Mirtilo escrita por OmegaKim


Capítulo 42
XIII - Querida, Lua




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— Você mandou os convites?  — o ômega perguntou enquanto colocava os livros que pegara na biblioteca mais cedo, no lugar.

Referia-se aos convites, que não eram bem convites, pareciam-se mais com avisos, indicando o local onde o Festival da Fertilidade aconteceria aquele ano. Eram eles, os lobos do Conselho, que escolhiam a sede de festividades como aquela e o evento do Festival da Lua. Tudo ocorria muito simples, com eles sorteando um local e depois escrevendo o comunicado, este último era trabalho para o Ômega, enquanto que sortear e enviar podia ser trabalho tanto do Beta quanto do Alfa. E assim, a sortuda foi a Alcateia Park, com seus rituais extremamente tradicionais.

Mas naquele ano, o local do Festival da Fertilidade havia sido escolhido por eles dois, os lobos do Conselho de Lobos: Zhou Mi, o ômega, e Kim Kibum, o alfa. Em parte, porque o terceiro lobo do Conselho estava de férias dos seus compromissos, o que só servia para deixar Kibum mais enfezado e Zhou Mi mais sobrecarregado, ainda mais depois que o ômega colocou na cabeça que queria ter um filhote e por isso estava procurando um possível pai para o seu filhote, o que o fazia ter sempre muitos encontros. E depois da forma como havia, finalmente, encontrado Jongdae, Kibum acabava ficando sem tempo também. No entanto, não podia descartar sua culpa nisso, quando fora ele quem convencera Zhou Mi a passar algum tempo na sede do Conselho na Coréia do Sul.

O alfa, sentado à mesa da biblioteca, o fitou por sobre as lentes dos óculos de leitura. Já passava da hora do jantar. Havia decidido pular aquela refeição para estudar alguns documentos, principalmente aquele que envolvia o seu irmão mais novo, Kim Jongdae.

— O que acha? — respondeu com o mesmo mau-humor de sempre, que fez Zhou Mi revirar os olhos em desagrado.

Eram anos convivendo com aquele homem, mas ainda não havia se acostumado com o jeito bruto com que o outro levava a vida e acabava tratando as pessoas a sua volta.

Obrigado. — agradeceu pelo serviço mesmo assim, o que só serviu pro alfa revirar os olhos e voltar a ler logo em seguida.

Focou sua atenção no documento que tinha em mãos, era o processo que corria sobre a morte de um homem há uns três anos, onde tinha o nome de Jongdae como suspeito. Não o estavam acusando realmente de assassinato, mas também não deixava claro a sua inocência, em parte porque seu irmão parecia ser uma testemunha chave para solucionar o caso e como ele não fora encontrado, havia uma expedição de busca para si. Ou seja, Chen poderia ser preso, se isso fosse obriga-lo a se explicar. Kibum só esperava que Zhou Mi não lembrasse mais disso, pois só dificultaria o plano que tinha em mente para limpar a ficha de Kim Jongdae, seu irmão imprudente. Afinal, sabia muito bem o que acontecia com assassinos e tinha total certeza de que fora o alfa a fazer aquilo, principalmente, dado o modo como costumava ganhar dinheiro, geralmente aceitando fazer qualquer coisa.

— Kibum? — escutou ser chamado e levantou o rosto para fitar Zhou Mi, que acabou lhe sorrindo, do jeito gentil que sempre era com todos. — Quer sair para comer algo?

O alfa piscou antes de abaixar os olhos rapidamente para os papéis que tinha na mesa, os juntou dentro de uma pasta e então negou o convite do parceiro de trabalho, havia acabado de lembrar-se de outra sujeira de Chen para limpar.

— Eu tenho que ir a um lugar. — precisava resolver de uma vez a bagunça que Jongdae havia feito na Alcateia Kim, antes que ele estivesse ferrado o suficiente para ser enforcado por traição de sangue.

Ficou de pé com a pasta embaixo do braço, fazendo Zhou Mi encara-la, desconfiado. Mas o ômega não disse coisa alguma, só assentiu e deixou que o alfa se afastasse, no entanto Kibum sabia mais, tinha uma leve certeza de que quando o momento fosse próprio, Zhou Mi o procuraria para perguntar o que era aquilo. Então apressou o passo e saiu dali, alcançou o corredor ainda segurando a pasta e foi até o seu escritório, onde guardou tudo em sua bolsa e seguiu para fora dali. Precisava chegar até o endereço que Jongdae lhe deu, do possível local onde Kim Kyungsoo estaria.

E para o bem da verdade, não foi tão difícil chegar lá.

O trânsito estava agitado demais, porém após pegar alguns atalhos, Kibum chegou até o local. Era um hospital. Hospital Nacional de Seul. Fez cara feia para o nome, um local totalmente voltado para atender humanos, não parecia certo que Jongdae estivesse ali e se algum médico humano se desse conta de que ele era diferente? O quanto aquela jogada de risco do irmão não os colocaria em perigo? Era no mínimo preocupante.

Andou até a secretária, meio vasculhando em sua bolsa a foto de Kyungsoo que pegara de um dos arquivos na biblioteca do Conselho. A atendente o observou, meio confusa, quando primeiro, colocou a foto sobre o balcão e só então tomou fôlego para falar:

— Estou procurando por esse garoto. — a moça aproximou de si a foto, afim de ver melhor. — Ele chama-se Kim Kyungsoo. Por acaso deu entrada aqui?

Ela piscou, ainda confusa. Parecia familiar, mas não tinha certeza. Por isso, Kibum mostrou também a foto de Jongdae:

— Eles deram entrada juntos, tudo culpa de um acidente de carro. — começou a falar o que o irmão havia lhe dito. — Um ônibus bateu em uma caminhonete na estrada que ia para Incheon.

— Eu lembro. — ela finalmente disse e Kibum quase sorriu. — Mas nenhum dos dois está mais aqui.

O peso estava de volta as suas costas.

— O que aconteceu?

— Este. — ela apontou para a foto de Kyungsoo. — Foi liberado mais cedo, não sei para onde foi. — então apontou para a foto de Jongdae. — Este desapareceu durante a madrugada. Infelizmente, não sabemos o nome de nenhum. — levantou os olhos para fita-lo. — O senhor é algum parente?

— São meus sobrinhos. — mentiu, fazendo questão de fazer uma expressão triste. — Seus pais estão terrivelmente preocupados, ninguém tem notícias sobre seus paradeiros.

— Oh. Eu... eu não sei se pode ajudar, mas houve um médico que ficou responsável pelo caso deles, talvez, ele tenha alguma pista.

— Seria ótimo. — recolheu as fotos e esperou que a mulher o mostrasse o caminho até o médico.

Olhou o horário no seu relógio enquanto avançava pelo corredor, precisava estar de volta no Conselho em menos de uma hora, para uma reunião. Parou em frente à um consultório e nem ao menos bateu na porta, foi logo entrando, apenas para encontrar seu parceiro de trabalho, Lee Sungmin.

— Eu não acredito que é nesse buraco em que está passando “suas férias”. — fez questão de fazer aspas com os dedos e Sungmin teve a decência de parecer envergonhado atrás da sua mesa.

— Oi pra você também, Kibum. — se viu cumprimentando. — O que veio fazer aqui?

O alfa suspirou antes de se aproximar mais um pouco, resolvendo deixar para mais tarde seus xingamentos para Sungmin, sobre o modo como ele era o Conselheiro mais desinteressado da história dos Conselheiros.

— Estou procurando por Kim Kyungsoo. — colocou a foto do garoto sobre a mesa do médico. — Por acaso sabe onde está?

Sungmin franziu a testa e então mordeu o lábio, claramente surpreso. Kibum esperou, com uma sobrancelha levantada.

Kim Kyungsoo? — soltou, a voz alcançando aquele grau de preocupação que fazia Kibum desconfiar.

— Sim... O filho de Kim Jungsoo com Kim Ryeowook, o terceiro na linha de sucessão da alcateia Kim. — contou.

O Lee ficou de pé, a mão indo em direção a boca, não conseguia disfarçar. Seu cérebro estava enlouquecendo com a forma como não havia percebido aquilo, quando havia estado junto de Kibum quando o pedido de busca de Kim Junmeyon, passou pelo Conselho. Sua assinatura estava no documento. No entanto, confessava que não havia realmente lido aquele documento, pois na mesma época estava ocupado estudando a forma como o corpo humano parecia tão frágil quando comparado ao de sua espécie.

— Diga de uma vez. — o Kim irritou-se, os braços se cruzando e fazendo o beta fita-lo, a boca meio aberta.

— Eu o conheço. — disse, por fim. — O levei para a Alcateia Park.

Viu Kibum morder o lábio, uma das suas manias quando estava irritado ou apreensivo.

— Só pode ter ficado maluco! — externou, as bochechas se inflando em mais irritação. — Por que não o devolveu aos Kim’s?!

— E-eu... e-eu não sabia que ele era um Kim. — confessou sua vergonha, os ombros encolhidos diante da voz ativa de alfa de Kibum. — E... e também, ele não me disse nada do tipo... eu não...

— Você é um idiota mesmo. Quem foi que te deu esse cargo, hein? — se referiu ao cargo no Conselho.

— Ei! — tentou se defender. — Eu consegui esse cargo do mesmo modo que você e Zhou Mi.

— Mas executa ele como um lobo senil. Onde já se viu, não reconhecer um herdeiro. — balançou a cabeça e virou-se de costas para o beta, antes de virar-se novamente para ele, como dedo em riste. — Se você fosse mais ativo em suas atividades no Conselho, esse tipo de erro não aconteceria, mas você só pensa nesses malditos humanos. — ralhou, abriu e fechou as mãos, virou de costas para o beta e respirou fundo, não podia ficar com tanta raiva isso, precisava ser sensato da forma que seu cargo pedia.

Sungmin teve a decência de engolir em seco, da sua boca meio aberta não saiu palavra alguma. Se limitou a abaixar os olhos, um tanto envergonhado pela forma como Kibum estava dizendo a verdade. Era um fato, que desde que Sungmin descobriu que podia se infiltrar entre os humanos, sem que eles desconfiassem de si, acabou abandonando um pouco os seus trabalhos como Conselheiro, deixando constantemente de comparecer às reuniões importantes e sobrecarregando seus colegas. E no momento em que conseguiu férias, tratou de cortar qualquer contato com Kibum e Zhou Mi, e se enfiara de vez no mundo humano. Até mesmo tinha um apartamento ali por perto, onde podia viver sua fantasia de ser como eles, mesmo que não soubesse porque os achava tão atraente.

E fora justamente isso que prejudicara Kim Kyungsoo.

Percebia agora a forma como seus familiares deveriam estar preocupados, a forma como o pai do seu filho deveria estar arrancando os cabelos de tanta preocupação com seu ômega e filhote. Era praticamente um mês de Kim Kyungsoo sobre sua supervisão no Santuário, um mês de aflição total para a sua família.

Fitou a foto do garoto sobre sua mesa, mas seus olhos ficaram parados na foto do outro. O alfa, que havia desaparecido alguns dias atrás.

— E este? — perguntou subitamente, arrastando a foto sobre a superfície com a ponta dos dedos. Kibum virou-se, confuso pela pergunta repentina. — Você o encontrou? Eles são parceiros? — as perguntas pularam da sua boca, apressadas. Talvez, se contasse a Kyungsoo isso, ele pudesse lembrar de mais coisas.

Ele está bem. — Kibum confessou, sem querer dizer mais coisas. — E não, eles não são parceiros.

— Mas então, de quem é o bebê?

O alfa o fitou confuso.

— Que bebê?

— Ora, Kim Kyungsoo está esperando um filhote. — contou, como se fosse óbvio.

A boca de Kibum se abriu em descrença apenas para dizer:

— Puta merda.

Seria possível que o bebê fosse do seu irmão? Talvez, eles estivessem tendo um caso e o garoto engravidou e então fugiu? Isso pelo menos explicaria porque Jongdae manteve o ômega consigo por tanto tempo. O alfa levou as mãos até o rosto, subitamente nervoso com aquela possibilidade. Aproximou-se da cadeira onde Sungmin tinha estado sentado e sentou-se ali, escondeu o rosto entre as mãos e apertou os dentes, com os olhos fechados.

— Kibum? — Sungmin chamou, preocupado. Levantou a mão e tocou-lhe o ombro.

— Kyungsoo disse que eles são parceiros? — resmungou, suficientemente baixo para que Sungmin o fizesse repetir.

— Na verdade, — o beta sorriu, nervoso, o quadril se encostando na borda da sua mesa.  — o acidente foi grave o suficiente para que Kyungsoo perdesse a memória, até algum tempo atrás ele não lembrava seu nome e mesmo assim ainda não é capaz de lembrar do seu sobrenome.

Um acidente... Jongdae havia lhe contado, mas achava que não havia sido algo tão grave assim, apesar do irmão ainda estar com escoriações pelo corpo, que pareciam estar cicatrizando muito lentamente para quem tinha o sangue lobo nas veias. Mas se aquele tipo de coisa havia acontecido com Jongdae, que era um alfa, Kibum devia ter imaginado que algo pior deveria ter acontecido com Kim Kyungsoo.

— Precisa me levar até ele. — acabou pedindo.

Sungmin suspirou, mas assentiu. Então, logo, estava retirando seu jaleco e saindo do hospital em direção a Alcateia Park.

***

Ryeowook colocou as louças sujas na pia ao mesmo tempo que escutava a porta da sala abrir, virou-se de costas para a pia apenas para ver Heechul e Leeteuk passando por ali, alcançando o corredor ao mesmo tempo que brigavam.  Podia escutar Leeteuk falando algo sobre invadir a privacidade das pessoas, enquanto Heechul só andava a passos rápidos para longe do alfa, com raiva demais para escutar qualquer coisa. Suspirou, antes de comprimir os lábios e ficar de frente para a pia cheia de louças sujas, meio pensando em como o alfa era burro demais para nunca ter percebido que não dava para criticar Heechul, enquanto achasse que estava certo, pois o ômega não daria ouvidos a mais ninguém que discordasse de si.

Resolveu continuar o que estava fazendo ao mesmo tempo que escutava os gritos de Leeteuk enquanto esmurrava a porta do quarto, raivoso demais. Eles estavam brigando mais do que deveriam, o ômega já tinha notado. A casa estava constantemente preenchida com gritos e insultos, além de indiferença. Os dois não pareciam capazes de conversar normalmente e pela forma como já tinha notado, era sempre Leeteuk que começava tudo.

Quando estava terminando de lavar as louças e deixar a cozinha organizada, foi quando viu o alfa Kim passando em frente a cozinha, parecia ter desistido de tentar falar com Heechul. Se viu suspirando mais uma vez antes de largar o pano de prato sobre a bancada da pia e ir até a geladeira, havia comprado alguns doces na última noite. Segurou uma barra de chocolate e saiu da cozinha e logo, era ele, quem estava a porta do quarto de Kim Heechul.

— Heechul, sou eu. — falou, depois do primeiro toque, mas Heechul continuou calado.

Haviam dias que Ryeowook desejava ser mais forte, mas também haviam momentos como aquele, em que não podia deixar Heechul de lado assim, ainda mais depois de escutar a forma como Leeteuk estava gritando consigo. Fazia-o se perguntar se o alfa gritava daquela forma consigo sempre, antes, quando moravam em casas separadas e só se aturavam como maridos do homem que amavam. Não se surpreenderia se acontecesse, afinal, Leeteuk nunca pareceu se importar muito com os sentimentos de Heechul, pelo que começava a perceber, agora que não fazia mais parte da vida do alfa.

— Eu trouxe chocolate. — tentou mais um pouco. — É o seu predileto, chocolate amargo com avelã. — revelou, tentando chamar a sua atenção.

Mas quando não houve nenhum barulho do outro lado da porta, o ômega pensou que, talvez, Heechul quisesse ficar sozinho e por isso começou a virar-se para ir embora. O que de fato fez. Terminou guardando o doce na geladeira novamente, apenas para poder se refugiar no seu jardim em frente à casa. Começou podando algumas roseiras, ajoelhado no chão, desejou poder se distrair. No entanto, em sua mente, continuava escutando os passos apressados de Heechul e a forma como a porta foi fechada em um baque. Suspirou novamente, antes de levantar o rosto e olhar para o céu.

O sol estava alto, algumas nuvens aqui e outras ali. Não parecia como se fosse chover, mesmo que Ryeowook sentisse um vento frio passando por si vez ou outra. Hoje era o Festival, lembrou-se ficando de pé e só então notando a movimentação dos lobos da sua alcateia. Viu alguns lobos levando madeira para dentro da floresta, provavelmente para a construção da fogueira, onde os ômegas escolhidos dançariam para Dal, seduzindo outros lobos no processo. Viu alguns outros confeccionando os colares, que identificariam os ômegas, as miçangas vermelhas simbolizando o sacrifício deles, o sangue lobo que corriam em suas veias. Lembrou-se da forma como já havia usado um desses colares, do jeito como tinha dançado para Leeteuk e da forma como foi tomado por este. Parecia o tipo de coisa que tinha acontecido a um milhão de anos atrás.

— Pensa em participar esse ano? — alguém o tirou dos seus pensamentos.

Limpou a terra dos joelhos antes de olhar para o alfa.

— Quem sabe. — provocou, meio rindo da expressão ciumenta que Leeteuk fez ao mesmo tempo que se abaixava e pegava as rosas que tinha cortado.

— Não está pensando em oferecer-se para qualquer um, não é? — o alfa o seguiu quando tornou a entrar em casa, os passos apressados afim de querer ficar ao seu lado.

Ryeowook não o fitou quando entrou na cozinha e muito menos quando pegou um copo de vidro e colocou as rosas ali dentro antes de encher de água.

— Se eu estiver, o que isso te importa? — rebateu.

Jungsoo segurou-lhe o braço, puxando tão forte pelo pulso que o copo escapou da mão do ômega a caiu contra o chão. Ryeowook reclamou de dor ao mesmo tempo que puxava o pulso de volta, água e vidro aos seus pés.

— Qual o seu problema?! — meio gritou antes de empurrar o ex-marido. — Está ficando maluco?! — irritou-se de vez.

— Eu amo você, Ryeowook. — o Kim segurou-o pelos ombros, aproximando-o do seu corpo, fazendo o ômega pisar na água e sentir medo da forma como o alfa o fitava. — Será que não compreende isso? — meio sussurrou contra sua orelha, enfiando o nariz na curva do seu pescoço logo em seguida, deixando o Kim encolhido nos seus braços, sem saber o que fazer. — Eu sou seu alfa e você, é meu ômega. — então, ele estava se afastando e Ryeowook não pôde respirar até que visse o Kim saindo pela porta da cozinha.

Ele abaixou-se para recolher os cacos de vidro maiores antes de varrer os menores e limpar a água. Fez tudo silenciosamente enquanto repassava na sua mente o que tinha acabado de acontecer, a forma como o alfa o segurara, como se... como se ele não fosse nada além de uma propriedade. Seria o efeito da lua? Ou era apenas Jungsoo mostrando seu lado mais dominador, afinal, não era como se fosse a primeira vez, de qualquer forma. Lembrava-se muito bem do começo, quando estavam se conhecendo, do jeito como o alfa afastava qualquer outro de si, usando sua influência como líder de um clã. Na época, Ryeowook havia achado bonitinho além de bobo a forma como o marido sentia ciúmes, mas agora que seu coração estava vazio, só o fazia se sentir receoso.

Estava se preparando para recolher as rosas, ainda jogadas no chão, quando alguém o fez primeiro que si. No começo achou que era Leeteuk, por isso não teve coragem de levantar o rosto, mas quando reconheceu o cheiro frutado de Heechul, quase sorriu para si quando ambos ficaram de pé.

— O que aconteceu? — o ômega perguntou depois que deixou as flores sobre a bancada da pia e segurou as mãos de Ryeowook, fazendo-o notar os pequenos cortes na ponta dos dedos.

— Eu me distrai e deixei o copo cair. — mentiu, desviou os olhos dos de Heechul, fazendo-o comprimir os lábios em desaprovação.

— Eu consigo sentir o cheiro de Jungsoo aqui. — só chamava marido pelo nome quando estava irritado com este, era o tipo de coisa que Ryeowook já tinha notado. — O que ele fez?

Ryeowook soltou suas mãos das do ômega e foi até a pia lavar os cortes na ponta dos seus dedos. Não tinha coragem de confessar a Heechul como Leeteuk o perseguia pela casa quando não estava brigando com Heechul, a forma como o alfa parecia estar constantemente o vigiando, olhando-o de longe, chegando perto quando não era chamado, tentando puxar assunto sobre algo, fazendo questão de toca-lo quando achava que o ômega estava distraído.

— Não é... — começou a dizer, pensando em como fugiria daquele assunto.

— Não minta pra mim! — o Kim irritou-se de vez, o que só serviu para que Ryeowook fechasse a torneira e se apoiasse contra a pia, os olhos fechando-se em desagrado consigo mesmo.

— Ele tem me perseguido. — contou de uma vez, a voz tremendo no final.

Eu o escuto forçando a maçaneta da porta do meu quarto, sinto seu cheiro em minhas roupas.

Babo*. — xingou, os braços cruzados e a base das costas encostada na bancada, os olhos sérios, fazendo Ryeowook acha-lo terrivelmente bonito, ainda mais pela forma como seu cabelo escuro estava grande, enrolando-se nas pontas, cobrindo o pescoço inteiro. — Jungsoo está se comportando como um adolescente que não aceita o término de um namoro. — resmungou, a boca se enrugando no processo.

— E-eu quero ir embora daqui. — confessou para total surpresa do ômega.

Era o tipo de coisa que já havia pensado, o tipo de coisa que estava cogitando mais do que queria simplesmente porque não se sentia mais seguro ali, na sua própria casa. Ele via Heechul e Leeteuk brigando constantemente, via Junmyeon lidando com responsabilidades pesadas demais para alguém tão novo como ele e então, via a si mesmo fugindo das investidas do alfa, arranjando trabalhos esporádicos fora da alcateia ou só fora daquela casa, porque odiava a forma como o cheiro de Leeteuk se espalhava por aquela casa, alcançava suas roupas e deixava tudo amargo. E odiava mais ainda a forma como podia escutar Heechul e Jungsoo entregando-se um ao outro, o som dos beijos causando-lhe pesadelos.

Estava terrivelmente cansado de olhar para a forma como eles não eram mais uma família.

— Wookie... o que...?

— Não me sinto seguro aqui. — deixou-se saber mais um pouco. — E odeio a forma como tenho que ver vocês dois se relacionando, como se... como se nós nunca tivéssemos existido.

— Wookie. — Heechul sussurrou ao mesmo tempo que via o ômega limpando os olhos antes de se afastar da pia.

— Não me olhe assim, Heenim, por favor. — pediu e se afastou um passo quando o Kim tentou ir em sua direção, seus olhos tão marejados quanto os seus. — Você sabe que é verdade.

Heechul sabia mesmo. Todos dias quando acordava e era obrigado a olhar para Ryeowook assim que saia do quarto que dividia com Leeteuk, era confrontado com aquela terrível verdade. A forma crua como eles haviam terminado, sem querer terminar, o jeito como tinham se afastado.

— E o que? — tornou a se aproximar e dessa vez Ryeowook não se afastou. — Você quer que eu faça o que? Que eu arranque esta maldita marca da minha pele?! — se escutou gritar, as sobrancelhas franzidas em dor. — Eu sinto tanta falta de nós dois quanto você, Ryeowook.

— Mas só sentir não adianta nada! — rebateu.

— E você quer que eu faça o que?! — gritou de volta, as mãos fechadas em punho e o coração aos saltos.

Eles se encararam. Ryeowook comprimiu os lábios, mordeu a parte interna da bochecha, mas não teve coragem de pedir o impossível. Nunca poderia pedir para que Heechul o escolhesse, que ficasse consigo, enquanto aquela marca existisse. Seria um idiota se pedisse aquilo, por isso limitou-se a balançar a cabeça e meio sorrir, amargo demais antes de dar a volta no corpo de Heechul e começar a se afastar. O Kim não o impediu, na verdade, nem se mexeu quando passou por si e Ryeowook agradeceu por isso em silencio, quando se trancava em seu quarto. Ele sentou-se perto da janela e observou o sol ir embora para dar lugar as estrelas, se recusava a chorar por Heechul, mas seu coração doía tanto, apertava e o sufocava, que não conseguiu impedir as lágrimas que vieram depois que avistou a lua.

Dal, por que? — perguntou meio chorando à Deusa. — Por que eu não posso tê-lo?

***

Sehun fitou o padrão das peças de xadrez, o queixo sobre a mão deixava-o com uma expressão entediado mesmo que por dentro estivesse se divertindo com a forma como Yifan o deixava ganhar. Ou talvez, fosse apenas ruim naquele jogo. Retirou a mão debaixo do queixo e colocou-a sobre uma das peças, podia acabar com aquele jogo naquele momento, mas que graça teria se Yifan perdesse tão rápido daquela vez. Comprimiu os lábios, pensativo, mas que pareceu ao outro lobo como nervosismo. Então, moveu um dos seus cavalos.

Era a vez de Yifan agora. Tornou a encostar as costas no encosto do sofá ao mesmo tempo que via o outro lobo franzindo a testa, sem a menor noção do que deveria fazer. Parecia completamente perdido naquele jogo. Quase bufou em descontentamento, afinal, das coisas que podia fazer, xadrez era uma das suas paixões e era tão difícil encontrar alguém que compartilhasse da mesma paixão e pior do que isso, era encontrar pessoas como Yifan, que não tinham a menor ideia do que fazer ou como fazer e fingiam saber de tudo. Bom, pelo menos, parecia para Sehun que o alfa não era tão esperto assim. Com certeza muito forte e agressivo, mas nada além de um corpo bonito.

O alfa Choi mexeu a torre, fazendo-a comer o cavalo que Sehun havia movido outrora. Ergueu a sobrancelha para o modo como o alfa sorriu satisfeito para si e quase quis rir de volta, mas não o fez. Limitou-se a inclinar-se sobre o tabuleiro mais uma vez, um tanto mais cansado do que antes. Queria acabar com aquele jogo logo. Então, apenas moveu a sua torre em direção ao rei de Yifan, que estava desprotegido e então, xeque-mate.

O Choi riu diante do seu terceiro fracasso naquele jogo ao mesmo tempo que Sehun esboçava um sorriso também, mesmo que mínimo, mas foi para receber Jisoo que se aproximava com uma bandeja cheia com o lanche e seus remédios. Quase suspirou, pois odiava a forma como teria que tomar suas pílulas na frente da visita, mostrando à ele como era um lobo fraco.

— Obrigado. — agradeceu a secretária, que se curvou para os dois antes de se afastar depois que Sehun engoliu os remédios.

— Esses são pra que? — Yifan perguntou, de repente, pegando o Oh totalmente de surpresa, em parte porque não parecia que o alfa estava procurando motivos para zombar de si, parecia só curioso.

— Vitaminas. — disse simplesmente e começou a ficar de pé. — Quer conhecer a alcateia antes do festival? — mudou de assunto.

O Choi ficou de pé, limpou as mãos na bermuda que usava e começou a seguir o Oh para fora da casa. Não passava das cinco da tarde ainda, o sol estava se ponto atrás da barreira que mantia os Oh’s protegidos do resto do mundo, parecia tudo calmo demais para Yifan. Tudo um tanto diferente da agitação selvagem dos Choi’s, quase o fazia sentir falta dos seus lobos. Olhou por sobre o ombro e avistou Jeonghan o seguindo, passos leves, do jeito que havia sido ensinado. O humano nunca ficava muito tempo longe de si, porque mesmo que tivesse medo de Yifan ainda era preferível ficar na presença deste do que de lobos desconhecidos.

— Sua alcateia é pequena. — comentou olhando em volta, notando o muro envolta do território.

Os Oh’s viviam dentro de uma fortaleza bem equipada, sem contato com o mundo exterior, mas não parecia exatamente ruim quando Sehun apontava as escolas e creches construídas, o jeito como os suprimentos eram fornecidos, a distribuição de água e luz, as formas como eles eram autossuficientes com seus aparatos tecnológicos sustentáveis.

— Oferecemos cursos técnicos em mecânica nas escolas além de aulas de combate e tiro. — Sehun contou, atraindo a atenção do Choi.

— Para todos? — Yifan franzio a testa. — Até mesmo ômegas?

— Bom, estamos começando a abrir algumas vagas para ômegas.

— Ômegas não servem pra isso. — bufou, balançando a cabeça e cruzando os braços.

Ômegas eram a classe mais baixa, serviam apenas para procriar e servir os lobos de outras classes, Sehun pensou ao concordar internamente com Yifan. No entanto, mesmo quando se viu balançando a cabeça para isso não conseguia se livrar do desconforto que havia no peito. Quer dizer, isso era tudo que ele sabia. Havia sido ensinado isso e mesmo os ômegas que conhecera agiam com total submissão na sua presença, mesmo quando não sabiam que ele era o herdeiro de um clã. Todos muito educados, bem vestidos, destilando gentileza nos seus atos, tão frágeis perto de si que acabava se tornando um charme, só que mesmo com isso, Henry quase tinha quebrado seu braço.

Às vezes, se pegava pensando nisso. Na cena que o levou até aquilo, no jeito como o pedido de desculpas escorregou dolorosamente dos seus lábios, na forma como os olhos de Henry brilharam em violeta perigoso. Nenhum ômega havia agido daquela forma consigo, nem mesmo alfas tinham lhe pegado tão rápido em um golpe como aquele ômega baixinho. Aceitava que não tinha condições para estar em uma luta e muito menos tinha habilidades excepcionais nisso, mas sabia como se defender de um golpe e como golpear também e para o bem da verdade, havia sido humilhante ter sido pego daquela forma por um ômega. Logo um ômega, tão abaixo de si.

E isso só parecia pior para Sehun, quando se via pensando naquele livrinho empoeirado da biblioteca. Sociedades secretas. Se tudo que estava escrito ali... se aquela tatuagem na nuca de Henry realmente significasse alguma coisa... então, haviam ômegas por aí, mais perigosos do que Sehun gostava de imaginar. Preferia a versão fofa e frágil, que sempre lhe foi mostrado. Preferia as bochechas coradas de vergonha de Kim Minseok e a delicadeza dos seus atos do que a certeza de que ele poderia lutar tão bem quanto qualquer alfa e talvez, derrotar um. E talvez, fosse por isso que acabou enterrando aquela curiosidade em saber mais sobre a Organização Ômega para bem fundo de si, estava com medo de forma como tudo poderia mudar na hierarquia.

Mas, não seria bom alguma mudança? Os ômegas eram tão subjugados, tão usados...  E Sehun, como ninguém, sabia o que era duvidar da sua força. Quem sabe fosse bom que ômegas com a força de Henry existissem por aí. Talvez, trouxessem alguma ordem.

— Talvez, sirvam. — falou, por fim, trazendo o olhar do Choi para si, confuso. — Quanto mais gente trabalhando, mais dinheiro para a alcateia. — usou a frase que seu pai sempre dizia para justificar suas noites em claro e ausência na vida do filho.

O Wu riu na mesma frequência que Sehun e então tornaram a andar. O líder Oh ainda mostrou as instalações onde ficavam os laboratórios de informática e bioquímica. O deixou entrar na estufa, onde estavam os mais belos espécimes de plantas, algumas que podiam ser exportadas para outros lugares e algumas que eram espécimes usados na matriz das vitaminas que usava e outros remédios.

— O laboratório tem trabalhado em uma nova formulação para algumas vacinas humanas, sem que precisem de muitas doses. — contou, o que pareceu atrair atenção do alfa mais alto.

— Trabalha para os humanos?

— Eles pagam bem. — Sehun deu de ombros, o que trouxe mais alguns sorrisos do outro.

Yifan começava a perceber como funcionava realmente a Alcateia Oh, percebia o jeito como eles podiam se virar sem uma alcateia parceira e achava incrível. Eles eram independentes da forma como Byun’s já haviam sido um dia, antes daquela desastrosa aliança com os Park’s, que tanto Yifan odiava. No entanto, também entendia que até qualquer uma daquelas duas alcateias chegar ali, haviam passado por maus bocados e que uma parceria não era de todo ruim, afinal estava ali, não estava? Conhecendo os territórios Oh’s em uma atitude diplomática e com esperança de que aquilo fosse mais do que um passeio. Precisava da ajuda financeira que os Oh’s podiam dar para colocar sua alcateia em um patamar mais alto entre os outros clãs, precisava mostrar que podia administrar uma alcateia e que era mais do que o sangue em suas mãos.

Seguiu o Oh para fora da estufa até que chegassem no centro do território, quase em frente à casa de Sehun. Era onde estavam montando a fogueira para a dança da Lua, observou alguns ômegas fazendo o trabalho duro, como era esperado daquele dia. Afinal, o Festival da Fertilidade só tinha esse nome por causa dos ômegas, os mais abençoados por Dal — como dizia seu conselheiro beta — os únicos que mesmo sendo machos ainda podiam procriar. Mas Yifan reconhecia que o evento também servia para comemorar a dádiva que era poder nascer um lobo, só não era bobo ao ponto de acreditar que Dal realmente os levava à sério.

A Deusa preferia os ômegas, sempre preferiu.

— Vai participar? — perguntou ao Oh, fazendo o parar no caminho que estava tomando de volta para casa.

O céu estava manchado de lilás e azul-escuro, Yifan quase podia esperar uma chuva pelo modo como nuvens espeças se aproximavam e o vento frio que seguiu seu pensamento, só o fez ter certeza. Sentiu cheiro de madeira e mato, talvez, por causa de toda a madeira que via os ômegas carregando.

— Infelizmente, não. — Sehun o respondeu, olhando-o por sobre o ombro. — Mas está convidado a desfrutar de nossas tradições, se não for problema. — ofereceu, educado do jeito que Yifan apreciava.

— Seria um prazer. — sorriu.

***

Minseok encarou o seu reflexo no espelho, virou-se de lado e depois ficou de frente, novamente. Alisou o terno que usava e então virou-se para Henry, que estava sentado na beira da sua cama com uma revista em mãos, lendo calmamente.

— Então? Muito formal? — os olhos estavam brilhando em nervosismo por trás dos óculos, quando Henry levantou o rosto para si.

— Não acho que tem muita importância, — o chinês disse, a revista foi fechada sobre suas coxas. — vai ter que tirar a roupa mesmo. — não perdeu a oportunidade de provocar, o que só serviu para fazer Minseok corar furiosamente antes de alcançar um dos travesseiros disponíveis e jogar no amigo, que se limitou a desviar e rir.

Era claro que o Kim sabia disso, afinal tinha passado as duas horas antes lendo sobre os rituais para a Deusa Dal — que os Park’s ainda praticavam. Pareceu-lhe constrangedor, mas sabia que não podia recuar agora que tinha dado a Baekhyun a confirmação de que iria consigo. Mas pelo menos, agora entendia porque Baekhyun parecia tão envergonhado ao perguntar-lhe sobre aquilo, como se quisesse dizê-lo para não ir, quase temoroso com a perspectiva de que o ômega ficasse chateado consigo, de alguma forma. Virou-se novamente para ficar em frente ao espelho e suspirou.

— Está formal demais. — Henry disse, por fim, fazendo o ômega olha-lo por sobre o ombro. Agora, parecia falar sério. — Coloque algo mais casual. — sugeriu apenas para se jogar sobre a cama, os braços abertos enquanto suspirava com tédio demais.

Junmyeon o havia dispensado por alguns dias, o tempo em que a Alcateia Lu começava a se mover para sua nova moradia e o tempo em que ocorreria o Festival. Henry não ficara realmente chateado, em parte porque o líder Kim havia pagado-lhe os salários atrasados e em parte porque sabia que precisava de férias, um tempo sozinho não fazia mal a ninguém. No entanto, agora que tinha suas férias, não sabia o que fazer com tanto tempo vago. Havia pensado em começar a arrumar suas coisas para a mudança ou ir ajudar os outros Lu’s com suas coisas, mas desistiu disso ao perceber que os lobos sabiam fazer isso sozinhos, afinal eram anos mudando-se pelo mundo.

Fitou o teto, imaginando que metade dos lobos já estariam no território Kim, sendo recebidos por Junmeyon, também imaginou que Lu Han poderia estar lá com Yixing. O pequeno Yixing que era amado por toda a alcateia de ômegas. Sorriu quando pensou no sobrinho, quase filho.

Virou-se na cama, deitando de lado para ver Minseok retirando as roupas e vasculhando seu armário atrás de uma coisa mais casual e que o deixasse com cara de Ômega Principal. Não pôde deixar de notar a forma do corpo do amigo, o jeito como os músculos do abdômen se destacavam e a cor tão clara da sua pele lisa de sinais de nascença. No entanto, haviam as marcas esbranquiçadas no quadril que sempre tinham incomodado Henry, fazendo-o imaginar como ganhara aquilo e que sempre o deixava muito receoso em perguntar. Lembrava-se da primeira vez que as tinha visto, o modo acuado que Minseok havia reagido, colocando a toalha de banho na frente do corpo, envergonhado demais de si mesmo para conseguir fazer algo além de gaguejar uma resposta mentirosa.

Alguma coisa de muito errada havia acontecido com aquele garoto, sabia disso. Mas Minseok nunca falaria, nem mesmo para o seu melhor amigo. Suspirou novamente e dessa vez atraiu o olhar do Kim, que virou-se para ele ao mesmo tempo que colocava uma camisa social azul-escura, o tecido só servia para destacar a cor da sua pele, fez Henry erguer as sobrancelhas em admiração. Kim Minseok era realmente bonito, mesmo quando usava aqueles malditos óculos de grau para se esconder.

— O que foi? — o loiro perguntou ao mesmo tempo que abaixava o rosto para terminar de abotoar a camisa e depois se ocupava em tirar a calça social para trocar por um jeans preto.

— Estou entediado. — confessou, fazendo Minseok rir soprado.

— Há quanto tempo não tem férias? — a pergunta o pegou de surpresa, simplesmente pelo fato de que não lembrava da última vez e pelo modo como o loiro riu, sua expressão deveria ser no mínimo engraçada. — Por que não sai com o Han? Existem baladas ótimas no mundo humano e mesmo algumas para lobos na cidade. — o ômega resolveu continuar quando o chinês ficou em silêncio, parcialmente chocado com o modo como não tinha feito nada além de trabalhar até ali. — Tenho certeza que meus pais vão adorar tomar conta de Yixing, afinal eles amaram Jongin.

Henry o fitou mais um pouco antes de sentar-se sobre a cama, as pernas se cruzando ao mesmo tempo que notava que Kim Minseok havia pintado as unhas. Nunca tinha visto o amigo sendo exatamente vaidoso daquele modo, quer dizer, ele bem tinha o costume de cuidar da sua aparência o que incluía manter suas unhas sempre muito limpas e bem aparadas, mas nunca havia mostrado interesse algum em pintar as unhas da forma como ele e Lu Han faziam, as vezes, sempre abusando das combinações de cores. Pareceu ao chinês que Minseok estava mesmo levando a sério aquilo de mostrar uma imagem bonita aos Park’s, principalmente pelo modo como Henry notou o desenho nas unhas do amigo: a lua em suas várias fases.

— Ah, eu não sei. — acabou dizendo enquanto Minseok virava-se para o espelho, os dedos indo de encontro ao cabelo, penteando-o para trás. — Hannie anda ocupado com a transição dos lobos, ele está cuidando de tudo para que ninguém se perca no caminho e ainda precisamos distribuir as casas.

— E hoje? Não vão conosco aos Park’s?

— Não. Lu Han ainda não tem intenção de que ninguém além dos Byun’s e Kim’s saibam sobre nossa existência.

Era melhor assim, ele sabia. Deveriam esperar até o encontro anual dos líderes no fim do ano para apresentarem-se ao Conselho de Lobos e consequentemente, apresentar-se aos outros líderes. Até lá, eles já teriam se estabelecido e tudo estaria sob controle.

— Então, irão aproveitar a festa nos Kim’s?

— Temos nossos próprios rituais. — Henry sorriu. — Mas os Kim’s estão convidados a aparecer, inclusive você e Baekhyun.

— Eu não acho que teremos tempo. — Minseok lamentou, conhecia bem os rituais dos Lu’s, tudo muito simples e aconchegante, nada do feroz e desconfortável que acontecia nos Park’s. — Pelo que li, a cerimônia nos Park’s dura bastante tempo.

— Ah, claro. — Henry lembrou-se das aulas de história da Academia. — O tributo à margem da fogueira... — deixou a sentença no ar, fazendo o loiro parar de maquia-se e olhar para si, os lábios comprimidos em apreensão.

Minseok nem ao menos conseguia esconder o modo como estava envergonhado, Henry pensou. Imaginou como ele se sentira quando estivesse lá e tivesse que cumprir todos aqueles protocolos, deixando que desconhecidos dançassem em volta de si enquanto era oferecido à Deusa Lua, como nada além de carne. Deixando tanta gente olhar o seu corpo, ver as marcas que tinha no quadril, a tatuagem sobre a última costela, a sua vergonha. Minseok desviou os olhos de si e continuou o que estava fazendo, maquiando os olhos, deixando-os grandes como os de um gato, apenas para escondê-los atrás das lentes dos óculos, porque não suportava a ideia de ser visto mesmo que quisesse. Fazia Henry se perguntar como ele se sentia quando estava nos braços de Baekhyun, sendo resumido a nada além de um corpo. Sentia-se realmente bem com aquilo tudo? Nunca sendo realmente visto... Parecia um tanto solitário demais para Henry.

— O que acha agora? — tornou a se virar para o chinês, os braços meio abertos enquanto exibia a roupa que usava agora.

— Eu pegaria você. — Henry brincou apenas para ver Minseok encolher os ombros em vergonha pela forma como sabia que aquilo já havia acontecido, há um milhão de anos atrás quando eles não passavam de corpos dominados pelo cio. Levantou-se e foi até ele. — Tudo bem, tudo bem. — o tranquilizou antes de simplesmente segurar o rosto de Minseok e beija-lhe a face e aproximar a boca da orelha deste. — Baekhyun com certeza vai pegar você. — sussurrou e tudo que recebeu foi o empurrão de Minseok enquanto ele mesmo ria, do modo exagerado que o ômega sempre agia diante da menção do nome do alfa.

Era bonitinho a forma como as bochechas dele sempre ficariam coradas quando o ômega falava do Byun.

— Deveria usar lentes hoje. — resolveu dizer quando o amigo virou o rosto para o lado, os braços cruzados em irritação pelo comentário de antes, já estava nervoso o suficiente com a cerimônia, não precisava que Henry brincasse com sua confusão. — Deve facilitar sua noite.

Henry tinha razão, mas Minseok não se sentia seguro sem os óculos, apesar de ter lentes guardadas no armário do banheiro. Era apenas que passara tanto tempo escondendo-se atrás das lentes dos óculos, ficando quieto e nunca deixando que ninguém adivinhasse como os seus olhos podiam trair o que sentia, que se acostumara. Encarou o amigo, sem saber o que dizer ou o que fazer, porque conhecia bem demais o chinês para achar que ele se referia apenas à aquele momento. Ele parecia dizer “saia da sua toca” nas entrelinhas, Minseok tinha certeza que se parasse um pouco e prestasse atenção encontraria essas palavras estampadas ali. Mas antes que pudesse abrir a boca para dizer qualquer coisa, a porta do seu quarto foi aberta, revelando Lu Han com Yixing no colo.

— Aí está você. — o ômega aproximou-se do chinês enquanto Minseok afastava-se um passo, as costas dos joelhos tocando na cama. — Ainda não se arrumou? Precisamos ir para a Alcateia Kim, Jongin está nos esperando. — alertou e Henry foi até Yixing, que esticou os bracinhos na sua direção, o pegou no colo.

— Eu estava ajudando Minseok. — falou e Han olhou para o loiro, pela primeira vez o notando.

O líder Lu piscou na sua direção, pareceu lembrar-se de algo pois enfiou as mãos no bolso de trás da calça que usava e pegou um tipo de latinha de chicletes.

— Eu deveria ter te entregado isso mais cedo. — lançou um olhar para Henry, como que pedindo desculpas por ter esquecido o que o outro tinha pedido. — É para quando a lua estiver alta. — Minseok observou o lobo estender para si a latinha.

— O que é isso? — perguntou o pegando e olhando dentro, notando que não eram chicletes.

— Supressores. — Henry esclareceu sem olha-lo, estava ocupado fazendo Yixing voar, o menino soltava gritinhos de alegria quando chegava perto demais do chão e depois voltava para cima. — Não são como os normais, eu usei uma fórmula mais leve.

— A duração é pouca, mas é suficiente para que não fique à mercê dos seus instintos perto dos Park’s. — Minseok pegou uma das pílulas e fitou-a, sem saber se deveria toma-las ou não. — É mais seguro. — Lu Han colocou a mão sobre seu ombro, parecia cansado e Minseok bem podia imaginar porquê.

O líder chinês vinha trabalhando bastante desde que Junmyeon aceitara o acordo, sempre preocupado em organizar da melhor forma os primeiros grupos que se estabeleceriam no novo território, a forma como as casas seriam construídas, a distribuição dos recursos entre os lobos. Minseok constantemente o via trabalhando nas madrugadas em que levantava para beber um pouco de água, por vezes, junto de Baekhyun. Os dois trancados no escritório deste, conversando, as vezes, rindo. O Kim sabia, porque não podia resistir encostar a orelha contra a porta e avaliar os sons que faziam.

Encarou mais um pouco a pílula, até que a colocou na boca, afinal era melhor se precaver quando se estava indo até os Park’s e realmente, Minseok não queria ter aceitar os toques de Hyukjae por instinto, por culpa da lua.

Dal, a Deusa Lua, que regia todo o mundo lobo, a Grande Mãe, a Soberana de todos os lobos. Minseok a conhecia bem, lembrava-se do modo como seu pai, Ryeowook, sempre o levava até o templo na Alcateia Kim e acendia velas coloridas para a mesma, sussurrando a mesma prece, dizendo como era agradecido por ele ter sobrevivido. O mais frágil dos gêmeos, o que Ryeowook não pôde pegar no colo, aquele que não chorou ao nascer, o pequeno Kim Minseok, que tinha uma vela de cada cor para todos os dias que fazia aniversário graças a Dal. A Grande Deusa à quem eles deviam respeito e tributos, uma vez ao ano, onde eles mostravam à ela a beleza da sua criação.

A porta foi aberta mais uma vez, revelando Jongin e tirando o loiro dos seus pensamentos. Ele deixou a latinha de chiclete sobre a cama ao mesmo tempo que o ômega mais novo apressava os irmãos para fora do quarto, meio nervoso, dizendo como estavam atrasados para ir até a Alcateia Kim. Minseok fechou a porta depois que eles saíram e encostou as costas na porta, então aproximou a palma da mão da boca e cuspiu ali a pílula que fingira engolir mais cedo. Encarou-a mais um pouco, estava sendo imprudente. Sabia bem disso, mas também não conseguia evitar não ser quando tudo que martelava na sua mente era o contrato que tinha com Lu Han.

Precisava de um herdeiro para que os Lu’s pudessem ficar seguros de uma vez, porque Minseok entendia como só os Kim’s não poderiam os proteger para sempre. Eles eram poucos demais e com grande parte dos lobos sendo ômegas e tendo um como líder, as outras alcateias não os levariam a sério, afinal ômegas não nasceram para nada além de procriar. E naquele momento, Minseok desejou poder fazer, ao menos aquilo.

Fechou a palma, esmagando a pílula ali ao mesmo tempo que fechava os olhos e suspirava. Queria poder acender uma vela à Dal, queria ter fé suficiente para que ela o escutasse naquele dia, naquela noite onde ela estaria tão bonita, brilhando no centro do céu, deixando os ômegas mais atraentes e mais férteis. Mas para o Kim seria suficiente para conseguir um filhote? Ele conhecia seus limites bem o suficiente para saber que seria difícil. Não era fértil como os outros ômegas e quem sabe se o seu corpo podia aguentar mesmo uma gravidez, havia algo de errado com seu sistema reprodutor. Má formação, algo assim. Não gostava de lembrar do termo que o médico usou quando o diagnosticou na adolescência, quando não passava de um recém-chegado na Academia para Ômegas, há tanto tempo...

Não percebeu que estava chorando até que abriu os olhos e sentiu suas bochechas molhadas, apressou em enxugar os olhos por baixo dos óculos. Desencostou-se da porta e foi para o banheiro, lavou a mão na pia. Precisava tentar, afinal, mesmo que achasse que alguma coisa pudesse dar errado. Levantou os olhos para fitar-se no espelho e não resistiu em tirar os óculos para poder avaliar sua imagem borrada. A maquiagem em volta dos olhos estava turva por culpa das lágrimas de antes e o seu coração continuava batendo, no mesmo ritmo fraco de sempre. Suspirou para o que via antes de limpar o canto dos olhos e abrir o armário, a procura das suas lentes de contato. Costumava guarda-las, com a esperança de um dia usar, quem sabe quando iria ter coragem para deixar alguém vê-lo, de novo. E mesmo que não estivesse sendo movido por nada além do dever, Minseok se viu virando o rosto para cima e colocando as lentes de contato.

De repente, estava pensando no que tinha dito a Baekhyun, sobre como eles deveriam confiar um no outro. Se queria que aquilo fosse mesmo verdade, então precisava deixar que ele se aproximasse, precisava parar de se esconder. E se isso não desse certo, podia viver normalmente depois de dois anos, afinal. Ele seria um homem solteiro novamente, a aliança entre Kim’s e Byun’s poderia permanecer sem precisar de seu sacrifício. Então, quem sabe, poderia voltar para França e pedir perdão por suas faltas, se tivesse sorte, poderia ser aceito no programa de treinamento para ômegas negros, novamente.

Saiu do banheiro e consertou sua maquiagem no espelho do quarto, então colocou suas botas e depois sua jaqueta de couro e saiu do quarto. Estava pronto, disse a si mesmo.

***

Kyungsoo fitou algumas pessoas através da janela do salão do Santuário, atrás de si Zitao se erguia, quase maior que si. O ômega mais velho, olhou por sobre o ombro para o outro ômega, meio sorrindo. Sentia-se um adolescente travesso.

— O que eles estão fazendo? — perguntou ao mais novo.

Zitao piscou os olhos, ainda sem saber como explicar aquilo ao outro, mesmo que não fosse algo exatamente complicado, quando já estava acostumado a ver aquilo.

— Estão se arrumando para a Cerimônia da Lua. — contou, o que só fez Kyungsoo o olhar confuso. — Significa que hoje a Deusa Lua vai se erguer no centro do céu e nos contemplar, então vamos ser abençoados mais uma vez. Mas apenas nós, os ômegas.

— Por que? — perguntou, a mão indo em direção à sua barriga, de agora, sete meses.

— Bom, nós somos especiais, Kyungsoo. — Zitao começou a explicar, como se ele fosse o mais velho ali. — Os ômegas são responsáveis pela reprodução, mesmo os ômegas machos ainda podem ter filhotes. Nós somos abençoados. — sorriu e Kyungsoo o acompanhou antes de abaixar o olhar para a sua barriga, onde seu bebê chutava.

Ele ainda achava estranho saber que havia um bebê no seu ventre, mas com o passar do mês começava a se acostumar e amar tanto aquele filhote, que por vezes se via conversando com o mesmo, quando achava que Tao não podia escutar. Por vezes, testava nomes bobinhos para o bebê e desde a última semana, o chamava de Sonolento, pois o filhote quase nunca se mexia dentro de si então Kyungsoo gostava de pensar que ele era um bebê preguiçoso, mesmo que se preocupasse no fundo. No entanto, o senhor Sungmin e até mesmo Zitao o tinham tranquilizado, dizendo que o bebê estava bem, totalmente fora de perigo, mesmo depois do desmaio do pai no último mês.

Não havia se lembrado de mais coisas além do seu nome e mesmo isso sendo frustrante, Kyungsoo ao menos agradecia por poder ter um nome só seu agora. Contudo, mesmo com a falta de memória, o ômega havia criado lembranças bonitas enquanto vivia no Santuário. Havia feito amizade com outros ômegas e sempre podia ajudar na cozinha e na horta quando seus pés não estavam doendo muito ou quando a dor de cabeça se mantia longe. Também ajudava na enfermaria ou no berçário, tomando conta de algumas crianças. Zitao havia lhe contado que o Santuário atuava como um Orfanato também, recebendo as crianças que os pais não tinham condições de criar.

E Kyungsoo bem entendia por que era preferível se separar dos filhos daquela forma, pois no tempo em que vinha morando no Santuário, percebia o jeito como a Alcateia Park tratava tão mal os seus lobos, superfaturando os produtos para enriquecer os lobos de sangue nobre e deixando os pobres mais pobres. Não havia investimento em saúde ou em métodos contraceptivos, as crianças nasciam em uma alcateia falida e os pais eram obrigados a deixa-las aos cuidados de estranhos para que pudessem sobreviver. Era o que tinha acontecido com Zitao, quando este nascera de um descuido da sua mãe, que trabalhava em um prostibulo.

— Como está se sentindo? — Zitao o tirou dos seus pensamentos.

Kyungsoo levantou os olhos para o mais novo, molhou os lábios com a ponta da língua antes de responder:

— Estamos bem. — sorriu. — Você acha que a lua vai me afetar de alguma forma?

— Não se preocupe. — meio sorriu e começou a se afastar da janela. — Ômegas grávidos não são afetados pela lua nem mesmo pelo cio até que o bebê nasça.

Kyungsoo olhou mais um pouco pela fresta da cortina, observou ômegas vestidos de branco com colares de miçangas vermelhas no pescoço e o rosto pintado, preparados para a Cerimônia em volta da fogueira. Zitao o tinha explicado mais cedo sobre o modo como os ômegas se ofereciam à Deusa Lua, seduzindo alfas e betas, mostrando sua nudez diante do fogo e alcançando Dal através do sexo. Deixou a cortina se fechar por completo e começou a seguir Zitao até a saída do salão, estava quase na hora do jantar.

— Vai visitar sua mãe hoje? — perguntou quando alcançaram o corredor do Santuário, estavam indo em direção ao refeitório.

— Daqui a pouco. — respondeu vagamente.

Zitao não gostava muito de falar sobre a mãe e Kyungsoo tinha quase certeza que era por causa do trabalho da mesma no prostibulo da Alcateia Park.

— Eu posso ir com você? — perguntou apressando os passos para ficar ao lado do ômega, odiava a forma como se tornava lento a medida que sua barriga crescia, mas também adorava a forma como isso acontecia.

O Huang o fitou de canto de olho, o começo de um sorriso no canto dos seus lábios.

— Mas ninguém pode saber. — falou e Kyungsoo assentiu, pois sabia bem que Sungmin não gostava que ele ficasse perambulando pela alcateia enquanto não tinha sua memória restaurada.

Eles entraram no refeitório e foram em direção a fila que começava a se formar para pegar o jantar. Zitao o ajudou a escolher o que comer, afinal, precisava se alimentar com coisas saudáveis por causa do bebê.

— Você já pensou em um nome? — um ômega perguntou quando os dois se sentaram junto de outros em uma mesa.

Kyungsoo fitou sua barriga, a mão pousou ali, acariciando.

— Ele o chama de Sonolento. — Tao não perdeu a oportunidade de rir do apelido que o ômega mais velho tinha dado ao seu bebê.

Aigoo. — reclamou quando os outros ômegas e betas na mesa começaram a rir, mas logo ele mesmo estava rindo junto.

Sabia que deveria começar a escolher um nome, mas ainda não conseguia encontrar nenhum que combinasse realmente com seu filho, mesmo que já soubesse que era um menino. Então, apenas o chamava de Sonolento, seu bebê preguiçoso.  

— Não é um apelido ruim. — se defendeu, mas todos pareciam não acreditar.

Seus companheiros ainda riram mais um pouco antes de deixa-lo realmente em paz, então Kyungsoo pode comer sob outras palavras ditas por eles. Estavam comentando sobre o Festival, a forma lasciva como os ômegas da Alcateia iam se comportar e sobre a Cerimônia desse ano receber convidados especiais. Kyungsoo prestou atenção na forma como todos estavam agitados, falando sobre os irmãos Byun’s, que provavelmente estariam ali. Alguma coisa o incomodava quando escutava os outros falando daqueles alfas, havia um comichão na parte de trás da sua cabeça e quando ele se perguntou por que estava incomodado, a dor de cabeça veio mais uma vez, acertando em cheio sua têmpora esquerda e o deixando enjoado. Acabou levantando mais cedo da mesa e meio correu para o banheiro para vomitar o seu jantar. Zitao não o seguiu e por isso agradeceu, não queria ter que explicar à ele aquela coisa estranha, aquela ponta de reconhecimento que havia passado por sua mente.

Lavou o rosto e molhou a nuca na pia do banheiro antes de seguir até seu quarto. Deitou-se em sua cama e ficou olhando para o teto por tempo suficiente para adormecer e do jeito que sempre acontecia, teve sonhos confusos. Todos muito cheios de cor, onde sempre aparecia um lobo com olhos azuis e se conseguisse se esforçar um pouquinho, quase podia sentir a textura do pelo deste por entre seus dedos. Mas acordou com Zitao o cobrindo.

— O que está fazendo? — perguntou virando-se de lado, bocejando e limpando os olhos ao mesmo tempo.

— Você parecia com frio. — o ômega respondeu apenas para se afastar até o baú em frente a sua cama e começar a procurar seu casaco, estava na hora de sair. — Ainda vem comigo? — perguntou e Kyungsoo o fitou, ainda meio grogue de sono. — Nós podemos espiar a cerimônia escondidos. — ofereceu, o sorriso travesso de sempre adornando os seus lábios e fazendo o ômega sorrir com a mesma intensidade quando se levantou da cama.

— Temos que voltar antes do toque de recolher da meia-noite. — falou e Zitao suspirou, já sabendo que eles teriam que correr, afinal, eles estavam proibidos de sair do Santuário enquanto a lua estivesse alta no céu, apenas para evitar que os ômegas ali fossem tomados por desejos insanos e quebrassem o voto.

Zitao assim como os outros ômegas e alfas, tinham tomado algumas medidas para não se deixarem levar por instintos. Os alfas haviam se isolado no lado oeste do Santuário enquanto que os ômegas estavam no lado leste, o que era bom porque o chinês não precisava sair do seu quarto. Alguns tinham tomado supressores para não sentirem os efeitos da lua e outros apenas estavam tentando se controlar.

— Então se apresse. — disse ao mais velho e Kyungsoo bufou enquanto procurava seu casaco.

Ele ergueu o capuz marrom do mesmo modo que Zitao tinha feito consigo e então os dois se esgueiraram para fora do quarto, meio correram pelos corredores e se encostaram nas paredes para fugir da patrulha dos anciãos do lugar e então conseguiram alcançar as ruas ladrilhadas da Alcateia Park depois de pular o pequeno muro do jardim. Eles meio correram para longe do Santuário, com Kyungsoo achando aquilo tudo muito engraçado, porque se sentia tão adolescente. Havia uma sensação familiar na forma como fazia aquela travessura, como se o seu corpo estivesse acostumado a fazer aquilo sempre. Mas de que estaria fugindo? Ou melhor... para quem estaria fugindo?

— Kyungsoo? Tudo bem? — o chinês virou-se para ele, quando o notou parar de andar, os olhos desfocados, parecia distraído com algo.

Kyungsoo piscou na sua direção, assentiu e recomeçou a andar disposto a pensar sobre aquilo em outra hora, porque por um momento... por um único momento, ele achou que havia se recordado de algo.

Eles continuaram andando, dessa vez em silêncio, com algumas paradas de Kyungsoo para descansar e olhar em volta, sempre perguntando o que era isso e aquilo e para que servia. Fazia Zitao se sentir o irmão mais velho entre os dois, no entanto, não achava ruim pois gostava da presença do outro ômega. Os dois dobraram em uma esquina, o chinês viu pelo canto de olho a forma como Kyungsoo inclinou-se na direção em que um grupo de pessoas seguia, parecendo terrivelmente curioso com as vestimentas delas.

— São os mediadores da cerimônia. — disse levemente atraindo os olhos de Kyungsoo para a sua direção. — Eles dançam enquanto os ômegas são possuídos pelos alfas ou betas, são eles os encarregados de chamar a atenção da Deusa, clamando por sua presença ali.

O ômega mordeu o lábio e continuou seguindo o mais novo, quando este tornou a andar.  Já estavam perto do bordel, percebeu, depois de reconhecer a faixada colorida do local. Kyungsoo notou a forma como as luzes estavam apagadas, não pareciam estar funcionando naquela noite. Acompanhou Zitao pela entrada do local e constatou que realmente o bordel não estava funcionando. Tudo estava escuro e as pessoas que trabalhavam ali, haviam desaparecido. Continuou seguindo o ômega mais novo até os quartos na parte de trás do bordel, os quartos individuais que pertenciam apenas aos trabalhadores do local. Kyungsoo ficou parado na porta de um dos quartos, incapaz de entrar depois de Zitao, por isso só observou o jeito como a beta — mãe do Huang — abriu os braços para receber o filho.

— Não me avisou que vinha. — ela disse segurando-lhe o rosto e deixando beijinhos em suas bochechas.

— Eu quis fazer uma surpresa. — revelou.

Da porta, Kyungsoo curvou a cabeça em cumprimento para a mulher, que lhe sorriu. Então, olhou para o lado, sentia que estava atrapalhando um momento íntimo. Avistou as portas fechadas de outros quartos, era um corredor realmente grande de portas coloridas. Notou que havia uma numeração em cada uma e pelo jeito como tudo estava silencioso, parecia que os moradores não estavam ali. Observou uma porta se abrir a sua esquerda e uma mulher vestida de branco sair, o cabelo preso em um coque no alto da cabeça enquanto no pescoço só havia um colar de miçangas azuis. Uma mediadora, percebeu.

A mulher o fitou, piscou os olhos maquiados na sua direção, como se não entendesse o que ele estava fazendo ali, ainda mais com uma barriga daquele tamanho. Mas a forma como ela deu de ombros, parecendo reconhecer o símbolo do Santuário no seu casaco marrom, deixou Kyungsoo mais tranquilo. Escutou outra porta se abrir e desviou os olhos da mulher para poder encontrar a porta arroxeada do fim do corredor se abrir, revelando outra mulher. Mas esta estava mais bem vestida, sem nenhum acessório que denunciasse que ela estava indo participar da Cerimônia, ela acabava se destacando em seu vestido rosa-escuro e os saltos, o cabelo escuro descia até abaixo dos seus ombros desnudos. Ela continuou se aproximando, deixando Kyungsoo estático onde estava. Havia uma sensação na boca do seu estômago, familiar demais para ser ignorada.

Ele se viu dando um passo para longe da porta do quarto da mãe de Zitao, apenas para poder olhar a mulher. Não hesitou quando virou-se e andou até ela, que tinha parado seus passos quando notou a aproximação de outro. Kyungsoo não abaixou o capuz quando parou em frente à ela, mas levantou o rosto para fita-la. Os saltos a deixavam maior que si e a falta de cheiro, o mostrava que não passava de uma beta.

— Nos conhecemos? — ela perguntou andando em volta de si, os olhos cheios de curiosidade, deixando Kyungsoo saber que não era o único que estava sendo atacado por aquela familiaridade.

— Eu não sei. — respondeu baixinho, quase um sussurro envergonhado.

— Deixe-me ver o seu rosto. — pediu.

Kyungsoo levou as mãos até o capuz e se preparava para tira-lo quando escutou ser chamado por Zitao, parou o ato e fitou a mulher mais um pouco. De repente, não sabia o que fazer, as sobrancelhas se juntaram em confusão ao mesmo tempo que o amigo chinês surgia para segurar sua mão e o levar da presença da mulher.

— Não saia andando por aí. — ralhou, como se Kyungsoo fosse uma criança, depois que entraram no quarto da mãe de Zitao.

— Quem é ela? — perguntou, ignorando o que ele tinha dito.

— A dona do bordel, Lee Hi. — Zitao lhe sussurrou, parecendo apreensivo. — Ela não gosta de sacerdotes aqui. — explicou e Kyungsoo fingiu entender enquanto balançava a cabeça.

Mas seus pensamentos estavam presos nos olhos daquela mulher, no formato do seu rosto, na forma como ela se mexia. Tão terrivelmente familiar. Será que se conheciam de algum lugar? Será que ela sabia quem ele era e de onde veio? Contudo, se ela o conhecia mesmo deveria tê-lo reconhecido e não parecer confusa daquele jeito.

— Nós devemos ir agora. — o chinês começou a se despedir da mãe depois de cutucar Kyungsoo, tirando-o dos seus pensamentos.

Os dois se curvaram para a mãe do Huang e então saíram dali e durante o caminho inteiro até a saída do bordel, Kyungsoo não viu mais a beta e muito menos falou sobre ela com o Tao, mesmo que seu interior estivesse se revirando em curiosidade.

A lua estava alta quando eles colocaram os pés na rua. A noite fria fazia o ômega apertar o casaco em volta do corpo com mais afinco, Zitao o observou de canto de olho, os lábios se comprimindo no processo quase como se soubesse o que se passava pela cabeça do menor.

— Vocês se conhecem? — se escutou perguntar, trazendo a atenção de Kyungsoo para si. — Você e Lee Hi. — esclareceu diante do olhar confuso do outro.

— Eu não sei. — balançou a cabeça em negação, os ombros ficando baixos de tristeza por nunca conseguir lembrar de nada do seu passado.

O mais novo se aproximou mais um pouco e passou um dos braços por sobre seu ombro, afim de conforta-lo. Sabia que a condição de Kyungsoo era delicada, pois enquanto o coagulo não diminuísse, o ômega não lembraria quem era sua família e muito menos de onde veio. E Zitao nem podia imaginar a forma como era viver daquele jeito, com uma eterna escuridão nas lembranças, não sabendo nem o nome do pai do seu filho. Às vezes, se pegava pensando no que aconteceria com Kyungsoo se ele nunca lembrasse de nada, se o alfa no hospital nunca acordasse... o que seria dele e seu bebê? Afinal, não podia viver para sempre num abrigo. Mas por enquanto, era melhor manter as esperanças.

— Está tudo bem. — falou baixinho, mesmo sabendo que não estava.

Kyungsoo se agarrou a ele e enfiou o rosto na curva do seu pescoço. Eles ficaram daquele modo no meio da rua deserta enquanto o vento frio os acertava por tempo suficiente para que Kyungsoo começasse a ficar constrangido e como se pudesse sentir isso, Sonolento começou a chutar. O ômega se afastou do outro para observar sua barriga, colocar a mão sobre ela e acariciar ao passo que Zitao ria da forma cuidadosa com que o mais velho tratava aquilo, como o acontecimento do ano.

— Vamos. — o Huang decidiu apressa-lo.

Então, recomeçaram a andar, dessa vez mais rápido porque pela forma como a lua estava alta, significava que o toque de recolher da meia-noite estava perto. E a não ser que quisessem levar advertência, precisavam estar em seus quartos no momento em que a diretora fosse fazer a contagem. Era difícil para Kyungsoo correr com uma barriga de sete meses, já que tinha que parar algumas vezes para respirar fundo enquanto Zitao se inclinava sobre os joelhos e ria da forma como o mais velho parecia prestes a ficar pelo caminho, no entanto, mesmo que seus pés estivessem doendo quando chegaram no Santuário, Kyungsoo não conseguia esconder o sorriso de satisfação que havia no seu rosto. Sentia-se um adolescente novamente, cheio de vida.

Eles correram para o quarto e esconderam-se embaixo dos lençóis a tempo da porta ser aberta, relevando a diretora. Kyungsoo manteve os olhos fechados bem apertados enquanto a mulher observava os dois ômegas dormindo. Ela suspirou e assentiu para a sua acompanhante, como se dissesse que estava tudo certo ali, então fechou a porta, apenas para que Kyungsoo soltasse o ar pela boca em alivio. Ele abriu os olhos para encontrar a mesma expressão de alivio no rosto de Zitao, quando este esticou a mão para ligar o abajur sobre o criado mudo.

— Tudo bem? — ele perguntou e o ômega assentiu. — E o bebê? — preocupou-se.

Kyungsoo deslizou a mão por sobre a barriga depois de se deitar de peito para cima. Sonolento não se mexeu e ele não sentia nenhum desconforto, parecia tudo bem.

— Está bem. — assegurou ao jovem aprendiz de curandeiro.

Zitao também virou-se de peito para cima em sua cama, o sangue ainda estava quente no seu corpo e o suor em sua pele deixava suas roupas úmidas. Acabou ficando de pé para tirar o casaco que ainda usava e depois viu Kyungsoo fazer o mesmo, com certo cansaço no ato. O chinês voltou para a cama depois de tirar os sapatos, cobriu-se com o lençol e ficou observando Kyungsoo.

— O que foi? — ele perguntou enquanto esticava os braços e pés, afim de conseguir algum alivio para a dor do esforço de ter corrido até ali.

— Você não a conhece mesmo? — insistiu mais um pouco naquilo que tinha o incomodado mais cedo, simplesmente não conseguia se livrar da forma como Lee Hi estava fitando Kyungsoo, cheia de intimidade.

— Por que eu mentiria? — o ômega rebateu, havia um começo de irritação no canto dos seus lábios.

Zitao comprimiu seus lábios. Se Kyungsoo lembrasse daquela mulher com toda certeza diria, confiava o suficiente naquele ômega para saber disso.

— Ela parecia te conhecer. — disse de uma vez.

— Bom, ela não falou nada do tipo. Na verdade, parecia tão confusa quanto eu. — contou ao volta a se deitar, o peito para cima e as mãos sobre a barriga, Sonolento estava realmente quieto. — Mas... mas por que parece tão preocupado com isso? — virou o rosto para fitar o ômega mais novo, a sobrancelha arqueada.

Podia ter perdido a memória, mas isso não o tornava um idiota. Conseguia ver muito bem o modo como Zitao estava nervoso, talvez, um tanto ansioso desde o momento que o viu na presença de Lee Hi.

— Ela não é uma boa pessoa. — confessou, um pouco baixo, não fazia sentido esconder aquilo do outro.

— Como assim?

— Lee Hi fazia parte do Santuário algum tempo atrás, mas foi expulsa depois que os Chefes descobriram seus interesses em magia negra e outros tipos de trabalhos, além de que, ela quebrou o voto de castidade com Park Hyukjae. Então, fundou aquele bordel com o dinheiro que ganhou usando seu dom.

— Que dom?

— Ela é uma bruxa, Kyungsoo. — havia um tom sinistro no jeito como Zitao pronunciava aquilo que deixava o ômega nervoso. — Lee Hi é capaz de olhar dentro da sua alma e ver seus maiores medos e usar isso contra você. Então, por favor, fique longe dela.


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Notas finais do capítulo

Babo* = idiota/tonto.



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