Bem, eu apertei a mão do diabo
Lá no lado sul
E ele nos comprou uma bebida

A primeira coisa que ele faz depois de se aposentar é retirar os velhos planos de sua casa de uma gaveta, não demora muito mais que um ano para sua casa ficar pronta.

Ele não melhora, falar com Dra. Jorgins é um passo difícil que ele não sabe dar, ele se sente pressionado de todos os lados, Leah é uma presença constante que ele não tem mais certeza se a ama ou se a odeia.

Ela não é invasiva nem nada do tipo, mas ela parece ter uma certa fixação por saber dele em todos os momentos, ficar em casa 24 horas por dia 7 dias por semana o deixa extremamente irritado.

Ele sente falta, das conversas fáceis com Cindy, as noites agitadas com Carl, ele até mesmo sente falta das estranhas conversas com Joe Grandão, um cara que ficava na porta do FBI pedindo esmolas, e provavelmente tinha um ou dois neurônios faltando devido a maconha.

Ele sente que Leah não conta tudo para ele, ele sabe que tem algo acontecendo aqui, algo grande, mas ele não sabe o que, todos parecem saber do que está acontecendo.

Ele vê as mudanças, não é a toa que ele é um agente de infiltração, um dos bons, ele sente falta disso, da emoção, da adrenalina, do perigo de ser descoberto a cada momento, ele simplesmente não se sente feliz.

oOo

— O que você quer Erick? — a Dra. Jorgins pergunta, é sincero, mas o problema é que ele não sabe o que ele quer.

— Leah está me traindo. — ele diz, depois de um momento. Dra. Jorgins parece surpresa, se seus olhos levemente arregalados forem um indicativo.

— Porque você acha isso? — ela pergunta, se inclinando levemente para frente.

— Eu já fui um agente do FBI. — ele murmura de volta, passando as mãos pelo cabelo. — Ela sai toda noite durante horas e volta somente de manhã, com uma camisa diferente da noite anterior. Eu já encontrei calções masculinos na máquina de lavar um dia.

A mulher a sua frente apenas o olha por alguns momentos, ela não parece julgadora, apenas consternada.

— Se você sabe que ela está te traindo, porque ainda não terminou com ela? — ela parece realmente curiosa.

— Estou feliz com o que ela pode me dar. — ele diz, depois de alguns minutos.

— Erick... — ela diz, existe algo em seu tom de voz trêmulo que a faz repensar em todas as suas decisões.

— Eu sei. — ele deixa seus lábios tremerem, antes de contar a ela a dura verdade que é sua vida agora.

Dra. Jorgins expede sua volta na próxima semana.

oOo

Cindy aparece em sua casa em uma sexta-feira a noite.

Ele está jantando com os amigos de Leah. São amigos dela, ele não sai o suficiente para poder fazer amigos. Ver o rosto de Cindy quando abre a porta é uma lufada de ar fresco.

Ela ainda parece a mesma garota de sempre, seus cabelos - a única coisa diferente nela - agora são uma combinação violeta e azul, ela tem um piercing no lábio, ela masca um chiclete desagradavelmente e faz bolhas com eles por entre seus lábios pintados de preto.

— A chefia mandou. — ela murmura, antes de tirar a jaqueta de couro, há uma ridícula tatuagem falsa em seu ombro. — Você vai saber o lugar se aceitar, acusação de tráfico de drogas e um possível sequestro na baía, mais de 6 toneladas de coca saíram dali. Prazo indefinido, temos um informante nas baixas fileiras, mas precisamos de mais. Agora você é Amir, filho de um ex traficante de drogas local, viciado em heroína e perdeu uma das pernas em uma briga de gangues.

Cindy para de falar por um momento e se inclina para ele.

— Você pode aceitar essa missão e continuar com a vida que nós temos, ou continuar com o que você tem. — o tom dela é curto e duro, assim com o relacionamento inconstante que eles tiveram num passado distante, Cindy sabe que ele odeia a constância de uma vida caseira.

Ele olha para Leah, ela tem olhos cansados que o pedem para ficar, mas de qualquer forma, eles precisam de um tempo, não que ele tenha voz alguma para falar com ela, ele se sente tão cansado ultimamente.

Suas noites são passadas em claro e seus dias são passados em uma maresia entorpecedora.

— Que horas eu saio? — ele pergunta, ele precisa disso.

— Agora, se possível. — Cindy responde, ela olha para as pessoas atrás dele. —Eu vou esperar ali. — ela diz, seguindo para a porta e se escorando, parando apenas para jogar uma sacola de roupas em sua direção.

Ele não precisa pensar duas vezes, porque ele odeia tanto essa casa, essa vida, essas pessoas e a vida romântica que ele nunca pediu.

Ele sobe as escadas, abrindo a sacola de roupas, ele não pode deixar de levantar as sobrancelhas.

— Eu pareço o Tupac em 1994. — ele diz quando desce as escadas.

Suas roupas são algo que saíram da moda, e simplesmente ridículas para ele, ele parece um fã desatualizado do Tupac.

Ele ajusta a bandana preta e os bolsos de sua jaqueta de couro, suas calças parecem calças de um bujão de gás, são pretas e tão largas que cobrem seu tênis branco fora de moda.

Cindy tem os lábios comprimidos em uma risada silêncio

— Bem-Vindo a vida Amir. — ela murmura, antes de sorrir maliciosamente. — Nós temos que ir, eu tenho que te deixar no aeroporto até as 10 de hoje.

E Cindy sai pela porta, sem olhar para trás nenhuma vez.

Erick suspira e se vira para Leah.

— Eu te vejo. — ele diz, quando você é um agente infiltrado, existem muitas certezas, uma delas é que você pode nunca voltar. Ele não sabe se vai voltar a vê-la, talvez sim, talvez ele volte morto para casa, talvez ele não volte, talvez ele fique anos infiltrado. — Um dia.

Ele não olha para trás quando entra no Corvette 1964 de Cindy, ele escuta os gritos de Leah se tornando baixos e descompassados.

Ele está tão feliz que vai embora que não pode conter o grito de alegria que sai de sua garganta.

No momento, ele finalmente está livre de Leah e suas falsas certezas, seu amor obsessivo e sua compulsão exagerada.

Ele está livre.