Oitava Fileira: Spin-offs escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 3
Parte dois


Notas iniciais do capítulo

Essa parte acontece imediatamente após o resgate.



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— Por favor, responda, Luca. Pode me ouvir?

Conhecia aquela voz, e odiou o tremor que denunciava o choro recente. — Posso sim, Ramona.

Não tinha ideia como ou quando fora resgatado e levado até a filha, mas mais do que alívio, sentia vergonha. Com a consciência, a dor alastrou-se como raios pelos braços, ainda pior pela força que fez pra ocultá-la. O problema é que Ramona era ainda mais difícil de enganar que o Fred.

— Ainda está sentindo dor?

— Um pouco.

Não esperava pelo tom gelado da resposta. — Então fique calmo, que eu vou alinhar as fraturas da mão direita.

Quando a sentiu tocar no braço, o medo foi tão intenso que nem foi capaz de respirar. Foi necessário um esforço sobre-humano pra manter a mão onde estava, e cerrar os dentes lhe causou tanta dor que choraria se ainda pudesse.

— Por que você sempre faz isso? Já te disse que odeio quando você mente pra mim!

Relaxar os músculos lhe causou mais dor, além de saber o quanto ela estava certa. Conseguiu mover a boca o mínimo pra murmurar uma resposta.

— Não gosto de vê-la chorar.

— Tenho quase sua idade, não preciso ser protegida! Como espera que eu fique tranquila, tem ideia do estado que você chegou aqui?

Estava com raiva dele e da mãe por insistirem nessa briga infantil, mesmo sabendo o quanto precisavam um do outro, mas vê-lo chegar daquele jeito, semiconsciente, com sangue escorrendo pelo rosto... Lua sagrada, o que tinham feito com as mãos dele? Com os olhos dele? Como podia existir gente tão cruel no mundo?

Sabia que seu pai não era nenhum poço de bondade; em alguns aspectos, ele era muito pior que a mãe. Implacável, controlador, manipulador e com um senso de honra distorcido: mas nunca, nunca mesmo, era cruel. E vê-lo torturado daquela forma... Merda, como ele esperava que Ramona não chorasse?

— Desculpe-me. Sim, eu sei. Algo ainda tem conserto?

— Ainda estou avaliando os danos, mas posso diminuir a dor.

— Alguma forma de me fazer enxergar? Não terminei minha tarefa. — O queixo de Ramona caiu. O teimoso queria voltar lá?

— Isso só pode ser brincadeira, e uma de mau gosto. Não acha que fez o bastante? Esse combate desnecessário quase matou o Fred! 

Luca ficou em silêncio por um bom tempo antes de responder:

— Eles também são meus filhos, e ainda estão em perigo. E não posso morrer ainda.

— Cássio e Mauro são a maior força mágica do continente! Nada menor que um demônio ancestral pode feri-los agora! Pare de ser tão arrogante, Luca! 

Achava um exagero a quase reverência com que Marina, Mauro ou mesmo o Cas chamavam o pai de Odin, como se ele fosse algo sobrenatural. — Eles não precisam de sua ajuda! Você não é um deus, e se voltar lá, vai morrer!

— Eu voltarei pra casa, prometo, e vou consertar...

Ramona o interrompeu, furiosa. — Você não entendeu? Dessa vez, é você quem precisa de socorro! Não vou deixar você arriscar a vida da Marina outra vez e não vou perder outro pai! 

— Mauro assassinou o Cássio.

A fúria desapareceu enquanto ela absorvia a notícia. — Não… não é possível… Como…?

— Numa discussão. Por umas duas horas. Seth correu nos sonhos pra me contar.

Aquilo explicava tudo. Todos sabiam o quanto matar com feitiços afetava o usuário, e Ramona não conhecia ninguém na história da magia que matara tanto como Mauro. Porém nem nos piores pesadelos ela imaginara que ele poderia ficar instável e homicida o suficiente pra matar o Cássio por qualquer motivo. 

Luca não receava o que algum inimigo pudesse causar a eles numa batalha, e sim que eles se tornassem os monstros que sempre temeram ser. 

— Lady Shih tem uma inteligência diabólica — o homem continuou numa voz fraca. — Se ela separá-los, ou de alguma forma pôr um contra o outro mais uma vez… Preciso encontrá-los, Ramona. 

Tudo que Luca podia fazer era aguardar, mas conhecia a filha. Ela conhecia o mago imbecil melhor que qualquer um, sabia o quanto aquilo era grave. 

— Talvez eu consiga te fazer enxergar um pouco em dois dias, mas se você demorar muito pra cuidar das mãos, não sei se vou poder te ajudar depois. E com certeza não consigo ajudar se você não me falar exatamente o que está sentindo. 

Luca suspirou, resignado. Depois de um breve inventário e algumas reclamações de Ramona — ela o mandara contar como se sentia, não se mover — estava coberto de suor quando gemeu: 

— Tudo dói muito. Não consigo mover as mãos, e meu rosto parece que foi pisoteado.  — Talvez tivesse sido, corrigiu-se em pensamento. Ficou feliz que não havia outra testemunha de sua fraqueza fora o dragão e Ramona. Porém ouvi-la tentando conter-se enquanto enfaixava novamente o que sobrou das suas mãos era mais difícil do que imaginara.

Não podia morrer. Não enquanto sua filha e Viviane estivessem tão magoadas com ele. Mas também não podia deixar aqueles dois à mercê da própria idiotice, poderia ser o fim da humanidade. Ou pior, de dois dos melhores homens que conhecia. Mauro não sobreviveria a um segundo combate com o ciborgue, vencedor ou não. O lobo imbecil… Espera. Talvez essa fosse a solução. 

— Filha, você poderia me transformar? Algum animal, talvez?

— Mas como… Lua crescente, você é um gênio, pai! Como serpente, você não sentiria mais dor e poderia se mover. Seria meio surdo e míope, mas ainda poderia… Algo pequeno ou uma jibóia?

— Uma sucuri. Pretendo arrastar os idiotas até aqui se necessário. 

— Pai — Se emocionava ao ouvir aquilo, pensava que ela não o chamaria assim outra vez. — Eles não são os garotos de uns anos atrás. Se você realmente planeja voltar àquela dimensão, tenha em mente que mesmo você será um rato correndo entre elefantes. Principalmente o Cas, pai. Não o subestime.

Fora criada na magia e ligada à Terra, podia perceber coisas que escapavam mesmo à astúcia dos pais. Quando fora com Marina, Fred e os gêmeos visitar os dois, quase nove meses antes… Ficara presa entre a fascinação e o pavor. Mesmo com o exterior divertido, o Cas era a coisa mais próxima de um vulcão ativo que já conhecera. Muita coisa podia mudar em nove meses. 

— Tudo bem.

Aprendeu a desconfiar quando o pai concordava muito depressa. — Além disso, tenho duas condições:

Ele concordou com a cabeça, antes de interromper-se num espasmo de dor. Às vezes sentia que era a mais madura da família, tendo esses dois teimosos como pais. — Vai me prometer voltar quando puder. Leve um dia, duas semanas ou um ano: você é nosso pai, volte pra nós de qualquer jeito. Mesmo que…

Doeria muito falar aquilo em voz alta, mas diria mesmo assim — … você não consiga salvá-los. 

Mauro nunca chegou a ser o namorado que quis, porém ainda era um grande amigo. Imaginá-lo derrotado e ferido, longe de sua ajuda era terrível. Pensar que talvez estivesse pedindo ao pai para ir embora sem ajudá-lo era ainda pior. Luca assentiu com gravidade.

— Entendo. Eu prometo. Qual a outra?

— Você vai falar com minha mãe quando voltar. 

Luca parecia sentir dor novamente. — Ela não me quer mais, Ramona. Derreteu a aliança na nossa última discussão. 

As palavras ferinas de ambos na última discussão e o desprezo que fingira — mesmo que os dois soubessem que era mentira — ainda eram recentes demais pra ignorar. 

— Não importa. Você vai tentar conversar com ela e acertar tudo. Concorda?

Era muito pequena pra lembrar de quando seu pai biológico saíra de casa, mas lembrava bem quando Luca saiu dessa vez: Viviane se trancou na sala do caldeirão e nem mesmo Bóris ousou entrar ao ouvir os ruídos da vidraria e das prateleiras vindo abaixo. 

— Vou fazer como você falou, tem minha palavra. Mas não vou me desculpar por proteger meus filhos. Vocês cinco sempre serão minha prioridade, mesmo que meu coração pertença a ela. 

Ouviu passos apressados pra longe, e a voz perplexa da filha:

— Eu… não imaginava que ela... Pai, eu realmente não sabia…

Luca respirou fundo. As coisas são como são. — Sei disso. Aprendi a aceitar as consequências das minhas decisões há muito tempo, Ramona. Mas não acredito que ela vá me perdoar por sair uma segunda vez. 

Lutaria pra reconquistar a confiança de Viviane, mas a conhecia bem demais. O amor por ele (que precisava acreditar que ainda existia) não tornava sua esposa mais compreensiva ou a tarefa que tinha pela frente mais fácil. 

E tudo bem. Ele já vencera probabilidades impossíveis antes. 

A magia de Ramona também era relacionada à Lua, mas era suave como uma noite de verão. Deixou-se envolver, e dois dias depois estava parado, uma serpente negra de sete metros na frente da porta de ébano trabalhado do quarto de Viviane. 

— Precisso ir mais uma vez. Voltarei a esse mundo quando puder. 

Hesitou. Não era uma despedida, sequer sabia se ela estava ouvindo, mas…

— Pertenço a você. Isso não vai mudar — disse, pouco mais que um murmúrio, e afastou-se. Tinha uma missão, repetia ao sentir a pedra presa ao pescoço com uma fita, e Marina não o esperaria para sempre. 

Porque era pai, iria novamente àquele mundo. E porque era pai, marido e filho da Lua, acharia uma maneira de voltar.


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Notas finais do capítulo

A todos que leram até aqui, muito obrigada e até próximo capítulo.



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