Quando os Lobos Cantam escrita por Ladylake


Capítulo 27
Onde Eu Pertenço


Notas iniciais do capítulo

Eu sei que sumi, mas estou viva!

O meu estágio vai terminar na terça feira, então espero sinceramente que as coisas finalmente acalmem. O mês de Maio foi horrivel. Andei a adormecer as 20h da noite no sofá.

Este capitulo é mais curtinho, para o próximo ser em grande!

Boa Leitura~



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 Arredores do Lago Moraine, Canadá, 1990, Atualidade

 

Quando é que eu me tornei tão insensível? Quando é que eu me perdi? O que deu de tão errado, que as palavras que saem da minha boca, parecem vir de outra pessoa?

 Quando é que eu me tornei tão fria? Quando é que eu ganhei vergonha de mim própria? Vergonha daquilo que sou e do que represento. Um cão que aceitou o seu destino. E engasgada em veneno, eu penso. Penso em como me tornei em nada. Em como a minha vida já não faz sentido desde aquela noite.

Soren, não importa o quão eu tente. Já nada me move. Acho que já nem me reconhecerias. Já nada faz os meus olhos brilharem e o meu coração bater, mas eu aprendi uma coisa quando te foste: o tempo é uma coisa valiosa. E as memórias são pequenos presentes que carregamos na nossa mente todos os dias. Nunca olhei e vivi as coisas mais a fundo e dou por mim a ver o tempo passar, as estações a mudarem diante dos meus olhos, mas o que eu sinto sobre mim mesma permanece igual. Eu que lutei e insisti tanto…e agora estou paralisada.

 

 

 

Nour abre os olhos e arregala-os. Soren está ali, deitado no chão de frente para ela e com um sorriso nos lábios. Nour não acredita no que vê e estende o braço que treme como varas verdes para a imagem da sua alma gémea.

Ívar, sentando ainda com as costas coladas à parede do carro blindando, abre um olho e olha para a “Loba Preta” a acariciar o ar. Ele ri, mas quando desvia o olhar para olhar lá para fora, algo por baixo da janela dá-lhe um espasmo no coração: Malika, com os seus dezassete anos tal e qual como ele se lembra está ali, sentada, agarrada aos joelhos e com um olhar triste. Ívar engole em seco, já fraco e com noção de que está a imaginar coisas.

 

“Tu deixaste-me. “

 

O Afro-Americano nega com a cabeça.

— Não digas isso… – Sussurra ele para a aparição. – Eu não te deixei.

 

 

“Tu deixaste-me com eles. Eles magoaram-me e tu nunca mais voltastes.”

 

— Eu voltei, Malika! – Ívar fala um pouco mais alto. – Mas tu tinhas ido embora…

 

— “Eu fugi para salvar a minha vida.”

 

Ívar coloca as mãos na cabeça e chora. Nour acaricia o rosto de Soren, mas este começa a esfumar-se.

— Não…! –Ela tenta agarrá-lo.

Nour arrasta-se na poça de sangue e veneno, mas Soren evapora-se. Lágrimas escorrem tanto de um como de outro. Dizem que antes de morrermos, a pessoa que mais amamos no mundo vem-nos fazer uma visita, para que não temamos tanto a morte.

— Nós vamos morrer. – Diz Ívar entre os dentes, enquanto limpa as lágrimas.

— Quanto a ti, não sei. – Nour cospe veneno – Mas eu já estava morta.

 

 

 

*****

 

—Por aqui!

Numa corrida apressada, Nanuk encaminha Ignis e Kaira para dentro da gruta de Luckyan, e cobre a entrada da mesma com uma pedra. Tudo fica escuro, mas de repente, as mãos de Ignis pegam fogo. Nanuk e Kaira olham para ela, perplexos, sem entender como e quando.

—Eu tive a mesma reação. –Diz. – Sempre soube que quando me transformava, o meu corpo inteiro pegava fogo. Mas daí a controlá-lo, como se fosse magia…

—Desde quando? –Pergunta Nanuk.

Ignis cerra o maxilar e desvia o olhar para a fogueira apagada. Ela agacha-se e toca num dos troncos e o mesmo pega fogo. Em segundos, ela acende-se.

— Umas semanas…eu… – Ignis não termina. O assunto é demasiado delicado e Kaira está com eles. – Eu descobri por acaso.

Ignis levanta-se e encara Nanuk. Não é preciso palavras, ele percebeu. Mais do que devia até. O seu rosto sério e tenso transparece tudo. Kaira é nova demais para notar.

A pequena gane e faz o casal concentrar-se nela. Nanuk agacha-se para acaricia-la no topo da cabeça, mas Kaira está demasiado assustada.

“Não! Não me toques!”

Num pequeno rosnar e tentativa fracassada de mordida, Kaira adentra-se gruta dentro e refugia-se no escuro. Nanuk prepara-se para ir atrás dela, mas Ignis agarra-o pelo pulso.

— Deixa-a ir. – Aconselha. – Foi uma noite horrível para todos, especialmente para ela.

O Husky abana a cabeça e chuta uma pedra, antes de se sentar perto da madeira a arder. Ignis fica em pé e encara-o enquanto remexe nas mãos, nervosa. Nanuk olha para ela com um olhar carregado.

— Ele tentou…?

Nanuk não tem coragem de prenunciar as pesadas palavras, mas Ignis percebe o que ele acabara de lhe perguntar. Agitada e sem saída, a jovem de vinte e oito anos desvia o olhar e engole em seco.

—Sim. – responde.

Nanuk fica possesso. O sangue começa-lhe a ferver dentro das veias e o olhar dele transforma-se de um calmo e sereno para um frio e assassino.

— Nanuk…? – Sussurra Ignis com calma, mas ele não responde.

De olhos bem abertos, Nanuk muda-lhes o tom. O azul claro incandescente e a expressão de predador assenta-lhe como uma luva. Num grito de raiva, o Husky altera as suas cores e o lobo branco e preto vem ao de cima. Ignis barra-lhe a saída, quando Nanuk prepara-se para sair da gruta.

—Por favor! – Implora Ignis agachando-se um pouco. As suas suaves e delicadas mãos acariciam-lhe o focinho. – Já chega de guerra por hoje. Já chega de mortes, de sangue e feridas para lamber.

Fumo preto envolve o lobo e dá de novo lugar ao rapaz de vinte e três anos. Ignis dá um leve sorriso de tranquilidade e Nanuk parece relaxar os ombros quando o polegar dela lhe afaga as bochechas.

— Eu estou bem. Eu queimei-lhe a cara… – Ela ri, mas depressa volta a colocar uma expressão séria. – Por favor, Nanuk, não hoje. Eu preciso de ti, são.

Ignis encosta a testa dela com a de Nanuk e ambos trocam pequenas caricias e amores, quando de repente, a grande pedra que tapa a entrada, começa a mover-se. Nanuk coloca Ignis atrás dele e rosna para quem aí vem, mas rapidamente se apercebe de quem se trata.

—Luckyan! –Diz o Husky, indo ao encontro dele.

O Alfa fita Nanuk nos olhos e este para, ao ver a expressão pávida no rosto de Luckyan.

— Luckyan, o que se aconteceu…? – Pergunta com a voz tremida.

Os olhos do Alfa nunca estiveram tão tristes. Ele desvia-se e dá a Nanuk a chance de olhar para a entrada da gruta, onde o corpo de Bear está estendido no chão, imóvel e morto. Nanuk aproxima-se com um olhar triste e agacha-se para acariciar o companheiro de matilha que foi, durante anos.

— Oh Bear… – Diz, passando as mãos pelo cabelo escuro – O Aslam vai querer matar toda a gente, quando souber. Falando neles, onde estão?

—Deixei-os em Seatle. – Afirma Luckyan. –Onde está a Nour? Ela está lá dentro?

Nanuk arqueia a sobrancelha.

— Não... – Responde. – Pensei que estivesse contigo e com o Ívar. – Uns segundos de silêncio ecoam. – Luckyan onde está a minha irmã?!

— Eu não sei! – O Alfa devolve num grito. – Ela e o Ívar eram supostos ter vindo com vocês!

— Pois, mas como podes ver, algo correu mal no vosso plano, pois eles não estão aqui!

Nanuk grita e empurra Luckyan com bastante força. O Alfa dá quatro passos para trás e rosna de maxilar cerrado. Ignis coloca-se no meio deles, antes que os dois lobos se peguem, e diz:

— Por favor rapazes, vamos esperar um pouco mais. É da Nour e do Ívar de que estamos a falar. Desde que fiquem juntos, eles ficam bem, e para além disso… – Ignis pausa. – Está ali dentro uma criança que precisa da nossa ajuda mais do que nunca.

Os dois lobos olham um para o outro de olhos cerrados e testa franzida, antes de voltarem costas um para o outro. Ignis inspira fundo.

— Homens.

 

 

 

******

 

 

 

Era quase madrugada, quando os sinos da morte ecoaram pela floresta densa e fresca. O sol nasceria dentro de minutos. Não faltaria muito para os primeiros raios de sol atravessarem as montanhas nascidas. O silêncio da quase manhã era agonizante. Só se ouviam os pássaros no cimo das árvores e as margens do rio a banharem as terras.

Todos parecem tensos, e, cabisbaixos, Nanuk e Luckyan empurram a jangada de madeira para dentro de água, para que esta siga o caminho do rio. Em cima da mesma, reja o corpo de Bear.

— Nós não enterramos os nossos mortos. – Explica Nanuk a Ignis. – Nós colocamo-los em jangadas, atiramo-las para a água e pegamos-lhe fogo, tal como os Vikings costumavam fazer. Por favor…– Nanuk sussurra. – Faz as honras, e deixa-o seguir o seu caminho.

Ignis hesita e olha para Luckyan com um olhar confortante. Ela olha para trás, onde Kaira mantém-se nos arbustos a observar a cena de longe.

— Eu não tenho controlo, Nanuk… – Avisa. – Pode nem funcionar, ou pior, incendiar a clareira inteira.

O Husky segura na mão dela e encaminha-a para a jangada à beira da água. Quando Ignis está prestes a tocar nos troncos de madeira, Nanuk para-a.

— Eu acredito em ti. –Ele sorri. Ignis dá um pequeno sorriso. – Faz como fizeste com a fogueira. Não penses e apenas…toca.

Um rasto de labaredas alastra-se pela jangada assim que as pontas dos seus dedos tocam na mesma. Ignis retira imediatamente a mão sobressaltada e Nanuk apressa-se para empurrar o barco para dentro de água.

— “Acho que devias de ir, agora.” – Aconselha Luckyan a Ignis, já vestindo as suas cores – “Desculpa, a cerimónia é um pouco privada, mas obrigada pelo gesto.”

— Não têm que agradecer.

Ignis afasta-se para dar privacidade aos lobos de fazerem o seu luto. Os uivos de tristeza e dor ecoam ao redor da floresta, submergindo-a numa melancolia trágica. Os lobos cantam e a natureza ouve a melodia.

O Alpha e o Husky, juntos, uivam a canção dos mortos enquanto observam a jangada do amigo arder intensamente. O corpo de Bear queimará e deixará este mundo, mas a sua Aura aqui irá permanecer e viverá nestas florestas, como um espírito. Livre e selvagem.

Mas para lá das montanhas, Nour consegue ouvi-los. Distante, mas lá. Os uivos abafados trazem-lhe a notícia de que Bear morrera, mas a loba preta não deita uma lágrima. Não por não querer, mas sim por já não ter forças. Ela sente a vida a escapar-lhe a cada sopro, e deitada no chão frio de metal, ela fica, imóvel, como uma carcaça à espera de ser comida pelos corvos.

Ívar tosse e leva a mão à boca para cobri-la. Uma mancha de sangue pinta a palma da mesma e relembra-o de uma coisa: O tempo está a acabar.

 

 

 

******

 

 

O som de uma buzina avisa Malika e os restantes lobos de que a boleia chegou. A Inglesa abre a porta e Saaya sai mesmo atrás dela, carregada com alguns sacos e mantimentos.

A “loba castanha escura” ajeita a alça do saco no seu ombro e franze a testa, quando vê uma cara nova sentada no lugar do condutor.

— Quem usa óculos de sol às sete e meia da manhã…? – Pergunta-se num sussurro.

Malika sorri, mas o sorriso dura pouco.

— Onde está o Aslam? – Pergunta com algum desdenho. Saaya encolhe os ombros.

De repente, o baque de dois pés caírem no chão com força, surpreende as duas lobas. Aslam encara Malika e dá-lhe um olhar dos pés à cabeça, antes de dizer:

— Quem é o floco de neve?

Malika cerra os dentes e franze a testa, irritada.

Ele… – Ela dá enfase. – É a pessoa que vai levar o teu rabo para onde queres tanto ir.

Aslam não reage. A expressão de paisagem habitual, assim permanece.

— É uma viagem de quatorze horas. Devíamos de ir andando. – Acaba por dizer.

 

 

******

 

 

Estou morta. Tenho que estar. Deixei de sentir as pernas e o meu coração a bombear sangue. Sangue esse, contaminado. Envenenado por duas flores que florescem ao luar.

Está tudo escuro, mas repentinamente, uma porta abre-se e a luz que entra faz-me estreitar os olhos. Eu vejo sombras a aproximarem-se e vozes a cobrirem o fundo. Tento me mover, mas não consigo. Estou demasiado fraca. Até a minha respiração é débil. Sinto que poderia quebrar-se com um só toque.

Por favor, não me levem. Eu não estou pronta. Ainda ontem eu dançava à chuva, feliz e viva, mas agora, se tiverem que me levar para algum sítio, que seja para casa. É aí que eu pertenço.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Espero que sim! ♥



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