A Origem da Energia - As Crianças do Caos escrita por OrigamiBR


Capítulo 9
Abandono de Grakk


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo continua com uma homenagem a um amigo meu, mas não mudou tanto



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Transcorrido para o dia seguinte, eles se infiltraram na caverna, que fazia uma leve descida para o coração do continente, numa escuridão quebrada apenas pelos veios de vida flamejante do local. Após andarem mais um quilômetro, viram que as Escarpas se abriam num domo gigantesco, parecendo que haviam despontado novamente no continente, mas era composto por vastas planícies de pedra marrom e cinza que se estendiam até onde os olhos podiam ver. Largos rios de lava cortavam o terreno, com vários metros de largura. Estalagmites despontavam do chão como se fossem as árvores do local, elevadas e de base larga. Estalactites eram visíveis com dificuldade, pois a abóboda do gigantesco domo era extensa e com grande altitude, com a presença de nuvens por lá. O ar era quente, mas estranhamente úmido, como se houvesse algo que o ajudasse a manter a vida ali. E diante deles estava um castelo com várias torres, altas paredes, pequenas janelas e um fosso incandescente, tudo isso partindo da mesma rocha ígnea que era feita a caverna. Era como uma fortaleza natural impenetrável, feita para resistir aos maiores invasores e por quanto tempo fosse necessário, isso desde a sua criação anciã.

O local era massivo, e por isso a distância que tinham até o castelo era duvidosa de se saber. A estrutura parecia deslocada do tempo, não condizente com a geografia de Ryokun. Caminharam desviando dos gêiseres de lava, passando pelos rios e atravessando as pontes naturais. Com algumas horas (dando alguns descansos rápidos pelo caminho) eles finalmente se aproximaram do castelo, e viram que sua entrada era enorme, com os portões frontais largos o suficiente para passar um avião comercial e toda sua envergadura. Via-se um enorme “G” no meio deles, como sendo a tentativa dela de se aproximar do pai. Resolveram circular a fortaleza, numa esperança de encontrar uma entrada mais viável, porém o forte parecia à prova de falhas. Como em adivinhação, eles escutaram um farfalhar de panos e um barulho de relâmpago acima de suas cabeças.

Ao pousarem os olhos na fonte do som, viram a mulher de cabelos loiros e pele branca, a executiva do inferno, vestida com nada mais que uma capa preta repleta de brilhantes. O esvoaçar revelava partes de seu corpo sensual, mas não parecia lhe incomodar, mesmo com o tecido a cobrir seus encantos de forma precária. Apesar disso, seu olhar mostrava arrogância, e mesmo da distância de quase 80 metros podia se ver claramente eles brilharem arroxeados com Energia, emanando uma presença incólume.

— Então você veio... – disse ela, e sua voz ecoou pelo ambiente, como se falasse num megafone.

— E vou acabar com isso... – respondeu Vergil, com a voz tranquila e determinada. Mesmo sem gritar, ele sabia que ela havia escutado.

— Como pôde, Niéle? – disse, e sua voz parou de ter o teor sarcástico, carregada de pesar e compaixão. – Por que se junta a esse assassino?

Lillian e Kai olharam estranho para a maga, mas ela não recuaria mais. Seu olhar mostrava uma determinação que não viram desde que foi para Universo e decidiu viver por si mesma.

— Ele não é o você pensa, Dyne.

— Então você também caiu na lábia dele... Basta! Não vou deixar isso continuar por mais tempo. Venham me enfrentar se acham que conseguem!

No momento que disse isso, ela sumiu numa baforada escura, que se dissipou logo depois. Com Niéle liderando o grupo agora, eles tentaram forçar o portão a abrir, mas foi apenas Lillian em conjunto com Vergil que forçaram as portas a arrastarem no chão, raspando a areia superficial e fuligem no corredor central. Era feito da mesma pedra de fora, com raras poças quentes e pequenas pelo chão. De um lado, viam-se largos arcos, indicando uma ponte num segundo nível. Do esquerdo, o corredor terminava numa parede lisa com um local para pôr uma tocha, e havia uma pequena porta de metal do lado dela.

— Para onde seguir? – perguntou Vergil, pensativo.

— Um momento – Kai deu um passo à frente e sacou uma pequena faca do seus bolsos, igual a que usou na luta contra Vergil. Tocou a ponta no chão levemente, e sussurrou “Silens Vultus: Refero Visum”.

Fechou os olhos por um momento e depois os abriu, enxergando os ecos de passagem do local, como uma visão térmica. Os outros viam que seus olhos emanavam uma leve fumaça esverdeada, como se fossem duas pequenas chaminés. Viu cada corredor com sua visão do passado, vendo que estavam praticamente inutilizados, com exceção de um deles, cujas pegadas eram vistas marcadas numa cor mais alaranjada. Haviam várias delas, como se fosse frequente a passagem por ali.

— Encontrei! – mencionou Kai, e piscou rapidamente para desativar a visão – É neste corredor que eles andaram. Deve ser por aqui que iremos encontrar a Herdeira.

— Vamos – disse Niéle, encabeçando a equipe.

Atravessaram o corredor, que descia numa escadaria pedregosa, mas incrivelmente precisa, como se houvesse sido entalhada à mão humana, mas ao mesmo tempo parecia que a própria natureza havia feito tal perfeição. O tortuoso caminho terminou num amplo domo, repleto de casas e ruas destruídas. Contava-se pelo menos 20 edificações. Pela aparência, foram abandonadas a pouco tempo, com algumas casas tendo luzes acesas, mas não sabiam o motivo. Os garotos se questionaram como uma cidade estava debaixo da terra e numa zona cheia de lava até olharem mais à frente, deixando a questão de lado: Kai estava com os braços abertos na frente do grupo, bloqueando o avanço.

— Kai, porque--? – perguntou Lillian, mas foi interrompida por um gesto dela.

— Estamos sendo observados – respondeu a ninja num sussurro. – Fiquem aqui.

Ao escutar tal afirmação, Vergil quis protestar, mas a cavaleira o impediu. Nisso, a garota entrou na escuridão da imensa cidade, procurando tal detecção.

Não era a primeira vez que Kai partia sozinha para resolver algo, mas era a primeira vez que fazia independentemente. Sendo uma assassina, era natural que não tivesse vínculos ou relacionamentos. Só conhecia seu mentor, Grande Sombra. A organização que fora recrutada desde criança tinha propósitos e métodos bem claros, e serem chamados de Ordem dos Assassinos da Floresta serviu apenas para solidificar as convicções da população. Ao contrário do que se achava, a Ordem não pegava requisições da população, mas definia os alvos de acordo com sua periculosidade para a sociedade. Naturalmente, pelo tamanho de Ryokun, não havia somente ela para cuidar dos alvos, mas ela era a melhor. E mesmo assim não foi o suficiente para cuidar de Vergil. Havia algo nele que não entendia, mas quando lutaram, percebeu que havia coisas erradas no que fazia. Suas mãos estavam repletas de sangue, e mesmo assim, ele a aceitou no grupo. Senia que deveria fazer a coisa certa, mas não do jeito da Ordem. Pareceu até muito rápido isso, mas foi como se lembrasse de algo que quis suprimir por muito tempo. Deu um leve sorriso, tendo a certeza que faria de tudo para poder se redimir

Porém, a falha em seu palpite inicial sobre a natureza do perigo a despertou dos pensamentos. Imaginava ser um oponente humano, pela Energia que emitia, mas não era bem assim. Seu oponente era um dos Lendários: um ser de aparência humanoide, com braços e pernas magros. Pele branca e enrugada o cobria, sem nenhum pelo à vista, exceto em sua virilha como se fosse para cobrir o que lá havia. Suas esquálidas mãos seguravam um cajado de madeira retorcida e viva, com algumas folhas. O olhar era estranho, com órbitas totalmente pretas e refletivas, contrastando com os cabelos loiros e cacheados que subiam como uma juba de leão. Presas curtas saíam de sua boca, lembrando um orc.

Imediatamente após ser encontrado, a criatura girou nos calcanhares e sumiu em uma baforada escura. A cidade distorceu de forma, ficando com paredes verdes, chão azul e céu branco. Fora essa mudança, o chão onde pisava estava de lado. Sabia porque o labirinto em sua orelha indicava que toda a cidade havia sido virada de lado. Para completar, o campo se encheu de orcs, monstros que não haviam sido vistos havia anos em toda Ryokun.

Kai pensou um pouco, e soube o que fazer. Levantou sua mão esquerda, que começou a brilhar esverdeada e a liberar fumaça. Quando os monstros estavam próximos a lhe atacar, ela moveu seu braço rapidamente para o lado, como se os espantasse. Imediatamente, os monstros se dissiparam como areia, deixando a rua limpa novamente. Com um salto para trás, Kai desviou de um feixe de luz amarelo que atingiu o chão. Com um gesto de mão, encontrou a origem do disparo. Sacou rapidamente uma arma e atirou a faca trigonal na direção da criatura humanoide, num movimento fluido e preciso. O ar vibrou com a velocidade, rasgando pela forte temperatura que pairava no domo. Mas não chegou a atingir seu alvo, acertando inofensivamente o topo da caverna.

“Não esperava encontrar um dos Sete aqui. Enfrentá-lo sozinha é quase suicídio. Jareté tem muitos truques, e vou ter que abrir uma brecha para chamar os outros.”

O Lendário surgiu a seu lado numa baforada verde, balançando o cajado em sua direção. Prevendo a ação, defletiu com uma adaga e estocou velozmente com outra, num movimento calculado. Esperava que ele sumisse assim que fosse atingir, então aproveitou e lançou uma faca com o papel explosivo para longe, na direção onde havia deixado os outros. Após um barulho de explosão, raciocinou rápido, bloqueando uma raiz acinzentada que lhe atacou com o braço. A pancada doera, mas podia resistir. Após jogar uma bomba de fumaça no chão, se escondeu atrás de uma casa, tentando formular algum plano, alguma estratégia. Forçada a sair do esconderijo por ação externa, pulou para a praça, fugindo de espetos de rocha que choveram por lá. Virou o rosto com rapidez, vendo uma enorme bolha de água voando em sua direção, pelo menos 10 vezes maior que si. Sem chance para fugir, sacou e segurou sua espada de lâmina reta com as duas mãos e concentrou o máximo de Energia que pôde.

Silens Vultus: Potentia Scindo!!!— a lâmina de sua arma ganhou uma aura fantasmagórica, percorrendo da base da empunhadura e subindo até a ponta, ficando parcialmente translúcida e de cor verde-vivo. Kai só esperava estar à altura do que almejava fazer: com o cérebro a mil, conseguiu enxergar as coisas em câmera lenta. Através disso, viu a oportunidade perfeita e executou um movimento ascendente girando a espada do lado do corpo e golpeando com um único corte na vertical.

Tudo aconteceu numa fração de segundo, e o resultado foi visto pelo lado, com a praça sendo totalmente lavada pelo dilúvio. A mulher cambaleou com o esforço: não esperava ser necessária tanta Energia para isso, mas estava satisfeita com o resultado. Infelizmente, seu inimigo aproveitou a oportunidade e acertou um rápido raio solar no abdômen dela. Não a perfurou, mas lhe feriu bastante. Grunhiu pela dor, mas não demonstrou em sua expressão, apesar de ter lhe atordoado.

Jareté surgiu na mesma fumaça verde, e a ponta do seu cajado começou a concentrar Energia, brilhando intensamente como o sol, iluminando a cidade. Kai parecia perdida, sem saber o que fazer. Mandou algumas folhas explosivas de seu bolso, balançando o braço em arco, voando até ele, mas não teve efeito algum, sem detonarem. Assim, o raio foi disparado.

Lupus Contego!

Todo o ambiente clareou, raios de luz para todos os lados e destruição final de todas as casas ao redor. Uma figura se avolumava no ponto de impacto, cuja presença separava os feixes mortais antes de acertá-lo.

— Agora, Kai! – gritou uma voz feminina, que reconheceu como Lillian – Vergil não vai aguentar muito tempo!

— RAAAAAAAHHHHHH!!! – gritava Vergil, forçando o que podia para resistir.

Kai foi conduzido para longe por Lillian, que a carregou. Assim que viu o sinal das duas, o lutador saiu de lá imediatamente, deixando o raio cauterizar o solo por um curto período de tempo até cessar. A escuridão reinou novamente e era a oportunidade que estavam esperando, colocando a maga em posição: quatro disparos gélidos em meio a penumbra, silvando no ar suavemente, pairaram até estagnar, como se tivessem entrado num material viscoso. As quatro estacas finas de gelo se ligaram por uma fumaça congelante, encobrindo o Lendário e formando uma gigante prisão gélida. Niéle segurava o cajado encostado no chão, e sua mão estava quase fechada, névoa esbranquiçada fluido por seus dedos enquanto fazia o trabalho de contenção.

Chamas vermelhas circulavam a área imediata da prisão, com a mão que segurava o cajado da maga se inflamando. Houve uma turbulência dentro da grade, como se Jareté quisesse sair, mas a garota, confiante no que estava fazendo, o segurava com ímpeto.

Ignis Carcere...

O tornado se fechou, encobrindo a prisão. Pela Energia, Niéle se preparou, mas Kai foi mais rápida e laçou o Lendário, usando uma corda fina amarrada em suas facas. A criatura ainda escapou cortando a corda com os dentes, mas Cole bloqueou seu caminho e atacou.

Aqua Sidereaque!!!

De onde estava, aplicou um golpe de saque violento, cujo trajeto provou uma lâmina de água que atingiu Jareté. Assim que o tocou, se abriu em seis outros, formando uma estrela dilacerada em sua fronte. Sem estagnar, saltou para escapar. Apesar disso, Kai estocou e perfurou a madeira do cajado, logo após vê-o se regenerar ao tocá-lo.

De cajado preso e acuado, Jareté só fez se ajoelhar e pedir misericórdia por gestos, guinchando de medo. Por mais cansada que estivesse, Kai conhecia a história de Jareté: dos Lendários, ele não era exatamente mal. Era do tipo que gostava de pregar peças e travessuras, fora brincar com crianças hiperativas. Foi aí que teve uma ideia, e poderia dar mais confiança nos outros em sua pessoa.

— Você me entende? – disse Kai, altivamente. Jareté balançou a cabeça freneticamente num gesto de afirmação. Ainda estava todo ferido, e mirava o cajado com uma obsessão tremenda.

“Então faça um acordo comigo: deixará este lugar, não irá nos atacar ou seguir os comandos de Geardyne. Pode ficar com suas travessuras, mas não irá mais matar ou prejudicar ninguém. Assim que lhe devolver o cajado, você vai seguir essas ordens piamente, em nome de Nhanderu. Entendido?

O Lendário novamente balançou a cabeça, com o olhar no prêmio. Colocou a mão no peito e depois apontou para o céu, simbolizando o juramento. Da forma como se mostrava, ela parecia a vilã da história, mas não se importava: já havia sido uma por muito tempo. Sem demora, Kai levantou a espada e atirou o objeto para ele, que agarrou com força e sumiu na mesma baforada verde.

— Vamos – disse a ninja, cansada e sem expressão, mas feliz por dentro, sabendo que fez a coisa certa.

Enquanto atravessavam as tortuosas ruas, a mulher foi contando tudo o que sabia sobre o Lendário, explicando dos objetivos e do equilíbrio do mundo para Vergil e Cole, com Lillian e Niéle acrescentando alguns detalhes a mais. Chegaram ao final de uma escadaria, que subia ao longo de um rio borbulhante e lento, com veios escuros de pedra solidificada. Ao lado de uma larga porta de pedra estava uma pequena placa de madeira, cheia de cinzas e com as letras quase indistinguíveis, mas que se lia “Aqui jaz o legado de Grakk”.

— Então era mesmo Grakk... – comentou Lillian, mais para si que para os outros.

— Não era só uma lenda, então – disse Niéle, nostálgica, visando as ruínas da cidade.

— Qual a história desse lugar, que vocês tanto suspiram? – indagou Cole, curioso.

— Uma triste história, sobre um grande Sensitivo que perdeu a luta contra o maior inimigo de todos.

“Grakk era um orc que vivia pelas redondezas, pouco depois da Viagem. Por sua forte conexão com a Energia, ele conseguiu se desenvolver muito mais que qualquer outro, sendo altamente proficiente nas artes da batalha e disciplina. Juntou toda uma equipe, composta não somente de orcs, mas de cruéis humanos também, e saíram invadindo assentamentos e pilhando casas, coisas que a maioria dos orcs fazem. Mas então chegou um dia que ele cansou de tudo isso e resolveu se estabelecer. Encontrou as Escarpas Vulcânicas e aqui fez sua casa, querendo viver normalmente, mesmo sabendo da origem do lugar. Ele até conseguiu por um tempo, mas tomou consciência daquilo que fazia e foi ficando deprimido. Mesmo seus amigos mais próximos não sabiam o que passava por ele, pois ele mascarava muito bem, e não demonstrava nenhuma fraquza. Chegou uma época em que ele não aguentou a pressão que os mortos e lesados por suas ações causavam em si, e então tirou a própria vida. Em isolamento de sua própria casa, onde ninguém mais o veria sob essa face de decadência e desespero.”

Vergil ficou surpreso com a história, e foi tomado por um sentimento de pesar e culpa, que ele não sabia de onde vinha. Se sentiu profundamente emocionado e silenciosamente, enquanto saíam da fatídica cidade de Grakk, homenageou o orc que procurou sua redenção no abraço singelo e frio da morte, para que assim tivesse a paz que tanto procurava.


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Notas finais do capítulo

Tentarei terminar as edições mais rapidamente, já que faltam poucos agora, mas até lá: see ya around!



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