Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 59
Não há lugar melhor




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Os dias que passaram foram uma loucura para o Cebola. Ele trabalhou com afinco para deixar tudo pronto para seu duplo e também cuidou para que o grêmio estudantil estivesse bem encaminhado. As eleições iam ser na próxima semana e ele sabia que o cargo de presidente estava garantido, especialmente porque os alunos acreditavam que o fato de ele ter descoberto os corpos dos membros do conselho tinha dado o golpe final para a queda da Vinha. Isso o tornou um grande herói e daquela vez era definitivo.

Cebola tinha se tornado popular, todos queriam sentar à sua mesa na hora do lanche e sempre o cumprimentavam quando ele passava pelo corredor. Alunos que antes ignoravam sua existência passaram a tratá-lo como um amigo de longa data. Claro que ele continuou dando prioridade aos seus melhores amigos. Mônica, Magali e Cascão eram companhia constante para ele, que fazia de tudo para incluí-los em suas atividades e nunca deixava que se sentissem deixados de lado. Aquela amizade tinha que ser cuidada com todo zelo possível.

A campainha tocou. Eram seus amigos.

— E aí, galera?

— Oi, Cê. – Mônica cumprimentou com um beijinho no rosto.

— E aí, careca? – Ele e Cascão fecharam as mãos e encostaram seus punhos. Já Magali lhe deu um pequeno soco no braço.

— Qualé, o que foi que eu fiz?

— “O que foi que eu fiz?” - ela imitou com uma voz fina e explicou. – essa foi por você ter escondido as coisas de mim, seu lesado!

— Mas eu...

— Deixa quieto, eu também apanhei. – Cascão disse bem humorado.

— Só não vou bater mais porque sei que foi a tia Nena quem pediu, mas mesmo assim fiquei “p” da vida!

Eles sentaram no sofá e enquanto comiam quitutes levados pela Mônica com refrigerante, Cebola falou.

— É isso aí, galera. Vocês sabem que a Serpente pode voltar qualquer hora dessas, então temos que nos preparar. – ele deu a cada um envelopes contendo as traduções dos escritos do Sr. Malacai e deu duas cópias para que Magali entregasse uma para tia Nena. – Aqui tá tudo o que a gente precisa pra derrotar a capirota.

— Por que você fez cópias? – Mônica quis saber.

— Isso é importante demais pra ficar nas mãos de uma pessoa só. Se alguma coisa me acontecer e ninguém tiver cópia nenhuma, aí danou tudo.

— A tia Nena tá me ensinando a usar meus poderes.

— E você já sabe fazer alguma coisa, linda? – Cascão estava muito empolgado em ter uma namorada com poderes sobrenaturais.

— Ainda não, por enquanto eu só tô lendo uns livros...

— Ahhhh, livros... – ele virou os olhos e se esparramou no sofá, fazendo os outros rirem. – Por que ela não te ensina logo a soltar um kamehameha? Ei, não vem me dar mais soco não, tava só brincando!

Cebola instruiu aos amigos para que tentassem decorar e entender os escritos e também guardá-los no lugar mais seguro que pudessem. Eles também decidiram fazer uma rede de apoio para que Magali pudesse estudar magia sem prejudicar seu desempenho na escola. Eles planejaram lhe dar cobertura quando necessário e ajudá-la para que seus pais não percebessem nada de anormal.

E com o tempo, eles também pretendiam reunir os itens necessários para que ela pudesse usar no momento certo. Tia Nena ia manter contato para dar instruções e ajudá-los no que fosse possível. Tendo encaminhado bem esse assunto, eles assistiram a um DVD, riram muito, contaram piadas e por volta das cinco da tarde seus amigos tiveram que ir embora.

— A gente se vê amanhã, véi! – Cascão acenou e foi embora após se despedir da namorada.

— Se cuida, viu? – Mônica lhe deu um beijo molhado no rosto.

— Até mais, seu manezão. – Magali despediu com seu jeito casca grossa, mas sem malícia e os três foram embora, para sua tristeza. Aquela era a última vez que ia vê-los e não podia nem lhes dizer adeus.

Ele ainda ficou parado na porta durante um tempo sentindo o coração apertado e as lágrimas chegaram a formar em seus olhos. Apesar de não serem seus amigos originais, ele tinha se apegado muito e eles iam ter sempre um lugar no seu coração.

—________________________________________________________

— Caramba, até agora ele não falou nada? – Magali perguntou frustrada.

— Nadica de nada, que coisa!

— Que cara lerdo, ninguém merece! Acho que tá na hora de você encostar ele na parede.

— Tô pensando em fazer isso, só que com jeitinho né? Se ele não quiser, não vou nem mais falar nisso. Pelo menos você tá bem com o Cascão. Ele tá de boa com os seus poderes?

— Toda hora fica querendo que eu tire um coelho da cartola ou solte um raduken. Ele sempre gostou dessas coisas, então tá tranquilo. Acho que qualquer outro estaria surtando.

No meio do caminho, elas encontraram Denise que parecia muito zangada.

— Bonito, heim? Vocês fizeram uma reunião e nem me chamaram?

— É... – as duas se olharam tentando pensar em uma boa desculpa. A verdade era que eles não queriam discutir aqueles assuntos importantes na frente da Denise. Não porque não confiavam nela e sim porque queriam manter aquilo entre os quatro.

— O que rolou de importante?

— Dê um tempo, Denise. – Toni falou chegando em seguida.

— É “dá um tempo”, gato! Você tem que parar de falar tão certinho, parece gente velha!

Ele virou os olhos.

— A curiosidade matou o gato, já ouviu falar dessa? Pare de fazer tantas perguntas.

A ruiva ainda quis insistir, mas acabou desistindo ao ver que não ia conseguir tirar nada delas. Tudo bem, com o tempo ela ia descobrir. Por enquanto, ela só queria curtir seu novo namorado. Os dois estavam se entendendo bem apesar das diferenças. Toni estava aprendendo a deixar de lado o lixo machista e conservador que aprendeu na Vinha, mantendo só as coisas boas que aprendeu. Denise estava se esforçando para ser menos impulsiva, mais responsável e o quanto era importante manter sua palavra sem voltar atrás. Ela ainda tinha seu jeito maluco de ser, mas também estava aprendendo a ter um pouco mais de maturidade. Os dois estavam indo bem apesar dos tropeços.

Ela não se tornou a melhor amiga da Magali, mas conseguiu deixar o rancor para trás e as duas podiam conviver em harmonia. Talvez, com o tempo, elas voltassem a ser amigas.

— Nossa, pensei que ela não fosse largar do nosso pé. – Mônica disse quando o casal tomou uma boa distância.

— Eu também. Com aquela ali temos que tomar cuidado, ela não pode ficar sabendo de muita coisa não.

— Quer apostar quanto que ela vai tentar espiar a gente?

— Conheço os truques dela e vou ficar de olho.

Sem mais nada para fazer, cada uma foi para sua casa, ambas felizes ao verem como as coisas estavam bem encaminhadas.

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A noite tinha caído e a casa estava silenciosa. Cebola andou pelos cômodos conferindo se tudo estava pronto. Casa arrumada, contas em dia, despensa cheia e algumas coisas gostosas na geladeira. Ele deixou o tablet que Mônica tinha lhe dado com vários arquivos do Word e vídeos explicando ao seu duplo o que tinha acontecido naquela realidade e, principalmente, as instruções para derrotar a Serpente caso a entidade conseguisse voltar.

Sobre a mesa de estudos, ao lado do tablet, ele deixou um bilhete explicando ao duplo o quanto a Mônica era incrível e que só sendo muito idiota para deixá-la escapar. Com isso, ele esperava que aquele bobalhão abrisse os olhos e aprendesse a valorizá-la.

Quando viu que tudo estava pronto, ele sentou-se no sofá para esperar pelo cientista e sentia um frio no estômago ao pensar que estava prestes a voltar para casa, sua família e seus amigos. Especialmente para a sua Mônica, apesar de ela ainda estar namorando aquele Zé Mané. Mais uma série de desafios o esperava no mundo original, onde ele ainda tinha a árdua tarefa de reconquistar o coração dela. Não ia ser nada fácil, mas ele se sentia muito motivado.

Em alguns momentos ele até pensou se não seria melhor ficar ali e deixar que o duplo continuasse no mundo original. Ali ele era o dono da casa e podia fazer o que quisesse, tinha a Mônica alternativa que era apaixonada por ele e um futuro brilhante. Por que não? As coisas já estavam bem encaminhadas e a tendência era só melhorar.

Após aquele tempo vivendo naquele mundo complicado, ele pode entender por que Mônica gostava tanto daquela realidade. Mesmo com tantos problemas, era um mundo desafiador e fascinante. Muitas coisas importantes foram conquistadas e apesar de ter tido ajuda, ele ainda estava orgulhoso de si mesmo.

No fundo, porém, ele sabia que queria voltar para o lugar ao qual pertencia e encontrar a garota que amava de verdade e ter uma vida com ela. Aquele mundo paralelo tinha lá seu charme, mas não era o seu lugar e ele entendia isso.

E ele não estava indo embora de mãos vazias. Depois que foi embora daquele mundo, a Mônica original tinha perdido praticamente toda a memória. Ela afirmava ainda se lembrar da vida que teve no outro mundo, mas era como lembrar de um sonho e não conseguia ver os detalhes e nem o que tinha aprendido. Foi por isso que ele tomou algumas precauções.

No bolso da sua calça, ele levava um pen drive com todas as anotações sobre o que tinha acontecido, observações e o mais importante: o procedimento correto para derrotar a Serpente. Mesmo que a vida naquele mundo sumisse da sua memória, ele ainda ia ter tudo devidamente anotado e isso o fez sorrir muito orgulhoso da sua inteligência e esperteza. 

Enquanto esperava, ele ia pensando em como Paradoxo ia ajudá-lo a reconquistar a Mônica.

“Até que seria legal se ele me fizesse voltar no tempo pra fazer tudo direito.” Pensou sentindo grande empolgação. Ele poderia voltar àquele dia do reality show e daquela vez, tratar a Mônica muito bem. Ou melhor ainda: voltar até o dia em que ele terminou o namoro com ela e tomar um rumo diferente.

O namoro deles estava muito bom, eles estavam felizes. Por que ele foi fazer a besteira de terminar com ela só por causa da sua neura em derrotá-la? Foi a pior decisão de todas com certeza! Se pudesse voltar no tempo e consertar aquela burrada, ela ficar com ele e o DC não ia ter sequer a menor chance!

— Caramba, e o Paradoxo que não aparece?

— Calma, garoto. Eu não esqueci do nosso compromisso.

— Ô, já não era sem tempo! Tá tudo encaminhado aqui e a gente já pode voltar.

— Impaciente, não?

Sem perder tempo, ele acionou o relógio e Cebola sentiu aquela eletricidade familiar percorrer seu corpo. Um grande flash de luz o cegou por alguns segundos e ele sentiu um baque leve quando os dois apareceram no seu quarto no mundo original.

— Nem acredito que eu tô de volta! – ele exclamou emocionado olhando seu velho quarto e levou um susto. Será que ele foi mandado para outro mundo paralelo? – Peraí, é meu quarto mesmo? Tá arrumado demais!

— E espero que você tenha mantido o meu arrumado também. – ele ouviu uma voz e deu de cara com o seu duplo segurando uma grande bolsa de viagem.

Os dois se encararam durante algum tempo. Cebola pensou várias vezes no que faria caso reencontrasse seu outro eu. Ele devia lhe dar um grande soco? Torcer seu pescoço? Dar um belo chute no lugar mais doloroso do corpo dele? No fim das contas ele não fez nada, pois sua raiva já tinha sido dissipada.

Os dois se olharam por um tempo, um analisando o outro. Inicialmente seu duplo parecia com ele perfeitamente. Depois começou a mudar, como se fossem duas imagens se sobrepondo. Ele estava recuperando sua antiga aparência do mundo alternativo. Será que ele também estava mudando? Após um momento de silêncio desconfortável, seu duplo falou.

— Me desculpe. Sei que não devia ter feito aquilo e você foi muito prejudicado...

— Mas tá tudo de boa agora.

— Eu não estraguei sua vida em nada, isso posso te garantir.

— Também não estraguei sua vida e ela tá até melhor que antes. Eu deixei tudo explicado pra você saber todos os detalhes, você vai ver quando voltar.

— Ele está dizendo a verdade. – Paradoxo confirmou. – Esse rapaz fez muitas mudanças positivas em sua vida.

— Eu acredito. Vamos, estou pronto.

Toda aquela calma e boa vontade para ir embora surpreendeu o rapaz, mas ele resolveu não fazer muitas perguntas. O simples fato do seu duplo destrocar de lugar com ele sem protestos já era uma bênção.

— Tem mais uma coisa: dá uma chance pra Mônica alternativa. Você não faz ideia de como ela é incrível, cara! Se deixar ela escapar, vai se arrepender pelo resto da vida.

Os olhos do outro se iluminaram.

— Acha mesmo que ela tá igual a daqui?

— No que realmente importa, sim. Se você não se importar dela ficar brava de vez em quando...

— Claro que não! Ela fica linda quando tá zangada!

— E não é?

Paradoxo ergueu o relógio, pronto para levar o duplo embora. Antes de ir, o Cebola alternativo disse.

— Então é isso, cara. Adeus.

— Adeus.

— Sem ressentimentos?

— Tô de boa. – o outro sorriu.

Paradoxo acionou o relógio e os dois desapareceram dali. Sentindo-se feliz da vida, Cebola se jogou na cama dando uma risada satisfeita. Tudo ia voltar ao normal e até ficar melhor do que antes.

Alguém bateu na porta e ele mandou entrar. Era Maria Cebolinha, para sua surpresa. Ela nunca batia antes de entrar no seu quarto.

— Cebola, do que você tá rindo tão alto? – a menina perguntou com a voz baixa e timidamente, deixando-o preocupado com o que seu duplo teria feito para tê-la deixado assim.

— Nada não, baixinha. – ele a pegou no colo e deu um grande beijo na sua bochecha. Como ele sentiu falta daquela pestinha! – Você não quer brincar um pouco? Eu até brinco de boneca se você quiser.

Os olhos da menina brilharam.

— Com os ursinhos Bilu também?

— Demorô!

Eles foram para o quarto da menina e brincaram muito. Até Floquinho entrou na brincadeira e pulou em cima do rapaz lambendo seu rosto e abanando o rabo.

— E aí, amigão? – Ele abraçou o cachorro sentindo muitas saudades e pelo visto, o sentimento era recíproco.

— Oh, ele tá chegando perto de você agora!

— E antes não tava? – perguntou surpreso.

— Não, né? Ele só rosnava, mostrava os dentes e teve um dia que quase mordeu a sua mão.

— Acho que foi só uma fase. Agora tá tudo bem. – disse esfregando a barriga do cachorro.

Pouco depois, seus pais passaram pela porta e ficaram surpresos ao ver o filho brincando com a menina. Muito feliz em ver seus pais de novo, o rapaz levantou e deu um grande abraço e um beijo no rosto de cada um, deixando-os desconcertados. Foi muito bom rever sua família depois de tanto tempo e tudo estava quase como ele deixou.

— Que bom ver você mais à vontade! É assim que eu gosto! – sua mãe disse e seu pai concordou.

— Acabou aquela fase de querer ser adulto?

— Hein? É... acabou. Isso cansa demais! – Ele não entendeu lá muito bem, mas isso não tinha problema.

— Pode apostar que sim! – seu pai disse e eles seguiram o caminho.

Quando chegou a hora de dormir, ele colocou a menina na cama, leu uma história e voltou para o seu quarto feliz como nunca. Estar com sua família era a melhor coisa que podia acontecer para ele. O tempo passou e quando estava se preparando para dormir, Paradoxo apareceu em seu quarto.

— E aí, como foram as coisas lá no outro mundo? Ele aceitou de boas?

— Sim. Ele aceitou sua nova vida e sei que se sairá bem. Apenas está um tanto triste porque sente falta da família.

— Ele vai esquecer o que rolou aqui?

— Não de todo, só não lembrará dos detalhes exatos. O mesmo acontecera com você.

Ao lembrar-se do pen drive com todas as informações, o rapaz não ficou aborrecido e mais uma vez agradeceu por ter sido privilegiado com uma inteligência que o permitiu driblar aquele problema da memória.

— Aqui, ele ficou bolado mesmo porque não vai ter mais família? – Cebola perguntou quando um plano surgiu na sua mente.

— Sim, mas ele saberá lidar com isso. No que está pensando?

Ele contou seu plano enquanto Paradoxo ouvia tudo coçando o queixo.

— Dá pra fazer isso?

— Sim, não é nada de complicado. Acha que isso o fará se sentir melhor?

— Acho que sim. Ele deve estar se sentindo sozinho, então isso vai ajudar ele.

— Então arranjarei isso.

Antes que o cientista fosse embora, Cebola resolveu falar de negócios.

— Então tá. Eu te ajudei com o desequilíbrio do outro mundo, o abacaxi foi descascado e tá tudo bem. Agora você tem que cumprir sua parte no acordo e me ajudar com a Mônica. – o cientista deu um sorriso misterioso.

— E eu farei isso, não se preocupe. É só uma questão de tempo e você a terá de volta.

Ele riu, pulou, deu socos no ar e até dançou de alegria mesmo sabendo que estava pagando mico.

— Quando isso vai ser? Cara, não demora muito não!

— Será antes do que você pensa e quando menos esperar. Não lhe darei muitos detalhes porque as coisas precisam seguir seu rumo para que tudo dê certo. Agora eu preciso ir, ainda tenho muitos assuntos para resolver. 

E desapareceu dali num flash de luz. Cebola se acomodou debaixo das cobertas, apagou a luz e dormiu sentindo-se muito satisfeito por estar em casa. Não podia haver lugar melhor para ele.


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