•

― 2 ―

ᏥᎨᏳᎢ

•

“ᏥᎨᏳᎢ”, Cherokee para afeição, ternura;

simpatia por alguém.

Wohali acomodou-se nas cobertas espalhadas pelo sofá enquanto devorava as últimas linhas daquele capítulo de sua compra recente de livros. 

Já estava lendo há horas, parando somente para encher sua caneca de café, chocolate quente ou os dois juntos em momentos de distração. 

A festividade na cidade estava em seu auge pelo Natal. A típica troca de presentes, os jantares em família e as festas nas ruas enfeitadas para o evento. 

Wohali adorava  a festividade ― apesar de não pertencer à sua crença materna ―, toda a comoção e a alegria que ela trazia lhe deixava empolgado.

Além, claro, da folga de seu trabalho que isso trazia.

Mesmo com o mundo em seu maior agito, a Reserva estava calma e quieta, seus moradores em suas casas por mais um dia terminado; longe do barulho ensurdecedor da sociedade americana moderna. 

Wohali conhecia e vivia entre eles o suficiente para aderir à costumes e tradições populares ― principalmente o ato de trocar e receber presentes, amava ―, e portanto não via tanto problema no caos das vésperas. 

Ainda assim, preferia a calmaria que a Reserva possuía, o barulho da natureza e o silêncio da hibernação acometendo-os. 

Afundou-se mais ainda no sofá. Sua cabana no píer era fresca nestas épocas do ano. O frio às vezes dificultava algumas coisas dentro da casa, mas não abriria mão daquela liberdade que a cabana lhe dava; lhes dava.

Yoylee conseguia ir e vir pelo braço de mar sem ser visto por ninguém e apossar-se da poltrona que tanto amava no canto da sala.

Era uma rotina deles, que construíram ao longo dos anos juntos desde que eram pequenos. A presença do namorado na casa era um dos principais motivos de manter a cabana mesmo nos dias rigorosos.

Ao ouvir barulhos na cozinha sorriu divertido perdendo a concentração do livro. 

Yoylee adentrou a sala, o cabelo solto às costas e as roupas frescas que ficavam na lavanderia para vesti-las ao transformar-se.

Tinha  uma toalha em mãos e a feição ladina de alguém prestes a fazer algo idiota.

― Yoylee, não. ― advertiu o namorado, mas o Tritão alargou o sorriso jogando-se contra Wohali, seu peso vários quilos a mais que o nativo. 

― Urgh-- Você tinha que-- não! Para! ― grunhiu segurando as mãos de Yoylee enquanto lhe fazia cócegas. 

Ele riu abertamente jogando o corpo para o lado, puxando o Tritão para entre suas pernas o prendendo. Yoylee riu divertido encaixando seu rosto na curva de seu pescoço, permitindo a Wohali que respirasse. 

― Você é ridículo. ― resmungou Wohali acariciando seus cabelos molhados: ― Deveria ter secado, vai ficar doente. 

― Vim nadando por debaixo do gelo, amor, doenças humanas não me afetam. ― relembrou aconchegando-se mais: ― Vai passar o dia aqui? 

— Sim, estou confortável. — admitiu puxando o cobertor por sobre eles, encaixando suas pernas de forma confortável com as do namorado: — Vimos a queima de fogos da véspera, mas hoje vai estar um terror nas ruas. Prefiro a calmaria da Reserva. 

— hmmm? — murmurou Yoylee contra seu pescoço, depositando um beijo demorado em sua pele quente: ― Não comemoram o Natal, certo?

― Certo. Gosto da festividade, mas não a comemoro de verdade, só saio para beber as vezes com alguns colegas. ― respondeu, resvalando sua pele com a ponta dos dedos. Yoylee estremeceu: ― Não há nada especial nesta data pra nós. 

― Devo dizer o mesmo. ― zombou o tritão, puxando Wohali para mais perto, colando seus corpos naquele calor aconchegante: — Não temos nenhum tipo de comemoração além dos solstícios e aniversários reais.

Wohali murmurou em concordância.

― Então o que acha de colocarmos um filme e ficarmos deitados a noite toda? ― sugeriu Wohali, o tom de voz macio contra seus ouvidos. 

Yoylee o beijou no canto dos lábios, sorrindo confortável: ― Hm, mas quem vai levantar pra colocar o filme?

Sem nenhuma força de vontade para ir até o outro lado da sala ligar a televisão, ambos permaneceram no sofá, sob as cobertas, trocando carícias delicadas e conversas banais sobre assuntos que apareciam ao longo das risadas.

Ficaram assim até Wohali pegar no sono, os fogos estourassem ao longe e o Natal se encerrar com muito carinho e amor caseiro.