Encantos & Desencontros escrita por Maitê Miasi


Capítulo 21
Capítulo 21




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“De joelhos, eu pedirei uma
Última chance para uma última dança
Porque com você, eu resistiria a
Todo o inferno para segurar sua mão
Eu daria tudo
Eu daria tudo por nós
Dou qualquer coisa, mas eu não vou desistir
Porque você sabe, você sabe, você sabe.

Que eu te amo
Eu te amei o tempo todo
E eu sinto sua falta
Estive tão longe por muito tempo
Eu continuo sonhando que você estará comigo
E você nunca irá embora
Paro de respirar se eu não te ver mais.”

Nickelback – Far Away

****

Desde que retornou para o Brasil, tudo parecia contribuir, fazendo Maria voltar ao seu passado. Também pudera, já que fizera questão de se envolver, novamente, com o causador de todos seus males. Mas, ao ver Estêvão e Antônio juntos, um sentimento diferente a invadiu, fazendo suas pernas tremeram, era como se estivesse revivendo aquele episódio de novo. Um sentimento ainda mais intenso tomou conta de todo seu ser ao ouvir aqueles dois citando seu nome, e mais, relembrando momentos obscuros, do qual ela fora protagonista.

— Vocês não precisam parar a conversa, continuem. – Apesar de transparecer calma, Maria queria correr, sumir dali.

— Maria – a expressão assustada e incrédula, de Estêvão, a encarava sem desvios. – Eu não sei exatamente o que você ouviu, mas não acredite no que esse idiota está dizendo.

— Eu ainda me pergunto como consigo olhar na sua cara, Estêvão. Eu vou embora daqui, pode continuar trocando figurinhas com seu amigo.

Seu coração estava na mão, esmagado, mas segundo ela, merecia estar passando por isso, afinal, novamente fora ingênua ao dar crédito às palavras sujas de Estêvão. Porém, quando ela se virou para sumir da presença deles, Estêvão a segurou pelo braço, tornando impossível sua saída.

— Você não pode acreditar no que esse imundo está dizendo. – Seus olhos mais pareciam estar implorando do que afirmando.

— Agora vai se fazer de bom moço, Estêvão? Vai dizer que você não era um dos que falavam mal dela? Vai dizer que não ficava com ela e Fabíola, ao mesmo tempo? Vai dizer também que você não dizia que ela era só um brinquedinho?

Num surto, Estêvão soltou o braço de Maria e imprensou o canalha contra a parede, segurando-o pelo pescoço. Se o trio já chamava atenção antes, agora nada mais em volta era importante. Todos os clientes da sapataria e até uns vendedores pararam o que estavam fazendo e focaram toda a sua atenção no homem bem arrumado e fino que tentava enforcar o singelo vendedor. Em nenhum momento, os demais presentes ali, se meteram.

— Você vai desmentir tudo isso que você acabou de falar! – A atitude de Estêvão deixou Maria um tanto abismada, já que ainda não conhecia essa versão.

— Desmentir o quê? – Ele ria, mesmo falando com dificuldade por conta do ar que já lhe faltava. – Tudo o que eu falei é verdade.

— É melhor você começar, senão eu te mato com minhas próprias mãos!

— O que está acontecendo na minha loja? – Um homem alto, magro e barbudo surgiu em uma das portas, onde só funcionários eram autorizados a entrar.

— Maria, por favor, você não pode dar ouvidos ao que esse imbecil está dizendo. Nada disso é verdade!

— Será que vocês podem brigar lá fora? Estão atrapalhando o funcionamento do meu estabelecimento!

Perdida. Era exatamente como Maria estava se sentindo. Naquele momento, ela maldizia o minuto em que havia saído de onde estava para se tornar refém do seu passado, novamente. Em determinado momento, ela já não ouvia nada. Assistia aquela pequena multidão ao redor, Estêvão proferindo coisas que ela não compreendia, a cara cínica de Antônio e o dono da loja, mostrando todo seu descontentamento com o que estava acontecendo.

— Estêvão, você vai matar ele!

Por mais que Antônio quisesse se mostrar forte o bastante para resistir ao braço potente e apoplético de Estêvão, Maria notou que não demoraria para ele perder a consciência. Foi quando o homem estapeou duas vezes a parede, em um gesto de rendição.

— Você vai dizer a verdade, seu desgraçado? Eu não me importo em te deixar morrer!

Quase desfalecendo, ele maneou a cabeça para cima e para baixo, e então Estêvão o soltou, e ele caiu no chão respirando freneticamente.

— Vamos logo, pode começar a falar, e se mentir de novo, eu não vou ter piedade!

— Calma, Estêvão! – Maria gritou. A primeira vez que elevou a voz, desde então.

— Eu vou dizer a verdade. – Ele ajeitou a postura, e buscou compassar sua respiração antes de começar. – Maria – a fitou – Estêvão não é tão babaca assim, nada do que eu disse é verdade.

Naquele exato momento, o coração de Maria ficou como a respiração de Antônio, minutos antes: desentoado, desorientado.

Antônio continuou:

— Sua irmã, Fabíola, me pagou para que eu inventasse o que você ouviu hoje e o que eu te disse aquele dia em que nos encontramos “por acaso.” – Fez aspas. – Apesar de Estêvão ter cedido a tudo que dissemos naquela época, a gente sabia que ele gostava mesmo de você. Ele nunca disse que você era uma qualquer ou um brinquedo, e mais, ele nunca se envolveu com outra mulher enquanto vocês estavam juntos.

Maria não sabia precisamente se um nó se formava em sua garganta ou se o nó que já existia estava se desatando. Só existia uma certeza: o seu desejo de terminar o que Estevão havia começado e matar Antônio, só crescia.

— Por quê?

— Eu estava precisando de dinheiro, e Fabíola ia me dar uma bolada! – Ele gritou, na tentativa de justificar seus atos.

— E anos atrás, qual é a desculpa? Vocês não tinham nenhum entretenimento, e resolveram brincar com a garota ingênua e iludida? – Ela se calou e conteve as lágrimas doídas que teimavam em querer sair. – Vocês têm noção do que fizeram comigo? – Inevitavelmente, uma lágrima rolou de seu olhar angustiado.

— Eu...

— Não, claro que não sabem! – Bradou em alta voz.

— Maria, eu sei o que eu causei quando inventei aquela brincadeira, sua irmã me falou. Mas olha só pra você. Talvez se aquilo não tivesse acontecido, você ainda estaria em Santa Isabel, e não seria essa grande mulher que vive na mídia.

— O que você tá esperando que eu diga? Obrigada? Me faz um favor, Antônio? Some da minha vida, desaparece. Você já causou transtornos demais. Vamos Estevão, acho que já terminamos por aqui.

— Ainda não.

Maria olhou para Estêvão sem entender e sem saber o que ele ainda tinha a dizer. Ou melhor: a fazer. As coisas fizeram sentido quando ela o viu esmurrando a cara de Antônio. Estêvão estava tão enraivecido, que o soco que desferiu no ex-amigo, o fez cair no chão, com o canto da boca sangrando. Todos os olhos presentes se arregalaram, espantados, com o que estava passando ali.

— Isso é para você aprender a nunca mais se meter com ela, e isso – sem a menor piedade, ele o chutou na boca do estômago, arrancando um “oh” de todos os espectadores – é por ser frouxo e ficar ouvindo asneiras de mulherzinha enciumada.

— Chega, Estêvão, vamos sair daqui.

Maria o puxou pelo braço antes que ele continuasse espancando ainda mais aquele cara. Todas aquelas pessoas foram se esvaindo do local, sem entender o motivo do ocorrido, enquanto ambos iam se afastando.

Maria não sabia, ao certo, o que ia acontecer dali em diante, só tinha certeza que um pequeno peso tinha saído de suas costas. Uma outra pequena parte ainda estava por sair.

— Acabou, né?

Os dois se acomodaram numa sorveteria simples e acolhedora que ficava perto da sapataria. Estêvão parecia estar realmente aliviado com a forma que aquela história se concluiu.

— Foi por causa dele que você quis se afastar de mim, né? – Ele confirmou com a cabeça. – Será que agora podemos pensar em nós dois? – Logo um sorriso faceiro se desenhou nos lábios dela

— Desculpa, tá.

— Pelo quê? – Ele riu sem entender muito bem porque ela se desculpava.

— Por ter me deixado levar pelas palavras do Antônio. Sabe Estêvão, não esqueci do que aconteceu, mas eu sentia que você era sincero sobre seus sentimentos, você me fazia sentir amada.

— Fazia?

— Ainda faz, ok? – Os dois riram. – Você foi um babaca, um idiota e um imbecil, mas eu via verdade no que você falava. E isso me deixou confusa por muito tempo, e eu não entendia, sabe. Ou você era um ótimo ator, ou era verdadeiro.

— E a que conclusão você chegou?

— Que, apesar de ser um filho da mãe, seus sentimentos, por mim, eram reais.

— Eram não, Maria, são! Tudo o que eu senti e sinto é verdadeiro, e hoje eu sinto tudo com mais ferocidade, com mais intensidade do que há vinte e poucos anos atrás. – Suas mãos de encontraram no centro da mesa e se tocaram com ternura. – Eu quero te sequestrar, te levar pra uma ilha deserta e ficar sozinho com você pra sempre. – Maria não resistiu a sua fala e a sua feição espevitada, e cedeu um sorriso.

— Impossível – disse ainda rindo – além dos meus filhos, que eu não quero me separar  nunca, tem meu trabalho, e eu amo, tá!? Ou você acha que eu aturo chilique de modelos histéricas por puro prazer?

— É... Não. – Eles riram mais um pouco. – Mas – ele começou com a voz manhosa – já que eu não posso te levar pra uma ilha deserta, posso te levar pro meu apartamento?

— Digamos que eu aceite, o que vamos fazer lá?

— Hum... Podemos ver um filme, ou fazer algo mais interessante. Mas é você quem sabe. – Ele deu uma piscadela sorrateira.

— Ok, você me convenceu.

Alguns beijos foram trocados durante o caminho, mas sentiram algo diferente quando chegaram ao apartamento. O sabor doce daquele beijo dissipou toda a saudade, desfez todo o medo que ainda estava dentro de Maria, e machucava grande parte de seu ser, talvez de Estêvão também, por não entender certas atitudes suas.

O clima não era muito romântico, mas a presença daquele homem lhe trazia, além de fogo, luxúria e desejo, a presenteava com seu amor. O seu toque leve e sensível atiçava todas as sensações do seu corpo, estava tudo tomado por uma grande excitação.

— Me deixa eu te amar hoje como eu nunca te amei. – Ele praticamente suplicou.

— Hoje eu sou toda sua – ela deu uma mordiscada em seu lábio inferior – hoje e sempre.

Estêvão sorria de forma que parecia hipnotizar Maria, e lograva êxito em sua missão. Seus dedos grandes fizeram sua blusa ir ao chão, e no ato seguinte a beijou com calidez, fazendo seu corpo entrar em choque. Faltava pouco para que ela perdesse a noção, e esquecesse o próprio nome.

Um arrepio tomou conta de Maria por inteiro, quando a boca quente de Estêvão se chocou com seu dorso descoberto, com seus beijos acintosos. Seu pescoço fora a maior vítima, e ele deixou-se ser refém de suas carícias.

Gemidos e sussurros saiam abruptamente. Sua boca gemia o nome de Estêvão, implorando para que ele não parasse de tocá-la, de beijá-la. Seu coração estremecia quando o sentia a envolvendo por trás.

Vagarosamente, eles foram caminhando em direção à cama. Maria já não tinha mais sobriedade, o cheiro viril e másculo de Estêvão, já tinha a feito perder toda e qualquer sanidade. Ele também aproveitava ao máximo todo aquele clima. A forma como ele sorria ao ver sua amada reagindo às suas manobras, o denunciava.

Fez questão de tirar, em câmera lenta, o resto de roupa que ainda permanecia no corpo de Maria. Lenta e vagarosamente. Na sua vez de se despir, não usou o mesmo recurso, foi rápido, prático.

Maria soltou um gemido frenético quando ele abocanhou seu seio como um animal feroz. Os olhos daquele homem queimavam em um prazer descomunal.

Depois de ser, deliciosamente, torturada com beijos avassaladores, de ser moldada, pressionada contra o corpo do seu amado, e ouvir palavras ardentes, ao pé do ouvido, deixou Estêvão percorrer a boca por seus lugares favoritos, levando-a ao infinito céu. E mais uma vez, ela havia se esquecido de quem era.

— Estêvão... Ahh...

Talvez essa fora a deixa que ele precisasse para invadi-la, tornando-se um só. Ela gemeu novamente, dessa vez, esquecendo-se da sua postura retraída e recatada, e deixou sair um grito, arrastado, do fundo do âmago.

— Isso Maria, assim que eu gosto.

Estêvão não tinha a intensão de deixar sua marca somente no interior de Maria. A forma como ele a  segurava, e a apertava pela cintura, denunciava sua vontade, em deixar sua pegada por sua pele branca.

— Você me tem louco, Maria!

Maria adorava ouvi-lo dizer, que ela própria, o deixava enlouquecido. Sentia-se o máximo. O ar condicionado não foi capaz de impedir o calor que seus corpos, em sincronia, produziam. O suor pingava, escorria, fruto do prazer mútuo que sentiam e trocavam.
Mais uma vez, Maria se viu refém dos beijos tórridos, de Estêvão. Mas dessa vez, ele havia diminuído a velocidade e, lentamente, continuou, beijando-a, traçando-a numa rede de prazer, levando-a a loucura. A vontade de Maria de gritar, crescia vertiginosamente. Era frenesi, delírio, luxúria pura.

— Oh céus... – Maria proferia palavras, sem saber ao certo o que dizia.

Estêvão entendeu, que não demoraria muito para Maria chegar ao ápice total. Ele começou a penetrá-la com mais pressão. Com o vai e vem do membro dele entrando e saindo de sua intimidade, seu corpo entrou em uma convulsão de prazer, chegando a um gozo que invadiu todo seu ser. Estêvão também chegou ao cume daquela entrega; suas respirações subiam e desciam, agitadas. Logo, os dois estavam ali, abraçados, exaustos e satisfeitos.

— Você foi maravilhosa hoje. – Ele disse enquanto brincava com uma mecha do seu cabelo bagunçado. Ela apenas sorriu e permaneceu em silêncio. Ele continuou: – Você bem que poderia passar a noite aqui.

— Eu não posso, Estêvão. – Ela o olhou. – Ainda não, tá. Vai chegar um dia que você vai enjoar de ter que acordar ao meu lado.

— Isso eu duvido muito, mas não vejo a hora desse dia chegar.

— Então – ela se apoiou sobre os cotovelos, ficando um pouco acima dele – vai contando, porque não vai demorar, ok? Agora preciso ir, não quero discutir com ninguém ao chegar em casa.

— Ah, mas já? – Choramingou. – Fica só mais um pouquinho.

— Não – respondeu firme, e se levantou da cama cobrindo-se com o lençol – eu vou tomar um banho e vou pra casa. Não podemos ficar trancados nesse quarto pra sempre, né. – Deu uma piscadela.

...

Depois de um dia fora do comum, Maria teve uma noite plena. Sua consciência pesava um pouco por enganar Cláudio, mas a sensação de se perder nos braços de Estêvão era maior do que qualquer sentimento de culpa. Maria estava nas nuvens.

Ainda sob efeito do dia anterior, ela se preparou para ir ao trabalho com um sorriso que ia de orelha a orelha. Sempre agiu de forma bastante cordial e amigável, com todos os funcionários, na Casa de Modas, contudo, naquele dia, conseguia perceber alguns cochichos sobre, provavelmente, seu bom humor extremo. Porém ela ainda tinha um assunto chato para resolver.

— Mandou nos chamar?

Fabíola perguntou com a expressão de quem não estava nenhum pouco satisfeita em vê-la. Maria também compartilhava do mesmo sentimento que a irmã. Jacques estava ao lado de Fabíola, e ao contrário da amiga, havia nas expressões dele, desespero e apreensão.

— Mandei sim, Fabíola – Maria estava assentada em seu lugar, como de praxes, e Juliana estava ao seu lado, de pé – acho que temos um assunto relevante a tratar.

— Para de lenga lenga e vai logo ao ponto. Não aguento essa sua enrolação. – Fabíola era só presunção.

— Ok, vou direto ao que interessa. Estive conversando com a dona dessa empresa sobre o acontecido, e como ela não poderá estar aqui tão cedo, me deu carta branca pra fazer o que eu acho melhor. Portanto, Fabíola, já que você não fez questão de, pelo menos, desligar as câmeras de segurança, você está demitida por justa causa.

— Nossa, como eu estou mal por isso, acho até que vou me matar. –  Proferiu à irmã, esbanjando ironia.

— Faça o que quiser, mas bem longe daqui. Pode se retirar. – Ela encarou Maria com certa raiva, e saiu marchando. – Enquanto a você, Jacques. – O olhou, Maria conseguia ver a aflição em seu rosto fino.

— Eu sei que mereço o mesmo destino que Fabi – o homem cerrou os olhos, dramatizando – vamos minha deusa, pode enfiar essa faca no meu peito.

— Eu não vou te demitir. — Juliana, que estava quieta, observando tudo, ao lado da mãe, surpreendeu-se junto com o próprio Jacques. Maria continuou: — Vi as câmeras e ficou claro que você não cortou ou acabou com nada. Sim, eu devia fazer com você o mesmo que fiz com minha irmã, porque você foi cúmplice, mas vou te dar uma chance, porque pelo pouco que te conheço, sei que não faria isso por vontade própria.

— Ai meu Deus! Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus! Eu posso te dar um abraço, minha deusa? – Foi a deixa perfeita para ele surtar.

— Pode.

Jacques foi até a mesa de Maria, saltitante. Chorou emocionado, abraçando-a cheio de calor e gratidão.

— Eu prometo que não vou te decepcionar. – Secou uma lágrima que rolava. – Posso te abraçar também, mini deusa?

— Claro! – Juliana respondeu sorrindo, e cedeu um abraço caloroso ao funcionário.

— Maria, eu juro que não vai se arrepender da sua decisão. – Ele começou a beijar a mão dela, ostensivamente.

— Eu espero mesmo que não, Jacques. – Falou voltando a sua postura mais seria. – Só quero te dizer uma coisa: sei que você gosta da minha irmã, mas aprenda a dizer não. Sua lealdade quase custou seu emprego. Se ela for realmente sua amiga, vai entender.

— Vou seguir seu conselho. Ai, você é muito maravilhosa, eu te amo! Obrigado, minha deusa master.

— Se contenha, Jacques!

— Ok, desculpa.

— Agora pode ir, vai fazer o que sabe fazer de melhor. – Ele deixou seu melhor sorriso e logo deixou mãe e filha a sós.

— Bonita atitude, hein dona Maria. – Juliana saiu do lado da mãe, e se sentou na cadeira que ficava à frente da mesa. – Só quero ver a cara da Fabíola quando descobrir isso.

— Eu não estou me importando muito para o que ela vai pensar. Tentou me prejudicar, teve o que mereceu, a sorte dela é que ainda fui muito branda, e até generosa.

— Tá certa. Vamos trabalhar?

— Agora!

...

Incapaz de conter seu sorriso e sua satisfação por continuar fazendo parte daquela família cheia de estilo, Jacques saiu da sala da chefe saltitante e esbanjando bom humor, mas sabia que ainda teria que enfretar a amiga, dizendo a ela que não teve seu mesmo destino infeliz.

— Ainda bem que você apareceu, Jacques, aquela desgraçada te demitiu também, não é? Mas fica tranquilo, ela vai pagar por isso, e por mais algumas coisinhas.

— Eu não fui demitido, Fabi. – Disse com certo temor por sua reação.

— Quê?! Como assim?! – Fabíola se enfureceu, fazendo Jaques se arrepiar.

— Ela achou melhor eu continuar.

— Desgraçada! – Berrou. – Infeliz! Ela não tinha esse direito! – Fabíola pôs-se a caminhar de um lado para o outro, e parou na frente do amigo, aparentemente calma. Ele ficou ainda mais preocupado. – Mas até que sua permanência aqui pode ser proveitosa.

— Quê? – Indagou atônito.

— Com você aqui, minha vingança se torna muito mais fácil.

— Fabi...

— Você vai ser essencial pra fazer essazinha  pagar tudo o que me fez.

— Eu não vou te ajudar, Fabi.

— Como assim?! – Um V se formou entre suas sobrancelhas.

— Eu não vou me meter nessa sua vingança, e eu espero que você me entenda. – Jacques seguia firme, porém receoso.

— Eu pensei que fôssemos amigos, Jacques. – Fabíola tentou chantagea-lo, fazendo-o se sentir mal.

— Se realmente você for minha amiga, vai me entender.

— Entender o quê?! Que você virou a casaca e se bandeou pro lado dela? – Apontou em direção a sala da irmã, um tanto irritada.

— Está decidido, Fabi, eu não vou ajudar você nessa, não conte comigo. Agora preciso entrar, tenho muita coisa pra fazer lá dentro. Até mais.

— Vai, sua bicha traidora, eu não preciso de você pra me vingar dessa maldita!

...

Nada melhor do que um convite amigável para um jantar depois de um dia cansativo, cercado de homens sérios e mal humorados.

Miguel recebera Estêvão de forma bastante informal, em seu apartamento: um short de personagens da Disney, uma camiseta, preta, bem simples e os pés descalço. O homem de terno e gravata se sentiu deslocado, já que não havia passado em casa e fora direto do trabalho em trajes formais.

— Estêvão! Sinta-se em casa. Só não bota o pé no sofá, eu não gosto.

— Pode ficar tranquilo. Fiquei feliz com o convite. Qual vai ser o menu? – Estêvão deixou sua pasta num canto qualquer da sala, e o seguiu até a cozinha e se acomodou na mesa redonda, no centro.

— Hum... Lasanha de mercado. Comprei de queijo e frango, qual sabor você quer?

— Vou ficar com a de queijo. – Miguel fora observado por Estêvão, enquanto fazia algumas tarefas, em silêncio, até que retornou com a conversa. – Sua mãe disse que você tá chateado com ela, é verdade? – Ele confirmou com a cabeça.

— Tô vendo que vocês andam se encontrando. – Disse sem ressentimento, enquanto servia seu convidado.

— Te incomoda?

— Na verdade, não. – Ele se acomodou à sua frente. – O que não me agrada, é vocês ficarem se encontrando enquanto ela ainda está casada com Cláudio.

— É, não me agrada também, mas ela já disse que vai pedir o divórcio a ele. O casamento deles já não vai bem há algum tempo, né.

— Desde que ela chegou ao Brasil? – Perguntou, supondo que ele era o motivo do fim do casamento dos pais.

— Ham – ele se endireitou na cadeira, um tanto incomodado – não me sinto à vontade falando disso com você, sendo filho dela.

— Relaxa, minha mente é bem aberta pra essas coisas. Só não gosto de canalhice. Se Maria gosta de você, eu vou ser o primeiro a apoiar, desde que não façam Cláudio de palhaço, e desde que não dê esperanças a Giovana.

— Desculpa falar, mas sua irmã é louca.

— Eu sei disso. – Os dois riram. – Esse seu lance com Maria vem de muito tempo, né? Vocês se gostam desde a adolescência, ou estou errado?

— Não, você está certo.

— Então, por que não ficaram juntos? Por que ela se casou com Cláudio?

— Miguel – ele afastou o prato semi vazio até o centro da mesa, com certo medo do que ele próprio iria falar – a minha história com a sua mãe é um pouco complicada. Antiga e complicada.

— Sou todo ouvidos. – Ele imitou o gesto de Estêvão empurrando o prato.

Estêvão não estava muito convicto se poderia continuar com aquela conversa, mas algo dentro dele o impulsionava a falar, mesmo tendo consciência de que não tinha direito algum de tocar naquele assunto tão delicado, especialmente com aquela pessoa.

— Conheci sua mãe de um jeito muito incomum. A gente estava na hora do recreio, hoje vocês dizem intervalo né – ele confirmou com a cabeça, rindo – e eu jogava bola com uns amigos, e acabei acertando a cabeça dela com a bola. Tadinha, ela ficou tontinha. Você vai achar brega, mas acho que me apaixonei por ela a primeira vista.

— Não é brega, é adorável. – Estêvão não sabia se ele falava sério, ou estava sendo irônico. – Mas continua. O que podia dar errado?

— Classe social diferente, eu um pouquinho mais popular que ela, aí já viu, né. Bom, umas pessoas com quem eu andava perceberam meu interesse por sua mãe e começaram a zombar, e eu, fraco que era, neguei até a morte. Só que eu tinha que fazer algumas coisas que eles impusessem pra entrar de vez no grupo, e uma dessas coisas era me aproximar da sua mãe, e fazer ela se apaixonar por mim.

A fisionomia de Miguel mudou. Os olhos, que o encaravam atentos, tornaram-se tensos e ansiosos. Estêvão estranhou a mudança, mas deu prosseguimento, afinal, não deveria ter começado, mas já que o fizera, iria até o fim.

— No começo eu recusei, mas depois, acabei cedendo. Eu queria ficar perto dela, mas não queria usá-la, porém foi o que aconteceu. Ficamos nos encontrando por um bom tempo, minha consciência me acusava em todo o momento, mas não consegui parar e nem falar a verdade pra ela. Até que meu “amigo” – fez aspas – teve a brilhante ideia de fazer uma aposta comigo: se eu ganhasse, entrava no grupo de vez, e estava livre de ter que sair com Maria por obrigação; e seu perdesse, teria que fazê-la sofrer uma humilhação inesquecível.

Estêvão não sabia se estava vendo ou sentindo certo, mas parecia que um choro estava preso na garganta de Miguel. Ele esperou que o rapaz o pedisse para parar, mas como ele não o fez, prosseguiu:

— Não havia a menor chance de eu perder essa maldita aposta – sua voz se elevou gradativamente – mas olhando pra tudo isso hoje, vejo que fui drogado. – Ele diminuiu o tom em algumas oitavas. – Eu jogava basquete como ninguém, e eu só teria que fazer dez cestas, e não fiz nenhuma. Antônio marcou todas. – Concluiu sua fala com pesar. – Até hoje não acredito que fiz o que fiz, mas fui covarde o suficiente para aceitar. E não é difícil imaginar o que aconteceu depois. Nós dois num momento íntimo, fomos expostos para quem quisesse ver, mas só ela passou por aquele vexame, eu me safei por ser homem, sabe né.

— Você tá me dizendo que... – Sua voz chorosa tornava sua fala difícil. – Você... Vo-você fez Maria ser exposta na frente de todo mundo?

— Miguel... Sim. – Respondeu derrotado.

— Preciso sair agora, por favor, feche a porta quando sair!

— Miguel! Miguel? Aonde você vai?

A única coisa que Estêvão ouviu foi a porta se fechanfo com força.

Miguel estava desesperado para chegar a casa de sua mãe. Mas tudo contribuía contra. Todos os semáforos se fechavam. Mas ele não quis nem saber. Saiu atravessando tudo sem se importar com as multas, sem se importar com a própria vida. Por sorte, chegou vivo, e com alguns xingamentos sobre os ombros.

— Maria! Maria! – Ele gritou o nome da mãe sem conter o choro.

— O que foi, Miguel? O que houve? – Maria apareceu no topo da escada, já vestida para dormir e encontrou o filho transtornado no meio da sala.

— Por que você fez isso comigo? Por que não disse a verdade desde o início?

— Do que você tá falando, Miguel? – Ela foi ao seu encontro tomada pela preocupação ao vê-lo naquele estado. Foi tocá-lo, mas ele se esquivou.

— Sobre Estêvão, sobre ele ser o meu pai!

 


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