Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 12
Assim você ganhará um bom amigo




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Ele virou-se.

— Eu vou ali falar com a minha mãe.

Após um breve silêncio, Cebola ouviu Lurdinha exclamando alto.

— Claro que pode filhinho! Ai, nem acredito! Antenor, você ouviu isso?

De volta para o quarto, Cascão esclareceu.

— Minha mãe falou que você pode almoçar com a gente. O rango dela é de primeira!

Um ronco alto se fez ouvir e Cebola não teve como recusar a oferta. Como era bom poder comer comida de verdade depois de tanto tempo! E os pais do Cascão também estavam muito felizes com o filho comendo na mesa junto com a família ao invés de ficar enfurnado no quarto. Isso não acontecia desde o natal do ano passado.

Depois do almoço, eles voltaram para o quarto e Cebola perguntou.

— E aí, como você tem andado?

Os dois passaram um bom tempo conversando e Cebola ouviu os desabafos do Cascão, que não estava nada bem.

— Todos falam pra eu mudar, mas tá difícil demais! Eu nem sei o que fazer, sei lá. Tenho medo, é muito complicado.

— Puxa, eu nem imaginava...

— Pois é. O pior é que meus pais sofrem muito e eu não quero isso!

Ele desabafou e Cebola apenas ouviu permitindo que o amigo colocasse tudo para fora.  Sem conselhos, sem julgamento.

Quando se sentiu mais leve, Cascão olhou para o Cebola e viu que as coisas também não estavam boas para ele.

— Fala a verdade, como andam as coisas lá na sua casa? Dá pra ver que você tá péssimo!

Cebola suspirou e contou sobre os abusos que estava sofrendo. Até que era bom poder desabafar com alguém.

— Eu nunca imaginei que você tava passando por tudo isso, véi! É sinistro demais! E as fotos da sua família?

— Nem faço idéia de onde estão. O jeito é ficar esperto ou eles tacam fogo em tudo.

— Que barra...

— Não vai durar pra sempre. Quando eu fizer dezoito anos, vou botar aqueles dois pra fora.

Após o lanche da tarde, ele achou melhor ir embora porque tinha roupa para passar. Lurdinha lhe arrumou alguns quitutes que o rapaz aceitou feliz da vida por ter algo decente para comer.

Cascão o acompanhou até em casa e quando chegaram, o sujinho falou.

— Cara, valeu por ter me escutado sem ficar enchendo de conselho.

— Tranqüilo.

— É sério, você tá muito pior do que eu e ainda teve saco pra me ouvir. Se precisar de algo, fala que eu dou um jeito. Lá em casa sempre tem muita comida.

— Obrigado, eu vou precisar mesmo!

Eles se despediram e Cebola entrou em casa feliz pela primeira vez desde que pisou naquele mundo. Paradoxo estava certo, ele precisava parar de pensar só em si mesmo e ajudar os outros. O Cascão daquele mundo estava enfrentando uma depressão muito grande e não sabia como sair dela. E a Mônica alternativa também estava com problemas.

Até então ele só teve pena dela. Estava na hora de agir e fazer algo para ajudá-la também. Não importava se ela era um duplo. Era o duplo da Mônica, sua Mônica e ele não ia deixá-la afundar sem fazer nada.

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Paradoxo sumiu dali muito satisfeito por tudo ter corrido de acordo com o plano. Aquele rapaz não fazia idéia do poder que um gesto de gentileza podia ter na vida das pessoas.

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Mônica e Magali se abraçaram felizes por se reencontrarem depois de tantos meses.

— Finalmente você voltou! – a moça falou abraçando e beijando Magali no rosto, deixando-a sem jeito.

— Pois é. Tava de saco cheio daquela cidadezinha do interior. Como você tá?

A palidez da amiga e seu abatimento lhe encheram preocupação. O estado dela estava pior do que ela pensava.

— Ah, vou indo. Fui ao médico ontem, só que eles não descobrem nada, é muito ruim isso!

— Vem, vamos lá pro meu quarto. Só não repara na bagunça, eu ainda tô arrumando minhas coisas.

Elas foram para o quarto da Magali e Mônica sentou-se na cama. Mingau estava cochilando e ela afagava seus pelos enquanto conversava.

— Sabe, eu tô pensando em terminar com o DC quando ele chegar de viagem. Tô cansada desse namoro.

— Faz bem, esse cara é um tremendo panaca. Só que tem o lance com sua mãe...

Mônica se encolheu toda. Aquele assunto era muito espinhoso porque significava enfrentar sua mãe.

— Eu tentei conversar com ela, só que...

— Só que ela não tá te ouvindo. Por que não tenta com seu pai?

— Ele não gosta que eu trabalhe pra Srta. Duister e até tentou convencer minha mãe a parar com isso. Mas eu tenho medo de fazê-los brigar por minha causa.

Magali balançou a cabeça negativamente.

— Na boa, você não pode deixar sua mãe controlar sua vida desse jeito, senão você vai ser muito infeliz.

— Eu a enfrentei demais no ano passado e ela não aceita isso de jeito nenhum.

— Cara, isso faz parte mesmo! Você não pode só fazer tudo o que sua mãe quer. Uma hora isso vai te fazer muito mal. Acho até que tá fazendo. Ela nem te deixa mais praticar o taekwondo!

Lágrimas correram pelo seu rosto, pois seu coração ficou totalmente em pedaços quando sua mãe lhe tirou das aulas de taekwondo alegando que ela não precisava mais dessas coisas.

— Droga, por que ela faz isso comigo? Eu faço o melhor que posso e ela nunca ta satisfeita!

Aquilo estava cada vez pior e a moça se sentia num beco sem saída, sem ter para onde correr e para quem apelar.

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Enquanto passava a roupa, Cebola dava uma olhada nas notícias pelo celular. Era muito estranho não conseguir achar Creuzodete e Viviane em lugar comum, foi por isso que ele pediu ajuda ao Paradoxo quando o cientista lhe visitou na noite anterior.

Ele até tentou perguntar em algumas páginas do Facebook e todos debocharam dele por acreditar em vidência e bruxaria, deixando-o intrigado ao ver que o ceticismo das pessoas daquele mundo estava muito acima do normal.

Puxando na memória, ele se lembrou de uma pesquisa no mundo original dizendo que entre dez brasileiros, oito eram religiosos. Naquele mundo, apenas três entre dez tinham alguma religiosidade. E o número de ateus era bem alto, passando dos oitenta e cinco por cento. Por que as pessoas daquele mundo eram tão céticas?

“Isso é estranho...” ele pegou mais uma calça para passar e procurou ir o mais rápido possível porque não queria ficar passando roupa até tarde.

— Saudações, garoto. – Paradoxo cumprimentou aparecendo na sua frente.

— E aí? Achou alguma coisa.

Ele balançou a cabeça e contou que as duas tinham falecido a pouco mais de trinta anos atrás, com apenas dois meses de diferença entre uma e outra. Na época, ambas tinham a aparência jovem e depois foram envelhecendo vários anos num espaço de poucos dias. No fim, morreram por falência múltipla dos órgãos.

— Que doideira, cara! Como pode isso?

— É como se o tempo tivesse sido acelerado para elas. Eu consigo fazer isso com meu relógio, mas desconheço qualquer outro fenômeno que seja capaz de fazer a mesma coisa.

O rapaz ficou desanimado, pois contava com a ajuda delas para resolver aquele problema.

— Acho que vou ter que pensar em outra coisa. Mas vem cá, você tá bem?

O mais velho parecia muito cansado, pálido e até com olheiras. Era como se ele tivesse feito um esforço monumental.

— Eu não sei explicar como, mas viajar para este mundo suga muito minhas energias e viajar no tempo aqui é pior ainda. Terei que tirar alguns dias para descansar. Até lá, faça o que puder. Nos veremos quando eu estiver melhor.

E saiu dali deixando Cebola muito preocupado, pois era a única pessoa com quem podia contar com alguma ajuda. Dali para frente ele teria que se virar sozinho e isso era muito ruim.

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— O DC fez mesmo isso? Tem certeza? – Mônica perguntou incrédula quando, na manhã de segunda-feira, Denise veio lhe contar a novidade.

— Absoluta! Eu vi com esses dois lindos olhos!

Mônica deu um soco fraco no travesseiro, furiosa por seu namorado ter feito aquele tipo de coisa.

— Minha nossa, o Cebola ficou muito machucado?

— Até que nem tanto, um sujeito apareceu e eles saíram correndo.

— Engraçado... no ano passado ele deu conta da gangue da Magali sozinho!

— Isso foi antes de... você sabe... a mãe dele.

— Ah, é... foi tão triste!

— Mas não é só isso não. Parece que a vida dele tá um inferno por causa de dois parentes que foram morar com ele.

— É? Por quê?

Denise contou o que Cascão tinha lhe contado no outro dia e Mônica ouvia sem acreditar.

— Que povo ordinário! A gente tem que fazer alguma coisa!

— Fazer o quê?

— Denunciar por abuso, contar pra algum adulto.

— Ele tentou fazer isso e foi pior. Se a gente entrar no meio pode acabar complicando as coisas pra ele.

Mônica cerrou os punhos com raiva.

— Mas eu não posso ficar quieta. Quando eu precisei, ele me ajudou. Agora eu tenho que ajudar também! Eu devia ter feito algo desde o início ao invés de só deixar correr solto!

— E o DC?

— Ele não manda em mim!

— Imagine se mandasse!

Diante da cara feia da amiga, Denise deu de ombros.

— É a verdade, amore. Você vive falando que faz e acontece, mas no fim acaba comendo na mão dele.

Seu rosto ficou vermelho de raiva e vergonha, pois sabia que Denise estava falando a verdade. DC sempre conseguia tudo do seu jeito com palavras doces e gestos de gentileza. E ela acabava cedendo mesmo contra a vontade por achar que ele era um namorado tão bom que fazia suas vontades. Estava na hora de acabar com aquilo de uma vez por todas.

Se antes ela não tinha forças para terminar, depois do que ficou sabendo, sua força voltou redobrada. DC ia ver só uma coisa quando voltasse das férias. Mas primeiro, ela tinha que dar um jeito de não ter mais que trabalhar para a Srta. Duister e uma idéia acabou surgindo. Era a sua última alternativa.

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Os insetos tinham razão. O lixão era um lugar bem tranqüilo, sem ninguém para lhe incomodar.

— Sim, amiguinhos. Eu sei que temos um cronograma a seguir, mas permitam que eu descanse um pouco. Isso coça! – falou enquanto ia enrolando bandagens em seus braços e pernas. – Se eu soubesse que teria de ir para lá, não teria me mudado para tão longe!

Sussurros ecoaram em sua cabeça. Não eram como o sussurro de um ser humano. Era áspero, rouco e um tanto estrangulado como se saíssem de minúsculas gargantas.

— Vocês têm razão, me desculpem. Essa caminhada é necessária, não é? Eu estou fazendo direito?

Mais sussurros e um riso alegre ecoou pelo lixão.

— Ainda bem que eu estou fazendo tudo certo! Vou dar o meu melhor! – e continuou com um riso arrepiante que fez alguns urubus caírem mortos no chão e centenas de ratos se contorceram de dor antes de darem seu suspiro final.


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