Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 9
Capítulo 7 - O Jantar




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´´...a chuva batia violentamente nas janelas, o vento castigava as árvores... era a noite do jantar, o tão esperado jantar, o jantar na casa dos Angoti!  Minhas expectativas eram as melhores possíveis, fazia tempo que eu não irritava burgueses e essa era uma chance perfeita, não sei se terá a mesma graça sem a irritação do meu pai, mas tenho a sensação de que será divertido. Além do mais eu quero jogar aquele tal de Michel no chão. Eu conseguiria construir um relacionamento perfeito com Flavius sem aquele idiota no meu caminho! Vou faze-lo rodar tão rápido e forte que sua cabeça explodirá...``

...

—Ele já deveria estar aqui.

—Ele deve ter se atrasado por causa da chuva, querido. E onde esta o Michel? Ele não vai descer? Tivemos muito trabalho para preparar esse jantar, não podemos nos dar ao luxo de deixar que alguma coisa de errado. Vá chamá-lo, querido. Eu vou ver se as criadas estão fazendo tudo certo. Nossa vida política depende disso. Como estou? Estou bem?

—Está bela e elegante como sempre, querida. O garoto ficara impressionado com sua classe.

—Queira Deus. Mandei trazer esse vestido em Paris para o casamento da filha do governador. Paguei uma fortuna por ele.

—Você está ótima.

...

—Michel, pelo amor de Deus! Melhore essa cara! Você tem noção do quanto dependemos disso?

—...

—E não me olhe desse jeito! Ele já deve estar para chegar. Sente-se ai nesse sofá e sorria!

...

´´Então essa é a casa? Que bom, a minha é mais bonita.. e bem maior. Agora eu entendo por que eles querem tanto a minha ajuda...tadinhos... Hora de tocar a campainha.... adoro campainhas com barulho continuo. Tipo, aquelas que fazem PEEEEEEEEEEEE ao invés de DING DONG. Adoro, adoro, adoro! A campainha da casa deles é assim^^. Amei. Adoro deixar meu dedo na campainha até abrirem a porta. Isso deixa os moradores loucos: PEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE” 

....

—MEU DEUS! QUE BARULHO IRRITANTE É ESSE! ESSA MERDA DE CAMPAINHA DEVE TER ESTRAGADO! VÁ ABRIR LOGO ESSA PORTA!

 -ACALME-SE QUERIDA, PAREÇA AGRADAVEL. VAMOS RECEBE-LO NA PORTA.

            Sorrisos... 

...

´´Boa noite.`` ele disse, ´´Desculpem pelas roupas (ele estava de pijamas), é que eu vim direto do trabalho.`` Meus pais se olhavam embasbacados. Depois de um tempo em silêncio, meu pai disfarçou um sorriso e disse:

            -Não se incomode com isso.- disse meu pai ainda sorrindo – Somos uma cidade de gente muito simples. Mas seria bom você se trocar para não se resfriar, não acha?

            - Não precisa se incomodar, estou acostumado a me molhar dessa forma. Sempre me molho quando chove, digamos que é um vicio que eu tenho.-  Fip sorriu de uma forma tão sobrenaturalmente amigável que foi possível esquecer suas afrontas. Os olhos de minha mãe voltaram a brilhar e um sorriso franco apareceu em seu rosto. Fip continuou falando. - Me desculpem pelo atraso, mas tive um pequeno contratempo com a garota que foi encontrada na praça. Ouviram falar nessa história?

            -Sim, ouvimos sim. Não se fala em outra coisa na cidade. - respondeu minha mãe-Soubemos que você está se encarregando na sua recuperação. Um ato lindo da sua parte. Fiquei tão comovida quando soube.

            -Aposto que sim. - retrucou Fip como se quisesse cortar o assunto - Nossa, estou encharcando todo seu chão! É melhor eu aceitar suas roupas.

            -Claro, Michel vai te emprestar uma roupa dele. - disse meu pai me encarando -Acompanhe nosso convidado até seu quarto filho. Ajude-o a se vestir. Quando estiverem prontos nós jantamos.

           Levantei-me contra minha vontade e acompanhei Fip até meu quarto. Subimos as escadas em silêncio, ele sorria como se lembrasse de alguma coisa, fingi não notar o fato. Quando chegamos à porta do meu quarto, apontei o guarda-roupa e disse:

            -Pode pegar o que quiser.

Fip me encarou, sorriu e depois falou:

            -E você vai ficar plantado ai na porta? O quarto é seu, entre!

—Não acho apropriado ficar no quarto enquanto você se veste.

—Bobagem, eu não tenho nada que você ainda não tenha visto, aposto.

Entrei meio a contragosto e me sentei na cama. Fip me observava enquanto tirava a camisa. Sentia-me completamente constrangido com aquela situação, fiz menção de me levantar mas ele disse:

            -Calma, fique, há mais roupa por baixo disso. Não vou me despir na sua frente se isso te constranger.

Sentei-me novamente. Fip continuava falando enquanto tirava a camisa revelando uma espécie de espartilho vermelho por baixo da roupa:

            -Sabe, eu não me sinto nada a vontade com essa situação. Não gosto nem um pouco desses jantares formais. Você pode me ajudar com isso aqui? É um pouco difícil desamarrá-lo sozinho.

Levantei-me e me pus a desamarrar seu corpete, Fip encostou suas costas no meu peito e sussurrou no meu ouvido:

            -Seu pai come a empregada sabia?

            -Do que você está falando?

            -De sexo, ué. Seu pai faz sexo com a empregada.

Aquela situação estava começando a me irritar. Olhei bem para os olhos de Fip e disse:

            -Escuta aqui! Você não tem o direito de...

Ele me interrompeu:

            -Desculpe, pensei que te interessaria saber que seu pai também tem seus próprios podres. Afinal, pelo que ouvi...

            -Mas não interessa! – disse cortando o assunto.

            -Desculpa. Eu só queria ajudar. Talvez eu tenha começado de um jeito torto. Podemos tentar de novo do começo?

            -Não vejo nenhum proprósito nisso.

            -Eu não sei ser menos direto com essas coisas. Mas é que sei lá. Eu sei como é difícil viver nesse jogo de aparências, sociedade, etc. Minha família é bem igual a sua, pelo que pude notar e, bem, eu sou meio igual a você.

Fip se aproximou, encostou seu corpo no meu me deixando sem respiração e falou no meu ouvido:

            -Eu também já causei bastante problemas pros meus pais por gostar de garotos. Eu ouvi sobre essa história do seu pai ter expulsado seu namorado da cidade, ter proibido vocês de se falarem. Achei uma história terrível.

—Meu deus, garoto! Isso é zero da sua conta! Não se meta nisso, tudo bem?

—Tudo bem, desculpe. Só estou dizendo que eu já passei por esse tipo de coisa, e as vezes é bom ter algum igual para conversar.

—Não somos iguais.

—Por que? Porque você não é tão feminino quanto eu? Você acha que porque você tem esse jeitinho de machinho você é melhor?

—Não estu falando isso!

—Que seja. Eu sei de você, você sabe de mim. Ser assim numa cidade como essa pode ser muito solitário, então se quiser conversar você sabe onde eu moro.

—Tudo bem, desculpe se eu fui rude. É que achei sua abordagem invasiva. Mas obrigado mesmo assim.

—Eu costumo ser invasivo, lide com isso. Agora, se você não se incomoda, vou terminar de me trocar no banheiro. 

...

´´A noite perdeu completamente a graça pra mim. Conversei com os Angoti sobre tudo o que eles queriam e fui extremamente agradável. Ainda chovia forte lá fora. Cheguei até a casa totalmente decidido a mastigar esse tal de Michel. Por isso sondei um pouco sobre as histórias da sua família antes de ir. Mas acontece que eu me identifiquei um pouco com o garoto. Soube dessa história: ele teve um romancezinho com um garoto da cidade. Seus pais descobriram e abafaram o caso. Abafaram subornando o menino e fazendo ele ir embora da cidade. É uma história meio triste, fiquei com pena. Acabei oferecendo uma trégua ao rapaz.

            Passei na porta da casa do Flavius, mas as luzes já estavam todas apagadas... decidi caminhar pela praça. Já passava da meia-noite e não havia movimento nenhum por lá (como sempre). Estava meio tonto por causa do vinho e sentia meu corpo tremer por causa do frio.

            Um certo sentimento de solidão tomou conta de mim... sentia-me vazio naquela noite. A vida é sempre tão cruel com todos nós, sempre tão diferente daquilo que planejamos ou sonhamos... tudo é sempre tão vazio e fútil.

Por que as pessoas fazem tanta questão de atrapalhar a vida das outras? Por que  tudo tem que ser tão difícil? Olho para Flavius e suas ilusões... o amor que ele acredita sentir por Michel, a dor que ele deve ter sentido quando toda essa historia do romance entre Michel e Cláudio se espalhou... e por outro lado, Michel, provavelmente ainda alimenta esperanças depois de dois anos de separação... vivendo uma ilusão durante tanto tempo . Vivendo sem noticias da pessoa que ama... e que foi embora da sua vida por dinheiro... e eu? E eu que continuo vivo por simples insistência do destino? Eu que já fui quase assassinado pelo meu próprio pai e passei a vida inteira vivendo com uma família que me odiava... eu que pretendia viver uma vida tranqüila nessa cidade, abandonar todo meu passado e me esquecer da minha família... eu que pensava em me apaixonar por Flavius, esse garoto simples e triste que cruzou meu caminho... essa criança que me faz me sentir mais feliz só em pensar que ele existe... Esse menino cheio de medos e rancores esperando que alguém lhe estenda a mão e diga: Não se preocupe, eu estou aqui com você... e agora essa garota... Natasha.  Abandonada a própria sorte numa cidade desconhecida, pronta para morrer a qualquer momento.... não consigo entender essas coisas... não conigo entender essa vida. Por que Deus brinca de fuder com a vida da gente?...

            -Hei, psiu! Pensando no que?

Levei um baita susto quando ouvi essa voz. Demorei um pouco para encontrar de onde vinha. Era Flavius, estava sentado no muro da minha casa balançando as pernas e olhando pra mim. Ele estava vestido com uma calça jeans preta acompanhada por uma bata de manga comprida também preta e muito larga para seu corpo, de modo que a gola deixava seu ombro esquerdo de fora.

Ele estava encantadoramente belo essa noite. Estava sorrindo, adoro ver o Flavius sorrindo, seu sorriso é a coisa mais bonita que existe nesse mundo... a coisa mais bela, mais pura, mais simples. Meu mundo ganhou outra forma com sua chegada. Senti-me mais leve, tranqüilo e feliz. Queria a companhia dele:

            -Estava esperando você chegar. - ele disse pulando o muro ( que não era alto, devia ter pouco mais de um metro de altura ) e andando em minha direção - Tava muito chato lá em casa, minha tia bebeu demais e acabou apagando no sofá. Ai eu decidi vir até aqui. A casa tava fechada então eu resolvi esperar um pouco.

            Sorri para ele, estava muito feliz em ver seu rosto novamente. Enfim perguntei:

            -E como foram as coisas com sua tia?

            -Foi tudo bem. A gente conversou um pouco ela me pediu desculpas e acabou ficando tudo bem.

            -Que bom. - sorri, estava tão emocionado com sua presença que não conseguia pensar em nada para dizer - Não quer entrar? Está muito frio aqui fora.

            -Quero sim. – disse - Estou com saudades da nossa casa.

Passei meu braço por cima de e ombro e o acompanhei até minha casa. Sentamo-nos na minha cama e conversamos:

            -Então? Como foi na casa dos Angoti?

            -Meio chato, eles insistiram em falar de política e o tal Michel não abriu a boca.

            -É, ele é assim mesmo. E o que você achou dele?

            -Devo admitir que ele é lindinho. Mas parece uma mosca morta, nunca fala nada.

Flavius riu e depois me encarou sorrindo, ele parecia estar muito bem naquela noite, mais leve e tranqüilo... ficamos um tempo nos encarando sem dizer nada, até que , sem mais nem menos, Flavius interrompeu o silêncio dizendo:

            -Adoro quando você me beija, sabia?

Não sabia o que dizer, fiquei alguns segundos olhando para ele sem acreditar no que acabara de ouvir, Flavius estava tão doce e puro essa noite, tão diferente do maníaco depressivo com quem convivi durante todos esses dias..... estava sorrindo, seus olhos brilhavam, havia alguma coisa diferente nele... isso me atraia, aliás, tudo em Flavius me atraia, sua voz, seu cheiro, seu olhar... sua dor... tudo extremamente fascinante e atraente...

           Gritamos, dançamos, rimos, cantamos... e trepamos como coelhos. Foi uma noite perfeita! Amava quando Flavius estava de bom humor, era sempre muito agradável estar com ele em dias de bom humor... Eram quase quatro horas quando o levei para casa, entrei para conhecer seu quarto. Sofia estava atirada no sofá da sala dormindo como uma rocha. Ela não mudou nada... continua com a mesma cara de sonsa... é engraçado vê-la aqui dormindo como uma porca nesse estado decadente. Não se parece com a Sofia que conheci há anos atrás na casa de meu avô.Flavius me mostrou seu quarto e tudo que havia nele. Acabamos transando mais uma ou duas vezes...


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Notas finais do capítulo

Adoro esse capítulo e o próximo =D