A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 7
A caçadora e o Lobo solitário




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Durante algum tempo ambos se mantiveram em silêncio completo, apenas os sons da água e da floresta se faziam ouvir entre os dois enquanto Mariah fitava algo no horizonte com olhos perdidos e abraçada aos joelhos. Shura, por outro lado, olhava ao redor de quando em quando para antever um ataque, mas não deixava de repousar os olhos em sua companheira ocasionalmente, ele sabia que a tinha deixado irritada ao falar daquela maneira, mas ele precisava do silêncio para evitar que alguém os pegasse de surpresa e acabasse matando um dos dois.

Subitamente algo pequeno salta da água lenta do lago sibilando e encrava no gorro da blusa de Mariah no instante em que sua cabeça pende para o lado por causa do sono. Assustada ela se abaixa instintivamente antes de olhar para o que quase a atingiu. Mariah vê grudada em seu gorro uma flecha muito adornada, sua ponteira era feita de um ouro muito bem polido e estava encravada na árvore até a metade, seu cabo acompanhava o mesmo ouro com inscrições em runas que ela não conseguia entender e suas penas eram vermelhas e brilhantes como labaredas de fogo, a garota quase conseguia sentir seu calor, não fosse o medo que a percorria nesse momento.

Shura que agora tinha caído em si, se lança em direção a sua protegida sem nem recuperar sua postura, ele olha novamente para o lago e percebe que saindo de dentro dele havia uma mulher com trajes de caçadora que o fitava através de uma flecha bem apontada para seu alvo, estranhamente ela parecia levitar ou até andar sobre a água. A mulher, com um ar de desdém, alivia a tensão do fio do arco de uma só vez e a flecha é empurrada para frente em uma velocidade superior a qualquer flecha atirada por um ser humano, viajando imperceptivelmente ziguezagueante na direção do semideus, por um reflexo ele é capaz de desviar a flecha com sua lâmina giratória invocada um milésimo de segundo antes do impacto, que é forte o bastante para derrubá-lo.

Caprichosa, a mulher sorri sarcasticamente para ele enquanto busca outra flecha em sua aljava em um movimento elegante e preciso, em pouquíssimo tempo ela já repousava outra sobre seu indicador e puxava o fio novamente.

Mariah observava a mulher enquanto ela lançava seu olhar mortal para Shura, por um segundo ela tinha se esquecido de si enquanto olhava aterrorizada para sua inimiga, o cérebro da garota queimava tentando maquinar quem poderia ser. A arqueira vestia roupas de caçadora leves e esverdeadas mas ao mesmo tempo ao estilo grego, sendo sustentadas por finas alças nos ombros e por braceletes de um ouro muito limpo nos braços, na cintura uma faixa de pano amarrava seu vestido curto à silhueta e uma fina capa que aparentava ser de seda da mesma cor da roupa também a cobria, enquanto seus pés aparentavam estar descalços. Sobre tudo isso, um volumoso cabelo cacheado da cor de neve se estendia de sua cintura onde era mais aberto até o topo da cabeça, lhe caindo um pouco sobre a máscara. Máscara essa que tinha um tom escurecido e ostentava um tigre cujas manchas características brilhavam em um azul profundo, contrastando com o de seus olhos que perfuravam seu alvo mais ainda que suas próprias flechas. Seu arco era de prata, adornado com linhas irregulares imitando folhas e raízes e sua aljava era de um couro muito bem cuidado, pendendo de suas costas para a direita, onde ela habilmente alcançava suas flechas de ouro com a destra e as posicionava para outro tiro em um piscar de olhos, com a certeza no olhar de quem nunca erra um disparo. Mariah não tinha mais nenhuma dúvida de quem era a mulher misteriosa.

— Ártemis! – Diz a jovem junto com seu protetor, que a essa altura já chegava para socorrê-la, se colocando entre a deusa e ela. Esta sorri e se inclina em reverência.

— Vejo que minha fama realmente me precede – diz ela em um tom arrogante – olá Shura.

— Pare de nos atacar Ártemis, ou serei obrigado a revidar.

Ela gargalha com a ameaça do homem, sem tirar os olhos das suas duas presas por nenhum segundo sequer. A mulher puxa novamente a corda do arco enquanto aponta para Shura, que agora tinha em mãos os dois discos.

— Então os boatos eram realmente verdade, você se conectou com uma humana. – Mariah estremece com o olhar frio da mulher pousando sobre si, mas estranhamente menos incisivo que o lançado a Shura – que patético... para ela.

— Deixe-a fora disso, Ártemis, a luta é entre mim e você – Shura diz tentando se manter impor à presença gigantesca da mulher.

Ártemis dispara novamente a flecha e ela corta o ar em uma velocidade absurda, mas em um movimento igualmente rápido Shura lança sua lâmina giratória para frente e ela corta a flecha ao meio, fazendo as duas partes se separarem e seguirem inofensivamente para longe dos dois. Shura olha triunfante para a direção de Ártemis, mas ela não estava mais lá, um calafrio percorre o corpo do homem ao perceber isso e ele se vira, bem a tempo de ver Ártemis investindo contra a garota que ainda olhava para o lago tentando entender o que havia acontecido. Em um impulso, Shura coloca a mão diante da adaga que rumava o peito da garota e com a outra ele puxa a jovem para trás de si, fazendo um rasgo em seu gorro que é dividido em dois.

Shura sente a dor percorrer seu braço enquanto sua mão era empalada pela arma da deusa, que no mesmo instante puxa a adaga de volta para si e dá um largo passo para trás, desviando da mão agora livre que vinha em um movimento reto munida de sua lâmina. Com o movimento de Ártemis, a adaga faz o sangue do homem que havia grudado nela traçar uma linha no ar antes de ir ao solo.

— Muito bem, – diz ela com sua voz um pouco abafada pela máscara, mas ainda forte e intimidadora – mas vamos ver o quanto consegue proteger a garota.

Ártemis puxa seu véu para frente do corpo em um movimento rápido e como em um passe de mágica ela desaparece por completo, em um segundo era como se ela nunca estivesse ali.

— Mariah, sua faca! – Grita o homem ainda de costas para ela.

Com dificuldade pelo tremor, Mariah saca sua faca desengonçadamente e a segura como se fosse uma arma, com as duas mãos entrelaçadas em seu cabo. Ela ainda permanecia sentada e o medo fazia a faca oscilar em suas mãos, tilintando em um som característico de metal, a garota olhava para todos os lados a procura de algo que pudesse mostrar algum sinal da mulher, mas nada parecia demonstrar isso. Se aproveitando do sumiço de Ártemis, Shura se vira e com a mão saudável segura Mariah pelo braço, a forçando a se levantar.

— Shura, espera – grita ela se levantando com dificuldade a medida que o semideus ia a puxando.

— Vamos, temos que sair daqui antes que ela tente atirar mais flechas na gente.

— Droga – exclama ela correndo quase de costas procurando encontrar algum equilíbrio, por fim ela consegue – eu consigo andar.

Os dois correm para longe do pequeno lago, se embrenhando na mata novamente, mas a risada de Ártemis os segue bosque a dentro. Enquanto corriam, eles podiam escutar o chiado das flechas passando perigosamente próximas dos dois e se chocando em algum lugar em seu trajeto, se fincando em rochas, troncos ou até mesmo no próprio chão.

E então, as flechas param.

— Ela fugiu? – Pergunta a garota sem fôlego enquanto eles diminuem o ritmo.

— Duvido muito – responde o semideus olhando freneticamente para os lados também ofegante.

— E enquanto a outro semideus? Pode ter aparecido algum e atacado ela.

— Muito menos, eu teria sentido.

— Mas você não a sentiu.

Ele pende a cabeça para o lado concordando em partes.

— Mas ela é perita em se esconder, ela é uma caçadora.

— As flechas dela podem ter acabado.

Shura olha a garota com um olhar penetrante, ela logo entende o recado.

— Okay, aljava mágica com flechas infinitas, cara...

Eles continuam por algum tempo até que o homem para de repente, a garota chega a trombar com suas costas no movimento repentino, eles estavam em uma área totalmente diferente da anterior, as árvores era muito mais altas e haviam muitas mais caídas ao solo, formando um tapete de troncos putrefatos e musgos que se esgueiravam por todos os lados, inclusive em árvores sadias, se a mulher estivesse por perto, mesmo sem sua capa, seria difícil de encontrá-la. Shura parece apreensivo enquanto faz suas lâminas aparecerem, Mariah agarra sua faca com força o suficiente para o nó de seus dedos ficarem brancos e se encosta de costas no semideus, assim eles poderiam cobrir um ângulo de trezentos e sessenta graus.

— O que foi? Sentiu ela? – A garota pergunta temendo a resposta.

— Consegue ouvir isso? – Ele pergunta, levando o indicador a uma das orelhas.

— O quê? – Mariah pergunta cerrando os olhos e tentando focar em sua audição, nada a não ser o farfalhar do que pareciam muitas asas.

— Merda!

Sem avisar, Shura segura a garota pelos ombros e empurra Mariah para debaixo de um tronco podre que ele encontra a meia distância, se jogando junto. Quase que ao mesmo tempo, uma chuva dourada de flechas varre o chão que a pouco eles estavam, eram tantas e vieram em um ritmo tão padronizado, que parecia uma chuva de granizo cor de outro. Muitas delas perfuraram o tronco, passando perto o bastante para arranhar a pele de Mariah e a de Shura, mas a maioria ficou pelo chão exatamente no ponto em que eles estavam a pouco, fazendo um verdadeiro tapete de ouro.

— Meu deus!  - Exclama Mariah de olhos arregalados ainda sem saber se pela ação precipitada e dolorosa de Shura ou pela saraivada de flechas que varreu o chão em que acabaram de pisar.

— Isso foi perto, muito perto – completa o homem cerrando dos dentes – como diabos ela conseguiu fazer isso?

— Ela deve ter atirado pra cima antevendo onde iríamos parar, isso é insano! – ela o observa com terror estampado na feição.

— Ela é a mãe do arco e flecha, não é de atoa que os humanos devem seus conhecimentos a ela, todos os seus hábitos e técnicas foram passados pra eles pelo...

Nesse momento uma luz se acende para Shura.

— É isso! – ele exclama olhando para Mariah, seus olhos brilhavam de determinação.

— O que? O que você pensou!? – Indaga desesperada a garota.

— Já sei como eu vou derrotar ela, você fica aqui.

— Não, espera! Shura!

Já era tarde, o homem rola para fora do esconderijo e se lança para longe da garota, desaparecendo por completo em questão de segundos. Mariah se via sozinha novamente, jogada em algum lugar da floresta que ela não conhecia, porém dessa vez ela tinha certeza que existia algo pronto para matá-la. O tempo passa vagarosamente, arrastado como o silêncio sufocante que se seguia, nenhum sinal de Shura, de Ártemis ou de qualquer animal, tudo estava mergulhado em um silêncio sepulcral, fazendo a garota apertar com mais força ainda sua faca, quase rezando para que a semideusa tenha ido atrás de Shura.

Mariah escuta um suspiro pesaroso e o tronco é perfurado por uma flecha dourada grande o bastante para perfura-lo e quase perfurar o chão também, fazendo a garota ter um sobressalto. No segundo seguinte ele estava voando pelos ares, a deixado descoberta, quando Mariah se vida dá com Ártemisa fitando enquanto segurava o pesado tronco no ar com uma das mãos enquanto olhava para a garota, mesmo com um olhar claramente pesaroso, era como se o tigre rosnasse para ela em silêncio.

— Sinto por fazer isso, jovem, devia ter fugido com o Shura, – diz a semideusa com um ar frio e mortal de superioridade – mas agora é tarde.

Ela joga o tronco para um lado sem se preocupar em tirar a flecha e se coloca em postura de disparo, com os pés paralelos, braço esticado e tensionado e uma flecha apontada a meia distância para o rosto de Mariah, era quase como se uma estátua grega ganhasse vida e cor diante da garota. Sem muito o que fazer, a garota levanta sua faca vacilante e em uma onda de coragem desesperada junto com lágrimas e tremores, ela faz menção de investir sobre a mulher, mas ela vê a corda perdendo a tensão e fecha os olhos, esperando o ataque, mas tudo que ela sente é o vento deslocado pela flecha e um pequeno ardor no rosto.

— Mas... o... quê? – Ártemis diz quase que em um sopro.

Mariah abre os olhos e automaticamente os arregala, o que ela vê assim que os abre é a semideusa a olhando com um olhar vacilante entre perdido e desesperado, sua cabeça pende para baixo, olhando para seu ventre, Mariah acompanha o movimento com seus olhos e percebe que algo tinha a ferido, parecia algum tipo de galho com cinco pontas, mas logo a baixo das pontas vinha algo girando em uma velocidade absurda, fazendo o som de um motor de dentista. Nesse instante, Shura aparece de trás da mulher, com um olhar sério observando sua adversária por trás. Calmamente ele passa seu braço esquerdo sobre o ombro da mulher e segura a sua máscara do lado direito, assim que ele apoia sua mão na máscara ela tenta inutilmente, de forma débil impedir ele de a tirar, mas de nada adianta, em um movimento preciso e horizontal ele puxa a lateral da máscara e arrebenta sua presilha, instantaneamente a mulher grita e como se fosse um balão cheio de confete se desfaz em uma espécie de pó multicolorido da cabeça aos pés, caindo para cima de Mariah, que se defende do que ela acha que seria um impacto mas acaba não sendo.

— Você está bem? – Pergunta o homem, com os dedos pingando e o braço encharcado.

— Eu... não.... pra onde... pra onde você foi? – ela pergunta tentando conter o desespero.

— Eu percebi que o único jeito de parar ela é fazendo ela atirar em algo, porque assim ela ficaria parada e visível, me desculpa se te assustei, não tinha tempo para explicar.

— Você me... – Ela o olha perplexa, fazendo Shura se sentir desconfortável – você me usou como uma isca?

— Era o único jeito de fazê-la parar, eu não ia deixar que nada de mal te acontecesse, Mariah.

— Eu não acredito nisso, você devia pelo menos ter me avisado, droga. – Ela diz se levantando.

— Já disse, se eu tivesse perdido tempo, ela tinha chegado e a estaríamos mortos agora. Eu tive que fugir para ela acreditar que eu tinha te deixado para enfrentar ela sozinha, não percebeu que ela só te atacava depois que eu cortei a flecha?

— E sabendo disso o que você faz é justamente me deixar sozinha? Que espécie de imbecil é você? – Mariah está enfurecida agora, tudo que ela passou aparece de uma só vez, saindo em forma de ira.

— O tipo de imbecil que pelo menos sabe usar uma arma!

— Eu sou a droga de uma garota que veio parar nesse inferno sem pedir Shura, como você espera que eu saiba usar a droga de uma arma?

O semideus estanca, ele tinha deixado se levar pela adrenalina e pela raiva e acabou descontando nela.

— Mariah – ele começa em um tom mais brando – eu só...

— Vamos – ela o corta, cerrando os punhos e o olhando os olhos, ela estava chorando, mas seu olhar era de ira.

— O que?

— Vamos logo, você estava me arrastando por aí pra chegar em algum lugar, não era? Vamos logo.

Sem saber o que dizer ou fazer, Shura obedece, girando em seus calcanhares e caminhando em direção a uma clareira logo a frente, ele a observa por cima do ombro, Mariah ensaia várias vezes jogar a adaga fora enquanto enxuga as próprias lágrimas de quando em quando, até que por fim prende a bainha a seu cinto de novo. Os dois partem deixando para trás as flechas douradas que se desfaziam em fumaça como se fossem velas.


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