A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 5
O início




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O dia amanhece preguiçosamente no exterior da cabana de madeira no topo do morro, os animais começam lentamente a ganhar vida no bosque próximo enquanto o sol inundava o céu com sua luz em um tom de amarelo um pouco alaranjado, os feixes de luz entravam pelas janelas cobertas por finas cortinas muito brancas e cobriam o quarto com uma gama de luzes refletidas em diferentes cores no piso muito bem assentado em madeira fina quase sem nenhum nó. Mariah, entretanto, não compartilhava de toda a paz que essa manhã emanava, rolava quase que sistematicamente de um lado para o outro na cama, assim como fizera durante toda a noite exceto nas únicas três horas em que tivera sucesso em pegar no sono.

A garota sentia o cansaço de uma noite mal dormida a cobrindo como o fino cobertor de seda em que se emaranhava nela enquanto rolava numa tentativa vã de adormecer nem que fosse por mais dez minutos. Todas as posições em que ela tentava adormecer pareciam a incomodar constantemente, ora seu braço adormecia e formigava, ora suas costas a incomodavam, ela se sentia um cubo mágico humano, tentando encontrar a ordem certa de suas faces para conseguir uma posição satisfatória, porém era tarde para isso.

Sua mente viajara longe de seu corpo por toda noite, passando por pensamentos como sua morte quase que certa nesse mundo, seu desaparecimento no mundo mundano, seus pais que deveriam estar desesperados a sua procura, tudo o que acontecera no dia anterior e tudo que iria acontecer pelos próximos seis dias da semana que se seguiria. Junto com eles, ela repassava toda a explicação de Shura que a fascinava e a assustava ao mesmo tempo, seus olhos frios ao ter o significado de seu nome exposto e como todo aquele mundo era capaz de a confundir, ela sentia sua cabeça pesada e não era apenas por causa do cansaço.

Uma batida de leve na porta chama sua atenção, ela esteve tão absorta em seus pensamentos que ela sequer escutou alguém se aproximando pelo corredor.

— Mariah? Está acordada? – Chama a voz grave e duplamente abafada de Shura.

— Sim, eu estou – ela responde inclinando o corpo para frente e apoiando seu peso sobre os dois cotovelos, posição que faz as suas costas doerem um pouco.

— Venha comer algo, temos que ir andando logo mais.

— Já vou – responde ela se levantando, apenas nesse instante ela percebe que não tirou suas roupas de ontem, mas inexplicavelmente a roupa de cama se mantinha tão branca quanto uma nuvem.

Acompanhada pelos passos que se afastavam da porta, a jovem se levanta e tenta se recompor o máximo possível antes de sair. Ela caminha para um pequeno banheiro que existia no quarto, ela se apoia na pequena pia entalhada em pedras lisas e observa seu rosto em um espelho arredondado antes de lavá-lo, ela e parecia não ter dormido por dias de tão cansado que parecia seu semblante, na sua têmpora o corte ainda pintava de vermelho uma parte de seu rosto, mas ele já iniciara seu processo de cicatrização, somado a ele algumas sujeiras e pequenos arranhões, além das olheiras deixavam seu rosto ainda mais cansado do que deveria, se Shura a visse assim, iria desistir da menor possibilidade dos dois se manterem vivos. Mariah enxágua mais de uma vez seu rosto e o seca nas mangas, ela observa a melhora de sua aparência por uma última vez enquanto gira no próprio eixo e se volta novamente para a porta, que em um estalo abre a jovem gira a chave.

Na mesa no fim do corredor estava Shura, colocando algo em uma xícara fumegante enquanto acabava de encher outra no lado oposto da mesa, o forçando a se inclinar, saindo da cadeira por alguns instantes e depois voltando para ela. O líquido era escuro e o cheiro inconfundível: café. A bebida preferida de Mariah. Com os rangidos da madeira, Shura percebe que maria se aproximava e tenta lançar o olhar mais amigável possível para ela, o que fez a garota se sentir um pouco melhor, mas não por ser acolhedor, mas por ser engraçado ver um lobo de madeira pintada com corpo de homem sendo simpático com ela.

— Sente-se – diz Shura fazendo sua máscara subir e descer com o movimento de sua mandíbula enquanto falava – temos que comer antes de sairmos, temos um longo caminho pela frente.

— Bom dia – ela responde um pouco encabulada enquanto se senta – obrigada pelo café.

— Eu não sabia o que você gostava, então pensei em fazer um pouco de algo comum antes de sairmos.

— Acertou em cheio, eu adoro – ela responde animada, tomando um gole, o gosto era divino.

— Uau, isso tá muito bom, como você fez?

Ele tamborila os dedos na mesa antes de responder, incomodado.

— Bom, digamos que eu possa ter um pouco de facilidade de encontrar essas coisas nesse plano.

— Que sorte, por lá eu dependo dos meus pais fazerem essas coisas.

— Por aqui não temos muitos problemas com comida na verdade, um semideus não precisa exatamente comer ou beber, isso tudo são frutos de oferendas com o passar dos anos, então coma o máximo que conseguir.

Nesse momento a jovem parou para pensar e descobriu não se lembrar de como o homem tomara a bebida na noite passada, ela é tomada mais uma vez por um desejo de curiosidade incontrolável.

— Shura, posso fazer uma pergunta?

— Como eu como e bebo se eu não posso tirar a máscara? – Ele diz antevendo a pergunta da jovem, que se inclina um pouco para trás surpresa e com olhos arregalados, ele ri.

— Nossa, eu preciso lembrar que você pode ler a minha mente, chega de truques em mim, Mr. M. – ela protesta rindo da situação.

— Não posso evitar, é natural – diz ele em um tom galante, mas que na verdade era mentira, pois ele apenas tinha percebido o olhar interessado de Mariah em sua máscara assim que ele pegou a xícara.

Ele ri de novo e pega a xícara com a destra. O utensílio traça uma trajetória côncava apoiada pela mão segurando em sua asa e pousa sobre a ponta do focinho do lobo, Shura observava a garota de relance com a cabeça levemente inclinada para trás, seus olhos brilhavam de expectativa e sua boca estava entreaberta sem que ela percebesse. O lobo então abre uma brecha entre os dentes como se tivesse vida própria e o líquido fumegante escorre para dentro da fenda irregular na máscara, assim que todo o conteúdo da xícara acaba, a fenda se fecha como se nunca estivesse ali. A garota agora o encarava com uma cara congelada em surpresa, ele solta uma larga risada.

— Outra coisa que você tem que saber por aqui, as máscaras são extensões de nossos corpos, então ela se comporta e se modifica de acordo com a nossa vontade.

— Então foi assim que o palhaço mudou a sua quando nos atacou.

— Exatamente – concorda o homem com o aceno de cabeça, ficando um pouco mais sério ao se lembrar da luta com Daikoku.

— Mas mesmo assim ver uma delas se modificar apenas para tomar uma xícara de café é no mínimo... inesperado

Os dois riem e um clima aconchegante se forma entre os dois, agora eles conversavam como se fossem bons amigos, mas logo isso morre em um breve silêncio, que é quebrado por Shura:

— Mas Mariah... – ele para, pensou em perguntar como ela estava, já que tinha escutado ela chorando na noite passada, mas achou que poderia ser inconveniente.

— Sim? – Ela pergunta bebericando o que sobrava de sua xícara de café.

— Temos que ir andando o mais rápido possível, então coma o mais rápido que conseguir.

— Certo.

Ela se apressa, comendo apenas alguns pães que ali estavam e algumas frutas também, em pouco tempo estavam os dois caminhando para a saída, ela limpando o rosto e ele fitando sua casa uma última vez antes de saírem. Assim que chegam próximos à porta, ele a interrompe com um movimento de mão em sua frente.

— O que houve Shura? – Mariah pergunta erguendo as sobrancelhas em confusão.

— Quero te dar uma coisa antes de sairmos, prometi que andaríamos sempre juntos para ficarmos bem, mas pra ser totalmente sincero com você, não sei se vai ser realmente assim, então quero te dar isto.

Ele estende a mão e nela, escondida em uma bainha de couro costurada com linhas grossas e da cor dos cabelos do homem, estava uma faca de cabo de marfim e seus entalhes preenchidos em uma esmeralda tão verde quanto uma folha de grama, assim que Mariah pegou a pequena arma, ela a desembainhou e viu sua lâmina. Ela era pouco maior que o cabo e um pouco mais curvada, deixando-a com um aspecto de garra, parecia ser feita de um metal especial, de um cinza opaco quase branco em seu fio e seu corpo de um cinza mais escuro, mas igualmente opaco e brilhante, a garota estava encantada pela adaga, mas também aterrorizada, aquilo era um ótimo objeto de decoração, mas apenas de pensar que seria usado como uma arma a fazia sentir o estômago revirar.

— Vamos ficar bem, – Shura diz assim que percebe o olhar sério da garota na pequena adaga - agora coloque-a na sua coxa ou cintura, onde ficar mais fácil para você alcança-la.

— Vou colocá-la nas minhas costas, debaixo da minha blusa, assim não vão ver que eu estou armada.

— Boa ideia, mas tome cuidado, ficará com problemas se ela ficar enroscada na sua blusa quando for sacar.

— Eu sei – ela diz ríspida, com a raiva que sempre a invade assim que a tratam como uma criança, mas se arrependendo, o que a faz continuar em um tom mais aveludado e agradecido – eu sei Shura, obrigada pelo aviso e pela adaga.

— Certo – diz ele ignorando o ocorrido – vamos seguir pelo Oeste, Shangri-lá fica quase na borda do domo, então temos muito o que andar para chegar no final.

                Mais uma vez eles se colocam a andar e finalmente saem da cabana, o ar fresco da manhã banha Mariah e ela respira fundo, fazendo com que suas narinas se esfriem um pouco, uma boa sensação para quem até então apenas sentia o cheio da poeira da cabana, Shura se mantinha calado enquanto ele a trancava novamente com um movimento do punho, era engraçado para a jovem ver que até aqui os deuses se preocupam com coisas tão triviais quanto trancar a casa. Nesse momento algo toma sua atenção, ao olhar a janela que deveria ser do quarto ao qual ela estava dormindo ela observa que um dos vidros estava trincado, o que ela tinha absoluta certeza de não estar quando ela tinha acordado. Uma onda de choque percorre o corpo da garota, que automaticamente se sente incomodada, então ela diz em voz alta, mas para si mesma, sem que nem mesmo o homem a escutasse:

— Tenho um mal pressentimento...


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