60 dias de Tony e Belle escrita por Arii Vitória


Capítulo 2
"O verdadeiro motivo"


Notas iniciais do capítulo

Coloquei uma fotinha de como eu imagino o Tony pra vocês, pretendo colocar uma da Belle nos próximos capítulos, mas é claro que são livres para imaginá-los como bem quiserem.
Mas obviamente que a personalidade do Tony não tem nada haver com a do ator Andrew Garfield ou com qualquer um dos seus personagens (beijão Peter Parker!).
Boa leitura e espero que gostem de ler tanto quanto eu gostei de escrever!



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Tony Belmonte

A primeira coisa que ela me perguntou foi o porquê de eu ter fugido. Eu havia pensado no nosso primeiro diálogo mil vezes e nenhum deles começava com ela me perguntando porque eu era tão covarde. Mas tudo que eu sabia a seu respeito era que ela gostava de ler e ouvir música, então não tinha o direito de tentar adivinhar suas palavras.

Ela tinha prendido seus cabelos castanhos em um rabo de cavalo, estava usando shorts, uma camiseta branca um pouco grande demais pra ela e o mesmo All Star de sempre, estava linda. E eu tinha acabado de escutar meu som preferido em todo mundo, sua voz.

—Não sei como responder a isso. -eu digo, ainda pensando que estou em algum sonho. Ela está de pé, perto demais de mim, segurando em uma barra de ferro do metrô, assim como eu. Tinha que ser um sonho.

—Ah. -ela murmura, como se estivesse decepcionada com a minha resposta. -Vamos lá, tente! -O jeito como ela me pede pra tentar e faz uma expressão de “por favor” me dá vontade de contar tudo que ela quer saber, mas não posso dizer a ela a verdade. O verdadeiro motivo pelo qual parei de vir ao metrô por uma semana. 

—Seria preciso um longo tempo. -digo, por fim.

—Eu não me importo de perder o curso hoje. -ela retruca, e por um instante acho que talvez ela esteja tão curiosa sobre mim quanto eu estou a respeito dela.

—Então você vai há um curso! Era uma das minhas teorias, na verdade.

—Inventou teorias sobre onde eu vou quando deixo o metrô? -ela franze as sobrancelhas de forma meiga. 

Penso antes de respondê-la, com medo de dizer a verdade e parecer um idiota aos seus olhos. Mas talvez eu fosse mesmo um idiota, e talvez ela gostasse disso.

—Inventei.

Para minha surpresa, ela não foge me chamando de louco, nem liga pra polícia. Ela apenas solta o sorriso mais bonito que já vi na vida e um ar divertido surge em suas feições. 

—Já que não quer me contar porque fugiu, me conta sobre as suas teorias.

Penso a respeito e decido por ser sincero novamente.

—A principal delas era que você visitava sua avó doente, só isso explicaria porque também aparece nos fins de semana. Aliás, você também tem cursos nos fins de semana?

—Não. E também não tenho avós. -ela responde.

—Ah, então você gosta mesmo de andar de metrô.

—Suas teorias, por favor! -ela pede, deixando claro que tem algo ali que ela não vai me contar.

—Você também poderia estar indo se encontrar com seu irmão fugitivo.

—O quê? -ela parece impressionada, só quando digo em voz alta é que percebo que minha teoria não faz tanto sentido assim. 

—Na minha cabeça fazia mais sentido. -confesso. 

—Imagino que sim. 

Silêncio. Sorrisos. Eu deveria parar de falar com ela, sair correndo do metrô, qualquer coisa. Mas naquele momento só conseguia pensar que nunca sorri tanto e tão sinceramente desde que nasci.

—Criei algumas teorias sobre porque você desapareceu. -foi a vez dela de dizer, me perguntei há quanto tempo ela sabia que eu estava a observando e se teria chance dela ser tão louca quanto eu. 

—Ah, é?

—As principais eram morte, mudança e namorada ciumenta. -ela substitui a mão direita pela esquerda para segurar na barra de ferro do metrô. 

—Namorada ciumenta? -me aproximo um pouco dela, não devo ter entendido direito. 

—Se ela tivesse descoberto que você anda encarando garotas no metrô e te forçado a andar de ônibus, não sei, na minha cabeça fazia mais sentido. -ela repete minha frase. Sorrio outra vez.

—Você venceu. É mais maluca do que a ideia do irmão fugitivo! -afirmo, e em seguida ajeito meu boné na cabeça.

Então ela sorri novamente, e eu penso: nunca mais vou achar um sorriso mais bonito nesse mundo, ou fora dele.

—Então, por que eu? -sua pergunta é tão simples que me deixa confuso.

—Como?

—Por que eu?

Ela quer saber porque comecei a encará-la no metrô há vinte dias atrás. Não tenho uma boa resposta pra essa pergunta, nem uma que faça sentido.

—Gostei do seu jeito de sentar, e andar, e olhar.

Quero dizer a ela que tudo nela me encantou desde que a vi pela primeira vez. Sobre como me senti quando a vi chorando enquanto lia a última página do livro da rosa amarela, sobre o quanto os sorrisos ocasionais que ela soltava me faziam sorrir também. Quero dizer tudo a ela porque ainda acho que é um sonho e tenho que dizer tudo antes de acordar, mas não quero assustá-la.

Ela não sorri dessa vez. Fica apenas me olhando, e eu sento vontade de a conhecer o bastante para saber exatamente o que aquele olhar significava, o que cada olhar dela significava, e cada sorriso, e cada vez que ela mexe a cabeça. O que eu não daria pelos pensamentos dela naquele momento.

—Você não parece ser tímido. Achei que era bem tímido para não ter falado comigo antes.

—Eu achei que talvez você fosse tímida demais para responder se eu falasse com você. -não é exatamente verdade, não foi por isso que não falei com ela.

—Na verdade, eu tive que injetar algumas drogas para tomar coragem quando te vi hoje. -ela explica, me fazendo rir. 

—Sabe que eu não te conheço, então posso acreditar nisso.

—Bom, você acreditou quando eu disse que fazia curso. Na verdade, venho visitar meu irmão fugitivo!

—Ah, disso eu já sabia.

Novos sorrisos. Pensei, meu Deus, como um coração pode bater tão rápido?

—Na verdade, eu imaginei outras coisas a seu respeito. Fiz toda uma vida pra você. -volto a falar.

—Como era? -ela pergunta, impressionada, empolgada para saber dos detalhes.

—Você é uma nerd na escola. Seus pais são separados, você é filha única. Seu namorado é do tipo engraçadinho, que tem muito cabelo e toca em uma banda. E você já estava começando a ficar com medo dos meus olhares sem fim.

—Ah! A vida que você criou é muito melhor que a verdadeira, droga! -ela finge tristeza, desapontada com a verdadeira vida. Eu dou risada outra vez. 

—Sou bom nisso, não sou?

—Eu certamente não fui rainha do baile no colégio, é a única parte em que acertou, mas eu me formei há dois anos.

—Você não tem dezessete? -pergunto verdadeiramente surpreso.

—Dezenove. -ela responde. 

—Espera! Então, seu namorado é careca?

—Eu não tenho namorado. Meus pais ainda estão juntos, tenho dois irmãos mais velhos, e não tenho medo de você.

Deveria ter medo de mim. Deveria porque eu posso te magoar, e te trazer dores. Mas não quero fazer isso, então tenho que me afastar, preciso me afastar. Mas não consigo nem parar de sorrir.

—Pensou em algum nome pra mim? -ela volta a perguntar, de repente, depois de meu tempo em silêncio.

—Por incrível que pareça, não. Nenhum que eu pensei combinava.

—É Isabelle, prefiro Belle, na verdade. -ela ergueu uma das mãos, esperando que eu a apertasse.

—Tudo bem, esse combina! -aperto sua mão, ela sorri com o elogio. Fico com minhas mãos coladas nas dela, querendo muito não tirá-las dali.

—E o seu? -ela pergunta, só então afasto minhas mãos das dela. O simples ato é doloroso. Tudo era doloroso porque eu sabia que iria acabar em breve. Sabia que não poderia dizer meu nome, mas naquela altura aquilo pouco importava.

—Antony. -respondi. -Mas pode me chamar de Tony. -volto a dizer.

—Então, Tony, tenho que ir ao curso na próxima parada, algo mais que queira saber para não ter que ficar idealizando tudo? -ela pergunta, penso novamente, quero fazer uma boa pergunta.

—Aquele livro que você estava lendo, com a rosa amarela na capa, estava chorando de tristeza ou felicidade?

—Bom, posso te emprestar se você quiser saber. -ela responde, e quase imediatamente retira a mochila das costas, a abrindo, antes mesmo de eu responder. Pensei em dizer que eu não era fã de leitura, mas naquele momento eu leria até as anotações de química dela se ela pedisse, e eu odeio química.

—Claro. -respondo ao mesmo tempo em que ela o retira da mochila e o entrega pra mim. Eu deveria negar, sabe se lá se um dia vou poder devolvê-lo, mas eu deveria coisas de mais! 

—Não acho que você deveria ir para seu curso chapada. -eu digo apenas porque não quero que ela vá embora, depois que ela cruzar as portas do metrô tudo será diferente. Ela solta uma risada espontânea, alta e gostosa da qual eu não estava esperando. Me apaixono pela risada dela, do mesmo jeito em que havia me apaixonado pela sua inteligência, pela sua voz, pelo seu sorriso.

—Se me contar porque desapareceu eu não vou, não saio do metrô. -Por favor, não vá. Por favor, não vá. Por favor, não vá.

—Faz curso de quê? -Eu sou um idiota, idiota pra caramba!

—Tem alguma ideia? -ela pergunta. 

—Desenho? Fotografia? Música? -sugiro, com algumas possibilidades. 

—Ciências contábeis.

—O quê? -ela solta outra gargalhada com minha reação. -Você lê no ônibus e escuta Sam Smith, não pode estar me contando que faz ciências contábeis. -ela olha nos olhos por alguns segundos, parece estar percebendo que a letra de música que ela cantou pra mim não foi em vão, é claro que eu pesquisei. 

—Meu pai é contador, ele ama isso. Eu nem tanto assim. -ela me conta, me parece ser um desses legados de família em que você não tem muita escolha se deve ou não fazer. 

—Então você é do tipo filhinha de papai? -pergunto, odeio pensar que uma pessoa como Belle está fazendo algo que não gosta. 

—Só quando ele paga meu curso. -ela responde, me fazendo sorrir. -E aquela letra de Sam Smith que cantei para você era uma deixa para vir falar comigo, não para desaparecer.  

—Eu imaginei isso.

O metrô para, eu sei bem que é a estação em que ela desce. 

—Última chance. -ela diz, mas eu prossigo calado. -Promete me devolver meu livro um dia? -ela pergunta em seguida, começando a se afastar aos pouquinhos para sair do metrô.

Não penso em todos os motivos por que isso -tudo isso- é uma péssima ideia. Não penso nas coisas que eu devia estar pensando. Só penso em como é bom que ela esteja tão perto de mim e em como quero muito mais disso. Meu lado ruim reage a ela e obriga minha voz a dizer:

—Prometo, é claro!

Nem sei porque raios disse aquilo, ainda mais com tanta convicção e certeza. Meu lado bom está fraco demais para se defender.

Ela sorri para mim e sai do metrô logo em seguida. Parecia que meu coração havia sido arrancado do peito, como toda vez que ela saía, mas agora era real. Eu não só imaginava que ela incrível, como sabia que ela realmente era, sabia que estava perdendo algo. Por que ela não podia ser banguela dos dentes da frente ou ter assuntos vagos como o tempo? Mas, não, ela tinha mesmo que ser ainda mais incrível do que eu havia imaginado por tanto tempo.

Encarei o livro ainda em minhas mãos. A rosa amarela, com as palavras “Oito vidas” escritas no título. Dei uma rápida olhada pelas páginas do livro e percebi que ela tinha escrito em algumas margens e passado o marca-textos em várias frases. Comecei a lê-lo imediatamente, mesmo sabendo que não poderia o devolver nunca.

Passei o dia inteiro lendo. E a madrugada toda. E a manhã do dia seguinte. Terminei duas horas antes do horário em que ela estaria no metrô.

O livro contava a história de uma menina de oito anos cujo a mãe acabou de morrer, então ela faz uma espécie de “combinado com Deus”, e tenta salvar oito vidas, acreditando de verdade que se fizesse isso sua mãe voltaria pra ela magicamente. No final, ela salva mesmo as oito pessoas de formas diferentes e extraordinárias, apenas com a ingenuidade de uma criança. Mas obviamente a mãe dela não volta, e ela descobre que de alguma forma é pra ser daquele jeito, era o destino dela que fosse.

A última frase que Belle havia marcado no livro era sobre como a criança acreditava que tudo acontece por uma razão.

Destino seu filho de uma mãe, pensei depois de fechar o livro. Sabendo que agora eu teria que encontrá-la mais tarde. Se ela acreditava mesmo que o fato de nossos caminhos terem se cruzado era por uma razão, que o fato de eu ter passado longos oito dias apenas a encarando era por algum motivo, quem era eu para privá-la disso?


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Notas finais do capítulo

Eu decidi que a Belle também vai narrar parte da estória, foi uma decisão difícil porque eu sempre achei que o protagonista era apenas o Tony e ponto. Mas acho que a Belle também merece destaque, e que será importante pra história vocês verem porque ela resolve falar com Tony ao invés de sair correndo ahahah.
Se puderem deixar um comentário, vão me encher de felicidade!
Beijões!



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