamente na sala das doze portas, Iris passou quase dez minutos gritando e chamando por algum de seus colegas. Quer dizer, era simplesmente impossível não haver nenhum sinal de vida além dela mesma, considerando que caíram juntos na suposta “armadilha”.

Ao constatar que seria inútil gastar energia e saliva com aquilo, decidiu apostar no óbvio: entrar em uma das salas.

O que encontraria nelas e, principalmente, quem estaria do outro lado eram dúvidas que só seriam esclarecidas com uma checada audaciosa.

Iris não considerava-se uma covarde. Contudo, era difícil manter a pose de durona estando sozinha em plena madrugada e, ainda por cima, em um local desconhecido. Arrependia-se de ter lido as histórias em quadrinhos de terror que costumava trocar com os vizinhos. Principalmente aquelas que tinham a ver com fantasmas.

Com a varinha em punho, respirou fundo e adentrou a sala.

Nem bem passou pela porta e esta se fechou num estrondo. Virou-se assustada, sua mão girando a maçaneta com rapidez. Sua mente logo imaginou um cenário horrível, onde entrara sem permissão numa ala de entidades vingativas que prenderiam-na ali para sempre.

— Porcaria... — praguejou ao ver que era inútil.

Virou-se novamente, focalizando o interior da sala. Não havia ninguém à vista, fato que a deixaria mais tranquila se não fosse um pequeno detalhe.

Ou melhor, um gigantesco detalhe.

A sala estava coberta por cristais. Começavam pelo chão, subindo pelas paredes e alcançavam o teto. Cristais ametistas e resplandecentes, de cores vivas.

Cristais muitíssimo conhecidos para Iris.

“Meu Deus... Estou completamente arruinada”, pensou, já sentindo sua pressão baixar.

Havia entrado justamente na sala em que o Cristal Maldito estava? Conseguiu mesmo ter essa sorte?

Estando naquele lugar totalmente trancada, esquecida e pronta para ser cristalizada a qualquer instante, Iris achou que a única alternativa que lhe restava era rezar.

Esperou alguns segundos, sem mover um dedo sequer. Nada aconteceu. Pouco a pouco, foi desfazendo sua estatura tensa, acalmando a respiração; contudo, ainda supervisionando os arredores com desconfiança.

Se o pedaço de Cristal não lhe atacara até agora, havia a chance de ele nem estar por ali (ou pelo menos Iris quis acreditar firmemente nisso).

Supervisionou melhor o lugar onde se encontrava. Reparou, então, em diversas mobílias organizadas e separadas pela sala, todas encobertas pelos cristais transparentes. Havia um armário grande que preenchia toda a parede oeste, com portas duplas e diversas gavetas, obviamente sendo utilizado para guardar roupas e sapatos.

Uma penteadeira média e refinada estava logo à sua direita, um espelho redondo e ornamentado nas laterais por asas de pavão postado diante dela. Haviam diversos objetos femininos postados acima dela: escovas, batons, delineadores, pó de arroz, caixinhas de músicas e outros tantos pertences femininos. Um banquinho floral de veludo esperava por sua dona, pronta para acomodá-la em seu momento de vaidade.

... Iris conseguia até mesmo imaginar uma mulher sentada sobre ele, encarando seu reflexo no glorioso espelho enquanto passava uma generosa camada de batom vermelho nos lábios.

Havia um tapete no centro da sala, tecido e feito à mão, ostentando imagens de pavões (Iris já começava a estranhar o fato de aquele pássaro estar por toda parte), escorpiões e vacas, todos colocados em ângulos variados, dando a impressão de que, não fosse pelos cristais os impedindo, estariam se movendo pelo preenchimento do tapete.

Por fim, como principal destaque, havia uma enorme cama encostada na parede oposta onde Iris se encontrava, perfeitamente arrumada, sem uma única ruga ou protuberância nos lençóis chiques ou nos travesseiros, aguardando por seus senhorios. Dois criados mudos estavam postados um de cada lado da cama, ambos com abajures finos em sua extensão amadeirada.

Iris franziu o cenho. Não estava em uma sala, como pensou a princípio.

Estava num quarto de casal.

A única coisa que estragava a visão era o que estava “amontoado” no centro do tapete: uma pilha de capim seco. (Também era a única coisa, além de Iris, que não estava encoberto pelos cristais).

“Que coisa estranha...”.

Não podendo sair, a única alternativa que lhe restava era explorar o ambiente.

Aprumou-se. Deu um passo à frente...

... E sentiu um baita solavanco a puxando para trás, seguido de uma queimação em sua nuca.

Seu cabelo havia se enroscado em alguma coisa (maçaneta provavelmente) e não queria soltar-se de jeito nenhum.

— Ah, isso de novo não... — Iris puxava as mechas com a mão livre, a lembrança de sua humilhante “queda-nas-escadas” invadindo suas memórias.

Zangada por não estar obtendo êxito, virou-se a fim de ver o quão grave a situação estava entre a maçaneta e seu cabelo (de fato, a maçaneta parecia estar ganhando), quando deparou-se com algo extraordinário:

Uma penca de capim estava enrolado em suas madeixas e na maçaneta, prendendo-a ali. Tentou puxá-las, contudo, não importava o quanto os tirava, mais capim brotava no lugar.

De repente, Iris ouviu uma exclamação de triunfo acima de sua cabeça:

— Ahá! Peguei! Peguei a impostora que ousou entrar em nossa morada sem permissão!

— Oh, muito bem, minha ama. Seus truques são realmente admiráveis. — outra voz, evidentemente servil, comentou respeitosa.

— Como se eu precisasse ouvir essas bajulações de você, vassala. — a primeira voz desdenhou. — Já sei o quão grandiosa sou, não preciso ouvir de mais ninguém.

Iris virou-se bruscamente, alarmada, erguendo a varinha num reflexo, defendendo-se.

— Ahhh! Sua selvagem! — um mugido doloroso (mugido?) foi-se escutado de todos os cantos, fazendo ecos pelo quarto. — Ela me espetou!

— Acalme-se, minha ama, vou ajudá-la! — a segunda voz pronunciou-se agitada e preocupada.

— Quem são vocês?! — Iris gritou, recuando o máximo que pôde contra a porta.

Foi então que sua visão clareou. Conseguiu enxergá-las perfeitamente; contudo, custou a crer no que via diante de seus olhos.

Dois animais. Animais pequenos demais para sua normalidade. Animais que todo mundo conhecia, por usufruir de seu líquido todo santo dia — mais especificamente no café da manhã.

Vacas. Haviam vacas no quarto.

Uma delas (a que estava acima de Iris, provavelmente) recuava para longe, evidentemente ressentida, suas patas massageando a pança gorda enquanto a outra “voava” em seu auxílio, circulando-a com ar agitado.

Para onde quer que se movessem, uma pilha de capim as equilibrava abaixo de suas patas, fazendo-as ficarem da altura de um metro e meio, mais ou menos. A mais gorda (que levara a espetada bem na mama) era de cor preta, com algumas pequenas manchas brancas nas costas. A que tentava ajudá-la era totalmente marrom, e a quantidade de capim que a levitava era bem inferior em relação à outra.

— Oh, minha ama, deixe-me massagear sua região dolorida... — ela insistia com a Vaca Preta, que a repudiava.

— Ora, seu leite estragado! Não se toca na parte sagrada de outra vaca, isso é desrespeito! Francamente, não aprendeu nada nesses cinco milênios de vida?

— Sinto muito, minha ama, mas não me chame de leite estragado, eu lhe imploro... — a Vaca Marrom mugiu em tristeza.

Enquanto isso, Iris tinha o queixo caído e o olhar fixo nas duas, esquecendo-se ligeiramente de como formular uma frase.

“Vacas falantes...”, o fato era inacreditável até mesmo em pensamento, deixando-a mais perplexa ainda.

De todas as coisas que Iris já vira de anormal — e olha que desde que ingressara em Hogwarts diversas foram as ocasiões em que algo assim aconteceu —; contando com fantasmas, quadros que se mexem e falam, armaduras vivas, corujas correios, sapos que cantam... e muito mais, essa com certeza foi a mais anormal de todas.

Estava tão absorta em sua incredulidade que mal reparou que a Vaca Preta (evidentemente a líder) estava falando com sua pessoa.

— Voltemos à nossa visitante indesejada! — avançou furiosa na direção de Iris, que recebeu um jorro de capim sobre as vestes. — Veio aqui para roubar, não foi? Pois fique sabendo que nada daqui pode ser retirado por suas mãos indignas! Pois pode ir dando o fora daqui agora mesmo!

A outra vaca flutuou calmamente em sua direção, postando-se um pouco atrás da outra.

— Certamente, minha ama. Está cheia de razão.

Em meio a desorientação extrema, Iris tentou, em vão, dizer algo coerente.

— Errr, o que... Vocês... — gesticulou, apontando o dedo de uma vaca para a outra. — Cabelos... Capim... Vacas falantes... — olhou então para baixo, puxando o ar com força. — Estou enlouquecendo, não estou? Por favor, digam que estou sonhando, digam que vocês não são vacas e que não estão falando comigo!

A Vaca Preta aprumou-se.

— Nos elogiar duas vezes não encobre o que estava fazendo, garota ladra. Mesmo que eu me sinta lisonjeada com suas palavras bonitas dirigidas a mim, não posso ignorar que você é o inimigo.

— Certa, como sempre, minha ama. — a Vaca Marrom acenou. — Temos que puni-la. Eu sugiro que usemos a técnica do “capim-soterrado” desta vez. Receio não termos leite suficiente para usarmos o “leite-do-engasgamento” novamente.

— Você não tem poder para sugerir nada, sua vassala! Eu decido o que nós fazemos. E eu digo que acho melhor utilizarmos a técnica do “capim-soterrado” por não termos leite suficiente para a do “leite-do-engasgamento”. — a Vaca Preta levantou o narigão com superioridade.

A outra curvou-se.

— Boa escolha, minha ama.

Embora não entendesse muita coisa (principalmente considerando que, mesmo que ela fosse realmente uma ladra, não daria para, bem, roubar alguma coisa com o quarto naquela situação, não é?), Iris não gostou nadinha do nome dessas punições, sentindo o desespero aflorar.

Precisava sair dali.

Quando estava prestes a lançar um jato de água no focinho da Vaca Preta, brecou a ação ao seus olhos se baterem em uma figura que saiu do interior do amontoado de capim no meio do tapete.

Outra vaca.

Esta era bem menor que as outras duas, mais ou menos do tamanho de um panda bebê. Era branquinha como o leite; sua boca estava cheia de capim, que ela mastigava devagar. Flutuou por intermédio da palha até o meio da discussão lentamente, tomada pela preguiça. Ao engolir, abriu a boca, voltando-se para as irmãs.

— Muuuuuu.

— Ah, o que está dizendo agora? — a Vaca Preta a chamou por um nome estranho, que Iris não compreendeu.

— Ela disse que um dos anjos veio aqui mais cedo, avisando que nossa torre foi selecionada para o desafio. — a Vaca Marrom explicou educadamente. — Disse também que estávamos ocupadas demais lanchando, por isso não reparamos na visita dele... — fez então uma pausa. — E que ele nos chamou de “vacas gordas”.

— Oh, mas que galanteador. — a Vaca Preta suspirou (o que foi mais uma fungada melecada). — Já é o terceiro elogio nesta madrugada!

Olhou então para Iris, continuando:

— Então você é a criança que mandaram para cá? Esperava pelo menos uma de aparência mais parecida com nossa senhora. — Iris nunca imaginou que uma vaca pudesse fazer uma careta, mas foi o que aconteceu (a visão lhe causaria pesadelos, com toda certeza). — Olhem só a magreza! Olhem esse cabelo de cenoura! Horrível!

Iris sentiu-se enrubescer instantaneamente.

Levou as mãos ao cabelo, tentando escondê-lo de alguma forma. Fazia um tempinho desde o último comentário negativo em relação a cor... E foi como se tivesse voltado a ter seis anos novamente.

— Eu gosto de cenoura. — a Vaca Marrom (a servente, como Iris observou) comentou em tom saudoso.

— Ninguém se importa com o que você gosta, leite estragado! — a Vaca Preta disparou. — Bem — voltou-se para Iris. —, não se pode ter tudo o que quer. Você vai ter de servir. Só espero que cumpra bem o desafio para que assim nossas vidas voltem ao normal.

Iris notou que seus cabelos haviam se desprendido da maçaneta; contudo, não fez menção de dar um único passo. Continuava a olhar para as vacas com afobação, piscando variadas vezes.

— Vocês são vacas. — falou novamente, como se quisesse convencer a si mesma do fato.

A Vaca Preta vibrou.

— Ohh, mais elogios, adoro isso! O que essa garota não tem de atrativos tem de bajulação!

— Muuuuu. —a vaca branca concordou.

Iris começou a sentir sua cabeça girar a mil. Era muita informação para assimilar. Estava em um quarto cristalizado juntamente com três vacas falantes (duas, para ser exata, pois a Vaca Branca não fazia nada além de mugir) que a convidavam para um desafio.

Decidiu dar um basta naquela loucura toda.

— Calma lá! Para tudo! — abanou as mãos, chamando as atenções das vacas. Sua agitação era tanta que faíscas vermelhas saíram de sua varinha, o que as assustou um pouco. — Quem são vocês, que lugar é esse e por que você acha que estou elogiando-a? — apontou para a Vaca Preta com irritação.

As três vacas olharam-na em silêncio. Talvez estivessem surpresas por sua audácia.

A Vaca Branca inclinou a cabeça.

— ... Mu?

— Olhem só... A cabeça de cenoura é mais determinada do que pensei. — a Vaca Preta pareceu ter tido sua autoridade ameaçada. — Bem, já que nossa visitante tem tantas perguntas... — ela então pronunciou um nome estranho outra vez, voltando-se para a Vaca Marrom. — Explique o que ela quer saber.

A Vaca Marrom fez uma reverência para a outra, tomando a frente.

— Agora mesmo, minha ama. — olhou para Iris. — Você fez três perguntas, senhorita, e vou respondê-las de acordo com a cronologia: primeiro, somos as Três Vacas Sagradas, guardiãs da torre de nossa amada senhora Juno. Segundo, você está na torre de nossa amada senhora Juno. Terceiro, você não cessa elogios a minha ama pelo motivo de ela ser realmente uma beldade. — suspirou (outra melecada), olhando admirada para a Vaca Preta (esta aprumou-se orgulhosa com o comentário).

“Torre de Juno?”, Iris indagou mentalmente.

Que extraordinário... Como havia ido parar nela atravessando somente uma porta? Deveria ter alguma magia envolvida...

Agora entendia o fato de estar em um quarto de casal. Juno se tratava da deusa do casamento e da fidelidade, afinal...

“Uma bela ironia, não, Iris?”, pensou com uma pontada de amargura.

— Hum, não esqueça que das mulheres e crianças também. — a Vaca Preta mugiu em uma bufada. — Tenha mais respeito. Nossa senhora é a rainha dos deuses, a mais importante de todas. Cuida de todos os casamentos, atenta a qualquer tipo de infidelidade, amaldiçoando quem comete tal ato.

Iris, embora tomada por uma ligeira surpresa (ela havia lido sua mente?), não pôde segurar-se:

— Ué, mas o marido dela não a traiu um montão de vezes?

As três vacas soltaram um mugido em conjunto, que Iris entendeu como se dissessem “Mas que insulto!”.

— Como ousa falar de nossa senhora dessa maneira infame? Os assuntos pessoais dela e do senhor dos céus, Júpiter — a Vaca Preta falou o nome dele com um pouco de nojo, Iris notou. —, são referentes a eles e somente a eles!

Iris fez um gesto impaciente com a mão.

— Que seja, eles nem existem mesmo. São apenas mitos.

As vacas pareceram tão ofendidas após isso que Iris desejou não ter aberto o bico (mesmo que fosse a mais pura verdade).

A Vaca Preta teve de ser segurada pela Vaca Marrom para não avançar em Iris. A Vaca Branca soltou um “Muuu” revoltado, fazendo um chumaço de capim atingir a garota em cheio.

— Acalme-se, minha ama, a garota ainda tem de cumprir o desafio. — a Vaca Marrom buscava trazer a outra para a razão, ansiosa. — Lembre-se que temos passado dificuldades, e só ela pode nos ajudar.

Iris, sem saber o porquê, ficou atraída pela voz trêmula da Vaca Marrom ao dizer “dificuldades”.

— Como assim só eu posso ajudá-las?

A Vaca Preta apenas saiu aos resmungos (ela não parecia gostar de responder as pessoas), deixando para a Vaca Marrom a explicação.

— Olhe ao redor. — ela indicou, cabisbaixa. — Nossa casa está arruinada por causa do Cristal Maldito. Cerca de algumas semanas atrás ele atacou a torre de nossa senhora, não deixando nada sair ileso. Até nosso capim foi afetado, passamos fome por muitos dias. — ela então apontou para debaixo da cama, onde Iris viu algo que não havia reparado antes: uma tonelada de capim cristalizado lá dentro. — Se não fossem pelas visitas ocasionais das tochas de Ceres, trazendo um pouco de capim de vez em quando, não sei o que seria de nós.

— E é por isso mesmo — a Vaca Preta avançou ameaçadoramente em Iris (que não sentiu-se ameaçada para valer, afinal, quem teria medo de uma mera vaca cinco vezes menor que uma na fase adulta?). — que você tem que fazer o desafio, cabeça de cenoura. Ou juro que sofrerá as consequências!

Iris cerrou os dentes.

— Se me chamar disso outra vez, juro que não moverei um único dedo para ajudá-la. — advertiu controladamente. Aquela vaca já estava passando dos limites, e Iris começava a conter o desejo vingativo de chutar aquela pança gorda e feia.

A Vaca Marrom pareceu ficar ansiosíssima.

— Oh, minha ama — dirigiu-se para a Vaca Preta num misto de respeito e medo, sua voz demonstrando falsa energia. —, não liguemos para simples trivialidades. A garota é perfeita para a missão! Deixemos que ela a cumpra sem mais delongas.

— Só irei escutá-la agora, seu leite estragado — a Vaca Preta olhou para a outra com desprezo. —, por não ter mais paciência e cordialidade para manter nossa “adorável” visitante em minha sagrada presença.

— Muuuuuuu. — a Vaca Branca concordou, entretida em comer o capim que a mantinha levitada (estava a apenas meio metro do chão por essa atitude gulosa).

As três vacas então guiaram Iris para a penteadeira ali perto. Iris não estava lá cem por cento confiante em seu futuro “êxito” em cumprir o tal desafio, contudo, tinha que apostar na fé.

Ou na sorte. Isso também servia. Mesmo que a sorte não estivesse muito a seu favor ultimamente.

A Vaca Marrom convidou-a a sentar-se no banquinho florido e delicado, e Iris não pôde ignorar a sensação de estar invadindo o espaço íntimo de outra pessoa.

— Tudo bem. — olhou seu reflexo pelo espelho ornamentado. Surpreendeu-se por ver que mesmo coberto pelos cristais, sua imagem refletida estava perfeita. Tamborilou os dedos na mesa, parcialmente empolgada. Difícil ou não, um desafio sempre despertava seu interesse. — O que devo fazer? — olhou para as vacas que flutuavam ao seu lado, alternadamente. — Só não me peçam para pentear o cabelo ou passar algum produto no rosto, pois já digo que não sou muito boa nisso; além de achar que seria um desafio mais apropriado vindo da “Deusa do Amor”. — falou com ironia.

A Vaca Preta pareceu gostar de seu comentário.

— De fato, garota, seu desafio não é tão superficial assim; ainda que nossa Senhora Juno, diga-se de passagem, seja a mais bela de todas as deusas. — acrescentou rapidamente. — Mas não, seu desafio para recuperar o rosto de nossa senhora é este.

De repente, as três vacas mugiram em uníssono, entoando em seguida notas graves e agudas, intercaladamente (após poucos segundos, Iris constatou que preferia mil vezes o canto dos sapos, pois, comparado com as vacas, eles até que mandavam muito bem).

Ao término do “concerto”, Iris então deu-se conta da mágica.

Todos os objetos cristalizados acima da penteadeira haviam desaparecido, surgindo no lugar, curiosamente, três médios e maduros romãs.

Iris analisou-os por alguns segundos, esperando que algo mais extraordinário acontece, como uma explosão, ameaças das vacas ou, simplesmente, que os romãs ganhassem vida e começassem a sapatear (Iris torceu para que não fosse a última alternativa, pois não conseguiria vencer numa competição de sapateado nem que tivesse dez pés).

Por fim, vendo que nada extravagante aconteceria, voltou-se para as vacas.

— Romãs... Legal. E agora?

A Vaca Preta bufou.

— Francamente, quanta ignorância. Se minhas mamas não fossem tão perfeitas, ordenharia sangue ao invés de leite por ouvir esse comentário. — ela então praguejou em outra língua, fazendo Iris começar a desconfiar que talvez ela estivesse xingando-a com muito afinco. — Você, vassala — chamou a Vaca Marrom em tom exigente. —, explique a ela.

A Vaca Marrom anuiu, educada como sempre.

— Certamente, minha ama. Senhorita, irei esclarecer a você seu desafio. — olhou para Iris. — Como já deve ter ouvido falar, o romã é um dos símbolos que se referem a nossa senhora Juno. Em suas esculturas, ela normalmente tem essa fruta em mãos. O fruto é a representação da fertilidade.

Iris, já entediada com a aula de História, assentiu rapidamente.

— Uhum, sei, sei... E o que eu tenho que fazer com eles? Cortar, pisar ou outra coisa parecida?...

Neste momento, a Vaca Preta disparou, ficando cara a cara com Iris. Uma expressão maligna estava presa em seu rosto... bem, de vaca.

— Ah, de forma alguma! Não... — ela então fez os romãs levitarem, aproximando-os de Iris. — Você irá comer um deles!

Iris, entre enojada e assustada com a proximidade e o tom amedrontador usado pela vaca, afastou o banquinho alguns centímetros para trás, recuando.

— O quê? Estão brincando? Eu não vou comer nada!

A Vaca Preta vibrou de deleite.

— Ora, mas será a parte mais divertida!

Iris negou.

— Eu não serei louca de fazer isso! Quem garante que vocês não envenenaram essas coisas?

A Vaca Marrom adiantou-se.

— Juramos por nossa senhora que não é nada disso, senhorita! Precisa nos ajudar, por favor! Estamos passando fome!! — ela implorou, pela primeira vez demonstrando mais emoção do que simples atitudes serviçais.

— Vocês tem um monte de capim ainda! — Iris apontou para a pilha no tapete.

— Muuuuu. — a Vaca Branca protestou; tinha uma pilha de capim na boca (com certeza desejando mais e mais).

— Hunf, será igual ao rapaz da outra noite... — a Vaca Preta comentou em tom sabichão. — Ela não aguentará o tranco e desistirá.

Iris aguçou os ouvidos.

— Rapaz? Outro veio antes de mim? — seu coração começou a bater rápido com o pensamento que se formava em sua mente.

Não seria quem estava pensando, seria...?

— Ah sim. Um covarde. Veio há quatro dias, mais ou menos. O expulsamos daqui rapidinho antes que começasse a nos enfeitiçar. — ela respondeu (pela primeira vez, aliás).

Iris sentiu suas veias pulsarem em adrenalina.

— Como ele era? Estava com um amuleto? Que horas ele veio?

A Vaca Marrom fez menção de explicar, contudo, foi brecada pela Vaca Preta.

— Cumpra o desafio primeiro, garota, se quiser saber de algo. — arrematou, astuciosa.

“Maldição...”.

Com certeza elas falavam do tal de “ele”. Iris apostaria até a própria varinha nisso.

Vendo que as vacas não abririam o bico, aproximou-se novamente da penteadeira, á contra gosto.

— Eu só preciso comer um romã, então?

A Vaca Marrom acenou.

— Apenas um. E tem de ser o correto.

Iris arqueou uma sobrancelha.

— Se não...?

A Vaca Preta mugiu de empolgação.

— Ah, isso vai ser divertido! Pois bem, eu explico essa parte com muito gosto. — ela coçou a pança antes de continuar. — Não importa qual romã escolha, garota, irá ganhar o rosto de nossa senhora de qualquer jeito.

— Maravilha, então. — Iris pegou o fruto do meio. Já a meio caminho de abocanhá-lo, brecou a ação ao tom de advertência da vaca:

— Porém!... — ela fez uma pausa dramática. — Um sacrifício terá de ser feito. Todos os romãs lhe concederão o acesso ao rosto, contudo, apenas um é verdadeiramente o correto.

— Os outros dois estão, tipo, podres? — Iris fez uma careta para o romã que tinha em mãos.

A Vaca Marrom negou sombriamente com a cabeça.

— Não, senhorita. Se escolher um romã errado, irá perder justamente o que simboliza sua representação. — anunciou em tom penoso.

Silêncio geral.

Iris precisou de alguns segundos para compreender o significado das palavras da Vaca Marrom.

“Irá perder o que simboliza sua representação...”.

Se a representação do romã era a fertilidade... Então...

— Eu ficaria infértil? — Iris complementou o pensamento em voz alta. Olhou para as vacas. — Tipo, eu não poderia ter... Filhos?

A Vaca Branca assentiu, fazendo um longo “Muuuuuu” que Iris traduziu como sendo “Exatamente”.

Iris ficou quieta por um tempo, olhando para os romãs. Conforme os segundo passavam, descobriu-se dentro de um impasse.

... A ideia de ter filhos nunca havia passado pela cabeça de Iris (Dã, ela só tinha onze anos) e, para ser sincera, não a achava tão agradável assim. Entretanto, uma conversa que Iris escutara de sua mãe e de sua avó quando tinha cerca de sete anos adentrou sua memória repentinamente, deixando-a entre dúvidas.

A casa de Iris estava uma confusão aquela manhã. Uma mulher desconhecida, vestindo farrapos, batera na porta da residência dos Legraund com desespero, extremamente pálida e fraca.

Ela estava grávida, e a bolsa tinha estourado há alguns minutos.

Apenas Iris, sua mãe e sua avó estavam presentes, pois seu pai já havia saído para o trabalho bem cedinho.

Embora com reprovação, a avó de Iris não negou ajuda à moça e auxiliou no parto. Enquanto Iris se encarregava de esquentar água e trazer panos úmidos, sua mãe dava apoio emocional à moça.

Depois de muitos gritos, suor e toalhas sujas de sangue, o bebê nasceu.

A moça estava bem fraquinha, e foi preciso muitas xícaras de chá de malva até começar a ter uma melhora. Iris se divertia cutucando o bebê (era um menino) com uma pena que havia recolhido na calçada dias antes.

... Enquanto isso, sua mãe mantinha uma conversa amigável com a moça.

— Só não pensei que fosse doer tanto... — a mulher comentou com um riso fraco, olhando o bebê com nítido amor.

A mãe de Iris, energética como sempre, riu bem humorada.

— Ah, nem me fale! É o único lado negativo em ter que gerar filhos, na minha opinião, isso sem contar o chororô dos primeiros meses!

A avó de Iris, que mantinha-se quieta recolhendo as toalhas e colocando-as num balde com sabão (certamente reprovando a conversa), pigarreou, ríspida:

— Uma mulher que não consegue ter filhos não pode ser chamada de mulher. Deixe de dizer besteiras, Rosana. Cuide da moça para que ela possa ir embora logo. Seu marido não aprovará o incidente de hoje, então não deixe as coisas piores.

Iris apenas recordava-se da última coisa dita por sua mãe, que carregava uma expressão entre contrariada e conformada:

— Não precisa falar assim, mamãe. Foi um comentário descontraído. Além disso, Raymond não tem que aprovar nada. — frisou, terminando a conversa em um tom frio.

Iris voltou ao presente. Ainda tinha o romã em mãos.

A frase de sua avó ecoava em sua mente: “Uma mulher que não consegue ter filhos não pode ser chamada de mulher”.

... Mas afinal, por que estava preocupada? Tudo aquilo era uma grande mentira, essa história de “romã da fertilidade” não passava de um mito...

Não é?

Sem pensar muito, Iris levou o romã do meio à boca. Mordiscou-o e engoliu. Embora quisesse convencer-se de que as vacas só estavam brincando, foi como se um tijolo descesse-lhe a garganta.

A sensação de que havia cometido um erro não parava de abordá-la.

Voltou-se para as vacas, que a observavam fixamente, suas cabeçonas praticamente amassadas uma na outra.

— Pronto. — tentou fazer uma voz tranquila. — Como... Como sei se escolhi certo?

As três vacas se entreolharam.

A Vaca Preta adiantou-se, colocando um pedaço de mármore, onde estava esculpido o rosto de uma mulher, em suas mãos. Piscou.

— Você vai saber. No futuro.

Ela gargalhou. Iris foi guiada pelas três até a porta.

— Esperem — pediu. —, vocês ainda não me responderam sobre o rapaz...

— É contra nossos princípios falar sobre uma pessoa que nem ao menos está aqui para se defender. — a Vaca Preta a cortou. — Até nunca, garota.

Antes que Iris pudesse protestar, as vacas a empurraram com mais força em direção à saída.

— Adeus, senhorita. — a Vaca Marrom falou cordialmente.

— Muuuuuu. — despediu-se a Vaca Branca.

— Nossa senhora espera que sua vida se encaminhe melhor do que a de seus pais. — a Vaca Preta falou em tom enigmático.

Iris sentiu a tensão preencher-lhe completamente.

— Do que está falando? Você nem conhece minha família...

Ela mugiu, zombeteira.

— Sabe bem do que estou falando, criança. Com certeza sabe... Mas já vou avisando que suas lutas serão em vão. Não importa o que faça.

A cabeça de Iris fervilhou. Se a peça em sua mão não fosse tão preciosa, ela estaria agora enfiada na fuça daquela vaca desprezível.

Segurou ao máximo sua ira, contudo, não conseguiu fazer com que sua voz saísse calma:

— Você não sabe de absolutamente nada! Não se meta nos meus problemas, sua... sua... — buscou alguma palavra forte e ofensiva. — SUA VACA MALDITA!

Dito isso, abriu a porta e fechou-a num estrondo, escutando apenas uma última (e odiosa) frase: 

— Oh! Mais um elogio! Estou me sentindo a própria deusa! Podem me batizar como “A Vaca mais Sagrada do Século”!! 


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Notas finais do capítulo

Sei não, hein, acho que foi roubada você ter comido isso ai, Iris x-x
E quem curtiu as vacas? Pra quem não sabe, elas são um dos símbolos da deusa Hera/Juno (chaaataaa), assim como escorpiões e pavões.

É isso, espero que tenham gostado dos desafios, pessoal! Agora preparem-se que já no próximo tudo será revelado!! Será que eles vão conseguir pegar o pedaço do Cristal?

Até!

Malfeito, feito. Nox.



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