Quando os Lobos Cantam escrita por Ladylake


Capítulo 26
O Fim Para Mim


Notas iniciais do capítulo

Hey Pessoal!

Acho muito provavel que este seja o último capitulo que escreverei no próximo mês. A razão? Vou começar amanhã o meu estágio com um horário das 10h-19h ;-; e ainda tenho que fazer um relatório de estágio e o projeto final do curso. Sinto que nem vou ter tempo para comer e respirar, quanto mais para escrever.
Mas prometo que sempre que poder, vou escrevendo, nem que seja linha a linha ♥


Boa Leitura~



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 Lago Moraine, Canadá, 1990, Atualidade

 

Lembro-me da minha infância ter sido uma maré de paz. Uma paz que eu sentia falta e que nunca mais terei na vida, porque estamos quebrados. Um tipo de quebrados que não se resume ao osso, mas à alma e ao espírito. Que saudades de ter quatorze anos, frescos, acabados de fazer. Saudades de levantar o vestido de trapos e correr pelos campos de trigo selvagem, com um sorriso enorme no rosto, porque bastava isso para ser a menina mais feliz do mundo. Por Fenrir, o que eu ria…

Saudades dos fins de tarde de Verão quentes e acolhedores, junto às margens do lago. Seth assoprava dentes-de-leão e as sementes esvoaçavam entre os nossos corpos encharcados, pois tínhamos salto para dentro do lago, ainda vestidos. A minha pele ainda consegue lembrar-se da água fria e coberta de flores e do aroma florido e fresco nos nossos cabelos e roupa.

Peach ficava sempre com frio e Soren deixava-se cair na relva para secar. Lembro-me de ficar hipnotizada com essa visão. Pelo canto do olho, eu espreitava na direção dele. O cabelo castanho escuro e molhado aclarava ao sol, e as gotas de água escorriam-lhe pela têmpora. As mãos dele ficavam por baixo da cabeça, dando-lhe um ar descontraído e feliz. Por vezes, ele fechava os olhos e sorria.

 O pôr-do-sol costumava banhar-nos de ouro, como se fossemos crianças especiais. De certa forma sentíamo-nos assim.

— O que vocês querem ser, quando forem grandes? – Eu perguntava, enquanto encarava o lago à minha frente.

Havia sempre um silêncio, mas não total. As aves faziam sempre questão de nunca nos deixar em completo vácuo.

— Eu quero casar e ter filhos. – Peach ria. – Imagino-me muito como a minha mãe: cuidar da casa e das crianças o dia todo e ao fim do dia, ir à porta esperar pelo meu marido, vindo da floresta.

— Eu quero-me tornar o melhor batedor! – Dizia Seth, com apenas doze anos. – Encontrar rastos de inimigos e vigiar o nosso território. E tu, Soren?

Todos olhávamos para ele, ainda deitado nas ervas. Soren abria os olhos e levantava-se para se esticar. Depois de uns segundos, ele dizia:

— Eu quero viver.

Eu lembro-me de me identificar com esse pensamento: “Eu quero viver”. Oh meu amor, como eu agora sinto o que querias dizer. Como essas palavras agora pesam no meu ser e na minha existência. A minha mente desespera por ti. Por algo que nunca vem, nem há de vir. O meu coração ainda está algemado, não por correntes, mas sim pelo teu fantasma que ateima a pairar à minha volta. Eu vejo-te nas pequenas coisas. Na chama da vela que ilumina a noite, nas ondas da água que me limpa e nos lábios de outro homem…

Eu queria ser livre. Livre de ti.

 

Nour limpa as lágrimas e corre em direção à floresta, atrás de Ignis e Nanuk. Num grito, ela transforma-se no poderoso lobo preto e rosna para que aí vem. As suas patas grandes e possantes tremem o chão, como uma debandada de cavalos selvagens. Ela sente o poder dentro dela. Um rio seco divide a floresta ao meio e Nour salta para o outro lado, quando um tiro ecoa ao redor do mesmo. Pássaros saem das árvores com o baque e voam para longe. Nour está no chão, no meio das rochas, quase imóvel e a arfar de agonia e dor. Um chiar canídeo é audível, embora num tom baixo.

Carros chegam numa grande velocidade, de ambos os lados e cercam o corpo dela ainda caído no chão. Ouvem-se vozes e passos rápidos, como se tivessem pressa, mas há uns passos que se diferenciam dos outros. Estes são pesados, mais lentos e aproximam-se dela. O som de uma caçadeira a ser recarregada, faze-a abrir finalmente os olhos. É Gabriel.

— Calma, filho. – Um braço baixa-lhe a arma. – Ainda não.

Raphael surge. Nour dá um grunhido, mas não treme ninguém. O velho aproxima-se até junto dela e agacha-se, para acariciar-lhe o pelo. Nour gane.

— Tu deste-me uma boa luta… – Sussurra ele. – Prometo guardar-te num sítio especial.

O lobo dela começa a esfumar-se e Nour retorna à forma humana. Uma mistela roxa escorre-lhe da boca e do ferimento da bala na zona das costelas, enquanto tremores e espasmos tremem-lhe o corpo.

— O que é isto…? – Pergunta ela, fraca.

Raphael sorri.

— Perguntei ao meu laboratório um dia: O que mataria um cão e uma pessoa? – Ele pausa. – E eles deram-me uma resposta: Belladona e Dama-da-Noite.

Nour começa a suar. Ela arranha o chão e tenta levantar-se, mas Raphael empurra-a com a bota.

— Eu se fosse a ti não me mexeria muito. – Avisa. – O teu sangue vai fluir mais depressa, assim como o veneno. Só vais acelerar a tua morte.

Por entre as pernas dos soldados e a luz dos faróis dos carros, Nour parece ver alguém a olhar para a cena. Ela levanta um pouco a cabeça e tenta focar, mas o veneno está a começar a distorcer-lhe a visão.

Raphael segue o olhar dela e depara-se com Ívar a manter a distância. O velhote sorri e faz um gesto com a mão, para que este se aproxime. Ívar caminha até eles, embora tenso e de maxilar cerrado. O olhar triste e vergonhoso dele embate com o de Nour, que é fraco e atordoado. Raphael coloca um braço à volta dele e cumprimenta-o alegremente.

— Ívan, mesmo a tempo! Toma aqui. Dou-te a honra.

O velhote passa-lhe uma arma para a mão e ordena-lhe para que dispare. Ívar olha para a arma e acaricia-a.

— Ívan, é como abater um cão em sofrimento. Vá-la, sem hesitações.

— Estou a matar um humano. – Ele responde.

— Estás a matar um monstro. – A voz de Raphael fica mais cruel. – E a salvar futuras vidas de inocentes. Pensa nos teus colegas mortos nos campos de cultivo…

Raphael dá-lhe espaço. Ívar vira o rosto para o lado e encara Gabriel, que encara depois para o pai. O afro-americano destranca a pistola e aponta para a “Loba Preta”, a cuspir veneno. Ele está a suar. Ívar morde os lábios e cerra os olhos, sem coragem para disparar.

Num movimento rápido, ele vira-se e prepara-se para disparar contra Raphael, quando é atingido antes. De joelhos no chão, ele fita o velho de braço estendido e com fumo ainda a sair do canudo da arma. Ívar olha para baixo. Ele está a sangrar sangue puro.

— Pensavas que eu não sabia? – Pergunta o velho num riso fraco. – Todos nós já desconfiávamos há muito tempo…

— Então porque não me matou antes? – Devolve. – Deixou um lobo andar debaixo dos seus braços. – Raphael parece pensar.

— Não sei. Talvez só estive à espera do momento certo. E ainda bem que esperei…levem-nos!

Enquanto Nour e Ívar eram capturados, Nanuk e Ignis ainda corriam em direção a norte, em direção da gruta. O casal e a Kaira desviam-se dos arbustos e das árvores densas o mais rápido que conseguem, pois, a escuridão da noite não deixa ver grande coisa. O Husky e a loba tom de mel conseguem reagir rápido o suficiente, mas Ignis está a ficar para trás.

— Ignis! Rápido! – Grita Nanuk.

Uma seta atinge o vestido esbranquiçado e impede-a de continuar a correr. A jovem ruiva olha para trás, onde a seta entra pela bainha do vestido e penetra o chão. Ela tenta arrancá-la, mas outra flecha acerta-lhe no braço de raspão. Nanuk ouve-a resmungar de dor e trava. Um pequeno grupo de soltados está muito perto de os alcançar.

— Ignis!

Com força, ela rasga o vestido e dá quatros passos em frente, em direção aos soldados. Num movimento calmo, ela olha para as palmas das mãos e depois para a morte que corre na sua direção. Nanuk não entende, mas ela acabou de ter uma ideia.

— Por favor… –  Ela sussurra para si mesma. – Resulta…

Ela estende os braços e empurra o ar para a frente, mas nada acontece. Ignis desespera, e faz várias vezes o mesmo movimento, sem sucesso. Os soldados estão cada vez mais próximos e novas setas estão a ser colocadas nos arcos para serem lançadas.

— Ignis, pelas presas de Fenrir, corre!!

Mas ela sente. Ela sente o pânico e a adrenalina a aumentarem. As veias dela começam a ganhar luz e os seus olhos mudam de um castanho denso para um laranja luminoso. Num grito de fazer arrepiar até mesmo os mortos, Ignis estende os braços de novo para a frente, direcionando o mar de chamas para os soldados, que são apanhados desprevenidos.

A floresta ilumina-se com o fogo. Nanuk arregala os olhos, enquanto Ignis queima os soldados sem dó nem piedade. Kaira está escondida na vegetação, a desejar que tudo passe e termine.

 

 

 

*****

 

 

O meu coração estava cada vez mais apertado e nervoso. Os meus olhos já estavam tão cansados e desesperados, que até mesmo caixotes ou destroços de uma casa, pareciam ser o Bear. De arma empunhada na mão, aponto-a para quase tudo se mexa, mas nem mesmo os ratos desta Vila, parecem ter medo de mim.

Um pequenote atravessa a rua de barro e terra, para se resguardar da luz do candeeiro a óleo, pendurado num poste. Eu sigo-o com o olhar e pisco quando vejo um corpo deitado no chão. Aproximo-me enquanto coço e cerro os olhos, esperando que o meu cérebro não me pregue uma partida mais uma vez, mas desta vez estou certo.

— Oh não… Bear!!

Eu largo tudo no chão e corro até ele, imóvel, no escuro de um beco. As minhas mãos deslizam pela cabeça dele quando o seguro e lágrimas começam a formar-se nos cantos dos olhos, assim que ficam manchadas de sangue. O ventre dele está ensanguentado, assim como o seu rosto. Bear foi atingido e espancado.

— Bear! – Grito num soluço. As minhas mãos abanam-no, mas ele não reage. – Bear por favor!!

Ele foi-se. Bear foi-se e eu tremo por todo o lado. Um nó atravessa-se na minha garganta e eu não consigo desfazê-lo. Eu seguro-o, agora contra mim, num último abraço que darei ao meu amigo. Um companheiro por anos, que acabou de morrer às mãos daquilo que ele mais era contra: violência.

— Eu devia de te ter deixado vir comigo…! Era suposto termos ficados juntos! Desculpa… oh Bear…eu peço imensa desculpa…

E o Alfa chorou, agarrado ao amigo, durante vinte minutos. Para ele, foi por horas. A culpa e a tristeza corroem-no de dentro para fora.

Num movimento calmo, ele coloca-o às costas e começa a caminhar para fora da Vila. De maneira nenhuma Luckyan o deixaria ali. Bear merece um funeral digno.

 

 

 

******

 

 

Eram duas da madrugada na grande cidade de Seatle, mas apesar das altas horas, Malika não conseguia dormir. Os caçadores da tarde ainda faziam-na sentir-se insegura e desconfortável. Algo nas suas entranhas lhe dizia que as coisas não iam ficar por ali.

A inglesa senta-se num sofá do alpendre, nas traseiras da casa de Miroslav e abraça as pernas. Os seus olhos azuis cristal interrogam a lua, perguntando-lhe o porquê disto tudo. Porquê agora?

A porta das traseiras abre-se e Malika olha para o lado direito, onde Aslam acaba de aparecer. Ele assusta-se com ela e ela assusta-se com o susto dele.

—O que estás a fazer aqui, a esta hora da noite? – Aslam pergunta, com alguma rigidez na voz. Malika vira o rosto.

— Eu poderia perguntar a mesma coisa. – Resmunga ela.

— Mas eu perguntei primeiro. Então tu respondes primeiro.

Aslam coloca a mão no bolso e retira um maço de cigarros e um isqueiro. Malika olha para ele com um ponto de interrogação sobre a cabeça.

— Fumas? – Ela acaba por perguntar. – Não pensei que tivesses os vícios dos humanos.

— E não tenho. – Aslam diz entre os dentes, encarando a pequena embalagem preta nas suas mãos. – Encontrei isto nas coisas do Miroslav.

— Se estás aborrecido, uma televisão resolve isso perfeitamente.

— Eu não estou aborrecido. –Riposta. – Estou stressado….

— Há um bar de strip no centro da cidade…

Aslam encara-a com desdenho e coloca o cigarro na boca para o acender. Os seus dedos escorregam e a faísca não permanece acesa tempo suficiente para formar uma chama. Malika ri internamente. Nota-se perfeitamente que ele nunca acendeu um isqueiro na vida.

— Deixa-me ajudar-te…

Numa voz serena e num levantar rápido, mas firme, Malika pega nas mãos dele, e segura-lhe no isqueiro. Aslam aproxima-se um pouco mais. Apenas o cigarro e mais uns centímetros de distância os mantêm afastados. Com uma subtilidade tremenda, Malika acende a chama e queima-lhe a ponta do cigarro.

— Aí tens… –Sussurra. – Agora apenas inspira devagar…

Ela segura-lhe no cigarro e Aslam dá um bafo, sem desviar os olhos dela, mas começa a tossir quando o fumo lhe chega aos pulmões. Malika rouba-lhe o mesmo e dá uns bafos ela própria.

— Isso é nojento. – Diz Aslam com cara de nojo.

— Nunca ninguém aprecia o primeiro, mas assim que aprendem a gostar, é um caminho sem volta.

Ela inspira um pouco e segura o rosto do “lobo branco” para assoprar um pouco para ele, enquanto Aslam fecha os olhos e inala o cheiro a tabaco processado.

— Não cheguei a dizer, mas…obrigada.

Aslam abre os olhos, sem entender.

— Por me teres salvo a vida. – Ela completa.

Eles estão a três palmos de distância. Aslam desvia os olhos dela de forma brusca e muda de expressão repentinamente.

— Sim, claro. Como queiras. – Ele vira as costas. – Podes ficar com o cigarro…

Malika fica a vê-lo a entrar de novo na casa e remexe o cigarro na boca, sem entender. “Foi algo que eu disse?”.

 

 

 

******

 

 

Nour e Ívar tinham sido capturados e amarrados pelo pescoço às paredes de uma carrinha de exército. O veículo era frio, revestido a metal e com uma pequena e fraca luz de presença no teto. Duas finas janelas deixam ver um pouco do céu e das árvores.

Ívar está sentado no chão, sob uma poça de sangue e encostado à parede com a mão sob a ferida. O Afro-Americano olha de relance para a Nour, deitada no chão da carrinha e virada de costas para ele. Ela está encolhida e com os joelhos quase a tocarem os cotovelos, espera que assim a morte seja mais fácil de digerir.

— Está uma linda noite... – Ívar sussurra, inclinando a cabeça para trás para apreciar a madrugada.

Nour ouve-o, mas não responde. Aliás, ela remexe-se no seu pequeno canto.

— Hey… – Ele chama-a. – Isto não é o fim.

—Para mim é…

Ívar surpreende-se com a resposta. Ele esperava que a Nour dissesse algo positivo e encorajador, mas foi exatamente o contrário. Uma lágrima descai dos olhos dela. Olhos quase sem luz e sem cor, e com um aspeto doente e morto. Os seus lábios outrora com uma tonalidade viva, agora tornaram-se escuros por causa do veneno.

— Já não posso mais… – Sussurra. – Já não há razão. No meu coração já não resta mais nada... – A voz de choro começa a ecoar. Ívar ouve atentamente, com um ar abatido. – Sou um lobo… ferido e só…não posso lutar mais.

— Mas a vida assim não tem valor. – Ele rebate.

—Então é melhor eu só ficar aqui…


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! E agora? Para onde irão a Nour e o Ívar? e Luckyan com a morte de Bear? Irão a Ignis e o Nanuk conseguir fugir?

Até ao próximo!



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