Tome Tenência, Rapaz escrita por ArnaldoBBMarques


Capítulo 3
Saiu a sentença




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Sentado na cama, Caíque olhava para a parede do quarto. Sentia-se como uma sombra de si mesmo, não tinha ânimo sequer para virar a cabeça. Da sala continuava a escutar murmúrios abafados da conversa da mãe com o pai. As vozes estavam baixas e denotavam preocupação. Ele preferia mil vezes que a mãe estivesse furiosa gritando com ele, que então lhe devolveria uma daquelas respostas pernósticas que ele sabia dar tão bem, e tudo voltaria ao normal. Mas Caíque sabia que agora as coisas não voltariam ao normal. Passara da conta, sem dúvida. Só saiu de seus pensamentos quando a porta se abriu e o pai entrou no quarto.

— Que merda que você fez, garoto!

Caíque não respondeu nada, pois sabia que o pai tinha razão. Mas também, aquilo era tudo que o pai tinha e lhe dizer? Era um inútil mesmo. Atrás, a mãe mirava-o com cara de enterro. O pai por fim destravou a língua.

— Você ainda não está livre, vai ter mais uma audiência. Você está em perigo de ser mandado para internação, mas eu e sua mãe estamos fazendo todo o possível!

Caíque franziu o cenho. Já havia tido uma audiência com o juiz, onde respondera basicamente às mesmas perguntas que respondera na delegacia. Agora teria que ir mais uma vez responder as mesmas perguntas? Não, ele sabia que estava em risco de ser internado. Notou que o olhar da mãe agora mostrava compaixão.

— Nós vamos achar uma solução, meu filho...

O pai devolveu um olhar severo. A mãe prosseguiu:

— Mas você não vai sair dessa em brancas nuvens não, garoto! Pensa em tudo o que você tem feito, na preocupação que você tem nos dado, agora é hora de mudar de vida!

Caíque não virou o rosto, mas baixou os olhos. Achava horrível ter que escutar aquilo tudo sabendo que nada tinha para responder. Olhando para o futuro, via um vazio. Os pais saíram do quarto, deixando-o novamente a sós com seus pensamentos. As horas demoravam a passar. Curioso que não pensava em seus amigos, que deviam estar tão encrencados quanto ele àquela hora. Talvez aquilo significasse que eles não fossem realmente seus amigos. Resignado, Caíque ficou esperando a sentença que não devia tardar.

O dia seguinte prometia ser igual ao anterior, mas naquela manhã a mãe entrou no quarto com ar de novidade.

— Achamos a solução! Conversamos com a moça do Conselho Tutelar, e o juiz concordou. Não vai ser preciso nova audiência.

A mãe tomou fôlego antes de prosseguir. Caíque aguardou, sem saber o que viria.

— Você vai para a casa da sua tia Rita!

Caíque não soube bem o que pensar no primeiro momento. Não sabia se sentia alívio, ou se achava aquilo uma boa piada. A mãe apressou-se em explicar:

— Mas não pense que vai ficar lá de férias não, rapaz! Eu já falei com a sua tia. Você vai ter que ajudar no serviço lá, viu? Quem mandou fazer besteira?

Percebendo a volta do timbre zangado na voz da mãe, Caíque experimento a sensação de que as coisas estavam voltando ao normal, e isso de certa fora agradou-o. Não suportava o ambiente fúnebre que dominava a casa desde que tudo acontecera. Antes que pudesse dizer alguma coisa, a mãe ordenou:

— Vai fazer sua mala! Vamos sair agora mesmo!

Ainda meio atônito, Caíque pôs-se a jogar peças de roupa de qualquer maneira dentro de uma valise. A mãe implicou:

— Essa aqui você não vai precisar lá! Nem essa!

Caíque sentiu uma ponta de decepção, mas não pôde negar que a mãe estava certa: não precisaria daquelas roupas incrementadas na roça. Sim, era para a roça que ele estava indo, e aquelas roupas estavam ligadas à vida antiga que ele agora devia abandonar. Fechou a valise e acompanhou a mãe como um autômato. Na sala, passou direto pela irmã mais velha,que lançou-lhe o mesmo olhar atravessado de costume.

No carro, o silêncio da viagem só foi quebrado pela mãe, que de tanto em tanto lançava-lhe reprimendas.

— Lá você vai ter que ralar, não vai ter vida fácil não! E eu vou ficar em contato com a sua tia todo o dia para ela me passar o relatório! Se não tomar jeito, vai ter que ir para a febem!

Caíque olhava a paisagem da janela, sem responder. Sabia como era o regime de quem mudava de casa por castigo, conforme os costumes da família, só nunca tinha pensado que aquilo um dia ia acontecer com ele.

— E a sua tia tem toda a licença minha para te dar castigo! Se ela quiser te dar um couro, está autorizada!

O carro cruzou a rua principal da cidadezinha. Caíque viu pouca gente circulando, e nenhum lugar interessante. O carro prosseguiu por uma estrada de terra até chegar na fazenda da tia Rita.


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