Mirtilo escrita por OmegaKim


Capítulo 57
XXIII - O bom garoto




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O silêncio da floresta o acalmava o suficiente para que o sono viesse até si, devagar. Minseok estava deitado de peito para cima, na grama em frente ao lago. Ao longe ainda podia distinguir o som que os Lu’s faziam, mas apenas se se concentrasse com demasia, coisa que pretendia não fazer. Fingiria que não existia nada além do vento acariciando as folhas das árvores e o som da própria respiração, afinal tudo o que queria naquele fim de tarde era relaxar.

Fechou os olhos e começou a dormir. Só um leve cochilo, pensou. Sentia-se um tanto cansado física e mentalmente quando estava sempre indo daqui para lá, cheio de cuidado para com Kyungsoo e seu filhote. O pai Ryeowook o ajudava também assim como Heechul e mesmo Chanyeol também estava fazendo um bom trabalho.

Havia se passado uma semana desde o nascimento do bebê, uma semana inteira de correria e noites mal dormidas. Mesmo que tivesse recebendo recomendações para descansar, ainda assim acordava nas madrugadas quando o filhote do irmão começava a chorar e por vezes, ia até o seu quarto e conversava com Kyungsoo durante o tempo em que Dohyeon se alimentava.

Dohyeon, o bom.

Todas as vezes que pensava na escolha de nome para seu sobrinho percebia que não havia escolha melhor. O garotinho parecia combinar com o significado quando era tão quietinho e curioso, os olhos grandes como os do pai ômega deixavam Minseok saber que ele — talvez — fosse uma cópia mais polida deste, algo mais calmo. Quem sabe, fosse culpa do sangue Byun que corria em suas veias que o deixava tão silencioso, fazia-o se lembrar de Baekhyun.

— Minseok!

Abriu os olhos imediatamente, sentou-se e olhou para os lados atrás do dono da voz que o chamava. Não demorou muito a aparecer. Jongin estava do outro lado do lago, detinha uma cesta em uma das mãos e uma flor alojada atrás da orelha esquerda enquanto erguia a mão livre na sua direção, acenando para mostrar a Minseok onde estava.

O Kim ergueu a mão e acenou de volta ao mesmo tempo que o Lu dava a volta no lago e vinha na sua direção. Minseok lançou um olhar para o lago ponderando se poderia morrer afogado antes que Jongin estivesse perto o suficiente, afinal estava naquela floresta justamente se escondendo do mais novo.

— Procurei você a manhã inteira. — o Lu deixou-o saber, a voz cheia de um lamento que o outro compartilhava, mas por razões diferentes.

— Eu acabei dormindo. — forjou um bocejo.

No fundo, sabia que estava sendo um péssimo cunhado quando estava constantemente fugindo da sua presença, inventando desculpas para não comparecer aos ensaios da cerimônia e adiando a prova do traje cerimonial. Mas também sabia que não estava nenhum pouco animado para aquilo, que tudo o que queria era se esconder embaixo da cama apenas para não ter que ver a forma como seu irmão casava-se e era feliz depois de tudo o que lhe acontecera.

— Parece cansado. — Jongin notou e Minseok não contestou, limitou-se a assentir.

Estava grávido, parecia certo que sentisse-se tão esgotado com tão pouco e a falta de uma noite completa de sono só contribuía para o seu estado. Jongin aproximou-se mais um pouco, inclinou-se na sua direção e o olhou bem de perto de uma forma que pegou o Kim de surpresa, mas não se afastou. Deixaria que o cunhado tirasse suas próprias conclusões sobre si.

— Anda com dificuldades para dormir? — a preocupação estava ali, pairando na questão por tempo suficiente para que Minseok se sentisse culpado por sua ausência.

— Um pouco. — confessou e a mão subiu, parou atrás da nuca.

Não era uma mentira, no entanto. Realmente, não estava dormindo da forma que gostaria e pelo tempo que seus pais desejavam. Na verdade, estava constantemente cochilando, nunca profundo o suficiente o que sempre fazia com que acordasse ao som do mínimo barulho e quem sabe, a falta de sono interferisse no apetite quando não conseguia terminar um prato de comida como antes e o xarope que deveria lhe deixar com fome, o deixava enjoado o suficiente para que não conseguisse sentir o cheiro de qualquer alimento sem vomitar até a garganta arder.

Então, o que lhe restava era confiar no próprio apetite que quase nunca estava ali. Seu pai suspendera o uso do xarope, havia aumentado as doses de vitaminas quando notara a forma como estava emagrecendo e cogitou dar-lhe remédios para dormir, mas desistiu desse último quando resolveu apenas diminuir suas horas ajudando Kyungsoo com o bebê. Isso deixava Minseok com o dia cheio de horas vagas, que gastava fugindo da presença de Jongin.

— Talvez, devesse tentar chá de camomila. — o mais novo disse se afastando e Minseok piscou na sua direção.

— O cheiro me deixa enjoado. — confessou.

Não gostava tanto assim de chás, mas estava fazendo um esforço e tanto nos últimos meses ao ingeri-los. Ryeowook gostava de chás o bastante para sempre empurrar na sua direção alguma mistura de ervas que lhe prometiam uma noite inteira de sono.

Ficou de pé e espanou a terra das roupas, Jongin o observou com o lábio inferior preso entre os dentes e Minseok lhe lançou um olhar desconfiado antes de desviar os olhos para o conteúdo da sua cesta. Estava cheia de pães, bolos e biscoitos de vários sabores. A sobrancelha se ergueu e a pergunta ficou explicita na sua face, Jongin leu-a sem problemas porque no minuto seguinte, estava sorrindo, simpático como todas as vezes antes.

— São cortesias do novo padeiro da alcateia. — contou e Minseok continuo o fitando sem entender exatamente.

Não estava sabendo sobre nenhum recém-chegado no território, contudo, da forma como sua família estava fazendo questão de afasta-lo de qualquer coisa considerada preocupante, Minseok estava totalmente no escuro. Não se surpreenderia se realmente houvesse um novato na alcateia.

— Aconteceu alguma coisa com o senhor Kwan? — perguntou, as sobrancelhas juntaram-se de uma forma adorável no seu rosto, Jongin comprimiu os lábios.

O Senhor Kwan era o padeiro oficial da Alcateia. Minseok o conhecia desde quando era uma criança, na verdade, sua família inteira o conhecia e estavam todos sempre muito acostumados a ir na sua pequena padaria para dizer um oi, jogar conversa fora e comprar os mantimentos para o café da manhã.

— Ah, não. Ele está bem. — Jongin assegurou. — Mas contratou um garoto novo para ajudá-lo. — esclareceu e mexeu a cesta como que para ilustrar o que havia acontecido. — Ele me ofereceu essas amostras grátis. — o sorriso continuava ali, preso no seu rosto de tal maneira que Minseok sabia que não era de mentira.

Realmente, Jongin era o tipo que sorria demais.

— Parece tudo muito saboroso.  — apontou e o ômega mais novo desviou os olhos para o conteúdo da cesta. — Eu posso...? — lançou um olhar para os biscoitos e Jongin assentiu.

Minseok os apanhou, abriu a embalagem e colocou um na boca. O gosto explodiu na sua boca como num sonho. A massa não estava doce como imaginara e por isso, não era enjoativa. Somada as gotas de chocolate meio amargo, Minseok acreditou que poderia comer aquilo pelo resto da vida.

— Bom? — o Lu soou curioso.

— Melhor do que eu esperava. — confessou e Jongin riu, fazendo o outro rir também. — Como ele se chama? — perguntou sobre o autor de todas aquelas guloseimas.

Vernon.

O Kim colocou na boca mais dos biscoitos e pensou se poderia ir na padaria a qualquer hora, pedir a receita. Às vezes, sentia falta de fazer alguma coisa e achou que aprender a cozinhar podia ajudar a não morrer de tédio no tempo em que se escondia de Jongin por aí.

— Deveria ir vê-lo. — o olhar em seu rosto era sugestivo demais. — É um beta bonito.

O rosto de Minseok esquentou de tal maneira, que foi obrigado a desviar o olhar para o lado, afastar-se da forma como Jongin o fitava. A insinuação escorria dos seus atos, como se o ômega estivesse desesperado para encontrar um parceiro. Não estava, mas todos da alcateia e até mesmo sua família parecia pronta para empurra-lo para o primeiro lobo que se oferecesse e isso o magoava na mesma proporção que o deixava irritado, afinal não estava pensando nisso. Nem ao menos cogitava isso. Queria só aproveitar a gravidez. E no fundo — não mentiria para si mesmo — ainda desejava a presença de Baekhyun.

— Não estou procurando um parceiro. — revirou os olhos e enfiou o resto da embalagem com biscoitos no bolso de trás da sua bermuda. Jongin encolheu os ombros parecendo perceber seu erro. — Vou voltar para casa. — avisou, a voz soando incrivelmente firme, estava dando aquele assunto como encerrado.

Passou pelo Lu e não foi impedido, não olhou para trás enquanto caminhava até a saída da floresta. Pescou o pacote de biscoitos do bolso e comeu durante o caminho. Jogou o pacote vazio no lixo da cozinha da sua casa depois que entrou, bebeu um copo de água e seguiu até o quarto do irmão gêmeo para saber como estava. Encontrou-o dormindo na cama enquanto, no berço, Dohyeon fazia o mesmo. Fechou a porta devagar e foi em direção ao seu quarto.

Tomou um banho demorado na banheira, ficou ali até que as pontas dos dedos enrugassem. Então, escolheu uma roupa confortável e foi passear pela casa atrás de mais alguém. Não havia ninguém. Todos pareciam ocupados naquela tarde. Heechul deveria estar no seu laboratório, Ryeowook no hospital, Junmyeon no escritório e Jungsoo... não sabia o que o pai alfa fazia desde que fora deposto. Tudo o que sabia era que ele costumava passar as tardes fora de casa e sempre voltava depois das oito quando todos já haviam jantado.

Procurou pela casa por Huang Zitao, o amigo ômega de Kyungsoo, mas como não o encontrou supôs que ele estava no hospital com o pai Ryeowook. O garoto ômega havia se mostrado interessado em todo o trabalho que seu pai fazia e Ryeowook não viu razão para não deixa-lo acompanhar a sua rotina, afinal sempre estava disposto a ensinar seu ofício para quem tivesse interesse.

Terminou sentado na sala vendo qualquer coisa na tevê e deve ter cochilado em algum momento, porque acordou com som de batidas na porta. Retirou os óculos do rosto, esfregou os olhos e esticou os braços para cima, em seguida. Ficou de pé e recolocou os óculos, caminhou em direção a porta.

— Já estou indo. — resmungou quando escutou mais batidas.

Abriu a porta, apressado, um tanto irritado pela forma como as batidas soavam altas para si. Segurou a maçaneta com força enquanto observava, a pessoa em pé do outro lado o fitava, não a conhecia. Comprimiu os lábios e ergueu uma sobrancelha, pronto para questionar a identidade daquele lobo quando viu o homem abrir os braços e pegá-lo num abraço.

— Minseok, meu querido, quanto tempo. — ele disse, entusiasmado e o Kim arregalou os olhos. — Não cresceu muito desde a última vez que o vi. — brincou ao se afastar, ergueu a mão e bagunçou o seu cabelo, o rosto inteiro contorcido em um sorriso grande demais e incrivelmente familiar.

O Kim inclinou a cabeça levemente enquanto via o homem entrar na sua casa acompanhado de um garoto mais novo. Fitou-os demasiadamente, a mão ainda presa na maçaneta da porta. Mordeu o lábio inferior, de repente se sentia um pouco bobo por permitir a entrada daquele homem desconhecido, contudo ao ver a forma como ele sentou-se no sofá. O jeito educado com que as pernas se cruzaram e a mão se ergueu para mexer o cabelo, Minseok se viu arregalando os olhos.

— Tio Hangeng. — o nome pulou da sua boca num murmuro, quase baixo o suficiente para não ser notado.

O homem fitou-o e sorriu. O cabelo estava grisalho, as rugas se juntavam no canto dos olhos e da boca e nos dedos, mas as tatuagens nos pulsos pareciam tão vivas quanto da primeira vez que o viu. Minseok aproximou-se, mais calmo, menos surpreso e acuado, quis abraça-lo de verdade, mas não fez. Limitou-se a segurar uma das suas mãos e beija-la, num tipo de cumprimento que costumava fazer quando era criança. Fazia cinco anos desde a última vez que o tinha visto, meses antes de ir para a França.

A última visita que ele havia feito não saíra como o esperado, afinal lembrava-se muito bem das brigas constantes que Leeteuk tinha consigo durante o começo daquele ano. Nenhum dos dois parecia disposto a dar o braço a torcer para algo e por isso, Hangeng parara de visita-los. Havia se fechado em sua alcateia, cuidava dos negócios na Fronteira e cortara alguns gastos com os Kim’s coreanos, coisa que só serviu para deixar Leeteuk mais inflamado.

No entanto, ali estava ele novamente. Cinco anos depois, mais velho, sem filhos, sem um parceiro, apenas o líder da contraparte chinesa dos Kim’s. Minseok piscou os olhos em sua direção antes de sentar-se no sofá ao seu lado, lançou um olhar para o garoto que acompanhava o seu tio. Ele estava em pé, perto da janela, parecia observar alguma coisa lá fora e também dentro, quando constantemente desviava os olhos para olhar ao redor, por vezes, parava seu olhar em Minseok achando que ele não perceberia.

— Você parece muito surpreso. — o alfa falou e Minseok sorriu, envergonhado.

— Na verdade, não estava o esperando ainda mais depois de tantos anos. — contou, parecia ser a melhor maneira de conduzir aquela conversa se quisesse saber o que trazia o seu tio ao território coreano depois de tantos anos.

— Junmyeon não avisou sobre minha visita? — ele inclinou-se levemente para frente como que perscrutando o rosto do ômega tão intensamente, que sentiu-se corar com o ato, afastou-se. — Vim para o casamento. — contou e Minseok desconfiou que ele realmente tivesse recebido o convite, em parte porque tinha ajudado Jongin a montar a lista de convidados de fora da alcateia e o nome do seu tio não estava lá.

Mas Junmyeon podia tê-lo feito pessoalmente, era verdade. Ainda assim, por que não avisaria mais ninguém? Nem mesmo o noivo?

— É na semana que vem. — falou e o homem sorriu, assentindo.

Minseok supôs que ele iria se hospedar ali, mas não havia espaço naquela casa. Iria ter que colocá-lo na casa ao lado, a casa de Heechul, contudo, ainda se sentia profundamente apreensivo como se não soubesse o que fazer ou se deveria mesmo fazer. Lançou um olhar para o garoto, que desviou os olhos de si rapidamente. Era um alfa, como o tio, parecia ter idade suficiente para ser filho deste, mas Minseok sabia que não era, afinal, Hangeng era estéril.

— Ah, desculpe-me a falta de educação. — o mais velho se pronunciou. — Este é meu afilhado, Jaehyun.

O jovem alfa inclinou a cabeça em cumprimento para o ômega ao mesmo tempo que a porta se abria. Ambos olharam naquela direção e Minseok quase suspirou de alivio quando reconheceu a figura do pai ômega, Heechul. Ficou de pé, as mãos se juntaram, nervosas, na frente do corpo e o pai o fitou antes de deslizar os olhos para todos os outros na sala.

— Hangeng? — aproximou-se, o rosto contorcido em uma surpresa boa. O alfa ficou de pé e sorriu na sua direção antes de abrir os braços ao passo que Minseok voltava a sentar e os observava. — O que está fazendo aqui? — o sorriso grande demais.

— Eu vim para o casamento. — contou e Heechul ergueu as mãos e bagunçou o seu cabelo, Hangeng o empurrou e de repente, não parecia que eles haviam ficado cinco anos separados.

— E quem é esse? — perguntou.

— Este é meu afilhado, Jaehyun. — apresentou e chamou o garoto para perto, passou o braço pelos seus ombros. — Eu o trouxe para conhecer Minseok. — o Kim mais novo arregalou os olhos na mesma proporção que o mais velho.

— O que? — mas a confusão foi externada primeiro por seu pai.

— Estou aqui para pedir a mão de Kim Minseok em casamento. — o garoto falou pela primeira vez, os olhos presos na figura surpresa do ômega mais novo.

Minseok olhou para o pai, encontrou nele a mesma surpresa que a sua, desviou os olhos para o tio e viu ali, o começo de um sorriso, o tipo de coisa que confirmava o que o Kim já sabia: Hangeng não havia aparecido depois de anos apenas por conta de um casamento. No entanto, pior do que isso, era constatar que haviam chances demais de Junmyeon estar por trás daquilo. E pensar nessa possibilidade serviu apenas para enche-lo de raiva o suficiente para ficar de pé, os braços cruzados em puro descontentamento com aquilo, mas antes que pudesse pronunciar qualquer palavra, seu pai começou a rir.

A risada preencheu o silêncio de uma forma desconcertante. Minseok o fitou, sem entender aquela atitude e pela forma como seu tio pareceu confuso, percebeu que ele também não entendia, o que só fazia o ômega saber que o pedido realmente fora real.

— Está brincando, não? — Heechul colocou a mão sobre o ombro de Hangeng.

— Por que eu brincaria com isso? — devolveu, as sobrancelhas se juntaram de um modo sério, os olhos desviaram-se em direção ao Kim mais novo. — Soube que a aliança Kim-Byun terminou.

Teria dado um passo para trás, se não soubesse que não havia mais espaço para tal. O sofá barraria seus passos, então apenas se forçou a permanecer, os braços ainda cruzados e o rosto limpo do desgosto de antes. A citação do alfa havia o pegado de surpresa, a forma como foi fitado parecia ter roubado qualquer outra negativa que Minseok estivesse pronto para dar, sentia-se completamente encurralado.

Era um ômega sem um par, seu casamento havia sido desfeito, nem sequer era marcado. Tudo o que tinha era aquela criança no ventre, mas isso não era impedimento para que fosse dado ao primeiro que o quisesse, ainda mais quando a paternidade do seu filhote pertencia — também — a Byun Baekhyun, afinal todos pareciam ansiosos para ter algo do alfa em mãos, alguma coisa que o obrigasse a obedecer e... olhando para o tio naquele pequeno espaço de tempo, Minseok percebeu que era essa coisa.

— Mas isso não quer dizer que meu filho está disponível para qualquer um. — o desprezo na voz do pai ofendeu Hangeng.

Ele desviou os olhos em direção ao primo, a boca se abriu. Estava pronto para contar-lhe sobre a linhagem do seu afilhado e a forma como era um bom alfa, que merecia respeito mas Heechul parecia ao ponto de expulsá-lo daquela casa. A ameaça ficou implícita no modo como cruzou os braços, Hangeng se deu conta. Engoliu em seco, sabia que não valia a pena irritar Heechul, afinal o primo ainda era o Ômega Principal daquele clã.

— É melhor conversarmos sobre isso em outro momento. — o alfa se deu por vencido naquele momento e Heechul ainda o fitou por bastante tempo antes de assentir.

Minseok sentou-se no sofá, os braços continuavam cruzados porque sentia as mãos tremendo e não queria que ninguém mais soubesse como estava afetado. Seu pai sentou-se ao seu lado e Hangeng se acomodou ao lado do afilhado. Os quatro se encararam, mergulhados em um silêncio constrangedor que perdurou até o momento em que a porta se abriu, revelando a figura de Ryeowook e Zitao. Os dois estavam rindo de alguma coisa, mas quando notaram a expressão séria de todos, engoliram as risadas e se tornaram um tanto preocupados.

— Tudo bem por aqui? — Ryeowook perguntou, a voz mais cautelosa do que Minseok achou possível.

Viu ali a sua deixa para ir embora daquele clima. Suspirou. Ficou de pé e simplesmente se afastou em direção ao seu quarto, sem dar nenhuma explicação ao pai ômega. Deixaria para Heechul contar a história toda, porque sentia que na primeira oportunidade que tivesse para contar tudo, acabaria gritando impropérios em direção a Junmyeon e tudo o que menos queria era passar por louco.

Trancou a porta e jogou-se na cama, ao longe escutou o choro de Dohyeon, pegou o travesseiro e colocou sobre o rosto como se assim pudesse abafar todos os sons e a si mesmo. Odiava a forma como podia ser manipulado por terceiros, como se de repente houvesse se tornado um inválido, sem noção de suas faculdades mentais, nada além de um mero objeto de decoração naquele clã ao alcance da mão de Junmeyon. Tudo isso só porque era um ômega.

Se fosse um alfa nada disso estaria acontecendo, estaria em paz. Poderia escolher não casar mais e ninguém lhe torraria a paciência sobre seus motivos ou o obrigaria desposar um desconhecido só para fortalecer a aliança com os Kim’s chineses. Mas o pior de tudo era que não pareciam se importar com o fato de estar grávido de outro alfa, o que só o fazia desconfiar que poderiam obriga-lo a abrir mão da criança despois do nascimento. E só este pensamento fez o seu peito doer de tal forma, que se pegou mordendo o lábio inferior, impedindo o choro de sair de si.

Amassou mais o travesseiro contra seu rosto, parou no minuto seguinte, virou-se de peito para baixo na cama e fechou os olhos, determinou-se a dormir, quem sabe assim conseguia esquecer toda aquela loucura de casamento. Mas o seu plano foi arruinado no momento em que escutou alguém bater à porta do seu quarto, só então notou que Dohyeon não chorava mais. Havia bastante silêncio dentro e fora do seu quarto.

Lançou um olhar para a porta, mas mordeu o lábio, teimoso, não queria abri-la. Não se sentia pronto para ter qualquer tipo de conversa com ninguém, muito menos se esse alguém fosse Kim Junmeyon. Queria ficar sozinho, era isto. Simples e fácil. Mas nunca podia querer muita coisa quando estava naquela família, pensou amargo, quando escutou mais batidas contra a porta.

Não iria abrir, decidiu, teimoso. Tinha direito de lutar por sua privacidade mesmo que sentisse que só estava agindo como um adolescente. Suspirou. Talvez, estivesse mesmo, mas quem se importava? Sua vida estava uma bagunça e ninguém parecia disposto a ajuda-lo, só queriam que ele engolisse todos os seus problemas, empurrasse para baixo do tapete e fingisse que nunca tinham existido. No entanto, haviam. Tudo aquilo aconteceu e agora, tinha uma criança no ventre que provava isso.

Houve mais batidas na porta, o suficiente para que a pessoa do outro lado desistisse sem revelar sua identidade. Minseok se concentrou em tentar dormir, mas estava agitado demais para isso, por isso, terminou sentado no meio da sua cama entre rascunhos de desenhos que não sabia explicar exatamente o que eram, o significado por trás de tantos olhos pintados de âmbar.

***

Jongdae encostou-se na parede do corredor, uma distância segura do escritório de Baekhyun onde estava acontecendo uma reunião importante com Kangin, Dasom e Siwon. Os tinha observado durante o café da manhã e depois, os tinha seguido até ali, despretensiosamente ficara de guarda no corredor com um livro na mão, caso tivesse que disfarçar sua atitude suspeita. No entanto, de nada servia ficar ali quando não podia escutar o que eles falavam dentro do escritório.

Soltou um suspiro, um pouco frustrado consigo mesmo, afinal estava tão entediado vivendo dentro daquele clã que tudo que podia pensar em fazer para se distrair era seguir as pessoas daquela casa, atrás de brechas que pudesse usar ao seu favor, era só uma pena que não houvesse muitas. Ao contrário dos Kim’s, Byun’s eram terrivelmente discretos ainda mais com seus negócios e assuntos que envolviam seus lobos. Também eram incrivelmente unidos, coisa que só servia para dificultar suas espionagens.

— Jongdae? — escutou seu nome ser chamado, assustou-se tanto que quase deixou o livro que segurava cair. — O que está fazendo? — Donghae perguntou enquanto se aproximava com uma cesta de roupa suja em mãos.

Deveria está aproveitando o sono da filha para lavar as roupas desta, pensou. Jongdae piscou, segurou o livro com firmeza e desencostou-se da parede, terminou o caminho que o ômega começara ao vir na sua direção.

— Eu só estava lendo. — ergueu o livro para provar seu ponto e viu o momento em que a sobrancelha do Lee ergueu-se, desconfiado, mas se esperava algum confronto, não teve.

Nunca tinha quando se tratava de Donghae, esta era a verdade. O ômega Lee era tão pacifico e acolhedor que fazia Jongdae se questionar frequentemente se aquilo tudo não passava de encenação, contudo, fazia bastante tempo desde sua mudança para aquela casa e ele continuava do mesmo jeito, nem sequer havia olhado estranho para si quando retirou o curativo da bochecha, o que era um ponto positivo porque odiava os olhares que Dasom lhe reservava, como se de repente houvesse se tornado um animal exótico.

— Ótima escolha. — ele elogiou o livro e Jongdae sorriu.

Havia doçura demais em Donghae para ser ignorada, o tipo que lhe devorava aos poucos, devagar o suficiente para não perceber que estava livre da sua armadura quando diante dele.

— É. — riu mais um pouco, lançou um olhar para o cesto. — Quer ajuda?

— Não precisa, estou bem, mas, talvez, devesse encontrar um lugar mais confortável para ler. — ali estava o confronto esperado, contudo, não se sentiu ameaçado.

— Quem sabe. — respondeu calmamente e o ômega lhe sorriu, ergueu a mão e colocou no seu ombro, parecia pronto para consola-lo com algumas palavras doces, mas o momento foi roubado no segundo em que a porta do escritório de Baekhyun abriu.

Dasom foi a primeira a sair, o cabelo escuro estava curto. Jongdae lembrava-se da surpresa que foi vê-la com aquele novo corte de cabelo durante o café da manhã, mas incrivelmente parecia ser o tipo de coisa que combinava consigo. Deixava-a mais madura, um tanto mais séria do que realmente era, o tipo de imagem que sua família exigia. Atrás de si estava Kangin, a prancheta em mãos e os olhos atentos ao que Siwon estava lhe dizendo. Jongdae olhou para os três, sentiu quando a mão de Donghae abandonou seu ombro, engoliu em seco diante do olhar que Dasom lhe direcionava. Ela sabia. Sabia exatamente o que ele estava fazendo ali, fingindo ler um livro.

— Senhor Lee. — Kangin cumprimentou Donghae quando chegou perto ao mesmo tempo que Jongdae escondia o livro às suas costas e via, pelo canto de olho, Baekhyun sair do escritório.

Ele parecia cansado como das outras vezes que o vira, o cabelo escuro desarrumado e os olhos castanhos apagados, denunciando as noites em claro que passava. Jongdae o escutava chegar na madrugada depois de um dia e quase a noite inteira de trabalho na empresa, entre tantos humanos. Contudo, sabia que parte de todas aquelas noites pouco dormidas era culpa de Minseok, afinal reconhecia no meio-irmão a mesma saudade que havia nos olhos de Kyungsoo, quando o ômega definhava pelos cantos do seu apartamento lamentando a falta de Chanyeol e seus familiares, então tentava aplacar o sentimento escrevendo cartas à eles, da mesma forma que Baekhyun estava fazendo.

Mentiria se dissesse que não havia visitado o quarto do alfa e vasculhado seus pertences atrás de algo importante ou só curioso sobre o tipo de pessoa que Baekhyun era, mas não havia muito para ver. Tudo era muito organizado ali dentro, guardados nos lugares certos com tanto cuidado que Jongdae temeu ter arrumado do jeito errado e assim, denunciado que estivera ali. Mas se o Byun percebeu que alguém entrou em seu quarto, não disse nada a ninguém ou só deve ter acreditado que havia sido a empregada.

Jongdae quase acreditara que não havia nada para ver, se não tivesse encontrado o espaço oco atrás do guarda-roupa. Não era preciso afastar o móvel, precisava apenas abri-lo, entrar e afastar as camisas nos cabides, enfiar o dedo numa fresta e afastar a parte de trás do guarda-roupa. O que era para ser a parede de madeira do móvel, não passava de uma porta. Uma passagem secreta que fizeram os olhos do ex-Kim saltar. E melhor do que constatar isso, era encontrar a mesma passagem nos outros quartos, todas escondidas atrás do guarda-roupa.

Para que elas serviriam? Teriam a mesma utilidade que aquelas escavadas embaixo das casas no Clã Kim? Passagens secretas utilizadas em caso de fuga, feitas para abrigar lobos durante a época da guerra. Jongdae lembrava-se muito bem daquele porão embaixo da sua casa, na China, o lugar onde crescera sob a tutela da Avó. Costumava ser trancafiado ali quando fazia algo de errado. Era o castigo perfeito para amedrontar crianças que tinham medo de escuro.

Pegou o olhar de Baekhyun na sua direção, parecia querer confronta-lo, perguntar o porquê de estar ali e Jongdae se preparou para receber a pergunta, mas da forma como sempre acontecia, o alfa apenas passou direto por si depois de cumprimentar Donghae. Seguiu para o seu quarto, apressado para aproveitar sua folga e o Park fitou-o ir embora, pensando se ele o evitava por receio ou vergonha, afinal, não era burro, sabia que Dasom enchia a cabeça do irmão com palavras nada bonitas sobre si.

Era um traidor de sangue, no fim das contas. Não havia nada que pudesse fazer para mudar isso, mas uma parte sua acreditava que Baekhyun o tinha resgatado por um motivo, pois não fazia sentido perder seu ômega por conta de um lobo que nem sequer conversara por mais de dois minutos. O que havia de especial em si? Tudo se resumia ao sangue que corria nas suas veias? Era burrice demais cogitar isso, apenas isso. Havia mais, pensou e se Baekhyun só lhe desse uma chance... se ele apenas parasse de fugir de si, quem sabe conseguisse saber o que de fato acontecia.

Talvez isso o ajudasse a entender porque Baekhyun ainda escrevia cartas para Park Jihyun. As encontrara no quarto dele, escondidas na gaveta de meias, amassadas demais para que pensasse que havia sido sem querer. Não tivera coragem de lê-las, só as havia contemplado, avaliado as rasuras e contornado as datas nos envelopes com a ponta do dedo indicador. Pelas suas contas, Baekhyun escrevera todas aquelas cartas quando ainda era criança.

— Vou para meu quarto. — anunciou diante do olhar de Dasom e Siwon.

Kangin o fitou de canto de olho, os lábios comprimidos em total desaprovação. Ele olhava assim para si com tanta frequência que se acostumara, afinal não era muito diferente do olhar que Dasom lhe reservava. Havia só uma diferença entre os dois: Dasom estava o observando da mesma forma que um predador faria com a sua caça, parecia estar esperando o momento certo para pular em cima de si e estraçalha-lo, quem sabe, levar sua cabeça para Baekhyun com um eu avisei escrito na sua testa. Ele era um traidor, não havia nada para esperar além de mais traição.

Talvez, estivessem certos. Quem se importava com isso, afinal?! Era um maldito lobo traidor de sangue. Quase matara Kyungsoo naquele acidente, sem contar todas as mentiras que disse à ele e as que contou para o Clã Kim, a forma como decepcionou Ryeowook. Ah, ainda pensava nele. Pensava em todos eles, principalmente em Kyungsoo, que foi o mais prejudicado em tudo aquilo. No entanto, bem no fundo, ainda pensava em Junmyeon e em todo o fardo que ele carregava agora com toda a bagunça que sua não-morte causara.

Heechul estivera certo desde o começo, deveria ter se afastado de Junmyeon quando ainda tinha alguma dignidade.

— Não esqueça de descer para o almoço. — Donghae disse e Jongdae fitou-o, a mão apertou o livro com força demais, assentiu.

O misto de sentimentos que o Lee lhe despertava sempre o deixava enjoado, por isso, preferia toda a indiferença e raiva que Dasom lhe despejava.

Abriu a porta do seu quarto e entrou. Trancou-a, deixou o livro sobre a escrivaninha perto da janela e foi até sua cama, procurou embaixo do colchão e puxou dali uma carta amassada. O envelope não estava amarelado como os outros que havia encontrado no quarto de Baekhyun, aquele parecia ter sido escrito há uma semana, no máximo um mês, mas apesar da sua impressão, não havia nenhuma data no envelope que provasse isso.

Segurou-a, sentou na beira da cama. Roubar algo pessoal de alguém era completamente errado, mas a curiosidade crescia em si de tal forma, que fora impossível pensar nas implicações para aquilo. Mas agora que estava sozinho, quais eram os cuidados? Baekhyun não o denunciaria simplesmente porque não sabia sobre si e também não procuraria a carta abertamente, porque aquilo era um item pessoal demais para que outras pessoas soubessem. Não havia nada para se preocupar, pensou enquanto encarava a carta.

Não estava selada, então, podia abrir o envelope sem problemas. Os dedos formigaram querendo saber as palavras do irmão, contudo, ainda parecia tão errado vasculhar daquela forma, como um maldito ladrão. Estava agindo da forma que todos esperavam de si. Suspirou, fechou os olhos e jogou-se na cama, a carta ainda presa nos dedos.

— Que bobagem. — disse para si mesmo.

Desde quando se importava com o que os outros pensavam? Que bobagem! Apertou a carta na mão, amassou-a com toda a sua raiva e voltou a sentar. Encarou o papel e ficou de pé. Aquilo era uma grande idiotice. Se quisesse se aproximar de Baekhyun precisava mostrar que era de confiança, que não havia sido um desperdício por completo ser resgatado, mas isso só aconteceria se parasse de forçar sua entrada na vida dele. Era preciso deixar que o alfa o quisesse por perto. Era preciso dar o primeiro passo.

Aproximou-se da porta, destrancou-a e abriu. Colocou a cabeça para fora e observou o corredor. Não havia mais ninguém ali, mordeu o lábio, saiu do quarto. Fechou a porta atrás de si e andou até o quarto de Baekhyun. Não ficava tão longe do seu. Do outro lado do corredor, ao lado do de Chanyeol, perto do de Minseok. Bateu na porta. Não demorou até que Baekhyun aparecesse e lhe lançasse aquele olhar desconfiado, a sobrancelha arqueada em descontentamento em ser ele ali e não qualquer outra pessoa.

— Precisamos conversar. — Jongdae lhe disse e Baekhyun afastou-se para o lado, abriu espaço para que entrasse. — Isso é seu. — quando a porta se fechou, estendeu à ele a carta amassada.

Seria mais fácil começar daquele jeito, devolvendo o que pegou, torcendo para que Baekhyun percebesse que se arrependia da sua atitude e que agora, queria tentar de outro jeito. O Byun arregalou os olhos ao reconhecer o que Jongdae segurava, arrancou-o da sua mão com certa pressa e brutalidade, estava pronto para empurrar o meio-irmão e acusa-lo de roubo, contudo, nada disso veio realmente.

Jongdae o observou amassar a carta nas mãos, transforma-la em uma bola de papel enquanto o rosto não demonstrava nenhuma emoção. Ele parecia tão sério quanto sempre era, mas os olhos castanhos crisparam-se em perigo, deixando Jongdae se dar conta de que ele estava com raiva. O tipo de raiva silenciosa que o tornava imprevisível, de repente, se deu conta de que, sim, Baekhyun era tão Park quanto ele.

— O que estava fazendo com isso? — a voz de Baekhyun saiu incrivelmente calma quando ele virou-se de costas para si, caminhou até a lixeira ao lado da escrivaninha de trabalho e jogou a carta amassada ali, como se ela tivesse perdido seu valor apenas por ter estado entre os dedos de Jongdae.

O Park engoliu em seco.

— Eu...

— Entrou no meu quarto e mexeu nas minhas coisas. — Baekhyun completou para si, os olhos voltaram a fita-lo.

A vergonha alcançou-o devagar, subiu por suas pernas e alojou-se na nuca, o fez desviar os olhos do rosto do irmão. De repente, sentia-se tão mais novo que ele, completamente imaturo em suas atitudes. Desejou sair dali, se refugiar em seu quarto, só para fugir daquele olhar, mas estava paralisado em sua vergonha. Por isso, só permaneceu, mordeu o lábio e esperou que Baekhyun lhe desse alguma bronca.

— Eu não li. — mas incrivelmente as palavras pularam dos seus lábios, a confirmação da não-execução do seu pecado precisava ser externada.

— Mas ainda assim a roubou. — era verdade, pensou. Roubara sem pensar nas consequências e agora, não podia arrumar o estrago que fizera.

Teria sido tão mais fácil se apenas tivesse entrado no quarto as escondidas e devolvido a carta ao lugar, assim não teria como ser culpado quando a vítima não sabia sobre seu ato. Era provável que Baekhyun já tivesse notado a falta daquele envelope assim como era provável que não tivesse notado, mas seja qual fosse a opção, estragara tudo. Agora só lhe restava acatar cada uma das consequências que o irmão quisesse lhe impor.

— E o que pretende fazer sobre isso? — Jongdae arranjou coragem para perguntar.

Baekhyun cruzou os braços e avaliou a expressão no seu rosto, ameaçador. Mas então, riu, baixinho e balançou a cabeça. Não havia graça em punir Jongdae, não havia nem sequer vontade. Só queria que ele saísse da sua frente, sumisse pelos corredores daquela casa e não voltasse a cruzar o seu caminho, porque odiava a sensação que crescia no seu peito todas as vezes que se deparava com seu rosto, com os detalhes que o compunham, familiares o suficiente para querê-lo longe.

— Não vou cortar sua cabeça por mexer nas minhas coisas. — acabou dizendo.

Jongdae relaxou os ombros sem perceber, as mãos nervosas esconderam-se nos bolsos e Baekhyun parou de fita-lo, andou em direção a escrivaninha e mexeu em uma pilha de papéis. Parecia procurar algo para focar sua atenção, pronto para ignorar o mais velho. Jongdae esperou mais alguma coisa, alguma palavra feia ou empregada em raiva, mas não havia nada. Baekhyun era tão controlado, que lhe dava náuseas.

Imaginou se aquilo algum dia aconteceria se fosse Junmyeon no lugar do irmão. Kim’s não eram nenhum pouco calmos, pensou e segurou a riso nervoso que quis escapar dos lábios. Junmyeon estaria enlouquecendo na sua frente se soubesse sobre o quanto o espionou, sobre todas as gavetas que abriu e os segredos que descobriu, mas Baekhyun... Baekhyun não parecia se importar nenhum pouco, o que só servia para deixar Jongdae confuso. Aquilo não era pessoal o suficiente ou Baekhyun só estava fingindo?

— É isso? — conseguiu a atenção do alfa sobre si. — Não vai fazer nada?

— O que espera que eu faça? — Baekhyun devolveu, a sobrancelha arqueada em uma superioridade que fez Jongdae trincar os dentes, pronto para socar-lhe a face. — Você devolveu sem ler.

— Você...

— Quer que eu te coloque de castigo? — Baekhyun teve coragem de brincar e Jongdae fechou as mãos em punho dentro dos bolsos ao perceber como não passava de uma piada para o mais novo. — Realmente, só vá embora. — mandou.

O Park fitou-o, irritado, os lábios comprimidos e o alfa sustentou seu olhar, esperou pelo seu próximo passo, mas Jongdae manteve-se onde estava até o momento que balançou a cabeça. Não havia muito o que fazer, já deveria ter imaginado como seria difícil se aproximar daquele garoto. Baekhyun era um Byun e também um Park, havia sido ensinado desde o berço sobre como agir, regras de como sempre manter a neutralidade, sobre em quem confiar. Ele não confiaria em si só porque compartilhavam do mesmo sangue. Havia uma barreira que Jongdae devia ultrapassar, só não sabia como.

Quem sabe, devesse começar pelo velho e fácil: ser verdadeiro. Mas duvidava que isso fosse adiantar, Baekhyun não era como qualquer outra pessoa de quem se aproximara. Ele não fazia o tipo que se deixava manipular tão facilmente, na verdade, realmente duvidava que alguém pudesse ter alguma participação nas suas decisões, afinal sempre lhe parecia que o irmão decidia por si mesmo, em prol da sua alcateia. Estava sempre pensando no melhor para os seus lobos.

Mas se era isso mesmo, por que Baekhyun ainda usava a aliança de casamento no dedo? Jongdae não pôde deixar de notar. Já a tinha visto no dia da audiência e nos dias que se seguiram depois da terrível decisão, a aliança continuava ali. Perfeitamente encaixada desde o primeiro momento. Aquilo fez alguma coisa iluminar-se no seu pensamento. No fim, havia uma única maneira de passar pela barreira de Baekhyun, precisava dar à ele algo de valor. Mas não qualquer coisa.

Não qualquer coisa.

Acabou sorrindo. O alfa franzio o cenho confuso e Jongdae tirou as mãos dos bolsos, cruzou os braços e preparou-se para sair dali. Agora tinha um objetivo. Iria tornar-se alguém de confiança, iria roubar o lugar de Dasom, só precisava tira-la de lá, o que para seu bel prazer, não era tão difícil assim de fazer. Parou em frente a porta, segurou a maçaneta, mas não girou-a, na verdade, se viu voltando virando a cabeça em direção ao irmão.

Baekhyun ainda o fitava como se soubesse que escondia alguma coisa, mas não era a Jongdae que aquele segredo pertencia. Dasom devia ter seus motivos para fazer o que fazia, era um fato. O Park não a julgava, mas também não concordava.

— Dasom está mentindo. — externou, por fim.

Como a Avó costumava dizer? Ah sim. Se não pode jogar com a mentira, jogue com a verdade.

— Ela não lhe disse que Kim Junmyeon prometeu a mão de Kim Minseok ao líder do Clã Kim chinês, disse? — o tom falsamente inocente somado ao nome do ex-marido, fez alguma coisa em Baekhyun acender.

Jongdae notou, era impossível não notar. A forma como ele avançou em si, tão rápido. O alfa o empurrou contra a parede, prendeu o antebraço no seu pescoço com tal força que foi obrigado a abrir a boca em busca de ar.

— O que acha que está fazendo? — Baekhyun disse, a pronuncia inteira perdida entre ameaçador e raivoso. — Dasom...

— É uma mentirosa. — Jongdae arranjou voz para interromper o alfa. — Está... mentindo. — o aperto aumentou. — As cartas... no quarto... dela... — conseguiu dizer e Baekhyun soltou-o.

Jongdae caiu de joelhos a sua frente, tossindo, segurando o próprio pescoço enquanto Baekhyun interligava o que tinha escutado. Não era difícil, afinal. Sabia muito bem ao que o Park se referia. As cartas. As cartas que endereçara a Minseok, que confiara a Dasom o destino. Nenhuma delas havia chegado até lá? Lançou um olhar para Jongdae, que ainda parecia com dificuldade em respirar. Ele era um traidor de sangue, não podia receber o mínimo de confiança, mas ainda assim, o Park não havia entrado no seu quarto e revirado suas coisas? O que lhe garantia que não havia feito isso com os outros habitantes daquela casa? E além do mais, ninguém sabia daquelas cartas a não ser ele e a prima. Não havia nenhuma carta para Minseok nas suas coisas, nada que pudesse incrimina-lo.

E se nenhuma delas havia chegado até o Kim, então deveriam estar com Dasom. Não havia outra alternativa, por mais dolorosa que fosse. Suspirou, deu um passo para longe de Jongdae, só então processando o que ele havia dito antes. E a soma dos acontecimentos foi como um balde de água fria, bem na cabeça. Minseok ia casar, pensou. Novamente.

— Como sabe disso? — Jongdae fitou-o quando conseguiu se levantar.

— Dasom não é a única que tem seus informantes dentro da Alcateia.

Baekhyun deveria ter imaginado. Jongdae nunca se afastaria daquele clã por livre e espontânea vontade nem mesmo obrigado conseguia. Era mais forte do que ele, pensou. Devia ser culpa daquela fração de sangue Kim que corria nas suas veias, forte o suficiente para fazê-lo sempre voltar ao mesmo lugar, mesmo que agora não fosse mais bem-vindo. Contudo, ainda achava sua atitude suspeita. Não fazia sentido algum que, de repente, ele surgisse na sua frente expondo sua prima daquela forma, quando podia chantageá-la por trás.

— Por que está me contando isso? — perguntou.

— Porque somos irmãos. — respondeu simplesmente.

Baekhyun engoliu em seco.

***

Os preparativos da festa estavam no fim, Minseok pensou enquanto encarava seu traje cerimonial. Não fazia o seu estilo todas aquelas rendas e sedas, mas fazer algum esforço para deixar Jongin feliz não o mataria, apesar de acreditar que bem podia morrer sim. Morreria de nervosismo diante daquele plano maluco de fuga, mas não havia lhe restado outra opção. Por isso, se concentraria em cumprir seu papel na cerimônia de casamento de Jongin e depois, arranjaria alguma desculpa para sair da festa, aproveitaria toda a comemoração para passar pelo portão principal e então...

— Minseok? Está pronto? — Ryeowook bateu à porta do seu quarto e Minseok, sentado na beira da sua cama, guardou na primeira gaveta do criado mudo a arma que segurava.

— Quase. — disse ao pai, apesar de não ter tomado banho ainda.

Perdera a noção do tempo quando se sentara ali. Os pensamentos haviam se dispersado tão depressa, que não percebeu a forma como se atrasava.

— Vamos nos atrasar. Quer ajuda? — perguntou e o ômega imaginou a mão dele estendida em direção a maçaneta, pronto para gira-la e descobrir que o quarto estava trancado.

Minseok havia criado o hábito de tranca-la desde o anúncio do tio sobre casa-lo com Jaehyun. Achava que podia estar exagerando, mas desde quando havia notado a forma como aquele alfa o seguia pela alcateia e como seu tio havia sido baixo o suficiente para espalhar aquele boato pelo lugar, mesmo depois de Junmyeon tê-lo desmentido, não conseguia parar de pensar no que mais o tio podia aprontar. Marca-lo a força parecia ser o que havia no topo da sua lista.

— Não. Eu estou bem. — respondeu ao pai. — Prometo que vou me apressar.

— Tudo bem. — Ryeowook pareceu pensar em alguma coisa, porque ficou em silêncio, fazendo Minseok se perguntar se havia ido embora. — Vamos te esperar na sala. — disse, por fim.

O escutou ir embora e finalmente, ficou de pé. Colocou as mãos na cintura e encarou a roupa mais um pouco, desgostoso. Jongin realmente tinha um péssimo gosto, além de não ter a menor ideia de como combinar cores. Bufou e resolveu seguir até o banheiro para começar a se preparar. Tomou um banho apressado. Voltou correndo para o quarto e começou a se vestir.

A roupa fazia parte da tradição Lu, então acreditava que por isso não havia muito o que Jongin pudesse fazer por ela, mas as cores eram de escolha do noivo e por vezes, de quem fosse usar. Como havia simplesmente fugido de qualquer prova do traje além das reuniões sobre a escolha da decoração, achava que merecia aquele castigo, afinal havia sido o futuro cunhado que escolhera aquela cor. Quem sabe, Kyungsoo o tivesse ajudado naquilo apenas para ter do que rir no futuro, quando estivessem todos reunidos em volta de uma mesa compartilhando as memórias daquele casamento. Suspirou e pegou a roupa, aproximou-a de si e ficou de frente para o espelho. Parecia que daria no corpo.

Deveria ter ido ao menos nas provas do traje, percebeu depois que se vestiu. Havia ficado um pouco apertado na cintura, mas isso devia se culpa dos quilinhos a mais que havia ganhado na última semana quando começou a frequentar demais a padaria da alcateia e por vezes, ganhava amostras grátis dos biscoitos de Vernon. Maldito, padeiro! Devia ter desconfiado que toda aquela simpatia era apenas para lhe engordar.

— Minseok? — as batidas na porta o fizeram bufar.

— Juro que já estou terminando! — praticamente gritou de volta, completamente irritado.

Odiava aquela roupa, se deu conta depois que terminou de ajeitar todas as rendas desta. Era algo parecido com um vestido, a saia volumosa feita com seda e renda. Aliás, a renda estava por toda parte. Mas Minseok não chamaria aquilo de vestido realmente. Devia ter um nome, apenas não conseguia se recordar. Ocupou-se em terminar a maquiagem. Pintou os lábios de roxo para combinar com a cor da sua roupa, desenhou mais algumas formas nas bochechas e testa, por fim, colocou as — malditas — flores azuis nos cabelos. Enfiou-as entre os fios claros sem muito cuidado.

Encarou seu reflexo no espelho, os lábios estavam comprimidos em total desagrado. Não poderia levar a arma. Não havia jeito de colocá-la na cintura sem que alguém percebesse, também não podia prender na perna com o risco de que alguém visse durante a dança cerimonial. Bufou para seu reflexo, teria que voltar para buscá-la, afinal não podia sair dali sem uma arma.

Abriu a porta e encontrou Heechul impaciente do outro lado. Ele também estava usando a mesma roupa que a sua, mas a sua cor era vermelho, não o lilás que Minseok usava. Ele aproximou-se, segurou-o pelos ombros e avaliou o seu visual, arrumou as flores no cabelo e então, começou o fez guia-lo em direção a sala.

— Estamos prontos. — anunciou para Ryeowook que parecia entediado com toda aquela espera.

Olhou em volta e encontrou Zitao usando os mesmos trajes que si, coisa que não fazia parte do plano quando o garoto não era um dos ômegas na lista de Jongin. Na verdade, verde pertencia a Henry, percebeu. Franzio o cenho em sua direção e o garoto encolheu os ombros como quem diz ‘fazer o quê’.

— Onde está Henry e Lu Han? — perguntou de uma vez.

Deveriam todos se encontrar ali enquanto Jongin arrumava-se na sua própria casa junto dos ômegas da sua alcateia.

— Eles não vão participar. — Ryeowook contou ficando de pé. — Henry está no cio e o Lu está cuidando de si.

Minseok assentiu, não contestou coisa alguma. Heechul segurou-lhe a mão e começou a puxá-lo em direção a porta por onde Ryeowook e Zitao já haviam se apressado em sair. Deixou-se ser guiado, afinal sabia menos do que o ômega Huang naquela situação. Se limitou a copiar os passos dos outros ômegas e não pôde deixar de reparar na maneira que Kyungsoo ria de si pela forma como parecia imensamente descoordenado entre os outros.

Eles arrumaram-se em uma fila em frente ao arco de flores que marcava a entrada para o local da cerimônia. Minseok notou uma fogueira mais adiante e por um momento lembrou-se do Festival da Fertilidade no território Park, quando vestiu-se de vermelho e deixou-se perder nos braços de Baekhyun diante de toda aquela plateia. Balançou a cabeça, não havia razão para pensar naquilo. Estava em um lugar diferente, com pessoas diferentes.

Olhou para o lado e viu Jongin se aproximando, o rosto coberto em um véu cor-de-rosa muito claro. No todo da sua cabeça havia um tipo de tiara com longos gravetos apontados para cima, como chifres. Quando ele chegou mais perto e tomou a frente da fila, Minseok percebeu que aquilo deveria ser para imitar chifres, afinal lembrava-se vagamente de que o animal símbolo da família Lu Principal era um Cervo. Parecia normal que o ômega estivesse usando aquilo para representar o seu sangue quando era Lu Jongin quem estava casando, não era o seu lobo. Ou pelo menos, não apenas ele.

A fila começou a andar no momento em que o sol começou a se pôr. Tudo parecia laranja e lilás a cada vez que eles se aproximavam da fogueira. Minseok procurou por Junmeyon, mas não o viu e não tinha a menor ideia de quando seria a sua aparição, contudo, não teve muito tempo para pensar nisso porque logo a fila estava se desfazendo e eles estavam rodeando Jongin, escondendo-o dos olhos dos outros lobos, Lu’s e Kim’s que acompanhavam a cerimônia com entusiasmo derramando-se dos seus olhos. Heechul se aproximou do ômega e levantou o seu véu ao mesmo tempo que a música começava.

Minseok sentiu-se ser puxado por Ryeowook, dedicou sua atenção a copiar os passos dele do mesmo modo que Zitao fazia. Em algum momento notou que alguém se aproximava atravessando a plateia com passos decididos. Estava usando uma túnica vermelha e uma máscara de lobo no rosto, o focinho alongado de porcelana brilhava por conta da luz do fogo. Todos abaixaram-se, de joelhos em volta ao Lu.

Jongin manteve-se de pé, o rosto pintado de vermelho. Havia alguma coisa escrita na sua bochecha, Minseok notou e demorou para conseguir ler. Era o caractere para felicidade. Jongin estendeu a mão cheia de anéis em direção a quem se aproximava e a teve segurada no minuto seguinte. Então, os ômegas no chão levantaram-se e giraram ao redor do casal, os braços para cima e para baixo.

Junmyeon teve sua máscara tirada por Jongin. Eles beijaram-se quando a música parou, andaram sozinhos até a fogueira. Os ômegas afastaram-se, voltaram a ficar de joelhos no chão, as mãos estendidas para frente e o rosto para baixo. Tão obedientes enquanto Junmyeon largava sua máscara no chão, tirava o manto dos ombros de Jongin e o via fazer o mesmo consigo, depois de despi-lo da sua túnica. Eles fitaram-se, profundamente enquanto a plateia parecia segurar a respiração diante dos próximos atos dos dois, mas Junmyeon não se importava se estavam sendo vistos ou não, apenas seguiu o protocolo.

Jongin amarrou os mantos, que haviam bordado durante aquele tempo inteiro com todos os desejos para que tivessem um casamento próspero. Junmyeon aproximou-se e beijou-lhe o rosto, o ômega sorriu no momento em que ambos soltaram os mantos sobre o fogo. O alfa segurou-lhe o pulso esquerdo enquanto todos seus desejos eram levados até a Deusa Dal, aproximou-o dos lábios. Deixou um beijo demorado ali antes de alongar as presas e marcar o Lu.

O ômega sentiu o sangue descer pela mão quando teve o pulso largado, abaixou os olhos e viu o sangue manchar um pedaço da sua roupa e o chão de terra. Os outros ômegas levantaram-se e se aproximaram, seguraram o pulso marcado. Minseok foi quem amarrou a fita vermelha ali e a conectou ao pulso do marido alfa. E então, estava terminado.

A plateia fez barulho, os olhos de Junmyeon brilhavam em vermelho quando sorriu, tão feliz em ter se unido ao ômega. Jongin sorriu de volta e dessa vez, aproximou-se, beijou-o nos lábios, rápido. Junmyeon segurou sua mão e levantou-a, mostrando a todos a fita vermelha que os conectava daqui para toda eternidade.

A aliança Lu-Kim estava selada.

Minseok os observou juntos por um momento, apreciou a forma como eles pareciam felizes. Esperava ver aquele mesmo olhar em seus rostos daqui alguns anos, realmente torcia pela felicidade de ambos. Desviou os olhos para os outros ômegas e os seguiu para longe da fogueira enquanto a música começava a tocar. Ao longe, viu a mesa de comidas bem arrumada, as cadeiras prontas para receber os noivos e o resto da família. O Kim notou que Hangeng estava lá, sentado sozinho e quando o percebeu olhando, sorriu.

Ele enfiou-se mais no meio de todos aqueles lobos, perdeu-se dos pais e não fez questão de procurá-los, só iria até em casa e trocaria de roupa. Pegaria a bolsa que preparou com tudo o que ia precisar, se armaria e então, sairia daquele lugar. Esperava que Dal estivesse lhe dando cobertura, afinal, tudo o que precisava era de sorte. Bastante sorte.

Não foi difícil chegar em casa apesar de toda a barulheira e os gritos de comemoração dos lobos Kim’s e Lu’s. A casa estava vazia, como era de se esperar. Avançou pelo portão, alcançou a porta, abriu-a apressado e praticamente correu em direção ao seu quarto. Só precisava se apressar, aproveitar a algazarra do casamento. Não era difícil, disse a si mesmo.

Passou pela porta do seu quarto, não se importou em deixa-la aberta. Correu até o banheiro e limpou a maquiagem do rosto, os desenhos das bochechas, tirou as flores do cabelo. Voltou para o quarto e começou a se despir. Abriu o guarda-roupa e pegou a roupa que havia separado para si. Colocou a calça primeiro, depois as botas. Começou a vestir a camisa quando escutou passos no corredor. Os olhos arregalaram-se. Não deveria ter ninguém em casa. Bufou, foi até ao criado mudo, abriu a primeira gaveta e procurou a arma, mas não estava lá. Revirou por baixo dos papéis. Não havia nada.

O que havia acontecido? Tinha certeza que a guardara ali.

— Procurando isso? — as mãos pararam de revirar a gaveta, a cabeça se levantou e um arrepio subiu por seu corpo até a nuca.

Virou-se para fitar quem estava na entrada do seu quarto e Jaehyun entendeu isso como algum tipo de convite porque deu um passo em sua direção. Minseok engoliu em seco. Havia esquecido-se completamente da presença daquele alfa, deveria ter desconfiado que ele estava ali quando não tinha visto junto do tio e quando adquirira a mania de segui-lo, mas estava tão focado em seu plano de fuga que não checou os pormenores. Agora, estava sendo obrigado a pensar numa saída enquanto via Jaehyun se aproximar com sua arma em mãos.

— O que está fazendo com isso? — perguntou cautelosamente, não o deixaria saber que o pegara de surpresa.

— Eu quem deveria fazer essa pergunta. — falou, com o dedo no gatilho, fez a arma girar no dedo. — O que um ômega está fazendo com uma arma?

A suavidade empregada na voz dele era o suficiente para saber que estava sendo testado, que de alguma forma Jaehyun estava tentando intimida-lo como um pai que pega o filho comendo doces antes do jantar, mas aquilo não funcionaria consigo.

— Por que isso seria da sua conta? — devolveu e só então, notou que não havia terminado de fechar sua camisa.

Calmamente levou os dedos até os botões e começou as encasa-los sob o olhar constante do alfa, quando terminou levou o olhar até ele, a sobrancelha arqueada em total desconfiança e um pouco de irritação por estar sendo observado com tanto afinco.

— Então? — Minseok sentou-se na beirada da cama, o rosto tão sério que Jaehyun sentiu-se envergonhado.

Percebeu ali que não sabia como lidar com o Kim. Já tinha escutado coisas sobre si, Hangeng havia lhe dito uma coisa ou outra sobre como o sobrinho era dócil, fácil de manipular. Mas pelo que via agora, o tio tinha uma imagem totalmente errada do ômega. 

— O que está planejando? — tentou mais um pouco, os olhos se estreitaram para cima do outro, girou a arma mais um pouco no dedo. Não havia risco dela disparar porque estava travada. — Deveria estar na festa, mas está aqui, procurando uma arma. — lançou um olhar para a que segurava.

Minseok comprimiu os lábios e Jaehyun soube que estava perto de alguma coisa. Não era tão inexperiente quanto todos pensavam. Hangeng havia feito um bom trabalho quando decidiu treina-lo para ser seu sucessor, o problema nisso era que ele não tinha parentesco algum com o alfa mais velho, o que podia sofrer implicações dos outros lobos, principalmente Kim’s, que pareciam presar por linhagens diretas. Então, a melhor maneira de resolver isso era se casando com um Kim da família principal. E no momento, o único disponível era Kim Minseok.

Ele o encarou. Esperava uma resposta, mas o Kim não estava disposto a lhe dar, por isso, apenas optou por permanecer quieto. Viu o alfa dar um passo em sua direção, apontar a arma para a sua cabeça em algum tipo de brincadeira sádica. Sabia que ele não atiraria. Não era idiota a esse ponto, mas ainda tinha medo do que Jaehyun podia obriga-lo a fazer. Era um alfa, afinal. Alfas não costumavam ser confiáveis, principalmente quando estavam sozinhos com o ômega que o negara.

— Está com medo? — ele perguntou, a voz soou mais baixa do que deveria.

A casa estava silenciosa, um tanto escura por conta da noite que continuava se aproximando e pelas luzes que nenhum deles havia ligado. O ômega não desviou o olhar do seu rosto, não estava disposto a falar mais, esperava que o outro conseguisse ler em si a resposta para a pergunta. Não estava com medo, estava apenas esperando o momento certo.

Jaehyun chegou mais perto, o suficiente para encostar o cano da arma na sua cabeça. Minseok não desviou o olhar, o alfa riu. Não achava que um ômega aguentaria manter aquela expressão por muito tempo, mas o outro era realmente diferente do que estava acostumado, não demonstrava nada disso diante de si. Havia apenas repudio estampado no seu olhar castanho, como se Jaehyun fosse inferior a classe pura de Minseok.

Já havia recebido aquele olhar antes, quando não passava de uma criança órfã no clã chinês. Se não fosse, Hangeng resgata-lo da rua, ainda estaria passando fome e recebendo aquele tipo de olhar, sendo tratado como um verme. Odiava ser tratado como um verme e talvez, tenha sido por isso que se deixou dominar pela raiva do momento e simplesmente, virou a arma e acertou o cabo no rosto de Minseok com tamanha força, que o ômega caiu.

Seu corpo atingiu o chão com um baque apesar de ter tentado aparar a queda com as mãos. Cuspiu no chão saliva manchada de vermelho e sentiu o lado esquerdo do rosto latejar. Escutou o destravar da arma e se perguntou quando tudo havia saído do controle. Em um momento estava arrumando-se para fugir e em outro, estava chutando os pés de Jaehyun, subindo sobre seu corpo e acertando um soco tão rápido no seu rosto, que o próprio alfa demorou para entender o que acontecia. A arma já havia escorregado dos seus dedos, havia perdido o momento de atirar.

Minseok fechou a mão e preparou mais um soco, mas a mão de Jaehyun agarrou o seu pescoço. Apertou com força suficiente para que o ômega sentisse o corpo amolecer, o ar faltou e os olhos se arregalaram enquanto o desespero vinha. Esticou as mãos em direção ao rosto dele, tentou empurrar-se para trás, mas não teve sucesso. Por isso, optou por machuca-lo de volta. As unhas se alongaram quando arranhou sua bochecha e depois, quando encontrou seu olho. Fincou-a na íris e puxou para fora. O alfa gritou e afrouxou o aperto, quase o soltou para aparar o sangue que escorria do seu olho esquerdo.

Minseok aproveitou a deixa para acertar o cotovelo no nariz de Jaehyun, acabou acertando os dentes também. A dor subiu por seu braço e desceu em forma de sangue pelo rosto do alfa. Devia ter quebrado o seu nariz, percebeu. O garoto empurrou-o, fazendo cair de cima de si. Ele jogou-se para o lado oposto, esticou a mão em direção a arma e antes que o Kim pudesse agir, Jaehyun já estava com ela na mão, o cano apontado para o seu peito.

Merda! — praguejou, cuspindo sangue no chão e usando a mão esquerda para tentar aparar o sangue que descia aos montes do seu nariz quebrado. — Eu devia atirar na porcaria da sua cabeça agora, sabia?! — seu peito descia e subia na mesma proporção que a do ômega.

As costas do Kim batiam na lateral da sua cama, o rosto latejava e o cotovelo doía quase na mesma intensidade que a garganta. Bem podia imaginar a marca dos dedos do alfa na sua pele. Desviou os olhos para o lado chamando a atenção de Jaehyun que o repreendeu com um grito. Ele estava lento por conta do olho esquerdo machucado e pelo nariz quebrado, só precisava distraí-lo com alguma coisa para conseguir fugir. No entanto, fugir naquelas condições, deixando aquele alfa para trás iria ser burrice.

Jaehyun inventaria alguma coisa, tinha certeza. Quem sabe, nem sequer conseguisse chegar até o portão antes que ele fizesse um escândalo e chamasse a atenção de todos. Minseok ia ser preso, considerado um maluco se Jaehyun dissesse por aí como havia sido atacado pelo outro. Droga!, pensou, odiava tudo aquilo.

Soltou um suspiro, o alfa resmungou de dor mais um pouco. A arma ainda estava apontada na sua direção, fazendo-o não ter dúvidas de que ele realmente atiraria se lhe agradasse.

— Você é a porra de um ômega louco! — ele continuou gritando e Minseok teve coragem de revirar os olhos.

Odiava a forma como ele se colocava de vítima quando havia sido o causador daquilo tudo. Inclinou a cabeça para trás e sentiu o colchão contra a nuca, olhou para o lado direito de canto de olho e a viu. A ponta prateada saindo não muito longe do seu braço, só precisava erguer a mão e alcançar a faca que guardava ali.

Sua instrutora da Academia costumava dizer que era preciso ter sempre duas armas ao alcance da mão. A primeira sempre se perderia, mas a segunda podia salva-lo. E enquanto voltava a fitar Jaehyun, percebeu que ela estava certa. A primeira arma havia se perdido, só lhe restava recorrer a segunda. Por isso, não hesitou em esticar o braço e puxar a faca dali.

Atirou-a contra o alfa no momento em que ele apertava o gatilho da arma. A faca acertou o seu ombro, fazendo-o deslocar a direção da bala, que, por sua vez, acertou a janela do quarto. O som do tiro e do vidro se quebrando foi abafado pela música, os gritos e fogos de comemoração do casamento. Jaehyun caiu contra o chão, o ruído surdo fez Minseok apressar-se em sua direção. Arrancou a faca que acertara seu ombro e sem pensar muito no que fazia, fincou-a em seu peito. Uma. Duas. Três. Quatro. Tantas vezes que perdeu as contas, mas seu braço doía quando, finalmente, parou. 

Fitou a face do alfa, a faca estava escorregadia na sua mão apesar de ainda segura-la com bastante força. O peito dele não subia nem descia, o único olho bom estava aberto, deixando-o contemplar a cor verde do seu lobo. Abriu a mão direita, deixou a faca cair contra o chão. Saiu de cima do corpo, andou pelo quarto, levou as mãos ao cabelo, evitou olhar para todo aquele sangue no chão. Não sabia o que fazer.

Droga!

O que havia feito?

Sentou-se na beira da cama, suas roupas colavam-se na pele enquanto o sangue que não era seu secava. Fitou o corpo mais uma vez. Mordeu o lábio e olhou para a porta aberta do seu quarto, não havia ninguém lá, não havia ninguém naquela casa. Podia sumir com o corpo. Ninguém havia visto Jaehyun entrar ali, certo? Todos estavam ocupados com a festa. Só precisava limpar tudo aquilo e voltar para a festa, fingir que nada aconteceu. Mas como — droga! — sairia daquela casa com um corpo daquele tamanho?

Não havia nenhuma alternativa. Estava completamente ferrado. Quando Junmyeon soubesse sobre aquilo não teria outra alternativa a não ser puni-lo, executa-lo na forca como o criminoso que era. Sentiu os olhos arderem, mordeu o lábio e simplesmente começou a chorar, porque não podia morrer. Estava grávido, pensou. O que ia acontecer com o seu bebê? Abraçou a si mesmo e tentou abafar os soluços, mas era tarde demais. Chorou sobre o corpo de Jaehyun até que sua cabeça doesse, parou apenas quando escutou o som de passos se aproximando pelo corredor.

Lançou um olhar para o corpo e depois para a porta aberta, correu até lá e trancou-a o mais rápido que conseguia. Encostou a orelha na porta e escutou vozes do outro lado. Eram Chanyeol e Kyungsoo. Deveriam ter trazido o pequeno Dohyeon de volta para casa, afinal o filhote do irmão ainda era muito novo para ficar em meio a tanto barulho. Deu um passo para o lado e encostou-se na parede ao lado da porta, fechou os olhos por um segundo e respirou fundo.

Eles não sabiam que estava ali.

Se não podia mover o corpo antes, agora podia menos ainda. Abriu os olhos e fitou todo o sangue que tomava o chão do seu quarto e comprimiu os lábios. Só havia uma alternativa para si naquele momento. Se ficasse, iria ser enforcado, mas se fugisse, ainda podia ter alguma chance de viver. Pensaria nos pormenores depois, assegurou-se. Então, correu até o banheiro e tomou um banho, lavou todo o sangue de si. Trocou de roupa, fez um curativo no cotovelo, avaliou o arroxeado na maça esquerda do rosto, colocou seus óculos e guardou a arma na sua bolsa.

Saiu pela janela do quarto, depois de chutar os cacos de vidros remanescentes. Avançou em direção a floresta, onde sabia que não haveria guardas naquele dia em especial. Estavam todos embebedando-se na festa, dançando como se não houvesse amanhã. Ninguém estava preocupado com o corpo do jovem alfa no quarto de um Kim Principal, ninguém sequer desconfiava disso. E enquanto Minseok escapava do território Kim, desejou que todos eles demorassem a desconfiar e que seus pais o perdoassem algum dia por não ter dito adeus.


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