Oitava Fileira: Spin-offs escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 4
Parte três


Notas iniciais do capítulo

Essa parte acontece depois do capítulo 29 de Oitava Fileira: Nunca mais deixo o Xavier liderar, após a batalha e todo mundo ser morto. O último trecho acontece no meio do capítulo 31, quando as coisas melhoraram e todos estão se recuperando.



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O garoto à sua frente recolocara a máscara de chifre, a postura impecável apesar de tudo. Luca o respeitava muito por isso.

— Não estou aqui como emissário da Bruxa da Lua, Porta-Vosz. Ssó quero levá-loss pra cassa.

Não conseguiu resistir, esperar por Denise e Xavier estava deixando-o louco, então quando Leviatã voltou, pediu que o levasse até o Mauro.

Para encontrar... aquilo.

— Sei disso. O poder dela o deixou. — Virou a cabeça, procurando os olhos do Violinista, que assentiu em silêncio. — Tem nossa permissão. Todos temos mortos pra honrar hoje. Leve os seus.

Luca curvou-se em agradecimento. Sabia que Porta-Voz não se juntaria ao grupo em torno de Absinto e Perna de Pau até que ele e o dragão fossem embora. Rastejou em silêncio pela terra arrasada até chegar ao cadáver do homem que chamava de filho. Xavier e Denise jaziam a uns metros de distância, e sabia pelos novos sentidos que também estavam mortos.

E apesar de não encontrar o Cássio em lugar algum, tinha certeza absoluta que ele já não existia. A magia ameaçadora que enchia o ar tinha desaparecido, e aquela expressão pacífica do mago dizia todo o resto.

— Você conseguiu, não é? — murmurou para o homem destruído diante de si. E um pouco mais alto, pro dragão de bronze ao seu lado. — Levi, por favor pegue aqueles dois. Eu levo o Mauro.

Devagar, enrolou e levantou o mago até o dorso de Leviatã. Mesmo enquanto voava e tinha todo o sangue lhe sujando as escamas, não sabia como se sentia. Tinha que levá-los de volta, só isso.

Mas não para a sua casa, e sim para aquela pequena floresta em que moravam, no Limoeiro. A pedra leitosa em seu pescoço começou a brilhar.

“Luca? Você está bem?”

— Eu não ssei.

“Você não estava em condições de sair, pai! Por que não ouviu a Ramona? O que aconteceu?”

— Eu... não ssei — repetiu apático. Olhava ao redor, procurando um significado em tudo aquilo e não encontrava.

 “Pai, me responde direito! O que está acontecendo com você?”

— Nada — murmurou monocórdio. — Esstou bem.  O Fred esstá melhor? 

“Abriu os olhos ontem, já está tentando ler pras crianças. Onde você está?”

Não respondeu. Em algum mundo muito distante, Levi inclinava as asas para pousar. Depositou os corpos gentilmente na varanda e esperou. Luca desceu como um autômato, o corpo do filho erguido com a cauda.

— Eu cuido a partir daqui, Levi. Obrigado. Cace algo pra si, eu vou essperar eless acordarem.

Era Odin. Era a calma no caos, lidara com mortos sua juventude inteira. Velara seus pais e amigos, vira seus filhos perto da morte tantas vezes que perdera as contas. Sabia que Mauro teria sucesso, e eles voltariam. 

Então por que sentia como se o sentido das coisas e de todo o mundo estivesse extinto?

Eles voltariam, Cássio seria mais uma vez humano. Limpou e cobriu os ferimentos como pôde, e esperou. Afastou insetos, espantou um grupo de hienas com ferocidade mais de uma vez, e voltou a esperar.

Não tinha fome, sono, esperança ou tristeza. Nem mesmo as lágrimas vieram.

Nada, somente a espera.

Sabia que os dias passavam pelos pássaros de madrugada, e os insetos à noite. Mauro simplesmente não mudava, mas os dois do quarto ao lado... o cheiro pungente pra seu novo olfato de predador parecia apetitoso, mas sua mente humana sabia que teriam que queimar aquele colchão, e talvez o cheiro não fosse embora.

Então, em algum momento entre o terceiro e o décimo dia, muitas coisas finalmente aconteceram.

O urso foi uma delas. Pulou em Luca sem aviso, e se não fossem os últimos dias de luta, o teria partido ao meio. Então enrolou-se contra o animal, contraindo cada músculo enquanto mordia seu focinho. O invasor rugiu ultrajado, e atrás alguém gritou:

— Pare, Marina! Esse é o... Mas que fedor é esse?

O urso desfez-se no ar, e Luca ergueu a cabeça para olhar Ramona e Marina, com máscaras para gás um pouco tortas recém-desenhadas, passarem por um portal para o corredor que a sucuri ocupava quase inteiro.

— Decomposição — respondeu Marina, sombria. — Esse é o cheiro de um cadáver de alguns dias, Ramona. Me desculpe te atacar, Luca. Não te reconheci — complementou, olhando com censura pra Ramona.

— Desculpa, Ma. 

 Massageou a testa, controlando a irritação. O artefato de comunicação continuava preso ao pescoço do pai, e havia aquele mau cheiro horrendo na casa do Mauro e do Cas. O que diabos estava acontecendo ali? — A jóia está funcionando, pai?

— Ah, isso. Eu estava esperando...— Marina o interrompeu, impaciente.

— Estou te chamando há quatro dias, Luca. Pensamos que estava ferido, ou pior. Pode nos dizer o que está acontecendo aqui?

— Marina, me esscute — disse, ainda bloqueando as portas com o enorme corpo. — Mauro precisou fazer uma magia arriscada. Parece muito ruim agora, mas eless vão ficar bem. 

— O quanto parece ruim, pai? Por que esse cheiro empesteando a casa? 

Lentamente, a serpente abriu uma das portas. — Sserá mais simples explicar mostrando. Entre, por favor.

Marina e Ramona hesitaram, mas seguiram o pai enquanto ele se deslocava pra dentro do quarto de Mauro. 

O mago permanecia coberto até o pescoço por um lençol, tão pálido e imóvel que parecia feito de cera. Marina não precisou olhar muito tempo pra perceber que o primo tinha falecido. Começou a sentir tontura, e se apoiou no pai pra se manter em pé. Obrigou-se a puxar o lençol que cobria a cabeça da pessoa ao lado. Meu Deus que não seja o… merda, era mesmo o Cássio, sem nenhuma das próteses, deitado de lado, parecendo dormir. 

É, a morte de dois amigos seus parecia mesmo muito ruim.

Quando a dor da perda estava prestes a engoli-la, viu o mover suave do tórax do Cássio, e entendeu que o irmão adotivo estava mesmo dormindo. Ramona respirou fundo e caminhou até o lado de Mauro, encostando de leve os dedos no pescoço. Era impossível ver a expressão mas a máscara não escondia a voz magoada:

— Há quanto tempo, pai? 

A serpente franziu a testa. Os últimos dias tinham sido um borrão. — Alguns dias. O Cássio voltou há algumas… hoje, mas eu o deixei dormindo. Vou precisar de ajuda com os curativos. 

A bruxa passava os dedos de leve pelo rosto contundido do morto. Falou em voz alta, como se isso pudesse tirar o amargor das palavras:

— Mauro está morto, pai. Não precisa de mais nada.

Não reconhecia metade das cicatrizes, e aquilo na testa era com certeza um ferimento por arma de fogo. Apesar das palavras, a tristeza na voz do pai era evidente:

— Ainda, Ramona, mas ele vai voltar. Parece impossível, ssei disso, mas ele vai acordar outra vez. — Todos iriam, agora tinha certeza. O Cássio precisava descansar, mas quando acordasse tudo ficaria bem. 

Resumiu pra elas como o Cássio perdeu a humanidade, começou a atacar sem controle e o que Mauro, Xavier e Denise fizeram para impedi-lo. De como Xavier deduzira a solução e como por causa disso eles retornariam do outro mundo em breve. 

— Cássio tinha desintegrado com a última magia de Mauro. Há algumas horas, ele reapareceu. Pode demorar, mas as coisas vão ficar bem outra vez. 

Marina se sentou no chão. Aquilo tudo era demais. — Todo esse tempo Denise e Xaveco estavam vivos e agora… Meu Deus, esse cheiro não é daqui, Mauro está muito inteiro. Odin, como você pôde? 

Ramona e Luca olharam pra ela sem entender. As lembranças do ano que passara sozinha, tão mais fortes no meio daquele cheiro horrendo, cortavam como vidro. Sabia o estado dos corpos do quarto ao lado tão claramente como se os tivesse visto. 

Porque de certa forma os tinha visto. Várias e várias vezes. — Por que você não usou a magia que conservou o Mauro na Denise e no Xaveco também? Ou pelo menos deu a eles um enterro decente? 

— Marina, se acalme.

— Como eu posso me acalmar, Ramona? Meus amigos estão apodrecendo ali! Você lembra da Denise, não é? Acha que ela merecia morrer e ficar assim? Como eles poderiam voltar, se voltassem, pra um corpo naquele estado? — E apontou com vigor o quarto ao lado. — Eu não esperava isso de você, Odin. Nem mesmo de você.

E sem esperar por uma resposta, saiu a passos firmes. Ramona virou-se pra Luca.

— Pai, ela não entende.

— Eu sei. — Não conseguia entender como a reação da garota o ferira tanto, considerando os últimos acontecimentos, mas aquela não era a hora pra lidar com aquilo. 

— Pai, não consigo sentir magia alguma. Você tem certeza, absoluta certeza...

— Tenho. Leve-a pra casa, Ramona. Fred e as crianças precisam de vocês, e sua mãe deve estar te procurando. Não quero te ver envolvida na nossa briga. Eu es... vou ficar bem.

Viu a filha hesitar. — Tem razão, pai. Volto pra te ajudar assim que puder. Te amo.

Deu-lhe um beijo rápido na testa e correu atrás da amiga. Ouviu a voz exaltada de Marina, mas não demorou até que a casa ficasse silenciosa novamente.

Era Odin, repetia enquanto protegia as fraturas e ferimentos de Mauro com algo além de um lençol. Um pouco mais, só precisaria esperar um pouco mais. 

***

Cássio ergueu a cabeça, intrigado. O que o Luca fazia no seu quarto? Aliás, o que ele fazia naquela dimensão, e em forma de cobra? — Odin? Tá tudo bem?

Tentou sentar-se, e a decadência lhe disse que a casa estava cheia de humanos mortos. Meu Deus, o que aconteceu? Não conseguia lembrar bem. 

E tinha algo errado com o poder. Estava mais difícil comandar a decadência, quase como uns anos atrás. E podia sentir o lençol no colo, algo estranho no peito, até mesmo as correntes de ar, quando ficara tão sensível? 

Pôs a mão espalmada no tórax, sentiu o bater acelerado que não tinha há anos. Puta que pariu, ele estava…?

— Continua respirando, Cas. Sim, você é humano outra vez. 

A serpente gigante aguardou pacientemente ele sair do choque e voltar a prestar atenção.

— Quanto à sua pergunta, vai ficar. Escute com atenção: Mauro fez um feitiço e agora está morto-

Num pulo —  e onde diabos estava seu braço de metal? — Cássio sentou-se e começou a tatear o rosto do defunto ao seu lado e puta merda, era mesmo o Mauro. Que porra estava acontecendo naquela casa? A cauda do Luca enrolou-se no braço restante, chamando-lhe a atenção. 

— Me escute até o fim da frase, idiota. Mauro está morto agora, mas vai voltar. Preciso que me diga o lugar onde você foi atingido por aquele lança-granadas. Foi aqui perto? 

— Não, pai. Europa Oriental, algum lugar com montanhas, acho. — Ouvia o pai praguejar baixo, aparentemente sem vontade ou tempo de explicar o que aconteceu com todo mundo. Oscilou de novo, esquecido da ausência do braço metálico. Levou alguns minutos e muitas perguntas repetidas para entender o que Luca queria. — Meu corpo anterior eu desintegrei, mas deixei as próteses no laboratório. Estão naquela sala de bebidas. 

— Entendo. Precisso que faça uma coisa pra mim. — Ao ver o consentimento do outro, continuou: 

— Tem dois cadáveres no seu quarto. Precisso que reverta a decompossição. Os deixe tão inteiros quanto possível. Pode fazer isso? 

Cássio concentrou-se. Não conseguia controlar a decadência instável como estava, e tinha aquela coisa que piorava cada vez mais, apertando seu peito e confundindo sua cabeça.

— Cássio, resspira. Você esstá roxo, e desstruindo o quarto. Resspira, porra.

Odin viu o ritmo tropeçado se estabilizar o suficiente pra cor normal voltar ao rosto do filho. Depois de vários minutos, Odin notou que as paredes voltavam ao normal, a dor dos cortes e mordidas diminuía e mesmo sua mente ficava mais clara. 

— Eles também vão acordar, mantenha-oss bem até lá. E vigie as coissas, tenho uns negócios pra ressolver. Volto quando for possível. 

— De verdade. Sim, sempre. Com certeza. — e sacudia a cabeça várias vezes, como um tique nervoso, cada vez mais angustiado. 

Luca deixou a irritação de lado (não era com ele que estava aborrecido, afinal) e olhou pro Cássio. Viu um homem trêmulo, tocando o braço do morto ao lado e recuando como se fosse metal incandescente. Uma vez, e outra e outra. 

Sibilou frustrado. Luca não era cego, não tinha desculpa. — Vem aqui, Cass.

Ajudou o homem mutilado a descer da cama e o envolveu em anéis frouxos, pondo a cabeça na altura da sua mão. — Eu ssei que é difícil.

Cássio agarrou-se ao pai, ainda muito próximo de um colapso pra qualquer resposta coerente. Murmurou que estava respirando, e que não entendia, não podia entender. Fez isso até dizer vez após vez que não lembrava. Não lembrava o que tinha feito, repetia em desespero, e Luca não tinha resposta, mas não precisavam de uma. Apoiou-se um pouco mais no peito do filho, fingindo que ele podia consolá-lo do seu casamento arruinado, dos acidentes e ferimentos e da desgraça inexplicável que sua vida se tornara.

Ficaria um pouco mais.

***

— Ele não disse quando voltaria, Cas? Ou o que aconteceu com... — Não olharia outra vez pro Mauro estendido na cama, e Cássio se recusava a cobrir o rosto dele com o lençol.

Voltara para ajudar o pai, como prometera, pra encontrar um Cássio afogado em tristeza, agarrado à mão do Mauro, e o Luca sumido mais uma vez. Levou um tempo absurdo até que o feitiço fizesse efeito, e o Cas voltasse a falar coisas com sentido e pudesse explicar bem, nada. Cássio não sabia nada.

— Não, Ramona. Já te falei isso, Odin não explica nada que a gente não precise saber, nunca. Homem ou serpente, o pai continua um velho teimoso e mandão pra cacete.

Ramona deu um risinho enquanto concordava, que Cássio ouviu mesmo detrás da máscara. — O que foi, Cas? Você parece desconfortável.

 — Esse encantamento que você fez, essa tranquilidade, sabe... tô agradecido pra ca... ramba, eu só não sei explicar o que...

Ela o olhou com gentileza. — Luca tem razão, é engraçado te ver procurando palavras. Eu entendo, Cas. Esse tipo de cura, em que você tem que entrar na mente de alguém, é algo bastante íntimo. E quem te ajudava nisso era ele, não é?

— É — ele corrigiu com suavidade.

— Cássio, não sinto nada aqui além da sua magia da natureza. Admito que é estranho, nunca vi nada parecido, mas você é a Decadência, Cas. Você não traz pessoas do mundo dos mortos.

— Maninha, a magia do lobo burro é esquisita, torta e nunca faz tudo que ele quer, mas funciona. Se ele disse que voltaria e traria esses dois aí consigo, é o que vai acontecer.

Ramona engoliu em seco. Cássio continuou, sem perceber sua insegurança:

— Odin me mandou fazer os curativos naqueles dois, acha que pode me ajudar nesses também? Vai ficar um trabalho porco com uma mão só.

— Sim, eu pos... Ei, espera! Deixa que eu faço, desse jeito você vai-

Cássio inclinou a cabeça, divertido. — O que foi, mana? Eu sei voar. Devagar como um urubu demente, mas sei. Achou que eu fosse pulando até o meu quarto?

Pegou uma caixa de primeiros socorros que poderia abastecer um avião hospitalar com facilidade e ela o acompanhou em silêncio. Lua sagrada, eram mesmo Denise e o namorado dela, qual era o nome dele mesmo..?

— Não consigo imaginar quem são esses dois, e Odin não disse. Você sabe, Ramona?

A bruxa não entendia os esquemas do pai, mas ele sabia o que estava fazendo. Na maioria das vezes, pelo menos. — Não, Cas. Nem faço ideia.

O homem deu de ombros. — Então vamos começar com esse. Ainda bem que estão demorando, ele sangraria como um porco por esse joelho fod, quero dizer, ferrado.

— Cas, eu te amo, mas essa mania de vocês de editar os palavrões quando falam comigo é muito irritante. Acha que meus ouvidos vão cair por ouvir um “porra” de vez em quando?

Fez cara feia pro Cas tossindo uma risada até perceber o quanto era ridículo encarar um cego. — e nem venha com essa desculpa de que é por causa da Nina e do Leo, você e Mau...

O nome feriu de formas novas, e ela parou. Não conseguia aceitar que Mauro tinha partido tão cedo, e não podia suportar a esperança de Cássio. Se ele não voltasse — e por mais habilidade que tivesse, apenas magia celestial ou divina podia ressuscitar pessoas do jeito certo, sem transformá-las em zumbis ou coisas piores — não saberia o que fazer de si mesma.

— Não precisa evitar de dizer o nome dele por minha causa, maninha. Graças à sua ajuda, eu estou bem. Mauro está voltando, o pateta desgraçado, e vai ficar tudo bem.

Ramona sorriu triste em resposta — Tomara.

***

— Você tem certeza, pai? Se eu chamasse a Ramona, você chegaria em casa em meia hora.

— Não posso envolver mais a Ramona nisso, Mauro. Levi pode me levar, só vai levar algumas semanas.

Todos voltaram ao normal, encerrara seus negócios ali, podia voltar pra casa. Cumpriria sua promessa, e... E o quê? Talvez as semanas voando com Levi fossem o bastante pra pensar no que fazer a seguir.

— Eu posso tentar. Ainda tenho acesso a uns livros que trouxe de viagem, com um pouco de prática-

— Não o escute, Luca. — Ouviram um pouco mais distante. Cássio andava com dificuldade no chão da floresta. Até trouxe as próteses sem problemas, mas prendê-las direito sem o Fred era inviável. — Magia de portais é a única que o peludo aí não sabe bosta nenhuma.

— Cala a boca, animal. Se nós fôssemos viajar do seu jeito, ainda estaríamos atravessando o oceano. O primeiro. 

— Você nos jogou num portal no meio do Atlântico! Já notou que eu não consigo nadar?

— Uma vez, uma única vez paramos no oceano. Você nunca vai esquecer essa merda?

Cássio deu de ombros, como se já estivesse cansado daquela discussão. — Outra vez foi em cima do Vesúvio. Pai, você não deveria ir com ele.

— Já entendi, Cas. — Não comentou a expressão do filho: Cássio já tinha deixado claro que Luca não deveria ir de jeito nenhum tão cedo, mais de uma vez. Talvez ele estivesse certo.

— Fica com a gente mais um pouco. Você não comeu nada.

Mauro olhou para um e outro, até entender. — Luca, há quanto tempo você não come?

Luca olhou reprovador pro ciborgue. Como lobo, Mauro era especialmente sensível ao assunto falta de comida. — Talvesz um mêss. Não é realmente um problema, sou uma sserpente. Vocês doiss sabem que posso passar muito tempo em jejum.

— Não é como se não houvesse comida aqui, ou eu não pudesse pegar alguma coisa pra você. Cas, por que você não me falou?

— Porque eu me alimentaria e dormiria por três semanass. Não estou aqui de fériass, Mauro.

— Vou me alimentar em cassa — complementou, ignorando o silêncio crítico dos dois, e quase sorriu. Tê-los reclamando e brigando como crianças pareceu impossível tão  poucos dias antes. Ramona ficaria feliz de saber que deu tudo certo.

Esperava que todos estivessem bem, e o silêncio prolongado fosse apenas um problema do item mágico ou algo assim. Damas, que estejam todos bem.

Mauro e Cássio finalmente aceitaram que partisse, não antes que Cássio o abraçasse, e não sabia quem ficou mais surpreso com aquilo, se Mauro ou se ele próprio. Seguido de longe pelos dois, rastejou pela escuridão antes da aurora, até encontrar Levi, roendo os ossos da última refeição distraidamente.

— Desculpe-me pela demora.

Num menear de cabeça, Levi ofereceu um osso com mais carne, e Luca aceitou por educação. Levi era o dragão mais generoso numa centena de mundos, nunca deixaria de reconhecer aquela dádiva. Quando o dragão pareceu satisfeito, Luca enrolou-se em seu dorso e partiram.   


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Notas finais do capítulo

A todos que leram até aqui, obrigada mais uma vez e até o próximo capítulo.



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