Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 13
Sob o luar de Paris


Notas iniciais do capítulo

Oioi! Tudo bem com vocês? Com o dia atípico de postagem, venho por meio dessa informar que teremos dois capítulos esse mês! o/

E digo mais: foi meu capítulo preferido até agora! Boa leitura ♥



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Se todos os Banks de Bloomsbury fossem dispersos aos quatro cantos da Terra, poderíamos ter dúvidas quanto aos seus paradeiros, no entanto era de conhecimento geral – ao menos, entre as três casas que regiam nossas vidinhas passageiras – que todos se reuniam com esmero para o final de ano. Era uma ocasião que mais se assemelhava a um ritual, e ai de quem ousasse enfrentar o olhar da mamãe e do papai para inventar outros compromissos.

Geralmente, as viagens dividiam-se entre passar as férias de verão em Paris e as de inverno em Londres. No entanto, com a chegada de um bebê era prudente visitar Paris uma vez mais. Tio Émille arcou com as despesas apesar do protesto do meu pai, mas a energia apaziguadora da senhora minha mãe fez o favor de lembrá-lo que havíamos feito o mesmo quando Maélie nasceu.

— Parece ter acontecido há um milhão de anos — mamãe comentou nostálgica enquanto desembarcávamos do trem. Papai ainda estava tentando manter a cabeça no lugar, uma vez que ele detestava navios e mamãe detestava trens a ponto de tagarelar por todo o caminho do porto de Calais até Paris. — Recorda-se disto, Harvey? O senhor ficou apavorado achando que eu fosse morrer.

— Aparenta ser tão romântico — Maélie suspirou, com toda graça que seus 14 anos proporcionavam de enxergar romance em qualquer folha que caía das árvores na rua. Quando era viva, nossa governanta (Ève para nós, sra. Lambert para nosso pai e nossa mãe) dizia que os Banks tinham “sangue quente”. — Foi mesmo, pai?

— Garanto que não foi nada romântico — com a breve menção do evento, o pai se arrepiou todo. — Foi horrível. Seu parto foi muito difícil devido à idade de sua mãe, Lis.

Eu e Thomas trocamos um olhar de concordância. Tinha sido mesmo horrível. Evan e Elena eram minúsculos para se lembrar disso, mas nossa memória era mais fresca. Sabem-se lá quantas orações e pedidos foram feitos em casa implorando que a mamãe ficasse bem e voltasse para nós.

— Ah... Desculpe...

— Já passou, não há motivo para desculpas — mamãe passou um braço ao redor do ombro de Maélie, com carinho. Então, ela abaixou o tom de um modo que apenas ela e eu fôssemos ouvir: — Porém foi sim, muito romântico. Senti-me uma princesa nos contos de fada. Seu pai não faz ideia, mas é um príncipe perdido.

Maélie contentou-se com a resposta, ao passo que o pai mal se atentou para as confabulações a esposa e da filha. Até mesmo Evan, que passava por seu momento de adolescente sério e rebelde, sorriu de escanteio com a cena que lhe era tão familiar. Quanto a mim, sorri de escanteio com o carinho entre os dois mesmo após anos. Era bem como diziam: não havia tempo ruim para quem insistisse com paciência.

Era algo raro, mas não era nada escondido a sete palmos debaixo da terra. Certo?

Quando pensei que nada poderia piorar meu estado romântico-contemplativo, lembrei que estávamos em Paris – esta, considerada a capital do romance por senso comum. E, para nos aguardar na estação de trem, ali estavam Adele e Gabrielle, iluminadas sob o luar de Paris. Entretanto, por mais que Gabrielle fosse a minha favorita das famílias, seria bobagem o magnetismo todo da cidade do romance – ainda que esse não me pertencesse.

— Boa noite, tia — Gabrielle adiantou-se nos cumprimentos, abraçando os adultos com afeto. — Tio. Fizeram uma boa viagem?

Daí, papai e mamãe puseram-se a trocar as frases triviais de sempre. Eram duros na queda em sentido de aparentar tranquilidade. Gabrielle fez a gentileza de escutá-los com atenção, enquanto Adele dava sorrisos de boas-vindas para todos. Parecia radiante. Entretanto, não tive tempo de me deter nesses detalhes.

— O jantar está quase na mesa — Gabrielle conduziu-nos pela estação com sua aptidão nata para liderança. — A cada ano, parece que neva mais! Ou estou louca?

— É uma artimanha da lareira para não a largarmos — por sua vez, Evan não deixou de lado seu instinto piadista.

— Pois é, Evanovich. O pai e a mãe estão lá mesmo com o pacotinho de amor, morrendo de medo de congelar. Imagine vir ao mundo bem no inverno? Ora, mas a coisinha será criada como urso polar, e não como uma miniatura de humano.

O comentário bastou para dar seguimento à conversa pelo caminho de la Villette. Adele pouco contribuiu para a conversa, no entanto sabíamos que ela apenas estava deixando que os outros falassem primeiro. Diferente de mim que não abria a boca por vergonha, Adele fazia isso por educação. Pela primeira vez, ela olhava para o lado oposto ao meu – pela janela – e não de escanteio para Thomas. Não soube interpretar o gesto, e isso me transtornou.

Atravessamos o jardim dos Bretonne com um olhar admirado. Uma espécie de estufa provisória havia sido erguida para abrigar as folhas do frio, e é claro que Thomas iniciou seu questionário quanto a isso. Aparentemente, a tecnologia botânica em Paris era bem mais avançada do que a de Londres... Porém, dessa vez, foi Gabrielle quem respondeu suas perguntas.

Olhei de soslaio para Adele, que teria sido a primeira escolha de explicações. No entanto, esta parecia estar bem mais interessada em contemplar os jardins protegidos da neve, como se só o houvesse notado agora.

Talvez estivesse mesmo.

Encontramos o tio Émille e a tia Sienna com a expectativa em alta. O pacotinho de amor, como Gabrielle gostou de apelidar, descobrimos ter um nome e um rosto adorável: Giselle. Soubemos por uma das camareiras, uma vez que a casa estava envolta num silêncio respeitoso desde a chegada da mais nova. Todos nós exprimimos um ganido típico de quem não se contém de amor, ao passo que todos se espalharam pelo tapete e pelos sofás da sala comum. Tomei a liberdade de sentar-me ao lado de Adele, e Evan foi quem quebrou o silêncio para nos presentear com mais um de suas pérolas de pouca sabedoria:

— É uma boa estratégia escolher nomes parecidos, uma vez que as três destoam em aparência...

— A mãe fez o mesmo com a gente, Evan — Elena riu baixo.

— Fez, mas aí foi um caso de dar graças a Deus. Já pensou se eu saísse com a sua cara?

— Olhe só, sabe que eu penso a mesmíssima coisa?

Todos nós rimos baixo do pé de guerra que eram os gêmeos. Todos nós esperávamos que eles fossem unidos como reza a tradição, no entanto não poderiam ser mais jurados de morte. E o engraçado era que, se alguém aprontasse com um ou outro individualmente, um deles aparecia de prontidão para defender a honra do outro.

Completamente hipócrita. Mas são coisas que irmãos fazem. Quase como eu e Thomas.

— Ao menos, ele não disse que parecia que a criança tinha nascido com cara de joelho, como fez com Maélie — tia Lilian opinou para a mamãe, em seu canto do sofá.

— Se fizesse isso, eu mesma seria responsável por deixá-lo com cara de joelho — como uma leoa feroz, tia Sienna partiu para defender sua própria cria, ainda que falasse em tom manso. — Evan que esperasse só até a maioridade.

Evan gargalhou, jogando a cabeça para trás tentando conter o barulho.

— Pelos céus, que juízo as senhoras esperavam que eu tivesse aos dois anos?

— Estamos o procurando até hoje — Gabrielle provocou.

Adele e eu trocamos um olhar significativo. Ninguém ali era dado a adivinhações, mas até mesmo o óbvio era interpretável para quem quisesse observar. Logo depois, desviamos o olhar cada um para um canto. Era necessário que houvesse uma conversa entre nós após tantas cartas.

Não agora. Depois, dizia-me ela com os olhos castanho-claros. Mesmo estando à meia-luz as lâmpadas – ainda não arriscávamos com a eletricidade para mais do que isso – eles eram brilhantes a ponto de se sobressaltarem na escuridão. Assenti com a cabeça, voltando a fingir que prestava atenção na conversa dos adultos.

Giselle era mesmo adorável. Parecia ser mal de família.

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Após o jantar, os adultos ficaram para babar na recém-chegada à família. Os Banks que estavam cansados da viagem foram descansar. Thomas, Laurent e Evan saíram para comemorar “como homens”.

Patético, eu sei.

No entanto, algumas masculinidades me garantiram passe livre para o banco coberto da varanda com vista para jardim. E companhia, pois ficar sentado ali sozinho na noite de Natal seria no mínimo deprimente.

— Nunca estive tão cansada — Adele comentou, não num tom de reclama, apenas... Cansada. Dava para ver que a vida com um bebê, ainda que não fosse seu, era extenuante. Lembrete mental: agradecer à senhora minha mãe por ser maravilhosa. — Gigi sente muitas cólicas... E sinto pena da minha mãe. Ela teve um parto muito longo. A parteira não quis vir debaixo daquele monte de neve porque já estava resfriada. Não a culpamos, é claro, mas... Ela tinha que sair de algum jeito, não acha?

Ri baixo, concordando com tudo e permitindo que ela falasse o quanto precisasse. Não me custava nada ouvir, afinal de contas.

— É bom respirar um pouco... Sabe?

— Sei, sim. Sinta-se à vontade.

— É? Não está dizendo só por educação?

— E desde quando falo algo apenas por educação? Geralmente, eu digo as coisas sendo obrigado...

Foi a vez de Adele rir, e ela o fez voltando o rosto para analisar minha expressão. Preferi não olhá-la em retorno, pois seria um caminho sem volta.

— Pois então! Pode ter se sentido obrigado a retribuir o comentário por educação.

— Pensou nisso em trinta segundos? — dessa vez, retribuí o olhar, o que a fez gargalhar sem restrição sonora. — Sua cabeça anda tão caótica assim?

— Minha cabeça está uma máquina pensante que quando não está pensando em cocô e fraldas, está pensando ou em dormir uma vida inteira ou que estou terrivelmente carente de uma atenção... Tudo é válido.

— Dormir uma vida inteira?

Meu tom cuidadoso a fez raciocinar no que tinha acabado de dizer. Sua expressão consternada me indicava que Adele não pretendia se expor tanto numa conversa casual. No entanto, eu queria tanto que ela se sentisse confortável para conversar comigo sobre assuntos pessoais.

Ah, sério. De que adiantava ser o confidente da família se não podia ser confidente da pessoa que mais me importava a opinião?

Hugh estaria orgulhoso dos meus pensamentos mais otimistas. Eu tinha de me lembrar de comunicar isso a ele quando voltasse.

— É... — aos poucos, ela ajeitou a postura. — Já se sentiu assim? Cansado de pensar?

Não precisei pensar na resposta. Ela fluiu tão naturalmente que parecia ter saído dos meus próprios monólogos internos:

— Vivi a vida inteira assim — ri fraco. — No mundo dos pensamentos. É muito difícil de sair dele quando... Quando j-já cria raízes. E-e então a gente fica... Cansado de pensar, mas pensar é tudo que a gente tem, porque desaprendeu a falar.

Aparentemente, era minha nêmese. De tanto ser o ouvinte, acho que eu precisava ser obrigado a ser o falante uma vez na vida.

Patético, eu sei.

Mas até que eu estava gostando.

— Sinto muito — Adele pontuou num tom que não era penoso. Era compassivo. — Agora sei que é terrível. Pensei que fosse me afogar se não colocasse tudo para fora.

— Não seria sufocar?

— Não se estiver pensando num mar de pensamentos. E... Sim, eu tive muito tempo para pensar nisso, antes que me pergunte.

Sorri com o comentário, erguendo uma sobrancelha para ela. Voltando a relaxar a postura, Adele fechou os olhos com cuidado. Após tanto tempo nos conhecendo pela metade, com as cartas criamos uma situação de não precisar dizer nada antes de ela acrescentar:

— Não estou dormindo... Estou descansando os olhos. Vou me levantar já.

— Não se preocupe comigo. Vou estar aqui quando resolver abri-los de novo.

De repente, esqueci-me de Thomas e Alice. Esqueci-me da Cruz Vermelha. E de todos os meus problemas com falta de confiança. Tudo isso se perdeu num grande redemoinho no “mar de pensamentos”, como Adele chamou, quando a escutei murmurar sonolenta ao meu lado, sob o luar de Paris:

— Eu sei disso... É o melhor presente que eu poderia pedir para hoje. Obrigada por ter tempo para me ouvir divagar, Alex.

— Só não durma a vida inteira — sorri.


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Notas finais do capítulo

Meus bebês estão crescendo *emoji choroso* Esse capítulo é dividido em duas partes, então a próxima sai no final do mês.
Críticas ou sapatadas? Elogios ou biscoitos? Aceito tudo ahahahah
Até mais!



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