Solaris escrita por Satine


Capítulo 2
Capítulo 2 – O Retorno




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Os acontecimentos da outra noite no metrô não saem de minha cabeça. Cada vez mais perguntas explodem em minha mente e ficam sem respostas: quem era aquela mulher? Ou melhor, o que ela era? O que queria? Aquilo tinha acontecido mesmo ou tinha sido um sonho?

Estou assustada. Não quero andar sozinha e se houvessem outros além de Emma? E o pior é que nem posso contar à avó Dora, não quero preocupá-la.

Levanto os olhos do caderno de sonhos onde escrevo palavras aleatórias: vampira, demônio, presas, velocidade ou teletransporte, seguidos de vários pontos de interrogação.

Estamos na aula de Educação Física, a última do dia. A quadra fechada está em manutenção, então Gina e eu estamos sentadas nas arquibancadas da quadra aberta, torrando no sol e o uniforme não ajuda nesse quesito.

O uniforme consiste em uma camiseta cinza e calça de moletom preta. As vestes apagadas, a pouca massa muscular e as bochechas enormes me fazem parecer mais nova do que meus dezesseis anos.

— Isadora! — A voz vem de longe. Olho por cima do ombro de Gina, para fora da quadra. Encostados na grade, dois rapazes mais velhos gritam meu nome.

Reconheço um deles, cabelos castanhos despenteados e olhos escuros, a barba rala emoldurando o rosto é nova, mas sim, é ele. Nathan Alencastro, meu irmão mais velho e amigo imaginário.

Volto a olhar fixamente para o caderno. Aquilo não podia estar acontecendo. Primeiro, Emma e agora Nathan. Eu estava começando a ver coisas e a realmente me preocupar com minha situação mental.

— Você não vai lá? — Gina ergue os olhos e observa os rapazes na grade. — Uhm, quem são? É melhor me apresentar.

Ela também consegue vê-los. Demoro alguns instantes para processar isso, então largo o caderno e corro até a grade.

— Você é real! Você é real mesmo, não é minha imaginação me pregando uma peça — quase grito com a respiração ofegante.

— Santa Isis, Nathan! Sua irmã é pirada. — O garoto ao lado dele ergue as sobrancelhas. Seus cabelos são medianos e tão escuros quanto seus olhos, não o reconheço de nenhuma lembrança ou sonho e lhe lanço um olhar aborrecido pelo comentário.

— Vamos te explicar tudo, mas precisa vir com a gente — ele diz com um ar hesitante, parece surpreso com a minha reação.

— Vou pegar minhas coisas — digo com ar desconfiado. Eu volto para onde eu estava sentada com Gina, que ergue os olhos, curiosa, enquanto eu recolho minhas coisas. — Vou para casa, problema de família.

— Depois dá notícias. — Eu assinto e me afasto.

O professor está ocupado com uma confusão que acabou de surgir no jogo de vôlei e não repara quando saio da quadra.

Vou com o suposto Nathan para a saída da escola. Depois de Emma, eu andava ainda mais desconfiada. Tenho um spray de pimenta na bolsa para quando estiver em perigo, embora tenha que me segurar para não usá-lo no garoto que está com Nathan que não para de me olhar como se eu fosse louca.

Nathan tem autorização para me levar, pois a secretaria não nos impede de ir. Nós saímos da escola. Do outro lado da rua há um parque com uma pista de skate, que parece chamar a atenção do amigo de Nathan, pois ele vai até lá e pega o skate de um dos garotos.

— Devolvo mais tarde! — avisa e dá um impulso para longe.

— Ei! Aqueles dois são amigos dele. — Um grandalhão aponta para nós dois.

Nathan não precisa dizer nada, apenas aponta para sua bicicleta encostada em um poste e nós dois corremos.

Ele monta na bicicleta, mal espera eu me ajeitar na garupa e começa a pedalar como se sua vida dependesse disso. Talvez, dependa mesmo, já que um grupo de pelo menos oito garotos grandalhões em cima de skates está atrás de nós.

— Por que ele fez isso? — grito para Nathan, me referindo a seu amigo, aborrecida pelo problema em que ele nos colocou.

— Porque é o Pietro — ele responde, como se isso explicasse tudo.

Precisamos dar algumas voltas nas ruas com a bicicleta para despistar os garotos. Passamos por curvas difíceis e vielas estreitas.

Ele xinga baixinho quando entramos em uma rua sem saída, cuja passagem é obstruída por um portão.

Com pesar, ele deixa a bicicleta para trás, me ajuda a escalar o portão e passa por ele. Pular um portão para fugir da galera do skate não é algo que eu esperava fazer nessa manhã, muito menos algo que faço com frequência. Tenho a agilidade de uma tartaruga idosa. Uma das lanças no topo no portão rasga um pedaço da barra da minha calça e corta meu tornozelo. Ignoro o machucado e pulamos para o outro lado.

Como nós os despistamos, não precisamos mais correr.

Assim que olho para frente, noto que estamos em frente ao parque de diversões. Não tenho mais dúvidas de que é Nate e que ele é real, mas ainda tenho muitas perguntas.

— Não quero encrenca com eles, sou mais forte, não quero machucá-los — ele diz, olhando para trás o tempo todo, até entrarmos no parque.

Nós nos sentamos em um dos bancos do parque. Nathan retira uma bolsinha pequena de couro do bolso e tira de lá algumas moedas de ouro. Olho com curiosidade para elas, até que ele as guarde de volta. Ele começa a vasculhar os bolsos da calça até encontrar uma nota de cinco reais e me compra um cachorro quente.

— Você e a Lisa sumiram para assaltar um banco? — pergunto, me referindo às moedas de ouro.

— Você consegue imaginar a Lisa assaltando um banco? — retruca Nathan e penso em minha irmã certinha e cuidadosa fazendo algo contra as regras.

— Não. — Nós dois rimos com a velha cumplicidade de anos antes.

— Você cresceu. Não muito, ainda parece uma anã. — Ele ri quando eu aperto os olhos e se senta ao meu lado no banco. — Como você está? Como passou os...

— Os últimos cinco anos? — completo e limpo o ketchup da boca. — Nathan, vocês sumiram! Você e Lisa. E vó Dora ficou dizendo que vocês não existiam, que eram amigos imaginários, mas eu tinha dez anos, não quatro. E ninguém se lembrava de vocês. Eu achei que estivesse ficando louca.

Eu sabia que eles eram reais, sempre soube, mas algumas vezes as pessoas falam tanto uma coisa, que você começa a acreditar nelas e duvidar de si mesmo. A mentira de vó Dora abre uma ferida, talvez eu nunca mais consiga confiar nela de novo.

Nathan arregala os olhos por alguns instantes antes de parecer furioso balançando a cabeça para os lados.

— Não acredito que ela não te contou nada. Eu devia ter me despedido e explicado tudo antes de ir.

— É, devia, mas o que aconteceu, afinal? Por que teve que ir? Pra onde? Por que não mandou uma carta, mensagem, sinal de fumaça?

— Fomos para nossa terra natal. Você é de lá também. Solaris é uma ilha... mágica.

— Espera, o que?

— Nossos pais moravam lá.

— Em uma ilha mágica... — falo com descrença.

Eu o encaro por um tempo esperando que ele começar a gargalhar e dizer que é piada. Então me lembro de Emma, dos sonhos, das memórias confusas e, como um quebra cabeça, tudo começa a se encaixar pouco a pouco.

— Então, me perdoa por ter ficado tanto tempo longe? — ele pergunta curvado para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos.

— Depende. Promete que nunca mais vai sumir desse jeito?

— Prometo.

— E vai me arrumar algumas dessas moedas de ouro?

— Interesseira. — Ele diz e nós rimos juntos. — É melhor voltarmos. Como 'tá esse tornozelo?

— Vai ficar bem.

Nate levanta o pedaço de pano rasgado em meu tornozelo. O corte sangra um pouco e está inchado, isso é o bastante para ele insistir em me carregar nas costas.

— Então, vocês usam varinhas em Solaris?

— Não, só nossos dons e alguns usam armas.

— Você tem magia aqui? Pode me mostrar alguma coisa? — pergunto tentando não transparecer tanto minha incredulidade.

— Um pouco, como a carga de bateria de um celular. Acho melhor poupar, caso tenhamos algum problema maior. Com o Pietro por aí, nunca se sabe.

— Encontrou alguma namorada bonitona e super poderosa?

— Sabe que... é, eu encontrei sim. — Durante todo o caminho, tento tirar informações sobre a tal garota misteriosa.

Chegamos em casa e assim que desço das costas de Nathan, Lisa corre e me abraça.

— Isa! — Retribuo seu abraço com força.

— Isa, esta é a Princesa Seely Lawford — Nathan me apresenta quando Lisa me solta.

— Muito prazer, Alteza. — A Princesa sorri para mim. Ela já havia aparecido algumas vezes em meus sonhos, então, seu rosto me parece familiar.

— Querida... — começa vó Dora. Lanço-lhe um olhar afiado e cortante.

— Parece que eles não são tão imaginários assim.

— Querida, eu só queria te proteger, ainda acho que não deveria ir — aconselha vó Dora.

— Ela é quem tem que decidir. Como pôde dizer que não existíamos? — A voz de Nathan é carregada de acusação e Lisa intervém em defesa de vó Dora.

— Vó Dora só queria proteger a Isa, Nathan. Tente não julgar tanto...

Eles param quando o tal Pietro chega com o skate debaixo do braço.

— Podemos voltar?

— Que objeto é este? — A Princesa se pronuncia pela primeira vez.

— Parece que se chama skate. É bem útil. Vou ficar com ele.

— Precisamos voltar agora.

— Vou arrumar minhas coisas.

Vou para o meu quarto e coloco rapidamente algumas peças de roupas na mochila.

Assim que saio do quarto, encontro uma espécie de espelho de corpo inteiro na sala e arregalo os olhos. Ainda não tinha refutado completamente a ideia de que Nathan estivesse curtindo com a minha cara com aquela história de magia.

Pela primeira vez começo a ficar nervosa. Seely entra na superfície espelhada como se fosse líquida, fazendo a imagem ondular antes de a engolir. Pietro a segue. Olho para Nathan, que sorri me incentivando e acena para que eu vá primeiro. Quase tremo de ansiedade e então, como Alice, eu atravesso o espelho para uma realidade completamente diferente da que conheço.


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Notas finais do capítulo

N/A: O portal para acessar o mundo de Solaris é inspirado e traz referencia ao livro Alice Através do Espelho.



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