As Fagulhas de Hugo escrita por flyawk


Capítulo 4
Capítulo 4 - Yellow Light


Notas iniciais do capítulo

Olá leitoras e leitores!
O capítulo de hoje volta com a narração do Hugo
Boa leitura ♥



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Tudo aquilo era demais para mim. 

— Frank, perdão, mas você está pedindo demais para mim. Sinceramente, é muito mais fácil eu achar que tudo isso é um sonho, do que… bem, você sabe… Acreditar que vim parar do nada em um universo paralelo. 

O rapaz de aparência requintada já abrira a boca, pronto para, provavelmente, tentar me provar do contrário quando ouviu-se duas batidas na porta. Ela continuava fechada, entretanto. 

— Um minuto mon cher, fiquei aqui. - Pediu Frank dirigindo-se até ela. Não é como se eu tivesse outra opção senão esperar. Isso, é claro, se eu não considerasse pular daquele dirigível uma alternativa. E, claro, eu não considerava. Eu sei que se tudo fosse um sonho, eu poderia provar que era, se realizasse essa loucura. Mas, mesmo que pequena, a possibilidade disso ser uma outra dimensão existia e Frank não parecia estar mentindo quanto a isso. Então, havia chances de eu morrer se eu saltasse daqui. 

A porta permaneceu fechada, mesmo com o meu guia diante dela. Seja lá quem fosse que estivesse do outro lado, não atrevia-se a entrar e nem Frank atrevia-se a convidar. Estranho. Após uma troca de poucas palavras que não pude escutar devido à distância, o rapaz deu sinal para que eu fosse ao seu encontro. 

— Lamento mon cher, mas terá que guardar o restante de suas dúvidas para o seu pólux inútil. - Ele fez uma expressão de desgosto ao referir-se a quem quer que fosse pólux e que, por algum motivo, ele chamava de meu. - Acabei de ser informado que o encontraram e ele virá cumprir suas responsabilidades com você. 

Frank não parecia lamentar tanto em me deixar aos cuidados de outra pessoa. Mais que depressa ele encostou seu ouvido na porta, deu duas batidas e, após não receber nenhum som em resposta, abriu-a. 

— Conduzirei o mon cher até o salão de encontro para que aguarde a chegada dele lá. Já está mais do que na hora de você andar como todo lux deveria andar neste mundo. - O que havia de errado comigo? E como assim: “todo lux”? O que era um lux para início de conversa?! Mas Frank já disse: perguntas agora só para o meu pólux o que quer que isso significasse. 

Só então notei que, desde quando acordei, mal tinha reparado em mim mesmo. Após todos aqueles eventos desconcertantes, liguei o meu modo sobrevivência e só analisei as coisas ao meu redor. E agora veja como estava: andando por um dirigível que deveria custar todo o orçamento dos Estados Unidos com recursos bélicos de pijama. Mas, pelo menos, não estava sentindo ter nenhum machucado no meu corpo. Estava intacto. Talvez Frank estivesse certo quando falou que tudo aquilo foram ilusões para me testar. Cada vez mais as coisas que Frank falou pareciam a verdade. 

Nessa eu tinha que concordar com o Frank. Por mais que fosse confortável estar de pijama, não era o tipo de roupa para se andar fora de casa. A menos que você quisesse ser o centro das atenções. E eu não queria. Nem aqui e nem no meu mundo. 

— Frank, eu sei que não tem mais a obrigação de responder às minhas questões... Mas, de onde eu venho, guarda-roupas são os lugares para se trocar o vestuário e não um salão. - Aleguei. 

— Bem observado mon cher eu realmente não tenho mais que tirar as suas dúvidas. - Ele disse parecendo se divertir com a minha preocupação. - Agora vamos. 

Parece que teria que descobrir sozinho. Ótimo. 

— Para ser franco, o mon cher até que é bem calmo. Pode dar-se bem aqui, mesmo que o seu pólux não passe de um imprestável. - Comentava o rapaz enquanto me conduzia por mais um dos luxuosos corredores do dirigível. 

— Eu não sei se deveria considerar isso um elogio, nem sei o que significa pólux e muito menos o que devo fazer aqui. - Respondi. Mesmo assim, ele não se dispôs a responder alguma pergunta minha. Em vez disso, Frank calou-se e passou a apreciar a vista. 

Foi só nesse momento em que andava pela segunda vez pelos corredores que percebi que em algumas paredes, além do papel de parede exuberante, abrigavam-se quadros. Observei um em especial, que era o único que já me era familiar, um homem e uma mulher beijando-se. Contudo, ambos estavam com panos cobrindo a totalidade do rosto, como se fossem completos estranhos ou talvez íntimos demais a ponto de não precisarem do visual para se reconhecerem, uma bela reprodução de Os Amantes de René Magritte.

— E é aqui que digo até breve mon cher Hugo. - Prontificou Frank parando subitamente diante da entrada depois do quadro. Ela era maior que as outras, com duas portas. O rapaz tocou-a e a mesma transformação observada na sacada ocorreu: de um amontoado de galhos abstratos surgiu escrito em belas letras cursivas: “Salão de Encontro”. - Entre mon cher e aguarde o seu pólux. Para sua privacidade, a porta ficará trancada até a chegada dele. Fique à vontade para apreciar tudo que há lá dentro, mas, s’il te plait, seja cuidadoso, há objetos muito especiais aí. Mata ne!

Não pude deixar de sentir uma insegurança na hora que adentrei o cômodo e Frank fechou a porta. “Estaria o Frank me enganando e eu acabara de entrar para a minha morte?” pensei. Mas, até agora, nada aconteceu comigo e estava começando a sentir que o rapaz, mesmo tendo seu jeito excêntrico, não parecia uma ameaça. Respirei fundo. Talvez devesse dar uma chance, afinal, já não dava para sair mesmo dali com a porta trancada. 

O mais importante neste momento era achar uma roupa decente, me certificar de que estava sozinho e não estava sendo observado e me trocar antes que o tal pólux chegasse. Então, virei-me para colocar o plano em ação. 

Tudo ficava cada vez mais bizarro. Definitivamente.

Diante de mim estava um cômodo que mais se parecia com um museu fundido com uma sala de estar de um ricaço. Nenhum sinal de guarda-roupa, só um espelho com uma moldura dourada e grandes estantes de vidro em todas as direções com os objetos em seu interior muito bem iluminados. Ao lado de cada cristaleira, havia uma espécie de mesa pequena em largura e comprimento, mas relativamente alta, não parecia ter nada em cima delas. Aproximei-me da vidraçaria mais próxima, eram máscaras em seu interior, mas todas estavam em branco e eram completamente iguais. 

De repente, ouço o barulho da porta se abrindo. Vire-me rapidamente: comigo no salão de encontro encontrava-se um loiro com terno de listras verticais. Ele ficou por um tempo virado para a entrada. Então, não demorou muito para que ele se virasse e caminhasse até mim. Amigo ou inimigo? Seria ele o tal pólux? Não iria fugir, precisava de respostas, mesmo que doesse. 

— Hugo Davoglio, é um prazer vê-lo pessoalmente. - Ele disse segurando a minha mão e beijando-a.. - Sou seu pólux, Levi, e estou aos seus serviços meu lux

Aquela cena toda foi estranha. Se você olhasse só para as imagens em si, fui tratado igual a um duque. Mas, se analisasse a entonação de voz do tal Levi, aquilo era puro sarcasmo. Assim que ele terminou a frase, soltei a minha mão e recuei. Ele observou minha expressão de medo e deu um pequeno sorriso enquanto se levantava. Talvez estivesse começando um novo pesadelo. O que seria desta vez? Iria ser assassinado? Aquele rapaz ia se transformar em um amendoim gigante (minha pior alergia)? 

— Ora Hugo, não tema. Por mais que realmente não o queira aqui, não tenho a intenção de matá-lo nem nada do tipo. Fique tranquilo. - Ele disse e desta vez, o tom sarcástico sumiu. - Eu seria o mais prejudicado se algo de ruim acontecesse com você. 

Não posso negar que estava desconfortável. Frank disse que desde o início, era esse Levi que deveria estar comigo e não ele. Quais os motivos de ele só vir agora? Frank o definiu como muitas coisas e nenhuma delas era um elogio. Eu normalmente não fico preso às impressões dos outros, mas estava desconfiado. Todavia, mais que isso, sentia algo diferente dentro de mim em relação ao Levi, não sei se era bom ou ruim, era uma estranha familiaridade. Como se ele fosse parte de mim. Foi por isso talvez que decidi ver até onde aquela conversa ia levar em vez de procurar desesperadamente uma saída e fugir dali. 

— Mas que fique claro: você pode até ser o dono de cada pedaço meu. - Ele disse voltando a se aproximar de mim com um tom ameaçador. Essa frase me assustou, ela poderia encaixar-se bem em qualquer filme erótico. Se fosse isso, eu não queria ver para onde o diálogo ia levar. - Todavia, você está muito enganado se acha que vai fazer as coisas como bem entender. Estabeleceremos um… 

— Olha... Levi, né? Só para deixar claro: Se você estiver falando sobre relações... ilícitas, eu dispenso. - Curto e direto. Acho que essa era a melhor forma. Se bem que meu nível de experiência disso era zero.  

Silêncio. Nada mais era audível no salão. Levi encarava-me. No que será que estaria pensando? Claramente receoso - e com motivo - fui tentando procurar com os olhos algo naquele lugar que pudesse servir para eu me defender, caso o rapaz se aproximasse mais de mim. Felizmente, logo localizei uma das estantes de vidro que dentro abrigava apenas armas brancas: espada longa, espada curta, adaga, arco-e-flecha… O problema é que ela ficava no lado oposto do cômodo. Se quisesse chegar lá precisava agir rápido. 

Instantaneamente comecei a correr. Contudo, para o meu azar, Levi tinha reflexos bem melhores que os meus. Quando percebi, ele já estava no meu caminho, bem na minha frente. Senti meu braço sendo agarrado e, em poucos segundos, estava imobilizado pelo rapaz e com a boca tapada. Ele me encaminhava à força para o maior sofá do lugar. Debatia-me, mas era inútil, não conseguia me soltar. Precisaria recorrer a golpes sujos: cuspi na mão que tapava a minha boca. Foi o que bastou para a mão de Levi deixar a minha boca livre. 

— Me solte! - Exclamei. 

— Por que não? - Falou o rapaz.

Caí sentado no estofado. Era vermelho com os pés em dourado. Estilo rococó. Encolhi-me um pouco, preocupado com o que ele faria. Então, Levi soltou uma risada ao ver o meu estado. Como se estivesse se divertindo. Acho que agora estava começando a entender o porquê do Frank não gostar dele. Logo depois, ele aproximou o seu rosto do meu. 

— Você achou que eu iria… - Prefiro não dizer o restante das palavras que ele cochichou no meu ouvido me deixando com vergonha o suficiente para uma vida inteira. Feito isso, ele olhou para mim não conseguindo segurar uma gargalhada alta. - Sua cara agora quase fez compensar o fato de você vir parar aqui neste mundo. 

Após mais uma risada ele me deu espaço e sentou-se na poltrona ao lado do sofá. 

— Mas, felizmente, você entendeu tudo errado. - Ouvir isso foi um grande alívio. Mas ao mesmo tempo me fez ficar irritado, porque ele não precisava ter feito tudo aquilo que fez de me segurar à força e tal. - Parece que aquele mordomo enrustido não te explicou as partes mais importantes… O que você sabe até agora? 

De repente, estávamos tendo uma conversa normal. Levi era uma pessoa esquisita. Ele concentrou sua atenção em mim esperando uma resposta. Somente neste momento observei-o melhor: ele tinha olhos dourados brilhantes da mesma forma que os do Frank, mas os do dele - Levi - pareciam reluzir com mais intensidade. Seus cabelos loiros não eram completamente curtos, chegavam ao queixo e combinavam com a cor do terno amarelada com listras escuras. Sua pele era clara e contrastava com a blusa de dentro cor vinho. Ele sorria para mim, mas o que deveria estar pensando enquanto isso? Tinha medo de imaginar. 

— Ele falou sobre eu estar em um universo paralelo e ter sido submetido a um teste, sem o meu consentimento. - Resumi sentando-me relativamente mais relaxado. 

— Bem, falta te contar muita coisa então... Vou te dar uma aula sobre como funcionam as coisas aqui, calouro. - Disse ele se espreguiçando na poltrona de qualquer jeito com os braços estirados, completamente à vontade. - Afinal, não dá para fazermos um acordo sem você saber pelo menos o básico daqui.

— Acordo? - Perguntei desconfiado. 

— É. Você vai entender lux— Ele disse com uma tom debochado. - Mas ande logo, não temos muito tempo sobrando, solta aí algumas das suas dúvidas.

Ele parecia bem confortável com isso. 

— Por que você me chamou de “lux”? - Chega de rodeios. Curto e direto. 

— Ora, simples, porque é isso que você é. - Isso não era uma resposta. Ele percebeu a minha expressão insatisfeita e parecia muito feliz com isso. - Mesmo que eu não goste disso… Acredito que seria melhor de entender se eu fizer uso de outra maneira. 

Ele não parecia alguém bom em dar explicações. Em vez de dizer algo, ele se levantou e retirou a luva de uma das mãos. 

— Me mostre o passado. - Levi ordenou. Ele estava falando comigo? Se for, não parecia. Mas, uma coisa era fato: assim que ele proferiu isso, senti algo estranho dentro de mim...

Em seguida, ele iniciou um movimento com os pés, como se estivesse desenhando um círculo no tapete e no mesmo instante um pó amarelo cintilante começou a sair de sua mão e ocupar essa forma arredondada. Esse material era igual ao das criaturas que avistara da sacada. Então, Levi dirigiu a outra mão para dentro do terno retirando de lá um relógio de bolso. Era de bronze com números romanos rodeando a borda e no centro um coelho. Eu me lembrava daquele relógio, mas era impossível ele estar aqui. Não tinha como. Levi olhou para mim para ver a minha reação. 

— Mas o que… - Eu ia dizer até ele começar a mexer os ponteiros do objeto. 

— Só observe. - Levi falou.

Quando ele soltou os ponteiros, o pó no círculo que ele desenhou iniciou uma série de movimentos turbulentos até criar duas pessoas. Eu e Levi. O outro eu vestia o mesmo pijama que usava agora, com uma só diferença notável, era completamente dourado, igual àquela raposa e o pássaro que vi, com o outro Levi era a mesma coisa. Olhei para o verdadeiro Levi esperando uma explicação. 

— Espere e veja. - Ele disse voltando a sentar-se na poltrona e colocando o relógio no lugar. 

Sem muitas opções, voltei meu olhar para a cena: esse outro eu estava se debatendo enquanto Levi o arrastava. Os dois estavam se aproximando cada vez mais de mim. Mas, não pareciam me ver. Levantei-me e tentei tocar no meu eu dourado. E foi só então que eu percebi o que estava acontecendo: era como se os dois formassem um holograma do passado, quando Levi tinha me pegado à força e estava me levando para o sofá. 

— Me solte! - Exclamou o holograma meu depois de cuspir na mão do falso Levi.

— Por que não? - O outro respondeu. 

Era naquele momento em que o eu de pó cintilante ia cair em cima de mim. Entretanto, assim que ele ultrapassou o limite do círculo, toda a cena se desfez e os grânulos que bem poderiam ser feitos de ouro retornaram para a mão de Levi e desapareceram em seguida. O rapaz parecia muito feliz com o que acabara de fazer. 

Eu estava surpreso demais - e, curiosamente, com um pouco moleza - para comentar qualquer coisa. Aquilo era um truque de mágica, magia ou bruxaria? Era inacreditável. 

— Bem, adianto-lhe que isso não é nada do que possa estar pensando. - Advertiu o rapaz colocando a luva de volta na mão. - No seu mundo, nem os melhores truques de mágica podem fazer isso. Esses pontinhos brilhantes que acabou de ver são a essência de Invisiblia e de tudo originado nela, nós chamamos esse pó de pulvis. É quase como se fosse o átomo no seu mundo, isso se essa partícula fosse indivisível. 

— Ah. - Foi tudo o que eu consegui dizer. - E o que há com o relógio?

— Hehe, gostou? - Ele me olhou curioso para ver a minha reação, de novo, como se soubesse de alguma coisa. - Mas teremos que conversar sobre isso outra hora. Agora, me deixe continuar...

Aparentemente ele queria um monólogo. E não tinha dúvidas que ele se divertia com a curiosidade me corroendo. Após uma pausa para recuperar o fôlego ele continuou a falar. 

— Vocês, seres humanos, nascem com uma quantidade de pulvis que pode ser controlado pelas suas mentes. - Fiquei tentado a testar, mas com o que e como? Será que eu precisaria daquele relógio? Ou era só imaginar? Para excluir esta última, tentei pensar em como seria bom ter o meu celular comigo. Imaginei-o em cima da mesinha, com sua tela, a capinha neutra transparente… Mas, nada aconteceu. É, não era assim. O que havia de errado? O que eu precisava fazer? Levi pareceu não se importar com o meu olhar distraído e continuou falando. - Contudo, óbvio, vocês só podem realizar esse fato se estiverem aqui, em Invisiblia. Então, desde sempre, toda vez que uma pessoa entram em um sono profundo, uma espécie de fantasma, alma, espírito, energia dela ou seja lá como prefira chamar, consegue atravessar a barreira que separa os nossos universos. Quando isso ocorre, esse fantasma já é automaticamente transportado para o seu próprio Somnium um lugar onde fica todo o pulvis que pode controlar para vivenciar o que vocês chamam de sonho. 

Aquela explicação se encaixaria perfeitamente com qualquer história mitológica. Com uma ressalva: realmente soava como algo possível diante de hologramas dourados, raposas gigantes e um dirigível que deveria pesar mais que um shopping center voando pelo ar. 

— Quando os seres humanos dormem, acredito que você já tenha ouvido falar que a parte que reina é o inconsciente. E de fato é. Então o pulvis é manipulado para se transformar em todos aqueles eventos presenciados em um sonho. 

— E se alguém nunca teve um sonho? - Perguntei lembrando-me das divagações que tive antes de ir dormir. 

— Tipo você? - Falou Levi nenhum pouco surpreso com o meu questionamento. Ele não perdeu a chance de deixar um suspense e fez uma pausa para voltar a explicar. - A verdade é que uma parcela quase insignificante de humanos vivem fora desse padrão. Eles nunca sonharam, porque o seu pulvis transformou-se em um ser chamado pólux. Tal como eu. E esse grupo de humanos com essa anomalia são chamados de lux. Tal como você, Hugo.  

Eu poderia duvidar daquela história, porém o problema era que tudo parecia se encaixar perfeitamente… Então, se existia uma explicação assim, por que nunca me contaram? É verdade que soa meio absurdo, mas depois de tudo o que eu vi, é provável que seja verdade…. Então, fui distraído da minha crise existencial quando Levi me puxou pelo braço até ficarmos frente ao espelho com pés e moldura requintada que ficava um pouco mais ao fundo do salão. O que viria agora? Outra brincadeira de mal gosto? 

— Levi, o que você está fazendo? - Perguntei soltando o meu braço da mão dele. 

— Eu até te chamei,mas você estava distraído demais para me ouvir… Enfim, acho que você ainda não deve ter reparado na marca que tem no seu pescoço. - O tom sério com o qual ele disse isso impediu com que eu pensasse que pudesse ser uma brincadeira de mal gosto. 

Meu pijama de inverno cobria boa parte da minha garganta. Então, após desabotoar o primeiro botão e puxar a gola um pouco para o lado percebi que realmente havia algo no meu pescoço. Era uma tatuagem dourada da silhueta de um coelho  com um relógio de bolso em volta. Logo depois de Levi percebeu que eu notei a marca no meu corpo, ele olhou sua própria imagem no espelho. Então, afrouxou a gravata, afastou um pouco a gola da roupa e apontou-me o seu pescoço. Havia a mesma tatuagem dourada nele. 

— Isso é a minha marca de nascença. - Ele disse e por um instante pude sentir um certo pesar em sua voz. Tudo ficou em silêncio por alguns segundos. - E… Assim que você entrou em Invisiblia, você também adquiriu a mesma, para confirmar que eu sou o seu pólux, nascido do seu pulvis e você é o meu lux.  

Agora a frase “você pode até ser o dono de cada pedaço meu” fazia mais sentido. Mesmo assim, isso não justifica nenhuma das invasões dele ao meu espaço.  

— Certo, e o fato de eu ser o seu lux implica em quê? - Perguntei preocupado com o que ouviria a seguir. 

— Bem, significa que toda noite quando você estiver dormindo você vai vir aqui para Invisiblia trabalhar junto comigo e outros lux e seus respectivos pólux para deter umas criaturas chamadas nox. - Levi parecia completamente descontente. O que ele queria dizer com deter? - Eu não queria ter que fazer isso, mas é o único jeito por enquanto se quiser sobreviver...

De todas as bizarrices que ouvi até aqui, essa era, certamente, a pior de todas… Quero dizer, isso soava muito como os jogos virtuais que eu jogava, mas, agora, era diferente, porque eu fui forçado a jogar um jogo que não queria. Não queria, porque aquilo não era uma simulação. Tinha uma má impressão sobre tudo isso... Já não era o bastante eu nunca ter sonhado com o que quer que fosse, precisava de mais provações. Mesmo depois daquilo. Tudo o que eu queria agora era voltar para o meu quarto em Civitas Forward e fingir que nada disso estava acontecendo comigo. Mas, isso parecia longe de acontecer. 

— E se eu me recusar?

— Se essa opção fosse possível eu mesmo a teria escolhido e imposto-a para você. - Lamentou e por alguns momentos tudo ficou em silêncio. - Entretanto, deixe suas críticas, crises existenciais e preocupações para depois, porque você precisa vestir-se como um lux para encontrar o chefe. 


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Notas finais do capítulo

O capítulo de hoje foi nomeado com uma música do Of Monsters And Men: Yellow Light