O Chamado do Oceano escrita por Luana Cajui


Capítulo 2
O Presságio, o Fubá e a Tapeçaria


Notas iniciais do capítulo

Olá, tudo bom? Aqui está mais um capitulo de "O chamado do Oceano" para vocês, queiram me desculpar pela demora, eu não mereço perdão.

Gostaria de informa a vocês que a personagem Taína fala exatamentes três línguas, a indígena e é nela que ela conversa com sua avó e suas "irmãs" da reserva ou seja ela não está falando o português exatamente, bom era só isso por enquanto, boa leitura



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O PRESSÁGIO, O FUBÁ E A TAPEÇARIA

 

"O mar sempre foi um lugar enigmático repletos de mistérios e perigos, ele sempre estava preparado para levar aqueles que ignoravam seus avisos e sinais, mas o Mar também era parte das almas que não o alcançava e daqueles destinados a viverem em suas águas, servindo e guardando seus tesouros."

Toda manhã desde os sete anos Tainá repetia a mesma rotina quando aprendeu a pegar o ônibus sozinha, ela acordava muito cedo todos os dias sempre às 05h00 da manhã, saia de casa sem tomar café e ia pegar o primeiro ônibus para a "Serra do Cemitério", o trajeto durava tempo suficiente para se ouvir cinco músicas de 3 minutos cada uma e ela chegava no seu ponto antes do sol nascer, fazia uma caminhada de dez minutos até uma pequena estrada de terra numa subida e seguia por mais dez minutos por ela até avistar as primeiras tochas na entrada da tribo de sua mãe, ela havia chegado a reserva.

Na "Serra do Cemitério", havia a "Reserva das mulheres" ali vivia uma tribo de mulheres indígenas, a aldeia contava com cerca de 180 mulheres e crianças. Elas tinham contato com o mundo exterior no entanto elas evitavam descer para as cidades, já que a reserva ficava entre as cidades de Estrela Velha e a Baía das Conchas, e sua avó morava lá.

A mulher estava a espera de Tainá em pé segurando uma tocha no meio da estrada, ela tinha um sorriso acolhedor no rosto já repleto de linhas de expressão que ficavam bem visíveis quando esta estava sorrindo.

—Você chegou um pouco mais cedo. -pronunciou a mulher enquanto puxava a neta para um abraço apertado. -Bom dia.

Tainá sorriu ao receber o abraço de sua avó, os braços da mulher eram bastante acolhedores e deixaria qualquer um querendo desabafar seus problemas para a mais velha.

—O motorista não estava muito falante essa manhã. -respondeu a garota depois de depositar um beijo na bochecha de sua avó.

A garota mais nova pegou a tocha das mãos da avó enquanto enlaçava seu braço direito ao da mais velha para a sim caminharem juntas naquela manhã fria enquanto adentravam a aldeia.

Naquela manhã havia poucas mulheres acordadas, pois na noite anterior havia tido um festejo a Anhanga, senhor do Submundo, Tainá lamentou por não ter conseguido vir, ela gostava de Anhanga na verdade de qualquer um que se dedicava a proteger os animais da caça desenfreada e Anhanga estava no topo de sua listinha de favoritos.

—Queria ter vindo ontem -lamentou a garota.

—Não se preocupe, haverá outros festejos - tranquilizou a mulher - os deuses sabem que você gostaria de ter vindo, mas você não poderia dar para trás com sua palavra com o seu pai.

—Eu sei. -concordou a menor, mas ainda estava um pouco cabisbaixa - Eu prometi ajudá-lo a corrigir algumas provas mas não pensei que duraria tanto tempo nem sabia que ele tinha tantos alunos, só eu sozinha corrigi mais de 100 folhas enquanto ele lançava as notas no sistema.

Sua avó riu enquanto ela depositava a tocha em um pedestal vazio.

—Seu pai gosta de estar com você querida, acho que ele tem um pouco de ciúmes por você vir aqui toda manhã afinal minha filha vive viajando.

—Papai sabe a importância do trabalho da minha mãe, ela não quer que sejamos vistos como animais como a maioria deles pensa que somos, nós somos seres humanos e merecemos sermos tratados como tal, mas as vezes acho que ele se sente sozinho, sabe como ele é...

—Eu sei, sempre foi fortemente apaixonado por Jaci, já te contei a história de como eles se conheceram?

Tainá sorriu.

—É claro que contou, segundo suas palavras papai ainda era estudante, veio visitar a aldeia para um trabalho de história e mamãe não estava numa fase muito boa, ele havia se afastado do grupo e viu a mamãe pular do penhasco...-contou a garota em voz baixa.

—pulou diretamente no mar, como naquele poema que você gosta tanto ,né? "Ismalia" estou certa?

Tainá assentiu.

— "E como um anjo pendeu

As asas para voar…

Queria a lua do céu,

Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu

Ruflaram de par em par…

Sua alma subiu ao céu,

seu corpo desceu ao mar..." -ditou a menor caminhando até um grupo de mulheres que estavam conversando numa das áreas centrais da Aldeia.

—É um lindo poema. -disse sua avó- Naquele dia um salvou o outro minha querida. Naquele dia em que eles se conheceram, e depois de dois longos anos você veio.

—Ele queria um menino -comentou ela.

—Bobagem, seu pai queria uma menina e ele fez uma menina, deveria ter visto a cara dele quando eu te entreguei nos braços dele, eu nunca tinha visto um homem chorar tanto de felicidade.

Tainá não pode deixar de gargalhar com as palavras da mais velha, mas gargalhou alto chamando a atenção das outras mulheres.

—Olá Tainá -disseram as outras mulheres com sorrisos amigáveis no rosto.

Tainá retribuiu o sorriso, soltando o braço de sua avó sem deixar de reparar na pintura nos rostos das outras como também nós belos colares que enfeitavam seus pescoços.

—Oi, como vão? A festa foi boa ontem, dormiram bem? -perguntou a garota para as mais velhas que riram.

—Dormir? Não sabemos o que é isso desde a manhã do dia de ontem. - riu uma delas.

—A gente ta virada, iamos tomar café e depois ai sim, iriamos dormir. - disse a mulher do meio, sem conseguir evitar um bocejo.

—Sentimos sua falta ontem, estava com seu pai?

—É a festa foi boa mesmo.-comentou a menor sorrindo -Fiquei a noite inteira corrigindo prova com ele de noite.

—É uma pena, você perdeu um dos melhores festejos do ano. -comentou uma das mais velhas enquanto tirava um dos colares de seu pescoço e o colocava em Tainá. -Fizemos ontem para você, já que não pode vir.

—Tériamos feito um brinco também se a Amaya não estivesse tão afob...

A mais nova das outras mulheres recebeu um forte abraço surpresa vindo de Tainá. Elas sorriram e bagunçaram os fios negros da mais nova.

—Não achou que tínhamos te esquecido né? -perguntou Amaya

—Assim você nos ofende. -comentou a que Tainá havia abraçado.

—Quero um abraço também ! - disse a terceira um pouco chateada.

Tainá fungou e mantendo um sorriso no rosto ela puxou as outras duas para um abraço em grupo.

—O abraço de vocês, mas não se acostumem não, vovó pode sentir ciúmes.

As quatro gargalharam e permaneceram abraçadas por alguns minutos até que o céu começou a clarear, as quatro desfizeram o abraço e conversaram um pouco mais alguns minutos até a avó de Tainá voltar, ela nem havia percebido que a mais velha havia saído dali para buscar as cestas que elas usavam todas as manhãs.

—Ela nem viu -brincou Amaya antes de perguntar. - Vocês duas ainda vão pra praia?

—Sempre! -responderam as duas em uníssono.

Amaya sorriu.

—Vamos estar esperando vocês duas com o café da manhã pronto.

—E tragam conchas bonitas, viu?

—Pode deixar. -respondeu Tainá caminhando com a avó para a praia.

As praia em que as duas iam era uma pequena enseada entre a Baía e Estrela velha, ela tinha a areia branca bem fina e dificilmente você via algum lixo na faixa de areia.

Tainá largou sua mochila em cima da areia, começando a tirar a blusa e o short que vestia. Enquanto isso a avó de Tainá se focava inteiramente no mar, analisando suas ondas enquanto os primeiros raios de sol tocavam a água, quando a neta terminou de se trocar as duas caminharam até um conjunto de rochas, de lá Tainá mergulhou na escuridão das águas do mar deixando a mulher idosa sentada nas pedras afinal ela já não tinha condições físicas para acompanhar a neta em seus mergulhos.


Ao sentir a água gelada em contato com seu corpo, Tainá teve vontade de suspirar, ela era alguém que não se incomodava com o frio das águas muito pelo contrário, isso só a fazia se sentir mais viva, sentir as correntes de água atingindo seu corpo era como se pequenos e inofensivos choques se espalhassem por seu corpo e se isso não fosse sinal de um ataque cardíaco ela tinha certeza absoluta de que isso era o mar lhe chamando.

Quando seu corpo atingiu o chão, a garota conseguiu abrir os olhos naquela escuridão e começou o seu trabalho de tatear o chão a procura de conchas, tal tarefa levou vários minutos, com direito a encontros com alguns caranguejos e é claro pequenos peixes. Tainá ia e vinha da superfície enchendo o cesto de conchas para sua avó que aguardava pacientemente pelo retorno da mais nova da superfície .

Conforme ela ia e vinha as águas do mar foram recebendo mais luz do sol até chegar o momento em que ela conseguia enxergar tudo a sua volta o que era um sinal de que ela estava atrasada ainda mais naquele dia.

Ela pegou impulso no chão e se jogou pra cima voltando a superfície, a garota nadou até a avó e se apoiou mas pedras para sair da água.

—O que houve?

—Esqueci que hoje a gente vai ter que entrar mais cedo, as 06h30. -disse ela atropelando as palavras enquanto tirava o excesso de água do cabelo.

—Por que? A algo de especial hoje? - perguntou a mulher.

—É a organização para a feira cultural lá da escola -explicou a menina -Vai ser hoje que as professoras vão fazer a organização dos grupos e decidir as tarefas de cada um e se eu me atrasar vou acabar ficando com a pior tarefa.

—Se apresse então. -riu a idosa ao ver a afobação da neta que ia apressada para a praia onde a mochila dela estava.

A garota começou a se trocar ali mesmo, pegou uma toalha e se secou antes de colocar o uniforme e o tênis, ela teria que tomar um banho no ginásio da escola antes de entrar na aula afinal seu corpo estava cheio de sal e isso seria péssimo se ela continuasse no Sol com a pele toda coberta de sal.

Sua avó observava aquela pressa da neta mantendo um sorriso no rosto, era uma mulher sorridente afinal.

—Sabe Tainá, eu tive um sonho ontem a noite com você. -comentou a velha mulher olhando para a imensidão do mar.

Tainá que terminava de colocar o Tênis parou o que estava fazendo e olhou para sua avó e não pode evitar engolir em seco, Moara era conhecida na tribo por ser a melhor parteira da região da Grande Estrela mas também era conhecida por ter sonhos proféticos e que tinham uma boa chance de se realizarem como já havia acontecido muitas vezes anteriormente.

—E como ele era? -perguntou.

A mulher nada respondeu em relação a questão da neta, ela apenas

lhe disse.

—Lembra da escultura que você fez em madeira oca e tinta? Aquela que você fez no festival da Donzela? Alguém gostou muito do presente.

☆☆☆☆☆☆☆

O quiosque Sereia Negra abria pontualmente às 07h00 da manhã, quando os turistas de outros estados e países resolviam acordar para aproveitar as belas ondas da manhã e o sol cálido e com tanta disposição a fome era uma certeza de que viria atacar com tudo logo cedo e onde mais provar a melhor comida da cidade? No Sereia Negra é claro, o quiosque tinha um cardápio bem variado e tudo tinha que estar funcionando bem cedo e é por isso que todas as manhãs Aqualtune ajudava seus pais a abrir o estabelecimento.

Enquanto sua mãe estava na cozinha preparando ingredientes para cozinhar como os molhos, batatas e pães, ela e seu pai cuidavam do salão, enquanto ele dispunha as mesas ela era responsável por passar o pano em tudo e colocar os guardanapos nas mesas assim como o ketchup, mostarda e o sal e logo após isso contar o fundo do caixa enquanto seu pai ia para a cozinha ajudar sua mãe, Aqualtune ficava sozinha no salão contando o fundo do caixa que para seu "azar" havia fechado com muitas, muitas, muitas moedas.

A garota suspirou olhando a enorme quantidade de moedas de 5$ e de 10 sem falar que as de 25 e as de 50 que ocupavam quase todos os espaços da gaveta.

—TU NÃO VENDEU ESSE TROCO NÃO?! -gritou ela para o pai que estava na cozinha. -EU NÃO TERIA DEIXADO A GAVETA FICAR DESSE JEITO NÃO!

A jovem pode ouvir alguns resmungos da cozinha seguidos de uma gargalhada.

—VOCÊ ME DISSE PRA DEIXAR MOEDAS NA GAVETA E EU DEIXEI!

—EU DISSE PRA DEIXAR TROCADO E NÃO A CASA DA MOEDA INTEIRA NO BAGULHO.

—RECLAMA QUANDO TEM TROCO E RECLAMA QUANDO NÃO TEM, SE DECIDA MINHA FILHA!

A jovem resmungou olhando para a gaveta, havia poucas notas se 2$ e de 5$ e com certeza ela teria que trocar com algum ambulante mais tarde, mas por enquanto ela teria que contar aquilo tudo.

Aqualtune começou a contagem do caixa:

—10, 20, 30, 40, 50, 60,70, 80, 90 , 1$, 1$ e 10...

Durante minutos conforme contava, Aqualtune tomava cuidado para não se perder nas moedas miúdas que em geral eram as que mais tinham na gaveta chegando a ter 100$ apenas de moedas e o restante em notas de dois, cinco e dez ou seja 85$ reais em papel, ela se perguntava por que o fundo do caixa era tão grande, não poderia ser apenas 125$?

Quando terminou a garota suspirou olhando para a gaveta perfeitamente organizada com orgulho.

Todas as manhãs eram quase do mesmo jeito, ou faltava ou tinha troco demais no caixa algo que de um jeito ou de outro sempre incomodava, mas ela sempre entendia quando isso acontecia (quando faltava troco em nota e moeda) afinal todos os dias tinha algum cliente filha da puta que pagava com uma nota de cem um prato de comida que havia custado apenas 19,99 mesmo tendo notas menores na carteira ou o cartão de débito a disposição e caso você for esse tipo de cliente saiba que todos os funcionários de todos os estabelecimentos que você já foi, eles te odeiam e te xingam em pensamento por isso, principalmente se você for aquele cliente que chega cedo pra trocar uma nota de 100 reais;.

Ao terminar de guardar o dinheiro na gaveta, Aqualtune ergueu o rosto e deu um pulo de susto ao ver a face de sua mãe quase colada com a dela.

—Mãe! Credo, você quase me mata do coração.

A mãe de Aqualtune não lhe respondeu, apenas continuou encarando a filha em silêncio por alguns instantes .

Confusa, Aqualtune olhou ao redor um pouco nervosa procurando seu pai com o olhar e o encontrou parado na porta da cozinha com uma expressão séria como se dissesse para a filha escolher bem as palavras.

"Ah mano do céu!"

Aqualtune voltou sua atenção a sua mãe que ainda permanecia em silêncio a observando. Já fazia um tempo que sua mãe havia despertado seus dons mediúnicos e ela vinha trabalhando com eles no terreiro em que frequentavam junto a mãe de Santo, porém sua mãe ainda carecia de um certo controle quanto a incorporação e as vezes ela poderia incorporar algum espirito mais forte.

—Mãe? -chamou ela com a voz tentando transparecer calma.

—Sim, querida? - respondeu ela. Sua voz estava diferente, doce e parecia mais profunda e controlada, mas não parecia demonstrar nenhum descontentamento.

—Você está bem?

É pergunta idiota, realmente, mas ei, ela estava nervosa okay? Essas coisas não acontecem do nada! Você não está simplesmente cozinhando e pah! Tá incorporada, não, isso aqui não é um filme de terror.

—Estou ótima, minha filha.- respondeu ela formando um sorriso gentil no rosto. -Poderia me dar um copo de água, sim?

—É claro, algo a mais além da água? - perguntou pronta a fazer as vontades daquele que controlava o corpo de sua mãe temporariamente.

—Um pedaço de bolo de fubá cairia muito bem também, obrigada.

Sem questionar, Aqualtune correu até o armário do bar, pegou um copo de vidro e foi até o frezzer para o encher com água gelada e logo voltou ao armário e pegou um prato e uma colher para colocar um generoso pedaço de bolo de fubá cremoso que sua mãe havia feito na noite anterior para vender. Ela voltou um pouco apressada ao balcão onde agora sua mãe estava sentada aguardando, Aqualtune colocou o bolo na frente de sua mãe e com o copo ao lado do prato.

Ela observou sua mãe comer o bolo com as mãos, mantendo certa elegância e sempre olhando para Aqualtune, lhe mandando alguns sorrisos. Ao terminar o bolo, a mulher bebeu toda a água em poucos goles antes de colocá-lo sob o balcão novamente.

—Sabe, é verdade o que dizem, o bolo de fubá da Maria é mesmo muito delicioso, não é atoa que esse lugar é tão cheio. -disse a mulher olhando diretamente para Aqualtune.

—Agradecemos ao elogio, mas devemos isso a nossa mãe Yemanjá. -respondeu a garota com um tom respeitoso.

—Bobagem, no máximo eu atiço a curiosidade das pessoas por esse lugar, mas elas só voltam por que tudo feito com amor e esforço e também por que a comida é muito boa.

“AAAAAAAAAAAAAAAAH!”


—Sua mãe está de parabéns pelo bolo. -Elogiou.


A mulher se levantou do balcão e caminhou até uma das cadeiras do salão onde se sentou.

—Aqualtune, não se esqueça de que você tem que entrar mais cedo na escola hoje e por sinal já são 06h48, você já está atrasada.

☆☆☆☆☆☆☆

 


Mesmo após um ano, a língua portuguesa continuava sendo um grande enigma para Katya.

—Palarefepipeto...-tentou falar.

—Não, paralelepipedo. -corrigiu Cleuza mais uma vez, se divertindo com a russa tentando falar aquele trava língua.

—Paralelipipito. -Tentou mais uma vez.

—Essa foi quase, mais uma vez, você consegue.

Katya resmungou baixinho, aquela palavra era bem difícil.

—Paralelepipetó!

Cleuza deu um sorriso e bateu algumas palmas para a garota.

—Isso Katya, fantástico, agora vamos para um trava língua, "Você sabia que o sabiá sabia subiar?"

—Ah não! -exclamou a russa. -Trava língua não!

Cleuza riu ao ver a reação da garota.

—Vamos, não é tão ruim assim.

—É sim, não sei nem falar trava língua em russo, quanto mais em português.

—Você está aqui a um ano e já fala muito bem, só tem dificuldade nas palavras mais extensas.

—E na escrita, nas gírias, na interpretação de texto, sou ruim em tudo. -Frustrada, Katya apoiou a cabeça no balcão.

—Tem pessoas que estudam por anos e nenhuma delas fala tão bem quanto você, você entrou na escola em outubro do ano passado, ninguém estava esperando que você aprendesse perfeitamente em apenas quatro semanas de aula. -Cleuza a reconfortou, passando as mãos nos finos fios loiros.

—Minha tia não acordou? -perguntou a russa tentando mudar de assunto.

O fato de Katya ainda não ser muito fluente na língua a incomodava bastante, principalmente por que isso a atrapalhava bastante na escola. Ela havia entrado no último mês de aula no ano passado quando sua documentação estava em dia no novo país. Ela pensou que documentação seria o maior dos seus problemas mas não, o fato dela não ter tido aulas formais de português antes de vir para o Brasil era um problema, pois pasmem os descendentes de russos de Estrela Velha e da Baía das conchas mau falavam russo e sim PORTUGUÊS, ou seja Katya mau conseguia se apresentar aos outros estudantes e muito menos responder aos professores que tentavam falar com ela o que era profundamente frustrante e que a fazia chegar chorando quase todos os dias em casa.

—Ainda não, ela ficou a madrugada toda acordada fazendo algumas planilhas.- Cleuza colocou uma caneca na frente de Katya e pelo cheiro que vinha dela era algum chá com leite quente ou algo do tipo. -Menta com chocolate.

É o olfato de Katya não era muito bom não.

A russa ergueu a cabeça e se sentou direito no banquinho, encarando o líquido escuro junto a umas pequenas folhinhas verdes flutuantes.

—Creusa, você é boa demais. -respondeu a garota, bebendo um gole daquela bebida divina. -mas eu sei que minha tia ficou a madrugada toda andando ao redor da casa de camisola entoando feitiços de proteção.

Aqui vai um conselho do narrador para você que está lendo, mentir é um ato muito feio que podem trazer consequências graves com o decorrer da mentira dependendo do tempo que você sustente ela e principalmente pois pode queimar o teu filme se você mentir para alguém como Katya que sente cheiro e gosto de mentiras de oh, muito longe.

Cleuza ficou em silêncio por alguns instantes, sua pele cor de chocolate pareceu perder a cor por alguns instantes.

—Eu não queria te assustar com isso. -respondeu ela, com uma expressão fria no rosto.

Katya deu de ombros.

—Deveria ter me avisado,sabe, meu coração quase não bate mais depois que eu abri a janela e vi ela de camisola na minha janela.

Cleusa não segurou o riso e gargalhou alto.

—Tava assistindo filme de terror né?

"O chamado", tava tentando assistir dublado, mas parei assim que ela bateu na minha janela, fui ver My little Poney logo depois.

—Ficou com medo foi?

—Da Samara? Não. - respondeu ela rindo. -Da minha tia me pegar acordada depois da meia noite, na hora da bruxa? Com toda certeza.

As duas gargalharam juntas. Elas ficaram na cozinha por mais algum tempo conversando, Cleusa que era professora foi ensinando o significado de algumas gírias para Katya, enquanto as duas tomavam café.

A casa estava silenciosa naquela manhã, o gato de sua tia não miava pedindo ração nova o que significava que ele ainda dormia com sua tia, com a exceção disso as únicas que faziam barulho eram as duas na cozinha.

De repente, Katya parou de comer e olhou para a porta da cozinha com uma expressão assustada, ela tinha acabado de ver um vulto de uma mulher loira passando para um outro cômodo.

—Diz que eu não fui a única a ver. -perguntou Cleuza com um timbre de medo em sua voz.

 

A principio, Katya não a respondeu, estava tentando entender o que tinha sido aquilo, teria sido sua tia? Era improvável, a porta do quarto de Halag fazia barulhos altos ao ser aberta e o gato de sua tia não estava miando que nem um louco.

 

—Não, você não foi a única – confirmou a loira se levantando do banco com cautela.

 

Assim que seus pés tocaram o chão, um forte estrondo ecoou pelo ar, vindo da direção da sala da casa.

 

—Cleuza me passa a frigideira! -gritou a russa assustada para a namorada de sua tia.

 

Não precisou falar outra vez, Cleuza pegou a frigideira da pia da cozinha, suja de oléo mesmo e entregou para Katya que não se importou muito com o estado do objeto e avançou para fora da cozinha sendo seguida por Cleuza, pronta pra bater num possível invasor, ela torcia muito para que fosse uma pessoa pois se fosse um fantasma ai não teria muito o que fazer, não sei se você sabe, mas não dá pra dar frigideiradas em fantasmas, elas atravessam a matéria.

 

Ao chegar a sala, Katya deixou a frigideira cair no chão ao ver o estado do cômodo. A porta da varanda estava completamente escancarada, os vasos de plantas de Halag estavam caídos no chão, sujando o tapete com terra, o baralho de Tarô de Cleuza estava espalhado pelo chão fazendo um círculo ao redor da mesinha de centro, havia cortinas caídas e por último havia a tapeçaria da família.

 

As Ivanov era uma família bruxa bem antiga, presente em muitos países do norte da Europa, países Eslavos. Todas as mulheres da família se dedicavam a uma única Beldade, a deusa que protegia a todas as bruxas Ivanov, a exploradora dos oceanos e agora aquela deusa na tapeçaria que vivia coberta por uma cortina estava encarando Katya de uma maneira severa e fria, como se estivesse dizendo: “Se prepare, mortal!”. Um arrepio passou pela coluna da russa, que conseguir sentir muito bem o que estava acontecendo.

 

—Katya!

 

Dois gritos se espalharam pelo ar, Katya e Cleuza olharam para trás, dando de cara com uma Halag sonolenta, com olheiras abaixo dos olhos, cabelos ruivos desgrenhados e camisola, ela segurava a chave de um carro numa das mãos.

 

—Vocês estão atrasadas para a escola!


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Notas finais do capítulo

SABE, NÃO É POR NADA NÃO MAS SE VOCÊ DEIXAR UM COMENTÁRIO EU FICARIA MUITO FELIZ, SABE?