Nemesis escrita por ariiuu


Capítulo 20
Pegadas na areia e cabelos ao vento




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Pegadas na areia e cabelos ao vento

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20 de Abril de 2012, 10:02 AM

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Santa Mônica – Califórnia

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Mary Crystal conseguiu convencer Steve Rogers de sair do hotel, logo após terminarem o café da manhã.

Os dois concordaram em dar uma caminhada pela praia de Santa Mônica.

Era uma tarde fresca. O clima se encontrava agradável e aconchegante, típico da primavera californiana.

Ambos caminhavam lentamente, rumo ao píer de Santa Mônica, um ponto turístico muito conhecido, principalmente pelos gamers adeptos a GTA San Andreas.

A Segundo-Tenente caminhava na frente, animada e eufórica, pelo simples fato de amar aquele lugar com todas as suas forças.

Já o Capitão, andava em tímidos passos, deixando marcas na areia, observando detalhadamente o mar, um tanto enfeitiçado pelo clima da costa oeste, justamente porque aquele lugar era novo para ele...

Steve sempre ouviu falar sobre a alegria que cercava o estado da Califórnia, por ser um dos locais mais belos, pacíficos e agradáveis dos Estados Unidos.

Embora estivesse aliviado por ter conseguido dormir profundamente desde que acordara do gelo há semanas, algo ainda pulsava em sua mente, lhe alertando a não relaxar e nem mesmo abrir a guarda para nada e nem ninguém...

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Principalmente Mary Crystal Ellis...

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O loiro observava a garota atentamente. Ela parecia muito feliz de estar ali... na verdade, aparentava ser uma pessoa totalmente diferente do que estava acostumado.

E era por isso que precisava tomar cuidado...

Ele não confiava nela, e com certeza aquela felicidade toda era parte de mais uma atuação que Mary fazia questão de exibir na frente dele, talvez para surpreende-lo negativamente mais tarde.

A loirinha olhou para trás e o chamou.

— Vamos para o píer!?

Steve assentiu, e continuou caminhando atrás dela, no mesmo ritmo.

Depois de longos minutos, a dupla se aproximava do local, avistando a roda-gigante, cartão postal de Santa Mônica.

Kiara esperou por Steve, para que pudessem subir as escadas juntos, mas...

O loiro parou de caminhar e ela não entendia...

A garota gesticulava, lhe chamando e o Capitão balançou a cabeça, acenando explicitamente: Não.

A expressão no rosto do Super Soldado era de seriedade... ela nunca vislumbrou tal expressão antes.

Mary franziu o cenho e voltou alguns passos.

— Você não quer conhecer o píer? – O indagou, estranhando aquela reação.

— Quero, mas antes preciso que me esclareça algumas coisas.

— Será que não podemos deixar isso pra mais tarde?

— Você disse a mesma coisa quando acordei e aceitei tomar café da manhã.

— Mas-

— Senhorita Ellis, pare de fingir que somos amigos. Você me odeia... ou melhor, segundo suas repetidas afirmações, eu não sou digno nem do seu ódio, então quero saber por que está fazendo tudo isso por mim e ainda me arrastou para cá? Qual é o seu plano afinal?

— Eu pareço ter um plano? – Ela o questionava, sugestiva e com um sorriso sincero e ameno.

— Sim. O plano de estar aprontando alguma.

— Oh mio Dio! Dammi pazienza! (Meu deus! Me dê paciência!) – Replicou em italiano, deixando-o ainda mais irritado.

— Pare de me responder em italiano! Você sabe que não entendo uma palavra sequer do que diz!

Mary revirou os olhos e suspirou.

— Bem... o meu plano era te trazer aqui desde o início apenas para espairecer. Não tem nada de obscuro no meio.

— Por mais que alegue isso, sabe que não confio em uma palavra que me diz, certo?

— Ah claro... você realmente não vai abrir a guarda pra mim e aí resolve estragar o momento com desconfianças descabidas!

— Não são descabidas. Tenho fortes motivos pra agir assim.

E então, mediante as palavras férreas e insociáveis do Capitão, Mary Crystal decidiu expor tudo, sem esconder nada.

— Certo... por onde começamos então?

— Começamos pelo fato de você ter me deixando em paz no dia em que eu estava quieto na sacada.

— Aquele dia? Bem, você parecia triste, então resolvi parar de te perturbar e ir pra cama. O que tem demais nisso?

— Não acredito no que diz.

— Mas é a verdade!

— Você adora me tirar do sério. Não faz sentido.

— Olha... eu também tenho dias em que não estou me sentindo bem, então quando te vi naquele estado, apenas lembrei de mim mesma e resolvi parar de te encher. Foi isso.

— Você tem dias assim...? Desculpe, mas desde que passamos a conviver juntos, não a vi esboçar nenhuma feição que estivesse tendo um péssimo dia. Esse argumento não me convence.

Mary Crystal revirou os olhos em resposta. Mas a culpa era dela, por sempre ter passado dos limites com ele, o enganando das piores formas possíveis.

— Essa é a verdade. Se não quer acreditar, não posso fazer nada... – Ela deu de ombros.

E então, o Capitão olhou profundamente dentro dos olhos da Segundo-Tenente, como se quisesse descobrir se ela mentia, apenas por sua expressão.

Nos olhos esverdeados da garota, ele encontrava as nuances do oceano... semelhantes à do mar logo ao seu lado... e o brilho de sua íris era realçado pelos raios solares que clareavam ainda mais aqueles tons, refletindo um esplendor belíssimo que lembrava a natureza...

Era impossível não ser hipnotizado através daquele esplêndido olhar...

Mas o Super Soldado parecia imune aos encantos dos olhos verdes de Kiara...

— Não vai continuar o interrogatório? – Ela o contestava, cruzando os braços, pronta para responder a mais perguntas dele.

— O que tinha naquele chá? – O Capitão era direto.

— Certo... antes de dizer o que havia naquele chá, você se convenceu de que tem TEPT?

— Você não é médica pra me dar um diagnóstico.

— De novo com isso? Ok, então por que não procura um médico? Ele vai te dizer sobre suas complicações mentais, que desencadearam problemas de ansiedade, ao qual te deixaram com insônia e pesadelos constantes!

— Senhorita, não desvie a resposta. Quero saber o que tinha naquele chá.

Kiara suspirou fundo antes de responder.

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— Duas miligramas de Benzodiazepina.

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— E o que é isso?

— Um sedativo que relaxa os músculos e possui efeito tranquilizante. Ele inibe temporariamente e muito levemente funções do sistema nervoso central. – Ela redarguia, tranquilamente, deixando Steve com os olhos arregalados.

— O quê...? Você me dopou!? – O loiro parecia chocado com o que ouvia. Não entendia muito bem o que aquilo significava.

— Não, eu te dei um calmante leve pra que conseguisse dormir, mas você parece assustado por saber disso... por quê...? Qual é o problema?

— Eu não acredito que você colocou um sedativo naquele chá... – O Capitão exibia um semblante perplexo.

— Olha, pode parecer estranho porque na sua época isso não era muito comum, mas nos dias atuais, as pessoas andam muito ansiosas... depressão e ansiedade são as doenças do século. – Kiara revelava, deixando-o ainda mais chocado.

— Doenças do século...? Está dizendo que as pessoas hoje em dia são mais ansiosas do que as de minha época?

— Sim. A era da informação causou tudo isso. Estamos constantemente preenchendo nossas mentes com muita informação, não retendo quase nada e isso tem causado ansiedade. A tecnologia não trouxe tantos benefícios pra humanidade, Capitão. Ela também trouxe malefícios irreversíveis, mas o seu caso é diferente. Você tem esses problemas porque a segunda guerra mundial te traumatizou. – A garota afirmava com extrema convicção e o Super Soldado ainda não acreditava totalmente naquelas palavras.

— Você... como teve coragem de me dopar...?

— Eu só quis te ajudar e deu certo, não foi? Você dormiu tranquilamente.

— Não tinha esse direito, senhorita Ellis... – Steve a encarava com fúria... aquela garota era mais perigosa e traiçoeira do que imaginava.

Mary Crystal o mirou, com uma feição melancólica na face.

— Minha mãe tem problemas com ansiedade e por anos se negou a procurar um especialista, então... teve um dia em que fiz um chá e coloquei um calmante dentro. Ela dormiu profundamente como um bebê. Desde então, todo o preconceito que ela tinha sobre medicamentos controlados, desapareceu... sabe, às vezes temos que tomar uma medida mais drástica para ajudar as pessoas que não querem ser ajudadas. Esse foi claramente o seu caso...

— Ainda assim...-

— Eu sei... mas você ia aceitar um chá com um calmante dentro se eu tivesse falado com todas as letras que era um calmante? Provavelmente não, então porque apenas não aceita que isso te fez bem? Embora seja da opinião de que deva procurar um especialista que te receite algo feito exatamente para o seu caso, além de começar uma terapia...

— Você diz tudo isso como se entendesse o que se passa na minha mente...

— Eu não entendo, Cap... apenas fiz o que achava certo.

O Capitão América ainda não acreditava que havia sido derrotado por um mero calmante, mas... não confiava plenamente nela, ainda que sua intenção fosse apenas ajuda-lo...

Se Mary Crystal quisesse derrubá-lo através de um simples comprimido, ela conseguiria...

De fato, ele tinha suas limitações, e precisava ter cuidado redobrado com aquela garota mafiosa ao seu lado.

— Isso me faz lembrar de não aceitar nada de ninguém, ainda que as intenções sejam boas. – O loiro retorquia, muito perplexo por ter confiado nela e aceitado aquele chá.

— Você acha que eu faria alguma maldade com alguém que sofre de insônia? Não sou tão baixa assim.

— Eu não confio em você...

— Tá bom... não confie mesmo, porque ouvindo suas palavras de ingratidão, fico arrependida de não ter rabiscado sua cara enquanto dormia. – E então, a garota sorriu ternamente cariciosa, deixando-o para trás.

Steve Rogers ainda estava um tanto abismado com o que Mary revelava, porém, mesmo não confiando nela...

Ele se sentia relaxado...

Não admitiria na frente dela, mas de fato, dormir tantas horas havia lhe deixado descansado... prova disso era o quanto sua mente preocupada não se encontrava em sincronia com seu corpo repousado.

Os músculos do Capitão pareciam menos tensos, e com certeza sua performance física havia subido para os cem por cento.

Uma boa noite de sono era essencial para que voltasse ao auge de sua força e resistência, mesmo sendo ele um Super Soldado.

Por ora, relevaria o que a Segundo-Tenente havia feito, e consideraria aquele chá apenas um gesto humano por parte dela, mas seguiria não confiando em nada do que a mesma lhe dizia ou fazia.

De longe, a loirinha acenava, dando tchau para ele, gritando logo em seguida.

— Vai ficar aí, Capitão Tartaruga!?

O loiro revirou os olhos... céus... ela era tão infantil...

E então, ele alargou os passos, a alcançando.

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Steve e Mary subiram as escadas e finalmente chegaram ao píer.

Eles andavam lentamente e ouviam o som de seus passos no chão de madeira por onde percorriam.

Havia poucas pessoas ali e alguns pescadores...

Uma música muito bonita e melódica tocava de fundo, ao som de um piano e um violino, vindo da direção da roda gigante.

Um quarteto de músicos tocava ao vivo...

Aquela canção deixava tudo ainda mais inexplicável...

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Elis – Forgotten Love.

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O barulho das ondas, o cheiro da maresia, o vento oscilante e refrescante e a calmaria do local eram confortantes...

O sol aumentava seu brilho e o céu encontrava-se radioso, expondo um azul deslumbrante.

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Past is haunting me, (O passado me assombra)

Fragments of memory, (Fragmentos de memória)

Disturb my peace of mind, (Perturbam minha paz de espírito)

Hours of delight, (Horas de felicidade)

Now seem a thousand years away, (Agora parecem mil anos esquecidos)

I was a fool to let you go… (Fui uma tola por deixá-lo partir...)

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A música ecoava perfeitamente de fundo...

A letra era um pouco triste e fazia com que o Super Soldado tivesse a impressão de estar ouvindo Peggy Carter lhe dizendo aquelas exatas palavras...

O sotaque alemão da vocalista recordava sutilmente o sotaque britânico de Margaret...

Céus... porque tudo lhe lembrava Peggy ultimamente...?

Kiara apoiava os cotovelos nas grades azuis que cercavam o local...

A brisa afagava levemente os cabelos loiros da garota... era bonito de se apreciar...

O que era a dança do mar comparada a dança dos lindos e ondulados cabelos dourados da Segundo-Tenente ao vento?

Steve a observava... um pouco confuso com seu atual comportamento...

Mary Crystal Ellis era uma verdadeira incógnita...

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My heart and soul, (Meu coração e alma)

Are filled with sadness, (Estão cheios de tristeza)

Deep as grey oceans in your eyes, (Profundamente como oceanos cinzentos em seus olhos)

My heart and soul, (Meu coração e alma)

Are filled with sadness, (Estão cheios de tristeza)

Despair spreads its fingers around my mind… (O desespero espalha por seus dedos em torno da minha mente...)

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Steve ficou ao lado da loira, observando a paisagem maravilhosa a frente...

A natureza era perfeita...

No entanto, Kiara percebia a expressão marrenta na face do Capitão, mesmo diante de um cenário tão lindo como aquele.

— Vai continuar com essa cara amarrada até quando?

— Desculpe, senhorita Ellis, mas gentilezas inesperadas são a principal característica de alguém com más intenções.

— De novo isso!? Vamos encerrar esse assunto, por favor!? Será que você não pode relaxar um dia sequer!?

— Estou tentando, mas ao seu lado, fica difícil. – Redarguia, cruzando os braços, parado e com uma postura rígida.

— Ok, se o problema sou eu, então vou embora e você pode relaxar sozinho! – Ela exibia uma feição emburrada e pirracenta, prestes a sair dali.

— Estou habituado a conviver com o perigo, senhorita. Então não se dê ao trabalho de ir embora. – Por um momento, Steve sorriu levemente de canto e Mary notava que a tensão que antes pairava entre ambos, parecia diminuir.

— Tá pensando que suas palavras me atingem, Capitão? Quer me deixar mal!? Logo eu, que misturo vodka com energético!?

— Contar vantagem é a maior pobreza que existe.

— Vai continuar me dando patadas? Eu te ajudei a dormir, te dei um delicioso café da manhã, e tenho que ficar ouvindo suas frases moralistas logo cedo?

— Duas e meia da tarde não é cedo...

— Você é um porre, Steve Rogers...

— Tenho a mesma impressão de você, Mary Crystal...

E então, eles sorriram um para o outro, deixando a veemência de seus conflitos de lado... pelo menos por enquanto...

O Capitão passou aquela tarde sendo distante, formal e marrento ao extremo, mas acabava rindo das idiotices que vez ou outra Mary expressava.

Era indigno demais... céus, ele precisava ao menos fingir que estava completamente chateado pelo lance do chá.

Os dois pararam um do lado do outro novamente, depois de percorrerem um pouco mais pelas laterais do píer.

Seus olhos observavam profundamente a Segundo-Tenente e...

Kiara podia sentir a intensidade disso...

— A conversa está boa, mas eu tenho que voltar a te infernizar, senão você irá se apaixonar por mim... – A garota piscava, sorrindo cinicamente.

— Você nunca vai ser o meu tipo... eu não gosto mulheres loiras, baixas, magras e de olhos verdes... – Steve rebatia, em tom de provocação, enquanto seus olhos miravam o oceano e suas mãos se mantinham nos bolsos de seu casaco.

— Ooooh, então o seu tipo são morenas, altas, encorpadas e de olhos escuros!? Você deixa tão na cara que está se referindo à Peggy Carter...

— E se eu estiver...?

— Ela é uma senhora de 90 anos de idade, Cap...

— Ainda assim, os atributos atuais de Peggy me chamam muito mais atenção do que os seus... – E então, o loiro a olhou de cima a baixo, deixando claro que não tinha apreço algum por nada que caracterizasse Mary Crystal.

— Aah, mas não foi isso que aconteceu quando nos conhecemos! Você praticamente cedeu à todas as minhas investidas!

— A senhorita soube me coagir muito bem... – Steve tentava desconversar, porque era embaraçoso se recordar que ele e Kiara se beijaram com tanta intensidade na festa dos veteranos...

— Agora a culpa é minha!? Quando um não quer, dois não beijam! - A garota redarguia, de forma sórdida e atrevida, no entanto, o loiro não estava disposto a cair em seus joguinhos de novo.

— Você se comporta como uma menininha do primário, senhorita Ellis... – O Capitão resolvia ignorar as implicâncias infantis da loira, prestando atenção na belíssima música que ainda fluía pelo local...

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Only memories remain, (Somente as memórias ficam)

In a world now cold and dark, (Em um mundo tão frio e escuro)

Where flowers grew now dust has covered everything… (Onde as flores crescem, agora está coberto de poeira...)

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God how I wish you back, (Deus! Como eu o desejo de volta)

But my mistakes can never be undone, (Mas meus erros nunca serão desfeitos)

And I fear you forgot our love... (E eu temo que você se esqueça do nosso amor...)

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Era estranho ouvir a letra daquela música e não se recordar de sua amada Peggy...

A imagem do rosto dela, vinha em sua mente naquele instante...

Será que ela se sentiu daquela forma quando apenas aceitou sua decisão de posar com a nave do Caveira Vermelha no oceano...? Peggy se arrependeu...?

Steve se perguntava o que ela sentiu quando pensou que ele apenas partiu para sempre...

Naquele momento, Kiara percebia o quão distante o Capitão estava em seus próprios pensamentos... e sabia que era por conta de Peggy Carter, então...

A garota voltou seu olhar para frente, contemplando o mar em seu auge naquela tarde...

Ela decidiu perguntar sobre alguns questionamentos que tinha sobre o que o esquadrão do Capitão América havia feito no século passado, apenas para tirá-lo daquele marasmo com a mulher que amava...

— Sei que não devíamos falar sobre isso, mas quando ainda estava na faculdade, li uns livros que falavam sobre os arquivos da RCE da grande geração... e... fiquei um pouco assustada com o que descobri.

Mary mencionava sobre o que Steve, o Comando Selvagem e os demais militares fizeram para salvar o planeta dos nazistas.

— Não é algo que me orgulhe... e isso é um dos fortes motivos da minha insônia e de alguns pesadelos. – Esclarecia, já que ela mencionava sobre algo que o deixava desconfortável e lhe causava calafrios.

— Sabe o que eu percebo de tudo isso? Que de fato, você é só um ser humano cheio de barreiras, como qualquer outro... mas o mundo pinta uma imagem de que o Capitão América é um semideus... e essa imagem pode ser boa para os americanos, mas acredito que não deva lhe fazer bem...

— Você tem razão em partes... só que... a minha vida não vale mais do que a esperança que todos possuem em mim, então acho que essa imagem é válida, ao menos no sentido de que as pessoas precisam ter em quem confiar... – Steve replicava, convicto das concepções que tinha de si mesmo...

E tais palavras, fizeram Mary girar o corpo e olhá-lo com extrema precisão... detalhadamente...

Ele sentia o olhar dela lhe sondando, pretensiosamente, até que...

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— Você tem complexo de messias...

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— Eu... o quê...?

— Você acha que é o salvador da humanidade... aliás, você tem certeza disso.

— Do que está falando, senhorita...?

— É por isso que você se sacrifica tanto? Acha que tem que sofrer até o fim? Que não pode ser feliz e tem que carregar todo o fardo nas costas porque é o seu destino? – Ela o questionava seriamente, e de certa forma, Mary tocava no ponto fraco do Capitão América.

— Acho que suas palavras são precipitadas, senhorita Ellis...

— Não são...

Por mais que Steve relutasse em admitir que a Segundo-Tenente estava certa, tudo o que ele conseguia responder era...

— Não consigo fazer escolhas egoístas... mesmo que desejasse, ainda não seria eu... então, suas palavras podem ter algum sentido se não quisesse me sacrificar pelo que acredito...

— Então, você sempre quis isso?

— Sim...

Mary estreitou o olhar, um pouco impactada pela melancolia daquelas palavras... Steve Rogers se autoflagelava e tinha certo orgulho disso... o que era muito triste...

Mas...

Havia muito mais coisas ali, escondidas em seu subconsciente, que talvez nem mesmo ele soubesse...

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— Você tem medo de descobrir as verdades debaixo do tapete da sua mente, Capitão...?

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Steve demorou para responder...

Ele se sentia pressionado, mesmo sendo uma conversa casual, com alguém que ele não confiava e não tinha nenhum apreço...

— Não tenho medo de nada, senhorita Ellis. Apenas aprendi a conviver com certas verdades que podem não ser confortáveis para ninguém.

— Entendo... mas todos temos algo a esconder... algo obscuro dentro de nós, que não queremos que o mundo veja. Então fingimos que está tudo bem...

— Sim, concordo... e muitas vezes, o passado está presente nisto...

— Claro, até porque, se você se apega ao passado, está destinado a revivê-lo todos os dias... – Kiara dizia sua opinião, e Steve se assustava ao admitir pra si mesmo, que ela... estava completamente certa...

A garota vivia dilemas parecidos quando se recordava de seu passado... mas diferente dele, não parecia disposta a dar ouvidos ao que aconteceu em sua vida há muito tempo.

Mary respirou profundamente, e expos o que havia em sua mente...

— Saber o que esquecer é tão importante quanto saber o que lembrar...

O loiro virou o rosto, mirando-a atentamente...

O que ela queria dizer com aquilo...?

— Se me permite fazer um contraponto, há coisas que você não quer saber, outras que você não quer lembrar e aquelas que você não consegue esquecer, por mais que tente.

— Eu não esqueço... mas escolho não lembrar... – Mary olhava para frente, vislumbrando a vastidão do oceano... imersa na imagem das ondas e no reflexo do sol batendo na água...

O loiro a fitava com certa curiosidade... será que ela conseguia não lembrar do que lhe afligia?

— Escolher não lembrar...? Isso é incrível... gostaria de ter essa habilidade...

A garota então arqueou uma sobrancelha, desconfiada.

— Eu duvido... seja sincero, Cap, você não quer isso...

— Sim, eu quero, senhorita Ellis... e eu sempre sou sincero...

Mary Crystal fixou o olhar na face do Capitão América, que mostrava leveza e suavidade...

Os luminosos olhos azuis admiravam o oceano a frente, absortos... como se estivesse preso em outra dimensão...

O rosto dele possuía traços tão requintados e magistrais... era algo muito belo de se apreciar...

Os olhos esverdeados da garota traçavam o contorno esmerado da perfeita fisionomia do loiro... era sublime e incrivelmente majestoso... mas possuía certa tristeza que roubava o aspecto nobre daquele primoroso olhar azulado...

Era um azul raro de inocência... uma rara pedra lapidada, que refinava toda a aparência do Super Soldado...

Olhos azuis diamante... que pareciam revelar um sonhador viajante, ansioso por desbravar terras nunca antes transitadas...

Talvez ali estivesse preso o verdadeiro Steve Rogers... aquele que apenas desejava ser livre e feliz... mas era impedido, por estar acorrentado a um abismo tão escuro e manchado de sangue... porque era notório o quão indigno ele se achava, justamente por ainda estar preso dentro da segunda guerra mundial e a qualquer outra guerra ou catástrofe que aparecesse no futuro...

Por um momento, Mary Crystal sentiu parte daquela tristeza em seu coração... e por mais que tivesse estranhas impressões sobre ele, o Capitão América também era um ser humano, e merecia ter paz e ser feliz, sem estar preso a um destino de sacrifício, ao qual ele mesmo escolheu ter.

Quando a Segundo-Tenente se deu conta, percebeu estar hipnotizada aos vestígios que Steve invisivelmente expressava e no mesmo instante, ela chacoalhou a cabeça...

Não era habitual ficar como uma idiota admirando um homem... céus, isso não era de seu feitio...

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Quando parava para pensar a respeito, ela nunca havia se apaixonado por ninguém em toda a sua vida...

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Romance não combinava com ela. Era brega, anacrônico e totalmente indigno...

E então, repentinamente, ela expôs o que achava disso, em voz alta.

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— O amor é só uma abstração humanoide intensa com curtos circuitos prestes a entrarem em erupção e acabarem com o sistema nervoso central...

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Steve franziu o cenho, não entendendo absolutamente nada do que a mesma dizia.

— O quê...?

— Nada. Vamos voltar!? – Mary piscava enquanto colocava as mãos para trás, entrelaçando os dedos, numa pose de menina travessa.

— Você... está aprontando alguma coisa...? – O Super Soldado a encarava, desconfiado.

— Claro que não! Eu não estou pensando em nada nesse momento!

— Não acredito...

— Ah, para com isso, Cap! Você devia me agradecer, sabia? Eu sou o erro que solucionou o seu problema!

O loiro revirou os olhos, impaciente.

— Está delirando a essa hora da tarde, senhorita Ellis? Por acaso misturou vodka no seu suco de laranja?

— Eu te dei um calmante e você dormiu como um anjinho! Quero ouvir o seu agradecimento por isso, vamos, estou esperando!

— Exigir retribuição ao que se doa, não é doação, é venda, senhorita...

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— Então me pague um sorvete... – E então, ela piscou várias vezes enquanto sorria, com uma expressão meiga no rosto, semelhante a uma bonequinha de porcelana.

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Steve estranhava aquela reação... céus, como aquela garotinha era infantil...

— Sorvete antes do almoço vai tirar a sua fome...

A loirinha fechou a cara no mesmo instante.

— Será que dá pra você parar de ser tão chato!? Nem meu avô era um ser tão mala como você! Sério, parece um velho do século 17! A gente não tá na idade média não! Eu quero sorvete e quero agora!

O Capitão balançava a cabeça, em desaprovação.

— Estávamos tendo um diálogo produtivo, senhorita Ellis... admiro sua habilidade de arruinar momentos. Você faz isso com estilo...

— Desculpe, é a força do hábito! – E então, ela deu de ombros.

Depois de a garota praticamente o arrastar até uma barraquinha de sorvete no píer e obriga-lo a comprar uma casquinha com duas lindas bolas cremosas de flocos, eles desceram as escadas e voltaram a caminhar pela praia.

No meio do caminho, Kiara passou a falar sobre coisas muito aleatórias, que nada tinham a ver com problemas.

— Sabe, tem uma série de TV que você vai gostar muito de assistir...

— Qual?

— Todo mundo odeia o Chris! Super recomendo! Se passa no Brooklyn, em 1986.

— Ok... vou colocar na minha lista... – Ele anotaria a sugestão dela no pequeno bloquinho de papel que carregava consigo, a pedido de Sam Wilson, que havia listado muitas coisas para ele ouvir e assistir ao longo dos meses.

Mary olhava para a estrada logo a frente, sentido Malibu, com a imensa vontade de cair nela e ir para um de seus lugares favoritos da Califórnia.

— Você sabia que se pegar aquela estrada ali na frente, vai parar em frente a mansão do Tony Stark em Malibu? – A Segundo-Tenente apontava para frente, na Avenida ao lado do píer.

— Como você sabe que e é essa estrada que dá até a casa dele? – O loiro arqueava uma sobrancelha.

— Eu conheço a Califórnia como a palma da minha mão. – Ela sorria majestosamente triunfante.

— É mesmo? Viajou tanto por aqui?

— Acha que é o único que anda de moto por aí? Eu não tenho uma Harley, mas já tive uma Kawasaki Ninja. Foi meu presente de aniversário de 18 anos.

— Isso é surpreendente, mas... como a filha do presidente poderia andar de moto por aí?

— Eu tenho os meus meios... – Ela lambiscava seu sorvete, como uma criancinha.

— Não os compreendo...

— Claro, porque você é antiquado demais pra entender...

— Porque você sempre tem que frisar que sou retrógrado? Já parou para pensar que isso soa como um elogio pra mim em vez de uma ofensa?

— É a mesma coisa quando você me xinga de millennial. É um elogio pra mim também.

— Então estamos quites?

— Acho que sim...

As palavras de Mary eram totalmente amigáveis e Steve a observava com uma postura mais branda e normal...

Não era habitual, porque o sinal de alerta ainda tocava em sua mente e ele não conseguia ceder ao clima ameno que pairava entre ambos...

E então...

O loiro parou no meio do caminho, com um semblante austero e rígido.

Kiara não entendia.

— O que foi agora...?

— Eu não quis parecer agressivo antes, ainda que tenha dito que fez algo para me ajudar com o problema que anda me assolando ultimamente, no entanto, quero enfatizar uma coisa.

— Que coisa...?

O Capitão América respirou profundamente e depois de longos segundos...

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— Eu não consigo confiar em você, senhorita Ellis...

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Kiara estreitou o olhar, quase exibindo uma careta.

Era como se ele não tivesse dito nenhuma novidade.

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— E daí? Eu também não confio em você, Capitão Rogers...

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O Super Soldado alargava o olhar levemente, não esperando aquela resposta.

— E o que faremos?

— Bem... eu tenho uma sugestão.

— Diga...

— Estabeleceremos alguns limites que não devem ser ultrapassados, o que acha?

Steve virou o rosto, querendo rir. Ela estava de brincadeira?

— Isso não vai funcionar. Você vive passando dos limites comigo.

— Posso respeitar seus limites algumas vezes... como quando você não está se sentindo bem... e caso não funcione, você pode reagir como bem entender... – A garota explicava.

— Deixe-me ver se entendi... no dia que você não ultrapassar esses limites, eu também não os ultrapasso. E no dia que sim, tenho permissão pra ultrapassar da mesma forma?

— Exato!

— Parece justo...

— Então temos um acordo...?

— Claro que temos, embora não consiga acreditar plenamente no que me diz, senhorita.

E então, naquele instante, Mary Crystal ergueu o braço, fechando a mão, deixando apenas o dedo mindinho para cima.

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— Isso é uma promessa...

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Os olhos azuis do Capitão alargaram diante daquele gesto infantil... ela estava propondo um juramento com o dedo mindinho?

— Senhorita Ellis... não estamos na pré-escola...

— E daí? Vai recusar a selar esse pacto? Vamos cruzar os mindinhos, ou você prefere que eu pegue uma adaga, corte parte da minha e da sua mão e façamos um pacto de sangue com um pentagrama desenhado na areia da praia? – Ela ironizava, deixando-o um pouco perplexo por tamanha idiotice.

— Não precisamos fazer isso pra cumprir nossas partes nesse acordo.

— Ah vai, é bem mais emocionante assim!

— Mas-

— Você precisa parar de ser tão marrento, Cap! Vai, entra na roda e dá logo esse mindinho aqui! – E então, a garota ergueu o dedo na direção dele novamente.

Totalmente constrangido, o Capitão fez o que ela pedia e então...

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Ambos concordaram, cruzando os dedos mindinhos, prometendo que não ultrapassariam seus limites.

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— Aproveite enquanto a bandeira branca ainda está erguida. Amanhã, as coisas podem mudar de figura entre nós... – Ela o advertia, num trágico, porém cômico aviso.

— Certo... vou me preparar... – O loiro suspirava incomodado, embora não soubesse de onde estava tirando paciência para lidar com as bobagens dela.

E então, a garota sorriu... genuinamente infantil...

Havia demorado para perceber, mas tudo ficava mais nítido agora... porque Steve notava naquele exato instante, que quando sorria...

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Mary tinha covinhas...

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Vislumbrando atentamente o rosto da garota, que era colorizado pelos fortes raios solares daquela tarde, o loiro imaginava como seria uma pintura do rosto dela naquelas condições...

O artista escondido dentro de si, apenas tinha vontade de externar com papel e nanquim o que sua criatividade lhe mostrava naquele momento...

Mary Crystal possuía uma beleza que inspirava...

Ela era linda e sagaz... era impossível não admitir...

A loira parecia fugir da realidade e tinha seu próprio mundo particular... era incrível...

Por mais que Steve tentasse, não conseguia compreender o que ela pensava, e Kiara mostrava que não desejava ser entendida...

Ela sabia que fascinava e dominava... ela mandava e reinava... muitas vezes mostrando feições de uma mulher madura e de uma menina inocente ao mesmo tempo, vislumbrada nos pequenos detalhes, que juntos formavam a mais extraordinária obra de arte...

Se pudesse caracterizar artisticamente quem Mary Crystal era, diria que a Segundo-Tenente tinha nascido entre as estrelas e caído na terra em forma de um anjo... um ser celestial que divagava entre a tormenta e a paz...

Por conta de sua complexidade, entende-la, era um enorme desafio...

Os cabelos da garota esvoaçavam suavemente através da brisa que provinha do oceano... o perfume dos longos fios loiros, exalava um perfeito aroma de rosas... e era possível materializar pétalas imaginárias em sua visão, inebriando seus apurados sentidos de Super Soldado... além do sorriso de menina levada, que florescia em seus belos lábios e enfeitiçavam... mas... tal sortilégio não atingiria o Capitão América...

Notando que o mesmo apenas se encontrava parado, olhando detalhadamente para seu rosto, a garota resolvia contestá-lo.

— Aposto que você está desenhando chifrinhos na minha cabeça enquanto me olha.

— Sério? Como adivinhou? – Steve fazia o jogo dela e o entusiasmo da garota o fez rir levemente.

E então, Kiara virou de costas para o vento, ficando frente a frente com ele, fazendo seus longos cabelos loiros voejarem ainda mais enquanto sorria docemente perversa, para soltar mais uma de suas piadas...

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— Você tem sorte, Cap... se não te matei até agora, deve ser porque nós vamos nos casar um dia...

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E então, o olhar do Super Soldado alargou, exibindo uma enorme surpresa diante do absurdo gigantesco que Mary dizia.

— Eu nunca me casaria com você, senhorita Ellis... nem hoje, nem daqui a mil anos... – Redarguia, plenamente convicto.

— Cuidado, porque o que você não deseja, pode se tornar realidade...

Steve desferiu o sorriso mais audacioso que ela já contemplou em um homem antes...

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— Isso é impossível...

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— Ooh, é mesmo!? Espero que seja verdade, então não se apegue a mim, porque minha mãe diz que eu não presto!

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E então, a Segundo-Tenente começou a correr para a beira do mar, com as mãos para o alto, exibindo alegria e uma jovialidade resplandecente...

Ela deu uma estrelinha no meio do caminho...

O Capitão América a observava, com um sorriso contido...

Ele ainda não confiava nela, mas...

Admirava toda a liberdade que Mary Crystal lhe mostrava dia após dia...

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Notas finais do capítulo

Curtiram o capítulo itimalia, gente? Os dois estão ficando mais próximos, porém, sempre com o pé atrás, e essa confiança só vai ser desenvolvida na dor, acreditem. Ainda tem umas coisinhas bem chatas pra acontecer, mas nada que vá matar todo mundo de tédio.

Vocês repararam nas frases que o Cap disse nesse capítulo que são bem clássicas no segundo filme de sua trilogia? “Vou colocar na minha lista” (se referindo a lista que ele anota coisas pra se atualizar) e “Eu sempre sou sincero” (quando ele disse que confiava na Natasha, na casa do Sam). Eu simplesmente amo essas frases fofas dele =P

Gente, ouçam a música desse capítulo. Ela é linda e acho que expressa muito bem o ponto de vista da Peggy por ter vivido sem o Steve e... (senta que lá vem história), a vocalista da banda Elis (Sabine Dünser) morreu aos 29 anos de morte cerebral, repentinamente... essa música faz parte do último álbum que ela gravou e foi lançado após sua morte. Deem uma chance e ouçam. É linda... só é uma pena que ela tenha partido tão cedo... uma voz tão linda... :(

O próximo será mais tenso e com todos os Vingadores... adivinhem quem finalmente vai dar as caras nessa fanfic? Se vocês pensaram Bucky Barnes, acertaram, chuchus.



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