— Meus parabéns, Lillian Ares – disse Geardyne, e deu uma risada curta e pausada, se deliciando no momento – Você reencontrou ele.

— S-Sua...! – começou a mulher, lívida, mas foi interrompida por um estalo de dedos, que ecoou fortemente pelo ar, cessando qualquer conversa ou uivos da plateia.

— Quero ver se vocês vão superar o próximo desafio.

Toda a arena pareceu distorcer diante dos olhos, as formas oscilando sutilmente até ficar bem notável, como se ondas de calor violentas estivessem dobrando a realidade. Assim que piscaram, se depararam com um grande disco sob seus pés, feito de mármore rugoso. Pelos lados, não se via nada, exceto uma imensidão escura. Nas laterais, estava um fosso de lava, circundando todo o ringue. Os garotos estavam numa plataforma flutuante no magma, e do outro lado estava apenas Geardyne e o homem ao seu lado. Em meio à penumbra do céu escuro sem estrelas saiu a silhueta de um homem magro, com cabelos loiros, longos e bem cuidados. Vestia roupas delicadas e altamente detalhadas, lembrando um nobre do século XV, com bordados, bufões e culotes. Tirando a longa lança arpoada nas costas, ele poderia ser confundido com um aristocrata francês sem a menor hesitação. Era o mesmo homem que haviam encontrado nas ruínas do castelo do tirano, só que sem a armadura. Num movimento súbito, o que provocou a preparação de Cole, ele curvou-se numa reverência.

— Boa noite, caro combatente! – disse numa voz jovial, acolhedora e... Sedutora – Eis que me apresento como Martin Johnson, e vou lhe enfrentar em disputa.

— Então é assim? – retrucou o garoto, sarcasticamente – Primeiro vem nosso antigo instrutor e depois esse almofadinha? Cadê as mulheres, Geardyne?!

Vergil bateu a mão na testa com tanta força que o som ecoou por toda a dimensão. Niéle e Kai esconderam o rosto. Lillian ficou em choque, mas foi Geardyne quem ficou vermelha como um tomate de tanta raiva. Iria falar, mas Martin foi mais rápido.

— Que modos descorteses! – disse com ímpeto – Você, que fala de um modo tão bárbaro e ignorante perante nossa princesa!

— Tsc, não vou nem comentar... – respondeu Cole, sacando uma de suas armas e entrando em posição de combate, andando para a nova arena.

— Você vai se arrepender de falar tal coisa... – rebateu Martin, sacando das costas a arma, que empunhou com uma mão apenas.

O barulho do choque de metais foi ouvido logo após uma sequência de cortes que Cole executou. Um flash, dado pelo atrito, permeou sua visão. Prevendo retaliação, Cole saltou para trás. O homem reapareceu em meio à visão, mas não fazia menção alguma de persegui-lo.

— Lava Fissura... - com um gesto curto, levantando a mão, Martin convocou um possante jato de lava que veio na direção do garoto.

— Aqua Declino!!! - gritou Cole, gerando um escudo convexo de água pressurizada logo abaixo de si. Por muito pouco, ele conseguiu sair da rota enquanto via o escudo ser consumido pelas pedras incandescentes. Em segundos, uma torre de rocha magmática estava plantada no meio da arena, ainda quente. Ao tocar o chão, Cole sacou sua outra arma e correu para perto do nobre. Este estocou com alta precisão, disparando o braço da lança para frente num golpe giratório e perfurante.

A segunda arma do garoto foi essencial para defletir o ataque, mas sua defesa ficou aberta. Recuperou-se rápido, aplicando um corte duplo horizontal. Com um leve movimento no cabo, Martin puxou a arma para perto e defendeu. Apoiando a lança por baixo do braço, ele ficou com toda a proteção aberta. Cole sabia que era uma elaborada armadilha, que o esperava atacar para ser empalado em um contra-ataque. Em vez de partir para cima, o garoto cruzou os braços na altura da cintura e juntou Energia.

— Glacies Ensis!— a lâmina das armas brilhou azulada, sendo envolvida em um fluido azul-claro que pingava no chão. Num movimento súbito, Cole se aproximou do inimigo e aplicou um devastador corte duplo, cruzando o peito dele na diagonal. O fluido se expandiu e colou na ferida, congelando. Martin largou a arma, que caiu com um estrondo no chão, sem quicar. Suas mãos ficaram paradas enquanto encarava o longo corte em seu peitoral.

— V-Você! Eu vou matar você!

— Sério? – questionou Cole, com um tom de desdém – Devia tá usando armadura...

Contorcendo o rosto, o homem levantou um braço para cima e gritou “Lava Agro”. O chão começou a esquentar, surgindo fumaça. De repente, o piso ficou mais instável, se tornando mais claro também, e logo depois borbulhando. Não esperando o desfecho daquilo, Cole se impulsionou para cima com um gêiser. Do alto, sussurrou audivelmente e cortou com uma das armas uma linha vertical. Assim que terminou o movimento, parecia que uma cachoeira havia surgido ali, visto o enorme volume de água que desceu e inundou todo o chão da arena, escorrendo pelas laterais e formando vapor ao tocar a lava. Se antes havia fumaça, o vapor que emergiu do contato foi altamente exagerado, obscurecendo a visão de Martin abaixo, e do próprio Cole que ainda estava no ar.

— Aqua Lapsum!— um pequeno volume de água freou sua queda, mas acabou sendo lento para o que veio: por pouco não foi acertado na cabeça, apenas raspando de leve no rosto a ponta da lança arpoada do inimigo. Mas mal desviou e recebeu outro golpe, dessa vez não tendo sucesso no desvio. Sua armadura foi atravessada com facilidade e ele sentiu uma dor aguda ao ser atravessado no braço direito.

— Você dizia algo sobre “armadura”? – desdenhou o homem com um sorriso leve, mas ar superior.

Mesmo assim, com raiva por ter sido atingido, Cole balançou o braço ferido e retaliou o ataque, interrompendo a rajada de perfurações. Sua mão se moveu tão rápido que o ímpeto foi suficiente para pegar Martin desprevenido e atingi-lo no rosto. Respirou fundo, tentando ignorar a dor, mas era difícil. Forneceu Energia para o local do ferimento, o que ajudou, mas estava com seus movimentos mais lentos agora.

Era uma situação perigosa, mas iria prevalecer. Puxou uma tira de pano amarrada na perna e fechou o buraco no braço, isso enquanto desviava para trás.

— E agora, ser desprezível: o que está fazendo fugindo de seu julgamento? – dizia Martin, usando as recém-formadas pedras como plataformas de apoio e atacando o garoto por todos os lados numa velocidade que mal dava para acompanhar, parecendo um projétil em ricochete.

— Só... Ajeitando... Um... Probleminha! – falava Cole pausadamente, enquanto desviava das investidas. Pelo que parecia, o homem só estava provocando-o, pois com essa velocidade já teria o acertado.

Logo que terminou, fez força com o braço só para fazer uma careta depois. A adrenalina não fazia mais efeito, então iria recorrer para outros meios. Atirou a arma do braço machucado para cima com dificuldade, e aplicou Energia nela. A mesma começou a flutuar e se posicionar logo atrás dele. Bloqueou uma pesada investida de Martin, para ter a defesa aberta quando ele atacou de novo. Prestes a ser empalado, sua outra arma atrapalhou o homem, cortando-o no ombro. Irritado, só continuou a atacar com a lança em ritmo mais frenético.

— Lava Lacesso!— um rastro incandescente se formou na ponta da arma. O gancho invertido servia como exaustor para as chamas que envolviam a ponta triangular. Suando frio, Cole foi obrigado a atirar a outra arma para cima pouco antes de ser atingido na mão por uma outra estocada.

— Agora é seu fim – disse Martin com sua voz sedutora, como se sentisse prazer no que fazia - Lava Fissura...

O jorro de lava que subiu parecia maior que o anterior, engolfando o garoto num movimento só. Vergil ficou abismado. Estava sem saber o que fazer. Muito sentimentos lhe atropelaram com força total: pesar, tristeza, impotência... Raiva. Muita raiva. Sua respiração começou a ficar mais rápida. Seus olhos ficaram com as margens vermelhas, de tanta ira que estava dentro de si. O Primeiro Nível estava prestes a explodir, com a Energia vermelha começando a revolver seu corpo.

— Aqua Stella!!!— a lava espalhou-se para os lados, dando lugar a uma esfera aquosa com Cole dentro dela. Suas espadas que estavam voando prosseguiram a cortar o gêiser incandescente, jogando pedras para os lados. Com uma direção indicada pela jogada de braço, o garoto apontou para Martin e sua proteção molhada acompanhou, voando rapidamente e tomando a forma de uma ponta de flecha. A incredulidade do homem em ver seu inimigo custou sua esquiva, tomando o impacto no corpo. Foi jogado para trás com força, batendo e caindo na lava da borda.

— Lava Anima...— assim que terminou de pronunciar, seu corpo foi se revestindo com placas pequenas de pedra, que formavam espaços entre si. Desses espaços, brotava uma luz amarela e liberavam fumaça e gotas de pedra derretida. Seus olhos eram ígneos, sem globo ocular. Apenas a luz amarela era emitida. O mesmo ocorria com sua boca e ouvidos. Sua lança se modificou também, sendo queimada e surgindo em seu lugar uma outra, toda vermelha, um pouco retorcida e curvada, de ponta arpoada e afiada. Ele parecia mais um demônio do que um ser humano agora, apenas faltando a cauda de seta, pois chifres surgiram em fogo, solidificando numa protuberância quitinosa na testa.

E urrou, com sua voz soando bem mais animalesca e selvagem. Cole se intimidou um pouco, mas para enfrentá-lo, ativou o Primeiro Nível, liberando um fluido cinza de forte ventania. “Vamos acabar com isso”, pensou.

Desviou da nova arma de Martin, que deixava um rastro de fogo ao ser balançada no ar. O pior de tudo era que não funcionava mais como uma lança, e sim uma alabarda, prejudicando o padrão de ataques que poderia executar. Cada ataque era pesado e rápido, forçando-o a manter distância. Felizmente, essa era sua especialidade.

— Aqua Flumine Quinque!— movimentando os braços com manobras circulares, Cole invocou cinco jatos de água que pareciam lanças e mandou voando para o inimigo. O impacto formou um grande vapor, mas não parou o avanço de Martin. Sentindo dor, o garoto cessou o ataque, apenas se preparando para outro, mas não foi capaz de executá-lo, pois o homem girou a alabarda e lançou uma torrente de lava pelo campo.

Cole chamou uma das espadas e mesmo sendo difícil por não conseguir segurar direito a arma, fez um corte horizontal rente ao chão, fazendo brotar um rio no ponto, detendo o avanço mortal. Aproveitou o ímpeto para efetuar mais outro corte e pegando a outra katana, terminou uma terceira laceração do chão. Não parecia mais um rio e sim um mar, tamanha era a força da água. Martin apenas riu e estocou em direção ao potente jato enquanto avançava para perto. O mero toque evocava nuvens espessas de vapor, obscurecendo a visão de todos. Foi assim que o homem chegou perto do garoto e atacou com sua alabarda incandescente. Cole tentou bloquear, mas a lâmina de sua espada não resistiu e foi cortada, restando apenas a empunhadura. Irado, retaliou com a arma restante, mas o bloqueio do antebraço dele estilhaçou a arma. Rindo sarcasticamente, Martin socou com o punho flamejante nele. No último momento, Cole foi capaz de resistir ao dano, revestindo o ponto de impacto com água em altíssima pressão.

De cabeça baixa, o garoto apenas balançou a empunhadura em direção a Martin. Este ficou se divertindo, vendo que ele não tinha notado que sua arma havia sido destruída. Mas seu olhar de desprezo se tornou um de medo quando viu que a lâmina existia novamente, apenas quase imperceptível: tentou inutilmente bloquear com sua alabarda, mas ela foi cortada com tanta facilidade quanto havia feito o trabalho antes. De guarda aberta, só esperou o corte final da outra arma, que lhe atravessou do ombro direito até a perna esquerda.

Levantando a cabeça, Cole vislumbrou a transformação de Martin recendendo, para que então mostrasse o sorriso satisfeito do homem que foi seu oponente para a luta. As formas nas brumas foram se dispersando, e eles se viam de volta à arena pelas estrelas, com a arquibancada novamente por lá.