Tome Tenência, Rapaz escrita por ArnaldoBBMarques


Capítulo 9
Você já é um rapaz




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Caíque agora fazia o serviço rindo e contando piadas para os peões, que ele nem sabia se eram primos deles. O trabalho pesado não o cansava mais, estava acostumado, e nem se importava de ficar todo sujo e enlameado. Não deixava de achar irônica aquela sua transformação de garoto da cidade em peão da fazenda, mas também não deixava de rir secretamente da mãe por achar que o pessoal do interior era bobo. No fim, ele estava ficando tão bagunceiro quanto antes, e se ria enquanto dava duro no trabalho, era porque sabia que mais tarde teria muita diversão.

Quando havia um intervalo, ia até a cidade visitar a prima Márcia, e aproveitava para dar uns giros e jogar conversa fora. Quase sempre cruzava com as meninas que estavam morando na pensão da tia Judite, aquelas que Márcia chamava de as regateiras. Elas estavam sempre dando em cima dos garotos por onde passavam, mas pelas costas davam risinhos safados. Caíque ainda se sentia mordido por haver sido esnobado por Neusinha no baile, mas procurava disfarçar. Afinal, elas eram regateiras mesmo, como o povo dali chamava as meninas que se comportavam daquela maneira, e se elas haviam sido mandadas para a tia Judite, boa coisa com certeza não haviam feito. Mas a dor de corno ainda incomodava...

Tia Rita vinha soltando-o mais, sinalizando que estava satisfeita com o comportamento dele, e Caíque aproveitava para ficar até mais tarde em botequins com a turminha dos peões. Às vezes iam ao baile funk, embora Caíque não gostasse muito. Achava as meninas lá muito pistoleiras. Mas depois de uma bebidinha, elas ficavam até bonitas, e Caíque já se tornara apreciador da cachaça artesanal produzida ali. Pôs-se a dançar com uma morena de cara bem safada e brinco no nariz. Desceu as mãos até tocar o traseiro dela, e ela rebolou com gosto. Aí chegou um peão olhando esquisito, parecendo ser o parceiro dela. Como se ali houvessem parceiros, Caíque pensou. Encarou o rapaz, parecia ter o mesmo tamanho que ele. A morena olhou de esguelha, como quem diz, disputem-me para ver quem será o vencedor! A cachaça deu coragem a Caíque. Quando o outro se aproximou, levou um empurrão. Os amigos dele se acercaram. Os amigos de Caíque também vieram.

Caíque não se lembrava direito do que tinha acontecido, só sabia que estava na delegacia da cidade e que a cabeça doía, não sabia se da bebedeira ou do safanão que levara. Era a segunda vez que ele se via em uma delegacia, mas comparada com a primeira, aquela da cidade pequena parecia bem mais tranquila. De quanto em quanto chegavam uns pais furiosos para buscar os filhos briguentos, e à medida em que se evaporavam os vapores etílicos, Caíque caía em si. Por uma bobagem havia perdido todos os créditos que acumulara com tia Rita ao longo de meses, e ela com certeza ficaria furiosa e contaria tudo à mãe.

Quando tia Rita apareceu, contudo, não demonstrava estar tão zangada, nem lhe fez muitas perguntas. Limitou-se a escolta-lo de volta à fazenda, e lá chegando, disse-lhe:

— Você está muito alterado agora. Vai dormir, que amanhã cedo vamos resolver isso!

Caíque dormiu pesado e acordou cedo. Os passarinhos cantavam como de costume, mas ele sabia que o dia não seria como os outros. A tia estava com o mesmo ar circunspecto do dia anterior. Na mesa de café fez algumas perguntas sobre o que ele andava fazendo e com quem vinha andando, sempre meneando a cabeça, e depois mandou-o ir até o galinheiro e ficar esperando lá.

Caíque viu a porta do galinheiro se abrir, e a tia entrou empunhando um feixe de cipós que acabara de cortar. Ela olhou bem nos olhos dele, e sentenciou com o mesmo tom seguro de sempre:

— Você já está um rapaz! Tem que saber arcar com as consequências do que você faz! Não concorda?

Caíque concordou sem jeito, e a tia prosseguiu:

— Agora você vai baixar essa calça e a cueca, e ficar de costas para mim segurando aquele pau ali!

Caíque obedeceu sem discutir, pois sabia que não tinha nada para falar. Desabotoou o jeans e virou-se de costas para a tia antes de descer a cueca até o joelho. Segurou a viga de madeira que dava sustentação a umas gaiolas, ficando meio curvado, e sentiu o suor brotando na testa ao escutar o silvo do cipó no ar.

As nádegas de Caíque ardiam como se fossem atingidas pelas fagulhas de um maçarico. O cipó zunia pelo ar e batia uma, duas, muitas vezes, sempre causando o mesmo impacto e sem perder nada de sua rigidez. Caíque mordeu os lábios e fez força para ficar calado, só se escutava o silvo do cipó e o canto dos pássaros lá fora, pois a tia também não falava nada. As palavras da tia ecoavam na mente de Caíque: ele já era um rapaz, certo? Então tinha que arcar com as consequências de seus atos, e ele estava disposto a aguentar.

Quando a tia terminou de bater, jogou sobre as nádegas de Caíque uma salmoura que havia preparado em uma leiteira, o que quase fez ele urrar de dor. Depois a tia mandou-o subir as calças e retornar à casa.

— Hoje você não vai trabalhar. Vai ficar de castigo aí no quarto!

Deitado de bruços na cama, Caíque meditou sobre tudo o que havia acontecido. Pensou na mãe, lembrou o jeito resoluto com que a tia lidara com ele, e não pôde deixar de maturar como as coisas poderiam ter sido diferentes se a mãe soubesse conduzir-se como tia Rita. Não sentia raiva da tia, sentia raiva de si mesmo por haver sido tão vacilão.


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