Franceses tinham hábitos um pouco peculiares quanto a relacionamentos. E talvez isso se estendesse a demais europeus.

Se no Brasil alguns de nós saíamos e ficávamos sabe-se lá quantas vezes até mudar o status de relacionamento, na França, se você saísse mais de uma vez, já podia considerar como algo sério. Se beijasse, estavam praticamente namorando. Talvez agora eu entendesse aquele jogo…

A multidão de pessoas quase me carregou junto quando as portas do transporte público abriram e eu lembrei que aquela era minha estação, descendo no meio do povo. Fazia tempo que não tínhamos mais uma amostra do porque Marimar odeia metrôs.

Se o comercial da River Street demorou pra acontecer, o shooting da Shantal, até que conhecida marca de jeans, veio mais rápido do que esperava, demorando apenas seis dias. E pra quem se pergunte, eu, Castiel, Micalina e Kentin fomos todos aprovados no casting.

Eu ia amar fazer um trabalho com todos juntos, pela primeiríssima vez. E já que eles se deram bem durante aquele dia do karaokê, poderia dizer-se que seria um momento bastante divertido. Até Kentin e Castiel se encaravam mais amigavelmente agora! Claro que o papo sobre futebol ajudou… Mas já era um avanço e tanto.

Micalina disse que planejou uma nova saída para nós após o trabalho e continuava fazendo suspense enquanto conversávamos no grupo e eu caminhava até a agência. Quando cheguei em frente à construção, ela tinha parado de me responder havia alguns minutos. Aquela garota adorava mesmo um suspense…

Estranhei em não ver Amália na recepção, sempre digitando atrás da tela do seu computador. As únicas pessoas lá eram um grupo de modelos azedos, então, apenas fui plena e me dirigi para o estúdio. Os corredores estavam cheios de pessoas passando, o que era somente mais um dia normal na B Agence. Afinal, vários funcionários tinham que correr prá lá e pra cá com a bagunça.

Nem precisei empurrar a porta do estúdio, pois Viktor e Chani saíram de lá conversando e, se eu não tivesse saído do meio do caminho, teria trombado com eles. Eu, hein…

Quando entrei, logo percebi que algo de errado não estava certo, justamente porque os modelos estavam todos sentados, ao em vez de se arrumando feito loucos para o shooting. Franzi o cenho e apenas vi Alexy falando no telefone tão rápido que eu mal conseguia entender as palavras direito. Talvez meu francês não tivesse chegado nesse nível ainda… Fora isso, ele também gesticulava bastante, tanto que poderia acabar metendo a mão no olho sem querer.

— Mari! — Micalina me chamou e acenou para mim, sentada ao lado de Kentin em um dos puffs. — Você ficou sabendo de alguma coisa lá fora?

— Não. Pensei que vocês soubessem de alguma coisa, tão aqui há mais tempo que eu. — Sentei no puff ao lado deles. — O Viktor e a Chani quase me atropelaram no corredor, pensei que tinha dado algum problema aqui dentro.

— O único problema foi que o Lysandre não apareceu ainda e precisamos de alguém pra arrumar os cabelos — Kentin explicou, entrando na conversa.

— Como assim não veio?? — exclamei alto demais e me censurei mentalmente. Não falar alto demais, não falar alto demais… — Do jeito que ele é ninja, deve estar nas sombras por aí.

Kentin riu com a brincadeira e Micalina olhava para cima do meu ombro, as sobrancelhas quase unidas em uma expressão séria. Tirando momentos fotográficos, não era algo comum no rosto da minha amiga.

— Aquelas lá tão te olhando desde que você chegou. — Apontou com o queixo para trás de mim e me virei, nada discreta, vendo um grupo de modelos aos cochichos e risinhos, realmente me encarando. Inclusive, tinha aquela japonesa que Rosalya me apresentou no shooting da GreenBeauty. Como era mesmo o nome… — Eu detesto aquela Li, garota arrogante — a mexicana reclamou, torcendo o nariz.

— Só porque daquela vez ela…

Fosse o que quer que Kentin fosse dizer, não conseguiu terminar, pois Castiel entrou no estúdio naquele exato momento, atraindo a atenção de todos. Entre risinhos e comentários, o modelo foi caminhando duro na minha direção.

Se foi estranho não receber nenhuma mensagem dele desde ontem à noite? Muito, já que conversávamos tanto que os dedos chegavam a doer. Se foi estranho não irmos juntos ao shooting daquela manhã? Um pouco. Se era estranho Castiel me encarar como se quisesse me metralhar com os olhos? O ápice da estranhice.

— Você sabe do… — Mica foi logo perguntando para o francês, entretanto, foi interrompida.

Castiel jogou uma revista aberta no meu colo.

— Tá feliz agora que conseguiu o que queria, hein?! — ele sibilou, os outros presentes na sala encarando a cena. — Era pra isso que você queria se aproximar de mim? Pra sua amiguinha vender as fotos e ficar famosa? Era por isso?! — Quase se descontrolou e berrou a última palavra, fazendo com que eu me encolhesse.

Peguei o objeto no meu colo e meu queixo foi ao chão assim que meus olhos bateram naquelas duas páginas abertas na minha frente. Aquelas mesmas imagens que Júlia e eu tiramos no dia do show da Storm Riders. Aquelas mesmas imagens suspeitas de Castiel e Lysandre. E aquelas mesmas imagens que apenas eu e ela tínhamos acesso.

— Eu não sei como isso foi parar aqui! — soltei uma lamúria, sem ainda conseguir processar o que estava acontecendo. Apenas senti quando alguém pegou a revista do meu colo. Era Micalina, passando os olhos pelas páginas sem entender.

— Então você admite que sabia dessas fotos? — ele continuou sibilando, só faltando meter o dedo na minha cara. — Admite, Marimar, você sabia de tudo isso?! — Sua voz saiu soprosa no final, talvez em um riso ou descrença.

— Eu sabia, mas… — Tentei engolir em seco para continuar, porém, dessa vez quem interrompeu foi Kentin.

— Olha, cara, se acalma. — Ele se levantou, tentando entrar entre mim e Castiel. — Aqui não é lugar pra falar essas coisas, veja quanta gente tá olhando. — Apontou para os lados, agora que todo mundo parou o que fazia e nos encarava como se fôssemos uma atração. Nem Alexy estava mais ali. — Vão lá fora e conversem…

— Eu não tenho mais nada pra conversar com ela! — Castiel quase berrou na cara de Kentin, promovendo uma cusparada no russo. E quase empurrou-o para olhar na minha cara outra vez.— Eu apenas quero você longe de mim e de todos os meus amigos, Marimar. Tá entendendo? — Criei coragem para encarar seus olhos tempestades, vendo apenas a fúria neles. E dirigida a mim. — Esquece que um dia me conheceu!

Ele apenas girou nos calcanhares e saiu do estúdio, deixando todo mundo estarrecido e com os burburinhos crescendo pra um monte de conversas paralelas, que eu sequer fazia ideia do que falavam. Apenas encarava as páginas da revista, com as malditas fotos que tiramos. Eu, Júlia e a droga da minha curiosidade. 

Muita gente dizia que um dia eu ia me dar mal por causa disso. Só não sabia que isso envolveria mais gente no processo.

— Mari, fala com a gente. — Micalina começou a massagear minhas costas com a mão e Kentin abaixou-se à minha frente, o olhar preocupado. — O que aconteceu? Do que o Castiel tava falando?

Como dizer para alguém que eu e a minha amiga seguimos um modelo famoso, que eu estava saindo há cerca de duas semanas, e tiramos fotos dele e de seu suposto caso, que na verdade era amigo? E como explicar que alguém de fora tinha as fotos que Júlia tirou? E que agora eram capa de revista?

— Isso aqui é uma revista de fofocas — Kentin constatou para ninguém, pegando o objeto do colo de Micalina. No meu, minhas mãos tremiam. — E o nome da sua amiga tá embaixo das fotos, Mari. Júlia Borges. 

Senti os olhares de ambos sobre mim e minha garganta se fechou, o choro querendo subir e meus olhos enchendo de água.

— Mari, fala com a gente, por favor — Micalina continuou a pedir.

Havia uma pessoa com quem eu precisava falar mais do que ninguém. Uma pessoa que poderia se prejudicar muito com aquela história.

Ignorando todos, me levantei e fui correndo para o segundo andar da agência.