Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 43
Despedindo-se da Terra


Notas iniciais do capítulo

O capítulo é um pouco mais longo que o normal, mas hoje é meio que especial e vão acontecer muitas coisas. Espero que gostem!



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Ele não sabia se era para arrancar os cabelos, dar uma bronca ou mandá-la embora e apenas lhe abraçou bem forte dando um beijo intenso em seus lábios que a pegou de surpresa, pois não esperava isso de jeito nenhum.

Denise sentiu as pernas amolecerem, o coração disparou e ela correspondeu o beijo sentindo a maior felicidade do mundo. Mesmo sendo um tanto desajeitado, ela achou que com ele estava sendo muito melhor do que com Titi e Xaveco juntos.

Até então ele não tinha se dado conta do quanto queria fazer aquilo e não se importou nem um pouco de estar dentro de um quarto de hospital perto de um quase cadáver. Estar com ela parecia tão certo e natural que todas as suas inibições e tabus simplesmente caíram por terra. Não tinha mais sentido continuar adiando aquilo.

— Sua doida, você se arriscou muito vindo até aqui! - ele disse quando seus lábios finalmente se separaram.

— Precisava te ver, gato! Você sumiu e não deu mais notícias!

O rosto dele entristeceu.

— Foi preciso. Eles fizeram ameaças.

— Mas que bando de filho da... ah, não importa! Pelo menos eu pude te ver ao menos um pouco. Você vai ter que ficar aqui vigiando ele?

— Sr. Boris mandou que eu ficasse aqui e não saísse por nada.

— Que uó! O que aconteceu de verdade? Ninguém tá falando coisa com coisa!

Toni explicou por alto o que tinha acontecido, sem mencionar que foi Cebola quem invadiu a organização. Mas é claro que ela acabou matando a charada.

— C-como você...

— Amore, você tá falando com a Denise! Eu sempre consigo a informação que quero! Toda essa confusão aconteceu na Vinha e o Manezinho apareceu na casa do Cebola? Ele não brotou ali sozinho.

— Você tá indo pra casa do Cobaia? Que negócio é esse?

— Ai, calma! Foi pra ter notícias sua, seu bobo! Aí eu achei o Manezinho lá. Ele tá bem, só muito ansioso pra ver a família dele.

— Ainda não pode, mas com o sumiço dos membros do conselho a Vinha ficou sem liderança nenhuma e ninguém sabe o que fazer. Isso pode apressar as coisas para ele. 

— Como eles estão se arranjando?

— Nem sei! Sr. Boris não sabe lidar com isso e eles não respeitam muito a autoridade da Srta. Duister por ser mulher.

— Povo mais atrasado!

— Agora eles estão perdidos. O Sr. Boris até falou que sem esses figurões importantes, a organização vai ruir em poucas semanas!

Denise ficou satisfeita com as informações que tinha conseguido e ainda mais com os beijos daquele rapaz tão alto, forte e bonito. Como não tinha muito tempo, deu mais alguns beijos no seu novo namorado antes de eles se despedirem.

— Você precisa ir. Sr. Boris vai mandar seguranças para vigiar a porta e eles devem chegar a qualquer momento.

— Já vou indo então. Quando te derem uma folga, me procura tá?

— Claro. Mas não fique me procurando, esse pessoal da Vinha não é de confiança e não quero que te façam mal.

— Tá bom. Toma cuidado, viu? Também não quero que nada de mal aconteça com meu boy magia. – Seu rosto ficou vermelho. Ele não parecia acostumado com essas demonstrações de afeto.

Eles se deram mais um beijo e Denise foi embora feliz da vida. E as informações que tinha conseguido eram muito valiosas.

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Carmem recebeu a organizadora de eventos para planejar sua grande festa e falava sem parar sempre querendo mais e do melhor. Seus pais podiam pagar por isso.

— Então, eu quero dar uma festa de halloween. Mas tem que ser “A festa de halloween!” É pra arrasar a concorrência!

— E como você gostaria que fosse a decoração?

— Ah, tem que ser bem assustadora! Com caveiras, abóboras, morcegos, teias de aranha... dá pra fazer teias que pareçam de verdade? Se der pra colocar uns fantasminhas flutuando também seria bom! E não se esqueça dos salgadinhos!

Carmem foi enumerando tudo o que queria para sua festa enquanto a mulher anotava rapidamente pensando no preço alto que ia cobrar. Suas amigas acompanhavam tudo e estavam muito empolgadas em ter uma grande festa para compensar a tristeza que estava sendo a escola nos últimos meses.

Irene e Isa tiveram que tingir os cabelos assim como Carmem e nenhuma delas conseguia se acostumar com aquilo. Maria Mello ainda chorava por ter tido seus cabelos cortados.

— Não esquece o DJ, amiga! – Isa lembrou.

— Vai ter aqueles acessórios de neon que brilham no escuro? Isso é tão legal! – Maria sugeriu e Carmem gostou da ideia.

— É mesmo, mas tem que ser tudo coisa de halloween, viu? Anota aí!

— Vai ter concurso de fantasia? – Irene quis saber. – Isso pode incentivar o pessoal a usar coisas bem legais.

Elas foram tendo ideias e em pouco tempo a mulher teve que recomeçar as anotações em outra folha. Por fim Carmem encomendou os convites e a mulher foi conversar com seus pais sobre detalhes como pagamento e a assinatura do contrato.

— Ai, amiga! Tô doida pra 31 chegar logo! – Maria bateu palmas e deu vários pulinhos.

— Eu também! – Isa concordou. – Já vou encomendar minha fantasia pra ficar bem bonita pra festa.

As garotas passaram o resto da tarde conversando sobre a festa, as fantasias e montando a lista de convidados. Aquela ia ser a maior festa de halloween de todos os tempos.

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— Parece que a Carmem vai dar uma festa no dia 31. – Mônica falou olhando seu celular. – Ela deve distribuir os convites amanhã ou depois.

— É... parece legal. – Magali não parecia muito empolgada.

— Fica calma que eu vou dar um jeito dela te convidar também.

— Se ela não quer fazer isso, prefiro não insistir. Não tenho que implorar nada pra ninguém!

Elas estavam indo para a casa do Cebola e quando chegaram, Cascão já estava lá batendo um papo com o amigo. Eles se sentaram e começaram a planejar o que iam fazer no dia 31 de outubro.

— Eu dei uma olhada no mapa do esgoto e vi que tem um caminho até o subsolo da organização. – Cascão falou colocando o xerox de um mapa sobre a mesa com o caminho destacado com marcador vermelho. – Eu reparei que depois de certo ponto, só tem um caminho que leva até lá, então não tem erro.

— E vai dar pra chegar lá em segurança? – Cebola quis saber.

— Achei uma entrada que não fica muito longe, então vai dar sim.

Magali colocou uma lista sobre a mesa.

— A gente vai ter que levar lanterna e a Mônica arrumou uns walkie-talkies pra nós.

— É que celular pode não pegar direito lá em baixo. – a outra explicou. – Você acha que vamos ter que levar alguma coisa pra nos defender? – Cebola respondeu.

— Confesso que não sei o que esperar.

— Eu vou levar minha barra de ferro só por precaução.

— E eu vou levar minha corrente. Não quero facilitar.

— A que horas a gente vai?

A pergunta da Mônica foi simples, mas pegou os outros de surpresa.

— Nem sei quanto tempo vai levar! – Cebola respondeu. – Acho que a gente devia fazer isso o mais cedo possível porque a barreira só vai enfraquecer durante 24 horas.

Para os outros isso era um problema porque não era fácil para eles ficarem o dia inteiro fora de casa. Foi então que Mônica teve uma ideia.

— A Carmem vai dar uma festa de halloween no dia 31. Podemos falar que vamos ajudar na decoração, arrumar nossas fantasias, coisas assim. Aí nossos pais vão liberar.

— Só que a gente nem foi convidado! – Cascão disse.

— Vou dar um jeito de ela arrumar convites pra nós.

— Boa ideia. – Cebola disse. – Com essa festa, vamos ter um tempo extra pra resolver esse problema caso dê zebra.

A campainha tocou e Cebola deu um sobressalto. Ele estava sempre esperando que a polícia fosse bater à sua porta a qualquer momento. Bastou apenas um olhar para que o mapa dos esgotos fosse escondido, a lista guardada, a chave de ossos foi jogada numa gaveta e vários livros e cadernos encheram a mesa. Quando foi atender, viu que era só Denise. Ainda assim ele não queria de jeito nenhum que ela soubesse dos seus planos. 

— Você não vai acreditar no que eu descobri! O Maior bafão!

— Então entra aí e fala pra nós.

Ela não escondeu o desagrado quando viu Magali sentada à mesa, mas não falou nada porque a casa era do Cebola. A moça contou sobre sua visita ao Toni e finalizou.

— E foi isso que ele me falou. Todo pessoal importante sumiu mesmo e ninguém sabe deles.

— Hum... ele falou que a organização pode ruir em poucas semanas sem a liderança deles? Bom saber disso! – Cebola falou. – Eles devem ter enfraquecido bastante. Então acho que não vão causar problemas por um tempo.

Denise olhou para a mesa e viu que eles estavam estudando. Aparentemente. Os livros pareciam ter sido abertos de forma aleatória, um dos cadernos estava de cabeça para baixo e os estojos nem tinham sido abertos.

— O que vocês estão tramando aqui?

— A gente tá só estudando. – Cebola respondeu e a moça deu uma risada.

— Tá pensando que eu sou boba, é? Anda, tricota aí. Eu dei uma fofoca boa, agora quero outra em troca.

— Pra você sair espalhando pra meio mundo? – Magali falou mal humorada. Antes que Denise pudesse retrucar, Cebola explicou.

— É uma coisa muito complicada, não dá pra ficar falando assim.

Quando ela cruzou os braços e ficou batendo um pé, todos entenderam que não ia sair dali enquanto não soubesse a verdade.

— Olha, Denise... é que se as pessoas erradas souberem o que a gente vai fazer...

— E vocês estão achando que eu vou sair contando pra todo mundo?

— Basicamente, é isso. – Magali deu de ombros, pois não estava mais com paciência para tolerar as infantilidades da ex-amiga.

— Escuta aqui, garota...

Magali se levantou e as duas teriam brigado se Cascão não tivesse acalmado a ex-valentona.

— Calma, linda, fica assim não. E Denise, foi mal, mas o que a gente vai fazer é perigoso. Vamos ter que andar nos esgotos e...

— Cascão! – os outros três falaram ao mesmo tempo.

— Andar no esgoto? Ai credo! Não tem outro jeito? Ah, eu quero ir também, mas andar no esgoto nem pensar!

— Então não vai. – Magali falou secamente. – Nós já estamos com tudo planejado e não vamos mudar nada só porque você quer.

Mônica procurou ser mais diplomática.

— Olha, Denise, isso pode levar o dia inteiro. Se quer mesmo nos ajudar, precisamos que nos dê cobertura caso os nossos pais liguem procurando a gente. Por favor, vai! Isso é muito sério!

Com muita persuasão e a promessa de poder escolher um conjunto de roupa e sapatos do seu armário, Denise acabou concordando. Ela não ia abrir mão de ganhar uma linda roupa de grife para ficar rastejando no esgoto. Ainda assim Cebola precisou explicar para ela o que, exatamente, eles iam fazer no subsolo da Vinha. Mesmo não acreditando naquela história de sobrenatural, ela achou que podia ser uma aventura bem emocionante.

Após um tempo, Manezinho se juntou a eles e Cebola preparou um lanche para todos. Denise contou a ele o que tinha ouvido de Toni.

— Tomara que aquele velho encardido morra seco! - falou cheio de ressentimento.

Cebola sentiu um arrepio desagradável, como um pressentimento ruim. Ainda assim não falou nada. Os outros não iam entender.

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Aquilo só podia ser um pesadelo!

— Céus, isso não pode acontecer! – Sr. Malacai falou com a voz rouca e aflita. Seu objetivo era trazer ordem ao mundo, não a aniquilação total.

Por mais que detestasse a forma como o planeta estava caminhando, aquilo não podia ser pior do que o grande mal que ele estava restes a trazer à todos e resolveu encerrar aquilo de uma vez.

Foi uma batalha, alguns membros do conselho foram mortos, outros feridos. Ele mesmo conseguiu escapar por muito pouco. Mas o portal foi fechado, felizmente. O mundo estava a salvo. Ele não podia permitir que uma entidade como aquela, que visava a destruição da raça humana, retornasse ao planeta.

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— Aquele desgraçado não pode fazer isso comigo! Eu acabo com a raça dele! – Agnes bradou furiosa quando soube que Boris tinha lhe proibido de entrar no quarto do Sr. Malacai.

— Não fique desse jeito, cherry. Vamos ter que pensar em outra coisa. – Penha tentou lhe animar.

— Como vou conseguir chegar ao quarto daquele velho?

A moça pensou um pouco e respondeu.

— Eu acho que foi melhor você não ter conseguido entrar lá hoje, porque aquele hospital tem câmerras de segurrança. Já pensou se o velho aparrece morto e você nas filmagens?

— Não me importo nem um pouco.

— Pois devia. Faltam mais de quinze dias parra a data final e qualquer problema pode nos atrapalhar.

Ela acabou concordando. Ir presa não ia ajudar em nada nos seus planos.

— Como faço então? Se ele continuasse inconsciente tudo bem, mas ele pode acordar a qualquer momento e dar com a língua entre os dentes.

Era uma situação complicada e Penha precisou colocar a cabeça para funcionar.

— Não dá pra usar a entrada de serviço? – Sofia perguntou e Penha lhe lançou um olhar cortante. Depois mudou de ideia e falou.

— Até que essa criaturra sabe pensar de vez em quando. Oui, vamos fazer o seguinte:

Penha foi traçando o plano cuidadosamente. A ideia era Agnes usar a entrada de serviço do hospital. O lugar nem era tão bem vigiado assim, então ela poderia entrar sem grandes problemas. Em segundo lugar, ela tinha que mudar sua aparência para não ser reconhecida.

— Eu vou arrumar uma perruca e te dar um uniforme de enfermeirra. Você vai ficar irreconhecível.

— Assim será mais fácil andar pelo hospital, mas os seguranças não me deixarão entrar no quarto.

— Isso serrá um problema parra você? – a mais nova perguntou maliciosa e a outra sorriu.

— Não, não será. Agiremos essa noite sem falta. De hoje ele não passa!

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— Senhores, temos um grande problema nas mãos. – Ele falou aos membros restantes. – Não podemos deixar que esse grande mal assole a humanidade!

Todos concordaram.

— O que faremos então? – um deles perguntou. Ele tinha uma grande barba escura e era tão antigo no conselho quanto ele.

— Cortaremos o mal pela raiz. – O presidente respondeu mostrando a todos uma chave feita de ossos.

— Isso é realmente necessário? – outro membro perguntou. Ele ainda era relativamente jovem, mas tinha uma barriga que estava começando a crescer bastante.

— Infelizmente sim, cavalheiros. O sobrenatural é a porta de entrada para a ruína da humanidade. É através dele que um grande mal virá ao nosso planeta.

— Mas nós sabemos como lidar com esse mal! – um magrelo e raquítico falou.

— Eu não quero correr nenhum risco. A situação é muito grave. Não, senhores. Desse jeito será melhor. Com o fim do sobrenatural, impediremos que o planeta seja arruinado e também teremos mais controle sobre todos. Cabe à nós controlar esse mundo e trazer ordem. Assim será feito.

E foi o que ele fez. As lembranças passavam pela sua cabeça enquanto seu corpo não mostrava nenhuma reação. Sr. Malacai lembrava dos seus esforços para proteger o planeta. A cada ano, ele fortalecia a barreira mais e mais até que ela atingisse o seu máximo. Infelizmente ele não conseguiu impedir que ela enfraquecesse temporariamente no dia 31 de outubro, por isso selou o local onde ela foi alterada na parte de baixo da Vinha e só havia uma forma de ter acesso a ela. No futuro, ele pretendia dar um jeito de evitar que ela enfraquecesse no dia das bruxas. Só assim o mundo estaria totalmente a salvo. Porém, todos os seus esforços caíram por terra quando aquele rapaz roubou seu cofre.

— Acorde. – uma voz falou num sussurro que pareceu penetrar em seus tímpanos. – Acorde.

Sr. Malacai abriu os olhos rapidamente, acordando num sobressalto.

— Onde eu estou? O que está acontecendo?

— Sua hora está chegando. Prepare-se.

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Agnes estacionou o carro num lugar discreto e foi a pé até a entrada dos fundos. Penha ficou em frente ao hospital, do outro lado da rua, para vigiar caso alguém da organização aparecesse.

— Eu me sinto esquisita. – a mulher falou, meia hora antes, quando Penha mudou seu visual. Ela estava usando uma peruca ruiva e cacheada e uma maquiagem pesada para disfarçar suas feições. Até sutiã com enchimento ela estava usando! Era muito estranho ver aquele volume extra em seu busto.

— Ninguém vai te reconhecer desse jeito. Não se preocupe, cherry. Você tá ótima.

Levou tempo, mas Agnes acabou se acostumando um pouco com o visual de enfermeira-sexy-perua e conseguiu entrar pelos fundos conforme Penha tinha orientado. Naquela hora não tinha muito movimento e a porta ainda estava aberta.

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Ele se sentiu desajeitado, pois estava de pé e sem o apoio da sua bengala.

— Que lugar é esse? Onde eu estou? – o idoso perguntou olhando ao redor. Era noite e a lua iluminava o lugar de um jeito bem incomum. Havia uma floresta com pinheiros ao redor e um grande lago à sua frente. Apesar da situação estranha, a paisagem não deixava de ser bonita.

— Você está no outro lado. – aquela voz falou e ele gelou de medo ao ver de quem se tratava.

— O que quer de mim? – perguntou tremendo e recuando alguns passos. Ela ignorou seu medo e se aproximou.

— Sua hora está para chegar. Seu tempo na Terra acabou.

— N-não pode ser! É mentira, eu ainda tenho muitas coisas para fazer! Não posso ir agora!

— Não cabe a você decidir isso. Você virá comigo e enfrentará seu julgamento.

— Julgamento? Eu? Um homem justo e correto que protegeu o planeta durante todos esses anos? Como se atreve?

Ela ergueu um pouco seu capuz, revelando um par de olhos que fez o velho cair de joelhos e cobrir o rosto com vergonha.

— Não! Pare! Eu sou um homem bom! Sempre fiz o que é melhor para todos!

— Isso é apenas uma ilusão que você alimentou durante anos e agora acabou. Todos verão como você é na verdade. Inclusive você.

Sr. Malacai se curvou num pranto sentido, sentindo-se a pior pessoa do mundo.

— Eu fiz isso para proteger a todos!

— E trouxe consequências terríveis ao planeta e as pessoas que vivem nele. Tem noção de quanta miséria e sofrimento suas ações trouxeram? Quantas mortes?

— Pare, por favor! Eu não sou assim!

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Passar pela área de serviço foi complicado porque tinha dois enfermeiros conversando e tomando café. Quando colocaram os olhos nela, ficaram eriçados e fizeram várias propostas indecentes. E quando mostrou claramente que não queria nada, eles ameaçaram chamar o segurança, pois ela não tinha nenhum crachá de identificação.

Foi preciso sugá-los bem e esconder os corpos para que ninguém desse o alarme.

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Sr. Malacai viu, diante de si, toda miséria e sofrimento pelos quais milhões de pessoas no mundo inteiro passaram por causa das mudanças que suas ações trouxeram ao planeta. Secas, inundações, vários distúrbios climáticos que comprometeram colheitas, trouxeram fome, doenças e morte. Ecossistemas inteiros destruídos, espécies extintas, prejuízos ambientais que iam levar anos, talvez décadas, para serem compensados.

Ele também viu a opressão que a Casa de Asclépio, disfarçada sob o nome de Vinha, trouxe as pessoas. Jovens raptados e torturados até se curvarem à sua vontade. Perseguição contra minorias, pessoas perdendo cada vez mais a liberdade, crianças sendo maltratadas e doutrinadas, traumas, sofrimento e medo. Ele viu a si mesmo presenciando aquelas atrocidades como se fosse algo de bom. Na época pareceu mesmo, mas anos depois, olhando tudo aquilo de fora, ele viu o quanto foi um monstro.

— Meu Deus, me perdoa! Eu não queria isso! Juro por tudo que é mais sagrado que não queria isso para ninguém! Só queria proteger o mundo de um grande mal!

— Não importa as intenções e sim as consequências. Você quis brincar de Deus se achando no direito de controlar o destino do mundo e das pessoas. Agora terá que responder pelos seus atos.

— Me perdoa, por favor!

— Não é a mim que você deve pedir perdão.

O velho abaixou a cabeça, sentindo-se fraco e derrotado. Ali, onde as máscaras caíam e as pessoas eram vistas tal como eram, ele não tinha onde se esconder e nem como se justificar. Se não podia fugir do julgamento, então ele ia enfrentar tudo com dignidade.

— Que assim seja. Estou pronto para enfrentar meu destino.

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Quando conseguiu sair da área de serviço, Agnes alcançou os corredores e foi até o andar onde Sr. Malacai estava internado. Ela estava pronta para atacar sem piedade.

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— Você ainda tem um longo caminho para se redimir, mas pode começar fazendo a coisa certa. – ela rasgou o ar com a foice e ele viu um rapaz debruçado sobre a mesa estudando alguns papéis. A chave de ossos estava na mão dele.

— Eu conheço esse rapaz!

— Ele está tentando consertar o desequilibro da Terra e sei que conseguirá. Mas há informações muito importantes naqueles escritos que podem fazer grande diferença no futuro.

— Ele não pode decifrá-los porque estão num código secreto que só eu conheço.

— Sim. Se quer mesmo se redimir, esse é um bom começo. Faça isso e será um peso a menos para carregar nas costas.

O velho deu um suspiro e levantou-se.

— Eu prometo que farei isso.

— Agora você precisa voltar e enfrentar seu destino. Outra pessoa está a caminho para lhe encontrar.

A imagem mudou e ele viu uma mulher espalhafatosa vestida de enfermeira. Foi com muito custo que ele reconheceu Agnes por causa do seu olhar gélido e aquela aura escura que a seguia por toda parte.

— Ela está vindo e tem fome. Você não tem muito tempo. – o pobre homem ficou aflito.

— Misericórdia, Antonio está no quarto comigo! Eu não me importo de enfrentar o que quer que seja, mas o pobre rapaz não merece isso!

— Se fizer tudo direito, ele será poupado. Agora vá. A sua hora chegou.

Segundos depois, ele sentiu o corpo em queda livre e logo em seguida, uma espécie de baque. Seus olhos abriram na hora e ele ofegou profundamente como se tivesse ficado sob a água por muito tempo.

Antônio estava quase pegando no sono quando ouviu Sr. Malacai chamando por seu nome com a voz angustiada.

— Sr. Malacai? Calma, eu estou aqui! – ele levantou-se rapidamente e correu até o leito. – Finalmente o senhor acordou! Vou chamar o médico e...

— Não temos tempo! Meu casaco está aqui?

— Er... sim... mas...

— Depressa, pegue o relógio que está no bolso direito!

O tom dele era tão urgente que Toni preferiu não discutir. Era um relógio de bolso antigo de aparência vitoriana e na tampa tinha uma espécie de cajado com uma serpente dando voltas ao redor. Ele entregou o relógio ao Sr. Malacai, que abriu um pequeno compartimento secreto na tampa, algo bem fino e delicado que não dava para ver à primeira vista, e de lá tirou um papel dobrado com cuidado.

— Aquele rapaz que invadiu a organização... entregue isso a ele!

— Mas eu...

— Sim, você sabe quem ele é. Não há necessidade de ter medo. Entregue isso a ele, é muito importante! Ele entenderá.

Toni guardou o papel no bolso e Sr. Malacai lhe estendeu o relógio.

— Sei que errei muito com você, filho. Espero que possa me perdoar um dia.

— Senhor... – o velho pegou uma de suas mãos e colocou sobre ela o relógio.

— Eu achava que estava fazendo o certo e só agora percebo meu engano. Infelizmente não posso fazer nada, mas espero que esse rapaz possa corrigir o meu erro.

— Eu... eu não sei o que dizer... obrigado, Sr. Malacai. – Toni guardou o relógio no bolso sentindo um nó na garganta.

— A única coisa que eu tenho a dizer em minha defesa foi que eu queria evitar que um grande mal abatesse sobre todos, mas acabei falhando em tentar proteger o mundo. Que os céus tenham piedade de mim.

O barulho de alguém mexendo na porta chamou a atenção deles e Sr. Malacai viu que o tempo tinha acabado.

— Ela está aqui! Se esconda, rápido!

— Mas...

— Vá! – ele falou num sussurro. – É uma ordem, não ouse me desobedecer!

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Ao ver que o rapaz estava totalmente confuso e perdido, ele se aproximou e inspirou uma ideia. Era difícil fazer isso com os humanos sem a ajuda do sobrenatural, mas era preciso fazer aquele esforço. O destino do mundo podia depender daquilo.

—_________________________________________________________

Sem saber como, uma ideia brotou em sua cabeça e Toni correu para a janela. Se aquilo funcionou para o Cebola, tinha que funcionar para ele também. A beirada era larga o suficiente para acomodá-lo e ele saiu pela janela rezando mentalmente para não cair. Estava escuro e ele se esforçou para não olhar para baixo, pois sabia que ia ter uma vertigem daquelas. De onde estava, ele pode ouvir uma foz familiar. 

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O velho estava deitado na cama de olhos fechados e Antônio não estava em lugar nenhum. Ela acendeu a luz e falou.

— Muito bem, seu velho cretino! É hoje que eu acabo com você!

— Sua falsa ordinária! Sempre te ajudei e é assim que você retribui?

Ela levou um susto quando sua vítima falou. Depois riu.

— Então você estava mesmo acordado? Que coisa... pena que isso não vai durar muito. Antes que me esqueça... onde está o seu cachorrinho?

— Ele saiu. – foi a resposta breve e seca. Como daquela boca murcha não ia sair mais nada, Agnes resolveu acabar logo com aquilo e agarrou o pescoço dele com força.

— Você não tem muita coisa, é só um velho seco e decrépito. Mas será um bom lanchinho noturno!

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Quando ouviu gemidos e sons estranhos vindo do quarto, Toni virou-se com muito cuidado e conseguiu olhar lá para dentro. Uma enfermeira ruiva tentava estrangular o pobre do Sr. Malacai. Toni pensou em voltar lá para dentro e ajudá-lo quando viu algo que fez seus olhos arregalarem.

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Sr. Malacai se debatia com os olhos arregalados e seu rosto ficando cada vez mais pálido. Ele tentou agarrar a mão dela, mas não tinha força nenhuma para reagir. Ele sentiu como se algo estivesse sendo sugado para fora do seu corpo. O ar faltou em seus pulmões, seu coração estava falhando e sua visão ficou cada vez mais escura. Ele ainda podia ouvir sons de um riso cínico e cruel que aos poucos foram ficando abafados até não poder ouvir mais nada.

Uma mão fria segurou seu braço, fazendo-o levantar da cama num gesto firme, mas sem brutalidade ou grosseria.

— Céus... – ele falou tonto.

— Não se preocupe, acabou. Venha comigo.

— Antônio...

— Um dos meus emissários cuidará para que ele fique em segurança. Agora vamos. – quando o velho fez menção de olhar para trás, ela o impediu. – Não olhe. Ver isso não lhe fará bem.

Os dois foram embora e Sr. Malacai torcia com sinceridade para que aquele rapaz conseguisse consertar o seu erro.

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Toni estava petrificado. Ele viu, diante dos seus olhos, o corpo do Sr. Malacai secando e encolhendo até se ficar seco como uma múmia. Mas ele não teve muito tempo para ficar chocado porque ouviu uma voz fria e sedosa que só podia ser de Agnes chamando pelo quarto.

— Onde você está, moleque? Eu sei que está aqui, sinto sua energia e vou sugar tudo! Não adianta esconder!

Por pouco suas pernas não viram geléia e ele desmorona de lá de cima. Tremendo e suando frio, ele foi se afastando da janela o mais rápido que pode.

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Agnes procurou no banheiro, atrás do sofá e até dentro do armário. Nenhum sinal do secretário do Sr. Malacai. Ela não acreditava que ele tivesse saído, pois tinha recebido ordens para ficar ao lado daquele velho e como bom cachorrinho que era, não se atreveria a desobedecer. Um ventinho chamou sua atenção. A janela estava aberta, o que era estranho pois Sr. Malacai não gostava de correntes de ar.

— Que menino levado! – Agnes murmurou se aproximando da janela, mas não tinha ninguém ali. Mesmo assim ela sentia a energia daquele rapaz e viu que ele ainda estava por perto.

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Ele não pode acreditar em tanta sorte. A janela do quarto ao lado estava aberta ele pulou rapidamente para dentro. O quarto estava em penumbra e tinha um paciente dormindo em seu leito. O acompanhante também estava dormindo e ele foi até a porta na ponta dos pés para não fazer nenhum barulho.

Ao sair para o corredor, seu coração quase parou ao ver os dois seguranças que Sr. Boris enviou caídos no chão. Ele se aproximou para olhar melhor e viu que a pele deles estava murcha, seus olhos vidrados e sem vida. Quando tentou sair dali, uma mão segurou seu pé e ele custou a segurar um grito. Um deles tentava falar algo, mexendo a boca sem emitir nenhum som.

A porta se abriu de repente e daquela vez Toni quase caiu para trás quando Agnes segurou seu pescoço com um aperto férreo.

— Seu moleque travesso! Vou sugar sua vida agora mesmo! E quanta vida!

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O rapaz foi pego por aquela mulher demoníaca e ele sabia que o coitado não ia conseguir se libertar dela com as forças sendo sugadas pouco a pouco. Ele se posicionou atrás dele e se concentrou lhe doando a pouca energia que ainda tinha. Aquilo ia dar ao rapaz forças para fugir.

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Toni foi se sentindo cansado e tonto. Por um instante ele quis apenas fechar os olhos e desaparecer para sempre, mas seu instinto de sobrevivência falou mais alto e tirando forças sabe-se lá de onde, ele apertou o braço dela o máximo que pode fazendo-a gemer de dor. O aperto dela afrouxou e ele se aproveitou disso para lhe dar um bom soco que a fez cair para trás como uma boneca de pano. Bastou isso para ele sair correndo desenfreadamente pelo corredor. Havia outras pessoas caídas no chão, mas ele não parou e continuou correndo.

Ele desceu pelas escadas pulando dois ou três degraus de cada vez e em pouco tempo alcançou o andar térreo, correu para a recepção e deu um susto na balconista e nas outras pessoas que estavam por ali. Um segurança ainda tentou pará-lo e foi empurrado para o lado.

Finalmente Toni alcançou a saída e ganhou a rua. Mesmo com pouco movimento, um ônibus apareceu como se tivesse caído do céu e ele deu o sinal freneticamente, subiu e nem se preocupou em saber para onde estava indo. Qualquer lugar longe dali estava ótimo.


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