Caso Elisabeth Von R. escrita por freudlicious


Capítulo 3
Capítulo 3 – Achando as causas




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POV Freud

 

Depois disso, expliquei para Elisabeth minhas intenções.

Eu utilizaria o tratamento (método) catártico:  basicamente o procedimento terapêutico pelo qual o sujeito consegue eliminar seus afetos patogênicos e, então, ab-reagi-los – ou seja, consegue reviver os acontecimentos traumáticos a eles ligados. O processo consistia em remover o material psíquico patogênico, camada por camada, como se estivesse escavando uma cidade soterrada.

Começávamos com Elisabeth contando o que sabia, e os pontos em que alguma sequência de pensamento parecia obscura eram anotados por mim, eu também tomava notas quando parecia faltar um elo da cadeia causal. Eu esperava poder identificar um conjunto adequado de determinantes para os fatos.

Assim, Elisabeth começou a contar sua história.

Ela era a filha mais nova, bastante apegada aos pais, principalmente ao pai. A família conseguia lidar bem com o temperamento dela, pois, apesar de suas opiniões fortes, ela se preocupava com todos; era uma moça de coração altruísta. Quando seu pai adoeceu, ficou sob seus cuidados durante 18 meses. Ela se obrigava a parecer alegre e sem queixas enquanto cuidava dele. Durante os últimos 6 meses da vida do pai, ela ficou acamada por um dia e meio por causa de dores na perna. As dores passaram rapidamente e não causaram nenhuma inquietação, nem chamaram sua atenção. Depois da morte do pai, ela concentrou toda a sua afeição e cuidados para a mãe.

Depois do ano de luto, sua irmã mais velha se casou com um homem de boas condições financeiras, um rapaz dinâmico, com quem ela acabou não se dando muito bem pois ele demonstrou "falta de consideração" com sua mãe. A irmã casada com ele era complacente, o que deixava Elisabeth frustrada. O fim da picada foi ele ter feito todos se mudarem para uma cidadezinha na Áustria, contribuindo para o isolamento da sua mãe. Assim, Elisabeth que já não simpatizava muito com a ideia de se casar por não querer abdicar de sua autonomia de pensar e agir, teve essa impressão reforçada pelo casamento da irmã com esse rapaz.

O segundo cunhado – que se casou com sua irmã do meio – formou com sua irmã um casamento que reconciliou Elisabeth com a ideia do matrimônio e os sacrifícios que este implicava. Ele fora educado para ter consideração apesar de não ser tão bem-dotado. Ele e sua irmão do meio tiveram um filho. Nesse mesmo ano, o tratamento do problema de vista da mãe de Elisabeth exigiu permanência em um quarto escuro por várias semanas, Elisabeth precisou ficar junto para cuidar dela.

Depois da cirurgia da mãe, que foi bem-sucedida, as três famílias se reuniram numa estação de veraneio e esperou-se que Elisabeth pudesse relaxar. Foi durante essas férias que as dores e fraquezas vieram com violência. Ou seja, só dois anos após a morte do pai foi que ela se sentiu doente de fato, impossibilitada de andar por causa das dores. Ela tinha saído para uma caminhada que durara meio dia, e dias depois, após de tomar banho quente na estação de águas, as dores lhe sobrevieram.

Ela então foi acompanhada por sua mãe para Gastein (Alpes Austríacos) para fazer um tratamento, porém, depois de poucos dias foram chamadas de volta com a notícia de que a irmã estava acamada. Sua irmã do meio acabou morrendo devido a um problema no coração agravado pela segunda gravidez. O cunhado que ela se agradava se afastou da família, levando o único filho que sua irmã falecida deixara. Houve também o boato de que seus dois cunhados estavam envolvidos em uma “briga”, porque o cunhado viúvo estava fazendo exigências financeiras que o outro julgava que não eram justas 

Depois disso, Elisabeth viveu 18 meses de reclusão quase completa sem nada para ocupa-la a não ser os cuidados com a mãe, e com as próprias dores.

O relato inicial dela não explicava porque ela tinha adoecido precisamente de histeria. Em geral, os médicos daquela época simplesmente aceitavam que o paciente era histérico e ia desenvolver sintomas de histeria sob pressão de qualquer evento estressante e pronto. Não era assim que eu, Freud, ia encarar as coisas. Observei que, além de esse relato não revelar a causa das dores, ele também não diminuía a dor que ela sentia. A conversa por si só não melhorava o estado dela, como às vezes acontecia nesses casos.

Eu quis coloca-la em hipnose profunda, mas ela já ficava em um estado parecido sozinha enquanto falava. Por isso, comecei a aplicar-lhe pressão na cabeça, a origem disso, descrevi no caso clínico da Miss Lucy. Apliquei a pressão e pedi que ela descrevesse o que quer que aparecesse em sua cabeça. Elisabeth se lembrou de uma noite em que um jovem a acompanhou até em casa depois de uma festa. Ele era um vizinho de sua antiga casa que tinha um bom relacionamento com seu pai. Por compartilharem muitas coisas em comum ela acreditou que um casamento com ele não implicaria em muitas abdicações para ela. Ela gradualmente desenvolveu a convicção de que ele a amava. Ele não era muito mais velho, e não tinha condições de sustentar os dois, mas ela estava determinada a esperar. Depois que o pai adoeceu, os encontros com esse namorado ficaram cada vez mais raros. Depois dessa noite que voltou com o ele da festa, ela viu que o estado do pai piorou, e se recriminou por passar tanto tempo se divertindo. Eles se afastaram depois disso.

Percebi que o contraste entre os sentimentos de alegria e o agravo da situação do pai gerou sentimentos de conflito, incompatibilidade. Como resultado a representação erótica foi recalcada para longe da associação e o afeto ligado a essa representação foi utilizado para intensificar ou reviver uma dor física que estivera presente simultaneamente ou pouco antes. Era um mecanismo de conversão com finalidade de defesa.

Elisabeth teve várias outras experiências semelhantes. E eu continuei perguntando para esclarecer qual foi o momento da conversão.

 Ela foi lembrando que, por vezes, a chamado do pai, ela pulava da cama de pés descalços no chão frio e uma das queixas dela era a sensação torturante de frio. Depois lembrou que, o pai apoiava o pé em sua coxa direita para que ela colocasse ataduras. Isso acontecia todas as manhãs, pois ficava muito inchada. E desse ponto irradiavam as dores da perna direita.

Assim, as pernas doloridas passaram a participar da conversa durante as sessões de análise. Como ocorria: por meio de uma pergunta, ou pela pressão da cabeça uma lembrança era despertada. Surgia então, uma forte sensação de dor. A dor persistia enquanto a paciente estava sob influência da lembrança, alcançava o clímax enquanto ela contava a parte decisiva/essencial, e com o fim do relato, desaparecia. As dores viraram, então, uma bússola para a análise. Esse foi um período de ab-reação. Durante esse período, o estado físico e mental dela melhorou visivelmente.

Percebi que a perna direita doía quando o assunto era os cuidados com seu pai, sobre sua relação com o namorado que teve em sua mocidade, ou sobre outros acontecimentos desse primeiro período de suas experiências patogênicas. A dor surgia na perna esquerda tão logo a lembrança era sobre a irmã morta, ou um dos cunhados. Assim, fiquei com a impressão que cada novo determinante psíquico doloroso ficava ligado a uma região dolorosa nas pernas.

Ponto doloroso na coxa direita – cuidado com o pai.

Pontos de dor nas regiões vizinhas – novos traumas.

Não havia um sintoma físico único, havia vários sintomas semelhantes com zonas de dor correspondentes aos diferentes determinantes psíquicos.

Dor ao ficar de pé: Elisabeth contou que estava de pé quando o pai fora trazido para casa depois do ataque cardíaco, e com o susto, ficou paralisada como se tivesse “raízes no chão”. Lembrou de si mesma em pé ao lado do leito de morte da irmã, mas ainda faltava algo crucial para explicar a conversão, que fizesse com que sua atenção estivesse voltada para ficar de pé, como por exemplo, o ato de andar. A análise, então, se dirigiu para o dia do passeio na estação das águas. Ela caminhou junto com o marido da irmã do meio, e depois do passeio se sentiu muito cansada e sentiu dores violentas, quando Freud perguntou a razão para isso, ela respondeu que o contraste entre a solidão dela e a felicidade conjugal da irmã, que o cunhado deixava transparecer através de seu comportamento.

Dores ao sentar: houve um dia em que ela se sentou em um banco onde já tinham ido juntos, e que proporcionava uma vista muito bonita. Assim, ela se sentou lá e focou em seus pensamentos solidão, o destino de sua família, e nesse dia confessou o desejo de ser tão feliz quanto a irmã. Naquela noite, depois de tomar banho, as dores começaram de maneira violenta, e continuaram de maneira definitiva e permanente.

Dores ao se deitar: inicialmente, ela ficava aliviada depois de deitar, porém, começou a ter dores ao deitar quando, teve que voltar de Gastein às pressas por causa da notícia de que sua irmã estava doente. Ficou deitada, estendida, insone no vagão do trem, atormentada pela preocupação com a irmã e pelas dores.

A abasia de Elisabeth, ou seja, dificuldade de andar, já estava presente, porém recebeu um reforço.

Durante essa segunda fase de tratamento, onde utilizei a pressão na cabeça para provocar o aparecimento de ideias e imagens, percebi certos impedimentos da parte de Elisabeth. Algumas ideias ocorriam a ela ocasionando uma expressão facial tensa ou preocupada, o que indicava que alguma ideia ou imagem surgiam, mas ela nem sempre estava preparada para comunicar e, por isso, tentava reprimir. Elisabeth possuía uma resistência para compartilhar certas lembranças que, possivelmente, eram desagradáveis e causariam um certo julgamento moral.

Durante a terceira fase de tratamento, ao notar a resistência da paciente em falar sobre certas lembranças, elaborei uma suspeita específica. Um certo dia, enquanto estava com Elisabeth, ouvimos passos e vozes de um homem que, logo após, descobri ser o cunhado de Elisabeth. Até então, ela estivera sem dores, mas após a interrupção do cunhado, apareceram dores agudas. Resolvi questiona-la sobre as circunstâncias em que as dores haviam surgido primeiramente, objetivando confirmar as minhas suspeitas.

POV Elisabeth Von R:

Quando Dr. Freud me perguntou sobre o primeiro momento em que as dores haviam aparecido, pensei nas férias de verão. Naquele tempo, eu pensava que era independente o suficiente para viver o resto da minha vida sem um homem. Porém, subitamente, percebi que a minha natureza fria estava derretendo, e eu ansiava por amor. Me vi extremamente comovida pelo casamento feliz da minha segunda irmã, pois percebia que os dois tinham uma relação que todos os matrimoniados gostariam de ter: o entendimento mútuo apenas com um simples olhar, e o sentimento de segurança que existia entre os dois.

Durante o passeio matinal, fui acompanhada pelo meu cunhado e conversamos sobre muitas coisas. Na maioria das vezes, concordava com tudo que ele dizia. Naquele momento, pensei em como eu gostaria de encontrar um marido que compartilhasse das minhas opiniões e que cativasse o meu coração. Depois de ter voltado do passeio e tomado um banho quente, as dores começaram e nunca mais me livrei delas.

Depois das férias de verão, lembrei da viagem de trem à Viena. Quando cheguei à casa da minha irmã, não pude lhe dizer adeus, pois ela já estava morta. Lembro de estar diante de sua cama, olhando-a, enquanto um pensamento surgiu à minha mente: “Agora ele está livre novamente e posso ser sua esposa”.

 

POV Freud

 

Quando apresentei os fatos à Elisabeth e disse que durante todo esse tempo ela estava apaixonada pelo cunhado, ela rejeitou de imediato a minha hipótese e lamentou-se de dores muitos terríveis. Dizia que aquilo era impossível e que jamais seria capaz de atitude tão maléfica. Tentei consola-la dizendo que ninguém é responsável pelos próprios sentimentos e que, apenas o fato de ter adoecido diante de tal circunstância era prova de seu caráter, porém os meus argumentos não fizeram com que se sentisse melhor.

Na época em que sentia dores, a paciente só se dera conta de que amava o cunhado em poucas ocasiões e momentaneamente. O amor pelo cunhado era, para Elisabeth, como um corpo estranho em sua consciência. Esse grupo psíquico isolado (amor que sentia pelo cunhado) fora separado do resto do conteúdo de sua consciência, e quando eram associados, mesmo que rapidamente, ela sentia fortes dores psíquicas.

O motivo para a divisão de sua consciência foi o mecanismo de defesa, que, nesse caso, foi a conversão. As dores mentais que Elisabeth estava sentindo foram convertidas em sintomas físicos.

Em algumas situações, Elisabeth mesmo que apenas por um momento reconheceu conscientemente seu amor pelo cunhado como, quando teve o anseio de ser sua esposa quando sua irmã faleceu. A consciência simplesmente não sabe por antecipação quando uma representação incompatível vai aflorar. A qual, posteriormente irá ser excluída do pensamento principal, esses momentos são considerados traumáticos, onde ocorre a conversão cujos resultados são, a divisão da consciência e o sintoma histérico.

O que possibilita a existência de vários momentos traumáticos é que as experiências semelhantes à que originalmente introduziu a representação incompatível acrescentam uma nova excitação ao grupo psíquico e desse modo, suspendem temporariamente o êxito da conversão. Não consegui identificar na análise nenhuma ligação causal entre as primeiras dores e qualquer impressão psíquica. O produto da conversão que nesse caso são as dores experimentadas por Elisabeth não ocorreram enquanto Elisabeth estava no momento traumático, mas apenas posteriormente. A conversão não se deu ligada a suas impressões enquanto novas, mas sim, em conexão com suas lembranças das mesmas.

A conversão pode resultar tanto de sintomas novos quanto dos que são relembrados. Mesmo uma pessoa histérica é capaz de reter certa quantidade de afeto com o qual não se lidou; quando em virtude da ocorrência de causas provocadoras semelhantes, essa quantidade é aumentada pela soma até um ponto além da tolerância do indivíduo, assim se dá o ímpeto para a conversão.

A dor nas pernas na Srta. Elisabeth Von R não fora criada pela neurose, mas apenas utilizada, aumentada e mantida pela mesma. Sempre estivera presente no início da histeria uma dor autêntica de base orgânica. Essa dor, que fora reumática em sua origem tornou-se um símbolo mnêmico das excitações psíquicas de Elisabeth.


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